Por Dom Zanoni Demettino Castro

Arcebispo de Feira de Santana

No momento em que se repercute a fala do ancora do Jornal da Globo quando anunciava o resultado das eleições nos Estados Unidos e fora flagrado numa declaração racial, nada respeitosa e profundamente preconceituosa, ao afirmar que o que o buzinaço que estava acontecendo naquele instante era “coisa de preto”, somos chamados, neste novembro negro,  a refletir sobre a vida, a fé, a cultura e a tradição do povo brasileiro afrodescendente, a refletir sobre “coisa de negro”.

Sob o manto de Nossa Senhora Aparecida os Bispos da América Latina e do Caribe, em sua V Conferência, constataram que a história dos afrodescendentes “tem sido atravessada por uma exclusão social, econômica, política e, sobretudo, racial, onde a identidade étnica é fator de subordinação social”(DAP96). Embora vivamos num novo tempo, numa nova época em que não se admitem etnocentrismos, xenofobismos e preconceitos, os afrodescendentes “são discriminados na inserção do trabalho, na qualidade e conteúdo da formação escolar, nas relações cotidianas”. As consequências dos 300 anos de escravidão ainda não foram suficientemente reparadas. Os números estatísticos são nítidos: há “um processo de ocultamento sistemático dos valores, da história e da cultura dos afrodescendentes (DAP 102) .A formação superior, que deveria ser um direito garantido a todos, tem sido uma meta quase impossível de ser alcançada, dificultando ao negro o acesso às esferas de decisão na sociedade” (DAP 533).

Esta realidade deve ser enfrentada. Como cristãos acreditamos que os valores do Reino de Deus são imprescindíveis no processo de gestação de um novo modelo cultural, quando os afrodescendentes  “assumindo uma atitude mais protagonista” conscientes do poder que têm nas mãos e da possibilidade de contribuírem na construção desse novo modelo cultural, a nova sociedade, justa e solidária(DAP 75), sinal do reino definitivo, anunciado e realizado por Jesus Cristo.

Nesta clima de reflexão e aprofundamento nos alegra a realização de dois grandes acontecimentos: o IX CONENC que acontecerá de 18 a 21 de janeiro de 2018 em Maringá no Paraná e o XIV EPA, Encontro de Pastoral Afro americana, em Cali na Colômbia com o tema “A espiritualidade Afro-americana e os desafios do século X

Creio que em nosso agradecimento a Deus, podemos fazer nossa a belíssima canção do Pe. Valmir Neves: “Senhor venho ofertar coisa de negro, coisa de negro, afinal, coisa de negro. O suor de cada dia, o peso de nosso trabalho, as mãos tomadas de calos, coisa de negro. O que faço não é certo. Meu grito nunca fez eco. Senhor, sou negro. E não nego. Venho ofertar minha dor. Senhor meu canto gemido. Dele nunca vou esquecer. Entre salmos e benditos. Venho vos oferecer.”

Peçamos à Maria, a Soberana Quilombola, Mãe de Deus e nossa Mãe, que neste ano em que comemoramos os 300 anos do encontro de sua imagem no Rio Paraíba, interceda por  nós a fim de que o compromisso com o povo negro, assumido na Quinta Conferencia de Aparecida, permaneça firme no horizonte evangelizador de toda a Igreja do Brasil.

Fonte: http://www.diocesedejuazeiro.com.br

O cardeal Peter Turkson, presidente do Conselho Pontífice de Justiça e Paz do Vaticano, se pronunciou em carta aos movimentos sociais brasileiros, que se reuniram em Mariana (MG) no início deste mês, reafirmando o comprometimento do Vaticano com as lutas populares por Terra, Teto e Trabalho. Conforme lembra o cardeal, o papado de Francisco entende o chamado três 'Ts' como direitos sagrados. A carta é publicada por Conselho Indigenista Missionário – CIMI, 13-06-2016.

Turkson se referiu às palavras do Papa Francisco ainda para ressaltar que os principais problemas mundiais só serão resolvidos pelas mãos dos humildes, ou seja, pela luta incessante de povos, comunidades e grupos sociais, em união, por uma nova conformação política e social, onde a economia esteja a serviço dos povos e a Mãe Terraseja respeitada.

Leia a carta na íntegra:

Irmãos e irmãs dos movimentos populares do Brasil:

Em nome do Conselho Pontífice de Justiça e Paz, saúdo a todos e todas. Lamento não ter acompanhado seu encontro onde retomam os debates e propostas de objetivos fixados em comum: que os três 'Ts' – Terra, Teto e Trabalho – sejam respeitados em toda Criação porque são, como assinala o Papa Francisco, direitos sagrados.

Que bonito gesto de realizar a reunião do Brasil em Mariana (MG), em solidariedade com as vítimas do paradigma tecnocrático que coloca a natureza a serviço da ganância. Sabemos que a contaminação da bacia do rio Doce e das comunidades que vivem em suas margens é grave. Os acompanhamos na busca de que crimes ambientais como esse não se repitam.

Sei que estão vivendo um momento crítico em seu país. Me vem à mente uma palavra fundamental: democracia. Vale a pena lutar, de forma pacífica e tenaz, por uma democracia plena e participativa.

Recordo as três tarefas que o Papa Francisco propôs a vós durantea reunião celebrada na Bolívia, em 2015: 1. Colocar a economia a serviço dos povos; 2. Unir os povos em busca da paz e da justiça; 3. Cuidar da Mãe Terra.

O Papa nos recordou que as soluções aos grandes problemas do mundonascem da criatividade das mãos dos humildes, de vossas mãos. Orem por ele e contem com as orações e o apoio deste Conselho Pontífice.

Graças a todos e todas que agem e que Deus os abençoe. Que o exemplo de Maria, sempre firme diante das adversidades, os inspirem a caminhar e cantar!

Roma, 3 de junho de 2016
Cardeal Peter K. A Turkson 
Presidente do Conselho Pontífice de Justiça e Paz

Fonte: http://www.ihu.unisinos.br

Frei Carlos Mesters, O. Carm

(Ano Litúrgico-A. Segunda-feira, dia 20)

1) Oração

Senhor nosso Deus, fazei que a nossa alegria consista em vos servir de todo o coração, pois só teremos felicidade completa, servindo a vós, o criador de todas as coisas. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.

2) Leitura do Evangelho   (Lucas 18, 35-43)

35Ao aproximar-se Jesus de Jericó, estava um cego sentado à beira do caminho, pedindo esmolas. 36Ouvindo o ruído da multidão que passava, perguntou o que havia. 37Responderam-lhe: É Jesus de Nazaré, que passa. 38Ele então exclamou: Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim! 39Os que vinham na frente repreendiam-no rudemente para que se calasse. Mas ele gritava ainda mais forte: Filho de Davi, tem piedade de mim! 40Jesus parou e mandou que lho trouxessem. Chegando ele perto, perguntou-lhe: 41Que queres que te faça? Respondeu ele: Senhor, que eu veja. 42Jesus lhe disse: Vê! Tua fé te salvou. 43E imediatamente ficou vendo e seguia a Jesus, glorificando a Deus. Presenciando isto, todo o povo deu glória a Deus. - Palavra da salvação.

3) Reflexão

*  O evangelho de hoje descreve a chegada de Jesus em Jericó. É a última parada antes da subida para Jerusalém, onde será realizado o “êxodo” de Jesus conforme tinha sido anunciado na sua Transfiguração (Lc 9,31) e nos avisos ao longo da caminhada até Jerusalém (Lc 9,44; 18,31-33).

*  Lucas 18,35-37: O cego à beira da estrada

            “Quando Jesus se aproximava de Jericó, um cego estava sentado à beira do caminho, pedindo esmolas. Ouvindo a multidão passar, ele perguntou o que estava acontecendo. Disseram-lhe que Jesus Nazareno passava por ali”. No evangelho de Marcos, o cego se chama Bartimeu (Mc 10,46). Por ser cego, ele não podia participar da procissão que acompanhava Jesus. Naquele tempo, havia muitos cegos na Palestina, pois o sol forte que bate na terra pedregosa embranquecida fazia mal aos olhos sem proteção.

*  Lucas 18,38-39: O grito do cego e a reação do povo

            “Então o cego gritou: "Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim!" Ele invoca Jesus sob o título de “Filho de Davi”. O catecismo daquela época ensinava que o messias seria da descendência de Davi, “filho de Davi”, messias glorioso. Jesus não gostava deste título. Citando o salmo messiânico, ele chegou a perguntar: “Como é que o messias pode ser filho de Davi se até o próprio Davi o chama de “meu Senhor” (Lc 20,41-44) ? O grito do cego incomodava o povo que acompanhava Jesus. Por isso, “as pessoas que iam na frente mandavam que ele ficasse quieto. Elas tentavam abafar o grito. Mas ele gritava mais ainda: "Filho de Davi, tem piedade de mim!" Até hoje, o grito dos pobres incomoda a sociedade estabelecida: migrantes, aidéticos, mendigos, refugiados, tantos!

*  Lucas 18,40-41: A reação de Jesus diante do grito do cego

E Jesus, o que faz? “Parou, e mandou que levassem o cego até ele. Os que queriam abafar o grito incômodo do pobre, agora, a pedido de Jesus, são obrigados a ajudar o pobre a chegar até Jesus. O evangelho de Marcos acrescenta que o cego largou tudo e foi até Jesus. Não tinha muito. Apenas um manto. Mas era o que tinha para cobrir o seu corpo (cf. Ex 22,25-26). Era a sua segurança, o seu chão! Também hoje Jesus escuta o grito calado dos pobres que nós, às vezes, não queremos escutar. Quando o cego chegou perto, Jesus perguntou: "O que quer que eu faça por você?" Não basta gritar. Tem que saber por que grita!  O cego respondeu: "Senhor, eu quero ver de novo."

*  Lucas 18,42-43: “Veja! Sua fé curou você!”

            ”Jesus disse: "Veja. A sua fé curou você." No mesmo instante, o cego começou a ver e seguia Jesus, glorificando a Deus. Vendo isso, todo o povo louvou a Deus”. O cego tinha invocado Jesus com ideias não inteiramente corretas, pois o título “Filho de Davi” não era muito bom. Mas ele teve mais fé em Jesus, do que nas suas próprias ideias sobre Jesus. Assinou em branco. Não fez exigências como Pedro (Mc 8,32-33). Soube entregar sua vida aceitando Jesus sem impor condições. A cura é fruto da sua fé em Jesus. Curado, ele segue Jesus e sobe com ele para Jerusalém. Deste modo, tornou-se discípulo modelo para todos nós que queremos “seguir Jesus no caminho” em direção a Jerusalém: acreditar mais em Jesus do que nas nossas ideias sobre Jesus! Nesta decisão de caminhar com Jesus está a fonte da coragem e a semente da vitória sobre a cruz. Pois a cruz não é uma fatalidade, nem uma exigência de Deus. Ela é a consequência do compromisso de Jesus, em obediência ao Pai, de servir aos irmãos e de recusar o privilégio.

*  A fé é uma força que transforma as pessoas

            A Boa Nova do Reino anunciada por Jesus era como um fertilizante. Fazia crescer a semente da vida que estava escondida no povo, escondida como fogo debaixo das cinzas das observâncias sem vida. Jesus soprou nas cinzas e o fogo acendeu, o Reino desabrochou e o povo se alegrou. A condição era sempre a mesma: crer em Jesus. A cura do cego esclarece um aspecto muito importante da nossa fé. Mesmo invocando Jesus com ideias não inteiramente corretas, o cego teve fé e foi curado! Converteu-se, largou tudo e seguiu Jesus no caminho para o Calvário! A compreensão plena do seguimento de Jesus não se obtém pela instrução teórica, mas sim pelo compromisso prático, caminhando com ele no caminho do serviço, desde a Galiléia até Jerusalém. Quem insiste em manter a ideia de Pedro, isto é, do Messias glorioso sem a cruz, nada vai entender de Jesus e nunca chegará a tomar a atitude do verdadeiro discípulo. Quem souber crer em Jesus e fazer a entrega de si (Lc 9,23-24), aceitar ser o último (Lc 22,26), beber o cálice e carregar sua cruz (Mt 20,22; Mc 10,38), este, como o cego, mesmo tendo ideias não inteiramente corretas, conseguirá enxergar e “seguirá Jesus no caminho” (Lc 18,43). Nesta certeza de caminhar com Jesus está a fonte da coragem e a semente da vitória sobre a cruz.

4) Para um confronto pessoal

1) Como vejo e sinto o grito dos pobres: migrantes, negros, aidéticos, mendigos, refugiados, tantos?

2) Como é a minha fé: fixo-me mais nas minhas ideias sobre Jesus ou em Jesus?

5) Oração final

Feliz quem não segue o conselho dos maus,

não anda pelo caminho dos pecadores

nem toma parte nas reuniões dos zombadores,

mas na lei do Senhor encontra sua alegria

e nela medita dia e noite. (Sl 1, 1-2)

Dom Genival Saraiva

Bispo Emérito de Palmares – PE

 

A população identifica a face do Brasil através de diversas variáveis sociais, estando aí compreendidas suas potencialidades, conquistas e mazelas. Em face dos problemas existentes, é muito comum ouvir-se comentário de pessoas simples ou de experts a respeito do potencial que tem o Brasil, para adotar políticas públicas que levem a um desenvolvimento igualitário, considerando-se sua diversidade regional, cultural, social, econômica.

De outro lado, lendo-se a história do País, são visíveis as conquistas em setores importantes da atividade social e econômica, muito embora muitas delas não sejam usufruídas por toda a população, como escola, hospital e transporte de qualidade.

Diferentemente das conquistas sociais, as mazelas sociais dizem respeito à população brasileira, como um todo. Tome-se como exemplo a realidade da violência social, em três frentes – homicídios, acidentes de trânsito, corrupção.

Os números são alarmantes, as estatísticas são estarrecedoras nesse terreno. Em relação à violência social, identificada nos homicídios, conforme dados recentemente divulgados pelo “Instituto de Pesquisa Econômica aplicada (IPEA) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FPSP)”, cerca de 60.000 (sessenta mil) pessoas foram assassinadas no Brasil, em 2014. Quando forem computados, os dados de 2017, seguramente, mostrarão o aumento desse número.

Torna-se uma comoção mundial saber que uma cidade de sessenta mil habitantes foi destruída por um terremoto. Também falaria muito ao sentimento popular se uma cidade de sessenta mil pessoas fosse riscada do mapa brasileiro por um fenômeno natural. Todavia, a população vai se acostumando com a “destruição” de uma cidade brasileira, a cada ano, por conta da violência social! As mortes provocadas por acidentes de trânsito continuam muito elevadas, mais de 40.000 (quarenta mil) por ano.

Chama a atenção um dado nessa estatística: são, aproximadamente, 12.000 (doze mil) mortes, por ano, decorrentes de acidentes de moto. Além do sofrimento que causam às famílias, as consequências sociais desse tipo de acidente também estão registradas de outras maneiras – hospitalização prolongada, pagamento de seguro obrigatório, de auxílio-acidente. No conjunto desses acidentes, destacam-se hoje os provocados por motos.

Por sua vez, a rubrica corrupção apresenta números preocupantes, absurdos, com valores subtraídos inescrupulosamente dos cofres públicos, por políticos e empresários, cujos efeitos são percebidos em todos os Estados do Brasil. A maioria da população sempre soube que a corrupção é prática secular no Brasil; no entanto, não esperava que chegasse aos patamares que estão sendo revelados pelas várias investigações, no âmbito da Justiça e da Polícia.

O crescente número de homicídios, a elevada estatística de acidentes de trânsito e o assalto aos recursos públicos pela corrupção político-empresarial constituem a causa maior do estado de insegurança e do sofrimento da população brasileira. Infelizmente, ninguém está isento desse mal – a violência social; diante desse perigo cotidiano – a violência do trânsito, ninguém está protegido; as suas consequências desse mal generalizado, a corrupção, atingem todas as famílias, particularmente, as mais pobres, e todas as comunidades, especialmente, as mais carentes.

Essas mazelas sociais são consequência da omissão e acomodação da população e resultado dos erros e abusos dos governantes. Assim, os números alarmantes e as estatísticas estarrecedoras da violência social exigem um posicionamento criterioso da população e uma mudança radical na conduta das autoridades constituídas, em vista da política do bem comum.

Fonte: https://paraibaonline.com.br

Francisco recordou na sua homilia que “todos somos mendigos do essencial, do amor de Deus que nos dá o sentido da vida e uma vida sem fim. Por isso, também hoje, estendemos a mão para Ele a fim de receber os seus dons”.

Reatando estas palavras ao Evangelho deste domingo em que São Mateus fala da parábola dos talentos, Francisco disse que aos olhos de Deus todos somos “talentosos”, ninguém, pode considerar-se inútil ou tão pobre que nada possa dar aos outros. “E Deus a cujos olhos nenhum filho pode ser descartado, confia uma missão a cada um”. E  como um Pai amoroso e exigente, Ele “responsabiliza-nos” e convida-nos através da parábola dos talentos a não nos comportarmos como o servo mau que recebeu o talento, enterrou-o e entregou-o depois tal e qual o recebera. O Papa chamou a esta atitude “omissão” e disse que não devemos ser como esse servo que no fundo não fez nada de mal. Porém, “não fazer nada de mal, não basta. Porque Deus não é um controlador à procura de bilhetes não timbrados. É um Pai à procura de filhos, a quem confiar os seus bens e seus projetos. E é triste, quando o Pai do amor não recebe uma generosa resposta de amor dos filhos, que se limitam a respeitar as regras, a cumprir os mandamentos, como empregados na casa do Pai”.

É verdadeiramente fiel a Deus aquele que não aceita deixar tudo como está e, por amor, arisca a vida pelos outros, não permanece indiferente, atitude que o Papa elucidou com estas palavras:

“É dizer “não me diz respeito, não é problema meu, é culpa da sociedade” É passar ao largo quando o irmão está em necessidade, é mudar logo de canal quando um problema sério nos indispõe, é também indignar-se com o mal, mas sem fazer nada. Deus, porém, não nos perguntará se sentimos justa indignação, mas se fizemos o bem.”

Agradar a Deus significa conhecê-lo através da sua Palavra, e o Evangelho deste domingo recorda-nos que o Senhor diz que quando fazemos o bem aos pequeninos é a Ele que o fazemos.

“Estes irmãos mais pequeninos, seus prediletos, são o faminto e o doente, o forasteiro e o recluso, o pobre e o abandonado, o doente sem ajuda e o necessitado descartado. Nos seus rostos, podemos imaginar impresso o rosto d’Ele”.

Através do pobre Jesus bate à nossa porte e pede-nos amor. Quando respondemos positivamente somos amigos fieis do Senhor. Deus tem em grande apreço a “mulher forte” que “estende os braços ao infeliz e abre a mão ao indigente” – disse Francisco indicando nesta atitude a verdadeira fortaleza:

“Esta é a verdadeira fortaleza: não punhos cerrados e braços cruzados, mas mãos operosas e estendidas aos pobres, à carne ferida do Senhor”.

Francisco continuou afirmando que nos pobres manifesta-se a presença de Jesus entre nós, Ele que se fez pobre, por isso na fragilidade dos pobres há uma “força salvífica”. São eles que nos abrem o caminho para o Céu e nós temos o “dever evangélico” de cuidar deles e de o fazer não só dando o pão, mas repartindo com o eles o Pão da Palavra (…). “Amar o pobre significa lutar contra todas as pobres, espirituais e materiais”. O amor ao próximo é o que conta verdadeiramente. E temos diante de nós uma escolha – disse a concluir o Papa: “viver para ter tudo na terra ou dar para ganhar o Céu. Para o Céus, não vale o que se tem na terra, mas o que se dá e “quem amontoa para si não é rico em relação a Deus” . Então, sublinhou ainda o Papa: “não busquemos o supérfluo para nós, mas o bem para os outros , e nada de precioso nos faltará”. E rematou:

“O Senhor, que tem compaixão das nossas pobrezas e nos reveste dos seus talentos, nos conceda a sabedoria de procurar o que conta e a coragem de amar, não com palavras, mas com obras”. Fonte: http://br.radiovaticana.va

Dom Walmor Oliveira de Azevedo

Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte

O Dia Mundial dos Pobres, 19 de novembro, instituído pelo Papa Francisco, deve soar como denúncia profética, diante da inexistência de prioridade nos cuidados dedicados aos que sofrem. O descaso com o sofrimento dos pobres é a origem da multiplicação de vergonhosos cenários na sociedade contemporânea. O desafio para mudar esta cruel realidade é de todos, principalmente de quem professa a fé em Jesus Cristo. O Papa Francisco lembra a forte palavra da Primeira Carta de São João quando destaca a recomendação fundamental: “Não amemos com palavras nem com a boca, mas com obras e com verdade”. Crer é amar, e o amor não admite álibis, diz o Papa Francisco. Só há um caminho para viver, de modo autêntico, a fé cristã: assumir o exemplo de Jesus e amar os pobres. Algo bem diferente do que fazem muitos daqueles que se dizem cristãos, mas deixam para segundo plano as necessidades de quem precisa de ajuda.

O amor cristão nada tem a ver com a demagogia de atos eleitoreiros, com a busca de visibilidade e reconhecimento pessoal. Menos ainda se relaciona com a tendência antiquada e antipática de tratar os pobres como reféns, buscando atender, “a conta gotas”, a suas necessidades. É preciso ter vergonha de tratar os pobres simplesmente como destinatários de algo, sem reconhecer a dignidade e o valor da vida de cada pessoa. Incontestavelmente, o amor aos pobres é mais que dever, constitui remédio para o coração: vivenciá-lo leva à cura das indiferenças que comprometem a paz. O amor aos pobres gera equilíbrio, possibilita reconhecer o sentido e o valor do outro. Esse sentido, com frequência, é obscurecido pela mesquinhez, por confortos e interesses egoístas, obstáculos que impedem compreender o próximo como irmão ou irmã.

Sábia e revolucionária é a recomendação do Papa Francisco: não se pode considerar os pobres simplesmente como alvos de um trabalho voluntário, praticado uma vez ou outra, improvisadamente. É preciso muito mais, pois a consciência social e moral da humanidade parece estar anestesiada, insensível diante dos que sofrem. Tem gente que cresce, avança nas conquistas, adquire conhecimento acadêmico, elaborando entendimentos sobre o mundo e a vida, mas permanece distante da dura realidade dos mais pobres. Consequentemente toda a humanidade perde, pois a sacralidade da dignidade humana é desconsiderada. E os desdobramentos dessa situação ficam cada vez mais evidentes, entre outros aspectos, no crescimento das muitas formas de violência que devastam, avassaladoramente, a sociedade.

A caridade, pela experiência da fé, e o sentido de partilha, pelo qualificado exercício da cidadania, têm força corretiva e formativa do caráter de cada pessoa. Contribuem ainda para que todos se percebam integrantes de uma coletividade, superando o individualismo egoísta. A caridade e a partilha são, assim, o caminho para superar tantos desrespeitos, inclusive a falta de indignação diante das desigualdades que desfiguram a sociedade. Por isso, sublinha o Papa Francisco, é preciso estender a mão aos pobres, encontrá-los, fixá-los nos olhos, abraçá-los, para lhes fazer sentir o calor do amor que rompe o círculo da solidão. Eis o remédio que cura a indiferença, esse mal que adoece e mata. A caridade e a partilha podem devolver ao coração uma sabedoria cuja especialidade vem do encantamento pelo outro.

A pobreza convida cada pessoa a sair de certezas e comodidades que alimentam a mesquinhez e desgastam o valor essencial de ser altruísta. Por isso, mesmo com o passar dos séculos, continua exemplar a trajetória de São Francisco de Assis, testemunha da pobreza genuína. A fé deste Santo, ao fixar o seu olhar em Cristo, aponta o caminho de uma contribuição que pode ter força para mudar a história da humanidade, em meio a tantas contradições, abrindo caminhos para o verdadeiro e integral desenvolvimento humano. Sem a coragem audaciosa para erguer os pobres de seu estado de marginalização, com uma escuta amorosa e humilde do grito de quem sofre, não se dará rumo novo à sociedade, que continuará imersa nos esquemas de corrupção, nas manipulações e descalabros.

A exigência primeira para sair desse cenário desolador é criar proximidade com os inúmeros rostos marcados pelo sofrimento, opressão, violências, torturas e marginalização. Os cidadãos e cidadãs precisam de uma nova visão de vida, para vencer a miséria moral e a passiva conivência com todo tipo de injustiça. Será um verdadeiro Dia dos Pobres, passo adiante da sociedade em direção ao bem e à justiça, se esta data – 19 de novembro – for oportunidade para incomodar-se com a acumulação de riquezas nas mãos de poucos privilegiados, com a exploração humana e com as ilegalidades que acentuam a pobreza. A celebração do Dia Mundial dos Pobres contribua, assim, para efetivar o sonho de um mundo marcado por qualificado e amoroso voluntariado – todos unidos na luta terapêutica pela edificação de uma sociedade solidária, de equilíbrio, justiça e paz. Fonte: http://arquidiocesebh.org.br

Os últimos, os frágeis, os homens e as mulheres dos quais a dignidade é pisoteada todos os dias. Para eles, será celebrado, no próximo domingo, 19 de novembro, o 1º Dia Mundial dos Pobres no Vaticano. Um evento fortemente desejado pelo Papa Francisco na conclusão do Jubileu da Misericórdia e organizado pelo Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, que reunirá 4.000 pessoas necessitadas, carentes e pobres na Basílica de São Pedro para a missa com o pontífice às 10h (hora de Roma). A reportagem foi publicada por Vatican Insider, 14-11-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Todos serão acompanhados pelos membros das associações de voluntariado provenientes não só de Roma e do Lácio, mas também de diversas dioceses do mundo (como Paris, Lyon, Nantes, Angers, Beauvais, Varsóvia, Cracóvia, Solsona, Malines-Bruxelas e Luxemburgo).

Após a missa com o papa, 1.500 pobres serão acolhidos na Sala Paulo VI, para participar de um almoço festivo com o Papa Bergoglio. O momento será animado pela Banda da Gendarmeria Vaticana e pelo coro Le Dolci Note, composto por crianças de 5 a 14 anos.

Os outros 2.500, por sua vez, serão transferidos para refeitórios, seminários e colégios católicos em Roma (Pontifício Colégio Americano do Norte, Colégio Apostólico Leoniano, refeitórios do Círculo de São Pedro, refeitório da Cáritas Roma, Comunidade de Santo Egídio, Pontifício Seminário Romano Menor, Pontifício Ateneu Regina Apostolorum) para também participar de um almoço festivo.

Os pobres serão servidos por 40 diáconos da diocese de Roma e por cerca de 150 voluntários provenientes das paróquias de outras dioceses. O menu que o restaurante Al Pioppeto, de Sergio Dussin, servirá na Sala Paulo VI será composto por nhoques da Sardenha com tomates, azeitonas e queijo Collina Veneta, costeletas de vitela com legumes, polenta e brócolis de Bassano, tiramisú veneziano, água, suco de laranja e café.

O Dicastério para a Nova Evangelização, de acordo com um comunicado, dirigiu-se a algumas associações de voluntariado, como a Cáritas, Comunidade de Santo Egídio, Ordem de Malta, Nuovi Orizzonti, Comunidade João XXIII, Associação Fratello 2016, Obras Antonianas de Roma, ACLI, Grupos Vincentinos de Voluntariado.

E também foram envolvidas as realidades próximas das pessoas marginalizadas e das paróquias, para que conseguissem envolver todos os necessitados nesse dia. Foi generosa a resposta de todos esses institutos, que ofereceram um apoio valioso na organização.

Entre as iniciativas em preparação ao evento, deve-se ressaltar o Presidio Sanitario Solidale, ativo – de segunda-feira, 13, a domingo, 19 de novembro, das 9h às 16h – na Praça Pio XII. Nessa área médica, serão realizadas, gratuitamente, para todos aqueles que pedirem, análises clínicas, consultas médicas especializadas de cardiologia, dermatologia, infectologia, ginecologia e andrologia.

Na véspera do evento, sábado, 18, às 20h (hora de Roma), na Basílica de São Lourenço Fora dos Muros – deliberadamente escolhida pela referência ao santo diácono de Roma, que, ao imperador que lhe pediu as riquezas da Igreja, apresentou os pobres, dizendo: “Estes são os verdadeiros tesouros da Igreja” – será celebrada uma vigília de oração pelo mundo do voluntariado, que, todos os dias, no silêncio do seu compromisso, oferecem alívio e alegria a tantos pobres.

Na preparação do 1º Dia dos Pobres, foi preparado um subsídio pastoral, intitulado “Não amemos com palavras, mas com obras”, traduzido para seis idiomas. Na Itália e no restante do mundo, as dioceses e as paróquias acolheram com entusiasmo o convite do Papa Francisco, com muitas iniciativas em favor das pessoas menos favorecidas. Fonte: http://www.ihu.unisinos.br

MENSAGEM DO SANTO PADRE FRANCISCO 
PARA O I DIA MUNDIAL DOS POBRES

XXXIII DOMINGO DO TEMPO COMUM. (19 DE NOVEMBRO DE 2017)

«Não amemos com palavras, mas com obras»

  1. «Meus filhinhos, não amemos com palavras nem com a boca, mas com obras e com verdade» (1 Jo3, 18). Estas palavras do apóstolo João exprimem um imperativo de que nenhum cristão pode prescindir. A importância do mandamento de Jesus, transmitido pelo «discípulo amado» até aos nossos dias, aparece ainda mais acentuada ao contrapor as palavras vazias,que frequentemente se encontram na nossa boca, às obras concretas, as únicas capazes de medir verdadeiramente o que valemos. O amor não admite álibis: quem pretende amar como Jesus amou, deve assumir o seu exemplo, sobretudo quando somos chamados a amar os pobres. Aliás, é bem conhecida a forma de amar do Filho de Deus, e João recorda-a com clareza. Assenta sobre duas colunas mestras: o primeiro a amar foi Deus (cf. 1 Jo 4, 10.19); e amou dando-Se totalmente, incluindo a própria vida (cf. 1 Jo 3, 16).Um amor assim não pode ficar sem resposta. Apesar de ser dado de maneira unilateral, isto é, sem pedir nada em troca, ele abrasa de tal forma o coração, que toda e qualquer pessoa se sente levada a retribuí-lo não obstante as suas limitações e pecados. Isto é possível, se a graça de Deus, a sua caridade misericordiosa, for acolhida no nosso coração a pontos de mover a nossa vontade e os nossos afetos para o amor ao próprio Deus e ao próximo. Deste modo a misericórdia, que brota por assim dizer do coração da Trindade, pode chegar a pôr em movimento a nossa vida e gerar compaixão e obras de misericórdia em prol dos irmãos e irmãs que se encontram em necessidade.
  2. «Quando um pobre invoca o Senhor, Ele atende-o» (Sl34/33, 7). A Igreja compreendeu, desde sempre, a importância de tal invocação. Possuímos um grande testemunho já nas primeiras páginas do Atos dos Apóstolos, quando Pedro pede para se escolher sete homens «cheios do Espírito e de sabedoria» (6, 3), que assumam o serviço de assistência aos pobres. Este é, sem dúvida, um dos primeiros sinais com que a comunidade cristã se apresentou no palco do mundo: o serviço aos mais pobres. Tudo isto foi possível, por ela ter compreendido que a vida dos discípulos de Jesus se devia exprimir numa fraternidade e numa solidariedade tais, que correspondesse ao ensinamento principal do Mestre que tinha proclamado os pobres bem-aventurados herdeiros do Reino dos céus (cf. Mt5, 3).

«Vendiam terras e outros bens e distribuíam o dinheiro por todos, de acordo com as necessidades de cada um» (At 2, 45). Esta frase mostra, com clareza, como estava viva nos primeiros cristãos tal preocupação. O evangelista Lucas – o autor sagrado que deu mais espaço à misericórdia do que qualquer outro – não está a fazer retórica, quando descreve a prática da partilha na primeira comunidade. Antes pelo contrário, com a sua narração, pretende falar aos fiéis de todas as gerações (e, por conseguinte, também à nossa), procurando sustentá-los no seu testemunho e incentivá-los à ação concreta a favor dos mais necessitados. E o mesmo ensinamento é dado, com igual convicção, pelo apóstolo Tiago, usando expressões fortes e incisivas na sua Carta: «Ouvi, meus amados irmãos: porventura não escolheu Deus os pobres segundo o mundo para serem ricos na fé e herdeiros do Reino que prometeu aos que O amam? Mas vós desonrais o pobre. Porventura não são os ricos que vos oprimem e vos arrastam aos tribunais? (…) De que aproveita, irmãos, que alguém diga que tem fé, se não tiver obras de fé? Acaso essa fé poderá salvá-lo? Se um irmão ou uma irmã estiverem nus e precisarem de alimento quotidiano, e um de vós lhes disser: “Ide em paz, tratai de vos aquecer e matar a fome”, mas não lhes dais o que é necessário ao corpo, de que lhes aproveitará? Assim também a fé: se ela não tiver obras, está completamente morta» (2, 5-6.14-17).

  1. Contudo, houve momentos em que os cristãos não escutaram profundamente este apelo, deixando-se contagiar pela mentalidade mundana. Mas o Espírito Santo não deixou de os chamar a manterem o olhar fixo no essencial. Com efeito, fez surgir homens e mulheres que, de vários modos, ofereceram a sua vida ao serviço dos pobres. Nestes dois mil anos, quantas páginas de história foram escritas por cristãos que, com toda a simplicidade e humildade, serviram os seus irmãos mais pobres, animados por uma generosa fantasia da caridade!

Dentre todos, destaca-se o exemplo de Francisco de Assis, que foi seguido por tantos outros homens e mulheres santos, ao longo dos séculos. Não se contentou com abraçar e dar esmola aos leprosos, mas decidiu ir a Gúbio para estar junto com eles. Ele mesmo identificou neste encontro a viragem da sua conversão: «Quando estava nos meus pecados, parecia-me deveras insuportável ver os leprosos. E o próprio Senhor levou-me para o meio deles e usei de misericórdia para com eles. E, ao afastar-me deles, aquilo que antes me parecia amargo converteu-se para mim em doçura da alma e do corpo» (Test 1-3: FF 110). Este testemunho mostra a força transformadora da caridade e o estilo de vida dos cristãos.

Não pensemos nos pobres apenas como destinatários duma boa obra de voluntariado, que se pratica uma vez por semana, ou, menos ainda, de gestos improvisados de boa vontade para pôr a consciência em paz. Estas experiências, embora válidas e úteis a fim de sensibilizar para as necessidades de tantos irmãos e para as injustiças que frequentemente são a sua causa, deveriam abrir a um verdadeiro encontro com os pobres e dar lugar a uma partilha que se torne estilo de vida. Na verdade, a oração, o caminho do discipulado e a conversão encontram, na caridade que se torna partilha, a prova da sua autenticidade evangélica. E deste modo de viver derivam alegria e serenidade de espírito, porque se toca com as mãos a carne de Cristo. Se realmente queremos encontrar Cristo, é preciso que toquemos o seu corpo no corpo chagado dos pobres, como resposta à comunhão sacramental recebida na Eucaristia. O Corpo de Cristo, partido na sagrada liturgia, deixa-se encontrar pela caridade partilhada no rosto e na pessoa dos irmãos e irmãs mais frágeis. Continuam a ressoar de grande atualidade estas palavras do santo bispo Crisóstomo: «Queres honrar o corpo de Cristo? Não permitas que seja desprezado nos seus membros, isto é, nos pobres que não têm que vestir, nem O honres aqui no tempo com vestes de seda, enquanto lá fora O abandonas ao frio e à nudez» (Hom. in Matthaeum, 50, 3: PG 58).

Portanto somos chamados a estender a mão aos pobres, a encontrá-los, fixá-los nos olhos, abraçá-los, para lhes fazer sentir o calor do amor que rompe o círculo da solidão. A sua mão estendida para nós é também um convite a sairmos das nossas certezas e comodidades e a reconhecermos o valor que a pobreza encerra em si mesma.

  1. Não esqueçamos que, para os discípulos de Cristo, a pobreza é, antes de mais, uma vocação a seguir Jesus pobre. É um caminho atrás d’Ele e com Ele: um caminho que conduz à bem-aventurança do Reino dos céus (cf. Mt5, 3; Lc6, 20). Pobreza significa um coração humilde, que sabe acolher a sua condição de criatura limitada e pecadora, vencendo a tentação de omnipotência que cria em nós a ilusão de ser imortal. A pobreza é uma atitude do coração que impede de conceber como objetivo de vida e condição para a felicidade o dinheiro, a carreira e o luxo. Mais, é a pobreza que cria as condições para assumir livremente as responsabilidades pessoais e sociais, não obstante as próprias limitações, confiando na proximidade de Deus e vivendo apoiados pela sua graça. Assim entendida, a pobreza é o metro que permite avaliar o uso correto dos bens materiais e também viver de modo não egoísta nem possessivo os laços e os afetos (cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 25-45).

Assumamos, pois, o exemplo de São Francisco, testemunha da pobreza genuína. Ele, precisamente por ter os olhos fixos em Cristo, soube reconhecê-Lo e servi-Lo nos pobres. Por conseguinte, se desejamos dar o nosso contributo eficaz para a mudança da história, gerando verdadeiro desenvolvimento, é necessário escutar o grito dos pobres e comprometermo-nos a erguê-los do seu estado de marginalização. Ao mesmo tempo recordo, aos pobres que vivem nas nossas cidades e nas nossas comunidades, para não perderem o sentido da pobreza evangélica que trazem impresso na sua vida.

  1. Conhecemos a grande dificuldade que há, no mundo contemporâneo, de poder identificar claramente a pobreza. E todavia esta interpela-nos todos os dias com os seus inúmeros rostos marcados pelo sofrimento, pela marginalização, pela opressão, pela violência, pelas torturas e a prisão, pela guerra, pela privação da liberdade e da dignidade, pela ignorância e pelo analfabetismo, pela emergência sanitária e pela falta de trabalho, pelo tráfico de pessoas e pela escravidão, pelo exílio e a miséria, pela migração forçada. A pobreza tem o rosto de mulheres, homens e crianças explorados para vis interesses, espezinhados pelas lógicas perversas do poder e do dinheiro. Como é impiedoso e nunca completo o elenco que se é constrangido a elaborar à vista da pobreza, fruto da injustiça social, da miséria moral, da avidez de poucos e da indiferença generalizada!

Infelizmente, nos nossos dias, enquanto sobressai cada vez mais a riqueza descarada que se acumula nas mãos de poucos privilegiados, frequentemente acompanhada pela ilegalidade e a exploração ofensiva da dignidade humana, causa escândalo a extensão da pobreza a grandes sectores da sociedade no mundo inteiro. Perante este cenário, não se pode permanecer inerte e, menos ainda, resignado. À pobreza que inibe o espírito de iniciativa de tantos jovens, impedindo-os de encontrar um trabalho, à pobreza que anestesia o sentido de responsabilidade, induzindo a preferir a abdicação e a busca de favoritismos, à pobreza que envenena os poços da participação e restringe os espaços do profissionalismo, humilhando assim o mérito de quem trabalha e produz: a tudo isso é preciso responder com uma nova visão da vida e da sociedade.

Todos estes pobres – como gostava de dizer o Beato Paulo VI – pertencem à Igreja por «direito evangélico» (Discurso de aberturana II Sessão do Concílio Ecuménico Vaticano II, 29/IX/1963) e obrigam à opção fundamental por eles. Por isso, benditas as mãos que se abrem para acolher os pobres e socorrê-los: são mãos que levam esperança. Benditas as mãos que superam toda a barreira de cultura, religião e nacionalidade, derramando óleo de consolação nas chagas da humanidade. Benditas as mãos que se abrem sem pedir nada em troca, sem «se» nem «mas», nem «talvez»: são mãos que fazem descer sobre os irmãos a bênção de Deus.

  1. No termo do Jubileu da Misericórdia, quis oferecer à Igreja o Dia Mundial dos Pobres, para que as comunidades cristãs se tornem, em todo o mundo, cada vez mais e melhor sinal concreto da caridade de Cristo pelos últimos e os mais carenciados. Quero que, aos outros Dias Mundiais instituídos pelos meus Predecessores e sendo já tradição na vida das nossas comunidades, se acrescente este, que completa o conjunto de tais Dias com um elemento requintadamente evangélico, isto é, a predileção de Jesus pelos pobres.

Convido a Igreja inteira e os homens e mulheres de boa vontade a fixar o olhar, neste dia, em todos aqueles que estendem as suas mãos invocando ajuda e pedindo a nossa solidariedade. São nossos irmãos e irmãs, criados e amados pelo único Pai celeste. Este Dia pretende estimular, em primeiro lugar, os crentes, para que reajam à cultura do descarte e do desperdício, assumindo a cultura do encontro. Ao mesmo tempo, o convite é dirigido a todos, independentemente da sua pertença religiosa, para que se abram à partilha com os pobres em todas as formas de solidariedade, como sinal concreto de fraternidade. Deus criou o céu e a terra para todos; foram os homens que, infelizmente, ergueram fronteiras, muros e recintos, traindo o dom originário destinado à humanidade sem qualquer exclusão.

  1. Desejo que, na semana anterior ao Dia Mundial dos Pobres– que este ano será no dia 19 de novembro, XXXIII domingo do Tempo Comum –, as comunidades cristãs se empenhem na criação de muitos momentos de encontro e amizade, de solidariedade e ajuda concreta. Poderão ainda convidar os pobres e os voluntários para participarem, juntos, na Eucaristia deste domingo, de modo que, no domingo seguinte, a celebração da Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo resulte ainda mais autêntica. Na verdade, a realeza de Cristo aparece em todo o seu significado precisamente no Gólgota, quando o Inocente, pregado na cruz, pobre, nu e privado de tudo, encarna e revela a plenitude do amor de Deus. O seu completo abandono ao Pai, ao mesmo tempo que exprime a sua pobreza total, torna evidente a força deste Amor, que O ressuscita para uma vida nova no dia de Páscoa.

Neste domingo, se viverem no nosso bairro pobres que buscam proteção e ajuda, aproximemo-nos deles: será um momento propício para encontrar o Deus que buscamos. Como ensina a Sagrada Escritura (cf. Gn 18, 3-5; Heb 13, 2), acolhamo-los como hóspedes privilegiados à nossa mesa; poderão ser mestres, que nos ajudam a viver de maneira mais coerente a fé. Com a sua confiança e a disponibilidade para aceitar ajuda, mostram-nos, de forma sóbria e muitas vezes feliz, como é decisivo vivermos do essencial e abandonarmo-nos à providência do Pai.

  1. Na base das múltiplas iniciativas concretas que se poderão realizar neste Dia, esteja sempre a oração. Não esqueçamos que o Pai Nosso é a oração dos pobres. De facto, o pedido do pão exprime o abandono a Deus nas necessidades primárias da nossa vida. Tudo o que Jesus nos ensinou com esta oração exprime e recolhe o grito de quem sofre pela precariedade da existência e a falta do necessário. Aos discípulos que Lhe pediam para os ensinar a rezar, Jesus respondeu com as palavras dos pobres que se dirigem ao único Pai, em quem todos se reconhecem como irmãos. O Pai Nosso é uma oração que se exprime no plural: o pão que se pede é «nosso», e isto implica partilha, comparticipação e responsabilidade comum. Nesta oração, todos reconhecemos a exigência de superar qualquer forma de egoísmo, para termos acesso à alegria do acolhimento recíproco.
  2. Aos irmãos bispos, aos sacerdotes, aos diáconos – que, por vocação, têm a missão de apoiar os pobres –, às pessoas consagradas, às associações, aos movimentos e ao vasto mundo do voluntariado, peço que se comprometam para que, com este Dia Mundial dos Pobres,se instaure uma tradição que seja contribuição concreta para a evangelização no mundo contemporâneo.

Que este novo Dia Mundial se torne, pois, um forte apelo à nossa consciência crente, para ficarmos cada vez mais convictos de que partilhar com os pobres permite-nos compreender o Evangelho na sua verdade mais profunda. Os pobres não são um problema: são um recurso de que lançar mão para acolher e viver a essência do Evangelho.

Vaticano, Memória de Santo António de Lisboa, 13 de junho de 2017.

Franciscus

Fonte: https://w2.vatican.va

Nesta quarta-feira, 15 de novembro, celebra-se os 128 anos de proclamação da República. O secretário-geral da CNBB, dom Leonardo Steiner, concedeu entrevista à equipe de assessoria de imprensa sobre o significado da data.

A República Brasileira foi proclamada como resultado de um levante político-militar que deu ao Brasil a forma republicana federativa presidencialista do governo no Brasil, derrubando a monarquia constitucional parlamentarista do Império do Brasil e, por causa disso, colocou um final no comando político do imperador D. Pedro II.

Confira entrevista.

Celebra-se o dia da Proclamação da República em meio a uma grave crise geral no Brasil. Na opinião do senhor, em que pé está a prática republicana no Brasil?

Nossa compreensão sobre a República é tirada do mundo dos gregos antigos e tem significado muito simples e acessível a qualquer pessoa que queira fazer uma séria reflexão sobre a vida pública no Brasil: é republicano tudo o que favorece o bem comum e não a interesses de grupos ou de pessoas. A palavra republica diz: res-publica, a coisa pública, o que é da responsabilidade de todos, o que está a serviço de todos. Percebemos que valores do público, do comum como a ética, foram deixados de lado. Os antigos diziam que governar é a maior de todas as artes. Maior porque está no cuidado de todos e de tudo e não de grupos ou do mercado. Nesse sentido temos uma responsabilidade com a res-publica. Percebemos como a crise é do descuidado para com a República.

Nesse sentido podemos lembrar o Beato Paulo VI, que na Encíclica Populorum Progressio, publicada há cinquenta anos, recordava o propósito inspirador de formas de governo: “Trata-se de construir um mundo em que todos os homens, sem exceção de raça, religião ou nacionalidade, possam viver uma vida plenamente humana, livre de servidões que lhe vêm dos homens e de uma natureza mal domada; um mundo em que a liberdade não seja uma palavra vã”. A prática republicana, se quisermos nos expressar assim, necessita dessas características fundamentais para permanentemente dinamizar e maturar a República. República não é algo pronto, exige a participação e cuidado dos cidadãos em cada época. Teríamos, então a República como como expressão viva das pessoas livres que são ouvidas, representadas e respeitadas, isto é, democraticamente ativas.

Em comentários de domínio público entre personagens da política que passaram por situações suspeitas existe a presença da expressão de que a conversa entre eles foi “republicana”. Para o senhor, o que é um diálogo republicano?

É republicano um diálogo que respeite, com rigor, os princípios da honestidade, da ética pública e da fidelidade aos interesses da sociedade. Um diálogo profundamente marcado pela integridade pessoal e pela disposição em buscar soluções para os problemas postos na lida correta da política. Não é republicana nenhuma conversa que trate de vantagens pessoais ou para grupos familiares ou partidários em relação ao trato do dinheiro do contribuinte, ou seja, o que costumam chamar de recurso público. Quando o diálogo republicano dá lugar aos acordos para garantir interesses que não sejam aqueles defendidos pelo conjunto da população, estabelece-se a corrupção seja ela econômica ou moral. Quando pessoas ou grupos se permitem o direito de intervir em instâncias do poder público para retirar delas qualquer tipo de vantagem está aberto o caminho da corrupção ativa e passiva e ganha protagonismo corruptores e os corrompidos.

O Papa Francisco falou sobre corrupção a parlamentares italianos que se mobilizam contra a máfia afirmando que ela tem uma natureza contagiosa e parasitária, porque não se nutre do que de bom produz, mas do que subtrai e rouba. O que o senhor pensa ser possível aplicar dessa palavra do Papa na situação vivida atualmente na república brasileira?

O Papa Francisco falava de uma circunstância bem precisa dentro do universo da república italiana e não se pode, pura e simplesmente, aplicar a situações diferentes, mas é claro que suas palavras têm um alcance maior por se tratar de um fenômeno que, infelizmente, se encontra em muitos países do mundo.

Quando ele fala da natureza contagiosa da corrupção, por exemplo, pode-se notar que é um fato que se verifica na realidade brasileira. Na verdade, o sistema político brasileiro está contaminado pela corrupção. E isso transcende o tempo republicano para alcança os primórdios da nossa sociedade. Uma pena é que essa contaminação atravessou os séculos e insiste em ir dominando governos, legislaturas e tantas outras instâncias de poder retirando do povo brasileiro seus recursos mais essenciais. A corrupção no Brasil, como diz o Papa, também tem seu caráter parasitário porque se alimenta do que os corruptos roubam do povo. Desse modo, a corrupção humilha o povo brasileiro que precisa de habitação, alimentação, saúde, segurança e educação.

A corrupção solapa tudo o que de possível poderia ser realizado com os recursos que saem do bolso do povo, especialmente do povo mais pobre. Já passou da hora de deixarmo-nos atrair pela ética e debater as raízes da corrupção para ser enfrentada no nosso país. A CNBB tem insistido em seus pronunciamentos oficiais em três caminhos para cuidar da res-publica e, por isso, enfrentar a corrupção generalizada: o resgate da ética para garantir lisura no modo de lidar com os valores religiosos e morais, como também com os recursos que são do povo e devem ser aplicados em serviços para a população; uma reforma política abrangente que envolva as eleições, o dinâmica democrática da Legislativo, Executivo e Judiciário; a participação da sociedade inteira nos debates e nas decisões sobre os principais temas nacionais.

Nesse momento de crise, no entanto, percebemos um movimento quase silencioso de diversos grupos na sociedade que busca debater e refletir o momento da nossa República. São pessoas que percebem a natureza “contagiosa e parasitária” da corrupção nos diversos âmbitos da sociedade e assumem a responsabilidade como cidadãos de buscar caminhos para a Republica. Se debate e reflete a ética, a democracia, a economia, a educação, a segurança, a saúde. Acontece diálogo! São pessoas que fazem da crise uma possibilidade de maturação da República, guiadas pela esperança. Desejo que esse movimento cresça, se fortaleça e como afluentes caminhem para um grande rio que é a vida à República do Brasil. Que esse movimento atinja nossas universidades e as pequenas comunidades do nosso interior. Fonte: http://cnbb.net.br

Pontífice ganhou edição especial de modelo esportivo da italiana Lamborghini

CIDADE DO VATICANO – O Papa Francisco vai leiloar um carro de luxo que ganhou da Lamborghini e doar o dinheiro para ajudar os cristãos no Iraque. O veículo esportivo é uma edição especial do modelo Huracan da fabricante italiana. Representantes da Lamborghini levaram o carro, branco com detalhes em dourado, para a frente do hotel no Vaticano onde o Papa vive nesta quarta-feira. Francisco prontamente abençoou o veículo.

Produzido desde 2014, o Huracan tem um preço mínimo de cerca de 183 mil euros (pouco mais de R$ 700 mil), mas a edição papal deverá alcançar um valor muito maior no leilão a ser realizado na prestigiada casa Sotheby’s.

Segundo o Vaticano, parte do dinheiro arrecadado com a venda do carro será usada para reconstruir comunidades cristãs no Iraque devastadas pela ação do grupo extremista Estado Islâmico (EI), de forma a permitir que os cristãos iraquianos refugiados “finalmente voltem às suas raízes e recuperem sua dignidade”. Fonte: O Globo.com

"Ser humildes, reconhecer-se filhos, repousar no Pai, confiar n’Ele", é o primeiro ponto para ter um verdadeiro diálogo com Deus. “A Missa é a oração por excelência, a mais elevada, a mais sublime, e ao mesmo tempo a mais “concreta”. Francisco.

(15/11/2017). Ao dar prosseguimento ao seu ciclo de catequeses sobre a Eucaristia, o Papa Francisco enfatizou na Audiência Geral desta quarta-feira que a Missa é “o encontro do amor com Deus mediante a sua Palavra e o Corpo e Sangue de Jesus”.

Estar em oração – explicou o Santo Padre -  significa acima de tudo, estar em diálogo, numa relação pessoal com Deus:  “o homem foi criado como ser em relação  com Deus, que encontra a sua plena realização somente no encontro com o seu Criador. O encontro da vida é rumo ao encontro definitivo com o Senhor”.

A importância do silêncio

“A Missa, a Eucaristia é o momento privilegiado para estar com Jesus, e por meio d’Ele, com Deus e com os irmãos”, observou o Papa, ao referir-se ao encontro do Senhor com Moisés e de Jesus quando chama os seus discípulos:

“Rezar, como todo verdadeiro diálogo, é também saber permanecer em silêncio. No diálogo existem momentos de silêncio, no silêncio junto a Jesus. E quando nós vamos à Missa, talvez chegamos cinco minutos antes e começamos a conversar com quem está ao meu lado. Mas não é o momento de conversa! É o momento do silêncio para nos prepararmos para o diálogo. Momento de se recolher no coração para nos prepararmos para o encontro com Jesus. O silêncio é muito importante”.

“Recordem o que eu disse na semana passada, completou o Papa. Não vamos a um espetáculo. Vamos a um encontro com o Senhor e o silêncio nos prepara e nos acompanha”.

Dirigir-se a Deus como "Pai"

“Jesus mesmo nos ensina como realmente é possível estar com o Pai e demonstra isto com a sua oração”. Ele explica aos discípulos que o veem retirar-se em oração, que a primeira coisa necessária para rezar é saber dizer “Pai”. E faz um alerta:

“E prestem atenção: se eu não sou capaz de dizer “Pai” a Deus, não sou capaz de rezar. Devemos aprender a dizer “Pai”. Tão simples. Dizer Pai, isto é, colocar-se na sua presença com confiança filial”.

Humildade e condição filial

Mas para poder aprender isto, “é necessário reconhecer humildemente que temos necessidade de ser instruídos e dizer com simplicidade: Senhor, ensina-me a rezar”:

“Este é o primeiro ponto: ser humildes, reconhecer-se filhos, repousar no Pai, confiar n’Ele. Para entrar no Reino dos Céus é necessário fazer-se pequenos como crianças, no sentido de que as crianças sabem entregar-se, sabem que alguém se preocupará com elas, com o que irão comer, o que vestirão e assim por diante”.

Deixar-se surpreender

A segunda condição, também ela própria das crianças – continuou Francisco – “é deixar-se surpreender”:

“A criança sempre faz mil perguntas porque deseja descobrir o mundo; e se maravilha até mesmo com as coisas pequenas, porque tudo é novo para ela. Para entrar no Reino dos céus, é preciso deixar-se maravilhar”.

“Em nossa relação com o Senhor, na oração, deixamo-nos maravilhar? Ou pensamos que a oração é falar a Deus como fazem os papagaios?”, pergunta Francisco. “Não! É entregar-se e abrir o coração para deixar-se maravilhar”.

“Deixamo-nos surpreender por Deus que é sempre o Deus das surpresas? Porque o encontro com o Senhor é sempre um encontro vivo. Não um encontro de Museu. É um encontro vivo e nós vamos à Missa, não a um Museu. Vamos a um encontro vivo com o Senhor”.

Nascer de novo

O Papa então recorda o episódio envolvendo Nicodemos, a quem o Senhor fala sobre a necessidade de “renascer do alto”. “Mas o que significa isto? Se pode “renascer”? Voltar a ter o gosto, a alegria, a maravilha da vida, é possível?”:

“Esta é uma pergunta fundamental de nossa fé e este é o desejo de todo verdadeiro fiel: o desejo de renascer, a alegria de recomeçar. Nós temos este desejo? Cada um de nós tem desejo de renascer sempre para encontrar o Senhor? Vocês têm este desejo? De fato, se pode perdê-lo facilmente, por causa de tantas atividades, de tantos projetos a serem concretizados, e no final, resta pouco tempo e perdemos de vista o que é fundamental: a nossa vida de coração, a nossa vida espiritual, a nossa vida que é um encontro com o Senhor na oração”.

Na Comunhão, Deus vai de encontro a minha fragilidade

O Senhor nos surpreende – disse o Papa – mostrando-nos que “Ele nos ama também em nossas fraquezas”, tornando-se “a vítima de expiação pelos nossos pecados” e por aqueles do mundo inteiro:

“E este dom, fonte da verdadeira consolação – mas o Senhor nos perdoa sempre, isto consola, é uma verdadeira consolação, é um dom que nos é dado por meio da Eucaristia, aquele banquete nupcial em que o Esposo encontra a nossa fragilidade. Posso dizer que quando faço a comunhão na Missa o Senhor encontra a minha fragilidade? Sim, podemos dizer isto porque isto é verdade! O Senhor encontra a nossa fragilidade para nos levar de volta àquele primeiro chamado: o de ser a imagem e semelhança de Deus. Este é o ambiente da Eucaristia, esta é a oração”. Fonte: http://br.radiovaticana.va

O livro de um sacerdote nigeriano revela o papel dos papas na prática da escravidão até 1839. “Os papas abusaram da Bíblia para lucrar com o comércio de escravos". Estas palavras não são ditas por algum autor de Thriller Trash a base de escândalos do Vaticano, mas por um historiador sério que sobre o tema desfruta de dupla legitimação. É nigeriano (portanto, parte em causa) e, principalmente, é um padre católico. Chama-se Pius Adiele Onyemechi e exerce há 20 anos seu ministério na Alemanha, na região de Baden-Württemberg. A reportagem é de Rita Monaldi e Francesco Sorti, publicada por La Stampa, 12-11-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.

A sua pesquisa inovadora The Popes, the Catholic Church and the Transatlantic Enslavement of Black Africans 1418-1839 (p. XVI / 590, € 98 Olms, 2017), que entre os historiadores já desperta discussões, derruba o velho dogma segundo o qual o papado ficou basicamente alheio ao maior massacre de todos os tempos: o tráfico de escravos. Uma tragédia secular que - como relembra o grande escritor dinamarquês Thorkild Hansen em sua clássica trilogia sobre a escravidão – disseminou mais de 80 milhões de mortes.

Uma surpresa

Justamente nesses meses a prestigiada Academia de Ciências de Mainz concluiu um colossal projeto de pesquisa sobre a história da escravidão que durou 65 anos, com a colaboração de pesquisadores de primeira linha como o sociólogo de Harvard Orlando Patterson (ele próprio descendente de escravos) e o historiador da antiguidade Winfried Schmitz. Quase a selar o projeto chegou o livro de dom Onyemechi: uma radiografia minuciosa do papel dos papas no comércio de escravos na África do XV ao XIX séculos, a era de ouro do comércio escravista. Pela primeira vez, ao som de datas, fatos e nomes, dom Onyemechi aponta o dedo sobre responsabilidades morais e materiais, dando início a um acerto de contas com o passado no exato momento em que a Igreja de Roma, na sua tradição secular de apoiar os mais fracos, apela para a solidariedade para com os migrantes. Como o próprio autor resume, os resultados "muito surpreendentes" que vieram à luz "afundam um dedo nas feridas desse capítulo sombrio da História e da vida da Igreja católica".

“A Igreja”, explica o religioso “abusou da passagem bíblica contida no capítulo 9 do Gênesis”, em que se afirma que todos os povos da terra são descendentes dos filhos de Noé: Sem, Cam e Jafé. Depois do dilúvio, Cam revelou a seus irmãos ter visto seu pai deitado bêbado e nu. Noé amaldiçoou Cam, juntamente com todos os seus descendentes, condenando-os a se tornarem servos de Sem e de Jafé. A Igreja então afirmou que os africanos seriam descendentes de Cam. Pio IX, ainda em 1873, iria convidar todos os crentes a rezar para que fosse retirada a maldição de Noé jogada sobre a África.

Documentos desaparecidos

Em nosso romance Imprimatur divulgamos o caso de Inocêncio XI Odescalchi (1676-1689), que era dono de escravos, tinha negócios com mercadores de escravos e subjugava os presos em correntes nas galés pontifícias. Os documentos que provam isso, publicados em 1887, em seguida, misteriosamente, desapareceram. Claro que, no século XVII, os direitos humanos modernos ainda estavam por vir, mas depois o papa Odescalchi foi beatificado em 1956, e indicado para a canonização em 2002.

Onyemechi desenterrou milhares de contradições desse tipo. O comércio de escravos originalmente visava a China, Rússia, Armênia e Pérsia; mercados internacionais eram realizados em Marselha, Pisa, Veneza, Gênova e Barcelona e Verdun. Com o tempo tais rotas desapareceram, exceto aquelas africanas. Por que isso? Teria sido a Igreja que desempenhou o papel decisivo, recomendando a soberanos e imperadores "preferir" escravos africanos. Fizeram isso bispos e até papas como Paulo V.

A justificação provinha não só da Bíblia, mas também de Aristóteles, para o qual alguns povos eram simplesmente "escravos por natureza". Uma visão depois retomada por São Tomás e pela influente faculdade teológica de Salamanca, nos séculos XV e XVI. Padres da Igreja, como Basílio de Cesareia, Santo Ambrósio, Gregório de Nissa, João Crisóstomo e o próprio Santo Agostinho, ao contrário, justificavam a escravidão como resultado do pecado original.

O Portugal

Em meados do século XV, o português Nicolau V concedeu ao seu país de origem o direito de evangelizar, conquistar e deportar "em escravidão perpétua", os africanos, selados como inimigos do cristianismo junto com os sarracenos (que na verdade eram bem mais perigosos e massacravam, estes sim, os reinos cristãos). Os sucessores Calisto III, Sisto IV, Leão X e Alexandre VI nada fizeram além de confirmar e ampliar os direitos concedidos a Portugal. Outros papas (Paulo III, Gregório XIV, Urbano VIII, Bento XIV) em suas Bulas oficiais declaravam-se contra a escravidão dos índios norte-americanos, mas não contra aquela dos africanos.

Da escravidão, a Igreja teve um retorno econômico concreto. Foram extremamente ativos os missionários portugueses e especialmente os jesuítas, que compravam escravos para empregá-los em suas plantações no Brasil e no Maryland. Ou os revendiam com seu navio negreiro "privado", que transportava a mercadoria humana do Congo, Luanda e São Tomé para o Brasil. Dom Onyemechi cita o contrato com o qual, em 1838, o Provincial dos Jesuítas do Maryland, Thomas Mulledy, vendeu 272 escravos africanos. Preço: 115.000 dólares a "peça". A evangelização consistia principalmente em batizar às pressas escravos antes de embarcá-los. Aliás, todo o mecanismo garantia que eles fossem mantidos bem longe da palavra de Cristo. Os lucros eram reinvestidos em novas campanhas de agressão e deportação.

Reconhecimento tardio

"Apenas em 1839, a Igreja reconheceu os africanos como seres humanos como todos os outros", relembra o historiador de origem nigeriana. Isso foi sancionado em uma Bula de Gregório XVI, na verdade um pouco tardia: o comércio de escravos já tinha sido abolido em quase todos os países entre 1807 e 1818 e os Ingleses já tinham tomado distância desde o final do século XVIII. Dom Onyemechi trabalhou em fontes originais nos arquivos secretos do Vaticano e de Lisboa (para decifrar os manuscritos lusitanos aprendeu a partir do zero o português) e propiciou uma contribuição duradoura (realizada com rotina teutônica todos os dias das 3 às 8 da manhã) na busca da verdade histórica. Em Roma não deve causar desagrado, em vista da atenção do papa Francisco - ele também um jesuíta - com os povos da África. Fonte: http://www.ihu.unisinos.br

A Igreja realiza de 12 a 19 de novembro, a Jornada Mundial dos Pobres, com o tema: “Não amemos com palavras, mas com obras”. Trata-se, segundo mensagem do papa Francisco, publicada dia 17 de junho deste ano, de um convite dirigido a todos, independente de sua crença religiosa, para que se abram à partilha com os pobres em todas as formas de solidariedade, como sinal concreto de fraternidade.

Segundo o santo padre, o amor não admite álibes. “Quem pretende amar como Jesus amou, deve assumir o seu exemplo, sobretudo quando somos chamados a amar os pobres”, diz trecho do texto. Instituído pelo chefe da Igreja Católica na conclusão do Ano Santo Extraordinário da Misericórdia, o primeiro Dia Mundial dos Pobres será celebrado pela Igreja em todo mundo no próximo dia 19 de novembro, 33º domingo do Tempo Comum.

No Brasil, a animação e coordenação das atividades foi delegada à Cáritas Brasileira, um dos organismos da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), por sua experiência na realização Semana da Solidariedade.

Acompanhe as notícias em: www.caritas.org.br

Fonte: http://cnbb.net.br

PAULO GUEDES

Foi sangrento o mundo da fé. A fúria sagrada dos cruzados. O aço de Toledo nas espadas de Cortez e Pizarro. As fogueiras da Inquisição.

Os 100 anos de guerras religiosas após a reforma protestante. Mas nada que se comparasse em escala às carnificinas da era da razão.

Dos ideais iluministas ao terror jacobino e ao horror das guerras napoleônicas. Do herói romântico e sua “vontade de poder” às guerras mundiais. Da utopia socialista ao terror bolchevique. A civilização foi empurrada à beira da extinção pelo choque de ideologias no século XX. Por isso, o Papa Bento XVI pediu aos brasileiros, em sua despedida, “mais fé e menos ideologia”. Disparou também contra as visões materialistas de um mundo sem fé: “Tanto o capitalismo quanto o marxismo prometeram encontrar o caminho da justiça e falharam.” O marxismo e suas pretensas bases científicas se revelaram não apenas um formidável equívoco intelectual, mas também um trágico experimento de coordenação política, social e econômica. Mas seu apelo a nossos instintos tribais de solidariedade e altruísmo, herança da moralidade dos pequenos bandos e das grandes religiões, é parte da síntese da Grande Sociedade Aberta.

Já o capitalismo é uma extensa ordem de cooperação social cada vez mais abrangente, atingindo agora escala planetária. Criticado por sua impessoalidade, detestado por intelectuais e incompreendido pelas massas, é apenas um espelho que reflete a moralidade dos bilhões de indivíduos em sua complexa rede.

“Nossas dificuldades resultam de que precisamos constantemente ajustar nossas vidas, nossos pensamentos e nossas emoções a dois mundos diferentes, ordenados por regras e moralidades distintas. Se aplicássemos regras de nosso microcosmo (o pequeno bando, a tribo, nossas famílias) ao macrocosmo (a civilização moderna), como nossos instintos e apelos sentimentais exigiriam, destruiríamos a extensa ordem de cooperação econômica e social. E também se aplicássemos as regras impessoais dessa mais abrangente ordem de cooperação aos nossos grupos mais íntimos, nós os destruiríamos”, diz Friedrich von Hayek, em “A pretensão fatal: os erros do socialismo” (1988).

Na definição de Augustin Renaudet, “o humanismo tem uma ética baseada na nobreza humana, na grandeza de seu gênio e no poder de suas criações contra a força bruta da Natureza. Sua essência é a busca das mais elevadas formas de existência pelo esforço ininterrupto. Essa ética baseada na dignidade humana exige da sociedade constante aperfeiçoamento, imensas realizações culturais e um conhecimento sempre maior da Humanidade. Esse maior conhecimento é o fundamento da moralidade individual e coletiva, estabelece as leis, o sistema político e as relações econômicas, fomenta a literatura e a arte”.

Para o humanista que busca o conhecimento científico, o mundo sem fé religiosa não é um mundo sem realizações nem esperança. Como diz Fernand Braudel, em “Uma história das civilizações” (1987), é um mundo com fé e confiança na própria Humanidade, em sua capacidade de modificar e melhorar o destino da espécie. Fonte: O Globo (EDIÇÃO DO DIA 21.05.2007)