A feitiçaria digital terá um peso gigantesco e, sem regramentos, poderá conturbar todo o processo

 

Por Eugênio Bucci

As especulações sobre a corrida eleitoral de 2026 já comparecem aos jornais. São as interrogações de sempre (só mudam os personagens). Quem será o candidato da direita? A família Bolsonaro vai apoiar ou vai investir no racha? Do lado do governo, qual é a extensão dos acordos partidários em prol da reeleição de Lula? Essa aliança terá forças de centro ou vai se restringir ao campo da esquerda?

Por certo, essas perguntas importam e devem ser consideradas. Contudo, o fator que tem maior potencial de impacto não vem merecendo a atenção devida: a tecnologia das plataformas sociais. Como as ferramentas digitais atuarão? E a inteligência artificial (IA)? Teremos boas normas para regular a batalha nas redes? Teremos fiscalização eficiente ou o jogo sujo vai grassar? Ainda não há respostas, é claro, mas uma certeza já podemos assumir: a feitiçaria digital terá um peso gigantesco e, sem regramentos, poderá conturbar todo o processo. Poderá mesmo viciá-lo de modo irreversível.

Vejamos o que aconteceu nas eleições da Índia no ano passado. Lá, os eleitores recebiam telefonemas de uma espécie de robô de telemarketing que falava com a voz do candidato, num expediente que se mostrou bastante eficaz. No Brasil vai ser igual? Se vierem vozes das nuvens, elas dirão apenas amenidades? Ou vão distribuir calúnias? E as deepfakes?

Se a inércia prevalecer e não houver prevenção, o cenário vai se complicar – o Brasil poderá se converter num laboratório avançado para o que há de pior. Tempos atrás, circulou por aqui, amplamente e muito à vontade, a falsa notícia de que o governo federal mandara distribuir uma mamadeira cujo bico teria o formato do órgão sexual masculino. Não, não foi piada de mau gosto. Aquilo foi um tsunami que varreu boa parte da confiabilidade do debate eleitoral, com prejuízos cívicos incalculáveis.

Desta vez, o que vem pela frente poderá não ter aparência de piada, mas de devastação, e não será surpresa. Desde 2016, quando a Cambridge Analytica usou dados pessoais de clientes do Facebook para assediar votantes no Reino Unido e nos Estados Unidos, sabemos que, na era digital, a manipulação prima pela perversidade mais torpe. E hoje as ferramentas são mais poderosas, mais temíveis.

Para complicar as coisas, as chamadas big techs mudaram de atitude. Para pior. Antes, elas mantinham uma certa pose de imparcialidade. Agora, chafurdam no partidarismo mais furibundo. Não que Apple, Google, Meta ou Amazon vão sair por aí subindo em palanques. Elas não precisam. Basta que façam vista grossa para o malfeito.

Há três precedentes que confirmam o risco. Primeiro precedente: há dois anos, em maio de 2023, a seção brasileira do Google deixou de lado a boa educação e disparou ataques frontais, em sua página oficial, contra a aprovação do Projeto de Lei 2.630 (o PL das Fake News), que seria votado por aqueles dias na Câmara Federal. De repente, uma empresa estrangeira de comunicação passou a interferir abertamente numa decisão do parlamento brasileiro, e levou a melhor – o PL 2.630 foi engavetado. É verdade que, no final de janeiro de 2024, a Polícia Federal enviou ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), um relatório acusando o Google de “abuso de poder econômico”, mas, passados mais de seis meses desde a agressão, o mal já tinha sido perpetrado.

Segundo precedente: em janeiro deste ano, após a eleição de Donald Trump, Mark Zuckerberg, dono da Meta – a proprietária do Facebook, do Instagram e do WhatsApp –, vestiu uma camiseta preta, como a dos fascistas da década de 1920, e gravou um pronunciamento prometendo combater no mundo inteiro qualquer tentativa de regulação das plataformas (ele chama a regulação de “censura”). Zuckerberg abandonou de vez o discurso de que o Facebook seria uma cândida “praça pública”, sem preferências por um lado ou outro, e assumiu o lado das bandeiras de Donald Trump. Falou com um agente internacional do autoritarismo trumpista.

Terceiro precedente: em 2024, Elon Musk, o ser humano mais rico do planeta, dono do X (ex-Twitter), virou cabo eleitoral do obscurantismo. Durante a campanha presidencial nos Estados Unidos, subia no palanque para sortear dinheiro entre eleitores do candidato republicano. Depois, na festa de posse de Trump, foi ao púlpito e fez duas vezes a saudação nazista, na frente das câmeras do mundo inteiro. Para ele, o gesto que simboliza holocausto e totalitarismo é signo de celebração.

As tais big techs, que não escondem mais sua preferência por líderes identificados com o trumpismo, são hoje o maior aparelho de propaganda da extrema direita mundial. Não duvide por um segundo. A depender delas, as feitiçarias virão e, se encontrarem espaço, promoverão danos impensáveis. Os bajuladores digitais de Donald Trump vão tentar presenteá-lo com avanços da extrema direita no Brasil, mesmo sabendo que estrangeiros não podem se intrometer em eleições gerais de um país soberano.

As chances de que tentem fazer do Brasil um laboratório da feitiçaria digital são grandes. Que a democracia brasileira siga se cuidando. Fonte: https://www.estadao.com.br

 

Opinião por Eugênio Bucci

Jornalista e professor da ECA-USP, Eugênio Bucci escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto

Ministro do STF afirma que não era possível manter domiciliar

 

 O ex-presidente Jair Bolsonaro em sua casa, onde está em prisão domiciliar — Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo/03-09-2025

 

Por Mariana Muniz

 — Brasília

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes decretou a prisão preventiva do ex-presidente Jair Bolsonaro por garantia da ordem pública e, na decisão, diz que não era mais possível manter a domiciliar. Além disso, disse que a tornozeleira eletrônica dele foi violada no início deste sábado.

"O Centro de Integração de Monitoração Integrada do Distrito Federal comunicou a esta Suprema Cortea ocorrência de violação do equipamento de monitoramento eletrônico do réu Jair Messias Bolsonaro, às 0h08min do dia 22/11/2025. A informação constata a intenção do condenado de romper a tornozeleira eletrônica para garantir êxito em sua fuga, facilitada pela confusão causada pela manifestação convocada por seu filho", diz a decisão.

O ministro afirma que foram adotados todos as medidas possíveis para a manutenção da prisão domiciliar inclusive com monitoramento integral e destacamento de equipes da Polícia Federal e Polícia Penal do Distrito Federal e realização de escoltas policiais para deslocamentos.

"Não se mostrando possível, porém, a manutenção desse aparato para cessar o periculum libertatis do réu", acrescentou.

 

Vigília convocada por Flávio

A PF alegou risco para a ordem pública ao pedir a prisão e citou a convocação feita pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) para uma vigília na noite deste sábado no condomínio onde Bolsonaro mora, em Brasília. Para a PF, havia risco de aglomeração, risco para terceiros e o próprio preso.

Moraes afirma que "a eventual realização da suposta 'vigília' configura altíssimo risco para a efetividade da prisão domiciliar decretada e põe em risco a ordem pública e a efetividade da lei penal".

O ministro do STF diz que o vídeo gravado por Flávio Bolsonaro "incita o desrespeito ao texto constitucional, à decisão judicial e às próprias Instituições, demonstrando que não há limites da organização criminosa na tentativa de causar caos social e conflitos no País, em total desrespeito à DEMOCRACIA.

"O tumulto causado pela reunião ilícita de apoiadores do réu condenado tem alta possibilidade de colocar em risco a prisão domiciliar imposta e a efetividade das medidas cautelares, facilitando eventual tentativa de fuga do réu", afirmou.

 

Fuga de aliados

Moraes ainda usou a fuga dos deputados federais Carla Zambelli (PL-SP), que foi para a Itália, e de Alexandre Ramagem (PL-RJ), que foi para os Estados Unidos.

"Não bastassem os gravíssimos indícios da eventual tentativa de fuga do réu Jair Messias Bolsonaro acima mencionados, é importante destacar que o corréu Alexandre Ramagem Rodrigues, a sua aliada política Carla Zambelli, ambos condenados por esta Suprema Corte; e o filho do réu, Eduardo Nates Bolsonaro, denunciado pela Procuradoria-Geral da República no Supremo Tribunal Federal, também se valeram da estratégia de evasão do território nacional, com objetivo de se furtar à aplicação da lei penal", diz a decisão.

O ministro Alexandre de Moraes também apontou a distância entre a casa do ex-presidente, que fica no Jardim Botânico de Brasília, e a Embaixada dos Estados Unidos. Segundo Moraes, o percurso entre os dois locais, estimado em 13 quilômetros, poderia ser feito em cerca de 15 minutos.

 

Sem algemas

No mandato de prisão preventiva, Moraes disse que a prisão deveria ser cumprida no início da manhã deste sábado "observando que a medida deverá ser cumprida com todo o respeito à dignidade do ex-presidente da República Jair Messias Bolsonaro, sem a utilização de algemas e sem qualquer exposição midiática".

Bolsonaro foi levado para a Superintendência da Polícia Federal (PF) em Brasília. A medida não se trata do cumprimento de pena por tentativa de golpe de Estado, mas de uma medida cautelar.

Moraes cita, no mandato de prisão que Bolsonaro foi condenado pelos crimes de liderar organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima, e deterioração de patrimônio tombado.

 

Trama golpista

No caso da trama golpista, a Primeira Turma da Corte o considerou culpado, por quatro votos a um, pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, abolição do Estado Democrático, organização criminosa, dano contra o patrimônio da União e deterioração do patrimônio tombado. Os ministros que votaram a favor foram Alexandre de Moraes, o relator do processo, Flávio Dino, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. Apenas o ministro Luiz Fux divergiu.

Além dele, foram condenados como integrantes do núcleo central da trama golpista os ex-ministros Braga Netto, Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira e Anderson Torres; o ex-comandante da Marinha Almir Garnier; o ex-ajudante de ordens Mauro Cid, que firmou acordo de delação premiada; e o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), que teve o processo suspenso pela Câmara até o fim do mandato quanto aos crimes de dano ao patrimônio e deterioração de patrimônio tombado.

O julgamento terminou em setembro, e os advogados recorreram. Após os recursos serem negados, o STF determinou o trânsito em julgado, fase que dá início ao cumprimento da pena,

Os ministros do Supremo que participaram do processo consideram que Bolsonaro foi o líder político e intelectual do grupo que planejou e colocou em prática planos para impedir a posse do presidente Lula.

 

Defesa de Bolsonaro

Bolsonaro confirma que se reuniu com os comandantes das Forças Armadas para discutir alternativas ao resultado eleitoral de 2022, mas alega que apenas discutiu instrumentos previstos na Constituição, como o estado de defesa ou de sítio.

— Se nós fôssemos prosseguir no estado de sítio ou até mesmo de defesa, as medidas seriam outras. Na ponta da linha é que teriam outras instituições envolvidas. Agora, não tinha clima, não tinha oportunidade e não tínhamos uma base minimamente sólida para se fazer qualquer coisa. E repito, só foi conversado essas outras hipóteses constitucionais tendo em de vista o TSE ter fechado as portas para a gente com aquela multa lá — afirmou Bolsonaro ao STF, em junho, durante seu interrogatório.

Sua defesa alegou ao STF que as conversas não podem ser consideradas crimes e que poderiam ser classificadas, no limite, como "atos preparatórios", que não podem ser punidos, já que não houve a decretação de nenhuma medida.

Bolsonaro está em prisão domiciliar desde agosto, medida relacionada a uma investigação sobre a atuação de seu filho Eduardo Bolsonaro para coagir a Justiça por meio da articulação de sanções pelo governo de Donald Trump contra a economia brasileira e contra autoridades do Supremo Tribunal Federal e do governo federal. Eduardo foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e virou réu no STF.

A prisão domiciliar foi decretada após o descumprimento das medidas cautelares determinadas pela Corte no curso daquele processo, além da alegação, pela Polícia Federal, de risco de fuga.

Inicialmente, em julho, Alexandre de Moraes determinou que Bolsonaro deveria usar tornozeleira eletrônico e estava proibido de usar redes sociais e de sair de casa de noite e nos fins de semana. O ex-presidente também ficou impedido de conversar com Eduardo.

Pouco mais de duas semanas depois, o ministro determinou a prisão domiciliar, alegando que Bolsonaro "ignorou e desrespeitou" as obrigações impostas. A decisão ocorreu após o ex-presidente participar, por telefone, de duas manifestações em apoio à anistia para os envolvidos nos atos golpistas do 8 de janeiro. Registros dessas participações foram publicados por seus filhos em redes sociais, o que, para Moraes, foi uma tentativa de burlar a proibição de uso das plataformas. Fonte: https://oglobo.globo.com

Ex-parlamentar do PT e a esposa, Yolanda Maux, foram atacados por Francisco Frateschi

 

Por Lucas GuimarãesDaniel Biasetto e Samuel Lima

 — Rio de Janeiro e São Paulo

   

O ex-deputado estadual Paulo Frateschi (PT-SP), 75 anos, foi morto a facadas pelo próprio filho, Francisco Frateschi, de 34 anos, durante um desentendimento familiar ocorrido nesta quinta-feira em São Paulo. A informação foi confirmada pelo GLOBO por uma pessoa próxima da família e lideranças do PT na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp).

O ex-parlamentar foi atingido por facadas, na cabeça e braços, e foi socorrido e levado ao Hospital das Clínicas. A mulher de Frateschi, Yolanda Maux Vianna, também ficou ferida ao tentar intervir na briga — ela sofreu uma fratura no braço e foi atendida em uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da Lapa.

Testemunhas relataram que o conflito ocorreu dentro da residência da família, na zona oeste da capital. Ainda não há detalhes sobre o que teria motivado o desentendimento. O filho foi preso. Ele é ocenanógrafo formado pela USP e mora em Paraty, no Rio de Janeiro.

Ex-presidente estadual do PT e amigo pessoal de Luiz Inácio Lula da Silva, Paulo Frateschi já havia enfrentado duas tragédias familiares. Em 2002, perdeu o filho Pedro, de 7 anos, em um acidente na rodovia Carvalho Pinto, em Guararema (SP). Um ano depois, em 2003, o filho Júlio, de 16 anos, também morreu em um acidente de carro na rodovia Rio-Santos, entre Paraty e Angra dos Reis. O velório do jovem contou com a presença de Lula, ministros e lideranças do PT, em um gesto de solidariedade ao então dirigente petista.

De acordo com informações da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, a agressão teria ocorrido em um episódio de surto. Frateschi teve parada cardiorrespiratória e foi encaminhado ao Hospital das Clínicas da USP. O local passa por perícia e a ocorrência está sendo registrada no 91º DP.

 

Quem foi Paulo Frateschi

Ex-deputado estadual e um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT), Paulo Frateschi teve trajetória marcada pela militância política. Integrou Ação Libertadora Nacional (ALN), organização de luta armada contra a ditadura militar, o que levou à sua prisão em 1969. Detido e torturado por seis meses, sua libertação tornou-se um símbolo da resistência ao regime.

Frateschi foi presidente estadual do PT paulista durante a ascensão do partido à presidência da República e ocupou o cargo de secretário de Relações Governamentais na gestão do prefeito Fernando Haddad, em 2014. Era professor por formação.

Nos anos mais recentes, mobilizou caravanas em favor da candidatura do presidente Lula. Em março de 2018, ao transitar com ele por Chapecó (SC), foi atingido por uma pedrada desferida por agressores contra o então candidato. O petista seria impedido de ir às urnas e cederia lugar a Haddad naquela campanha, vencida por Jair Bolsonaro (PL).

No ano seguinte, ao comentar a prisão de Lula, de quem era amigo pessoal, classificou o caso como “perseguição política”, comparando-o à repressão vivida nos Anos de Chumbo.

 

Tragédia repercute no meio político

"É com profunda tristeza que comunicamos o falecimento do ex-presidente do PT Paulista e ex-deputado estadual Paulo Frateschi, companheiro e dedicado militante do nosso partido", afirma nota divulgada pelo PT. "Durante toda a sua trajetória, nosso companheiro demonstrou coragem, integridade e compromisso com o PT e pela busca de um país mais justo".

Segundo o partido, o militante deixa "legado marcado pela luta pela justiça e pela inclusão" e uma "lacuna irreparável entre amigos, familiares, companheiras e companheiros de luta".

Parlamentares do PT também lamentaram a morte nas redes sociais. "Um militante leal, íntegro e comprometido com a construção de um país mais justo e democrático", escreveu Rui Falcão, deputado federal paulista e ex-presidente nacional do partido. "Torturado pela ditadura , não recuou. No PT Estadual, fomos da mesma Executiva. E assim viramos amigos. Meu profundo pesar e solidariedade a todos os familiares", afirmou o colega Arlindo Chinaglia.

"Companheiro querido, homem fraterno e referência de compromisso público e político no Brasil", definiu o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), de quem Frateschi foi secretário na prefeitura de São Paulo. "Foi defensor incansável da democracia, com coragem e determinação".

O deputado estadual paulista Emídio de Souza, um dos fundadores do PT, disse estar "devastado pela notícia" e disse que "Paulão" foi um "militante exemplar, sempre somando na luta por justiça". Jaques Wagner, senador pela Bahia e ex-ministro, disse que Frateschi foi um "quadro histórico" do PT e "será sempre um exemplo de alguém que jamais abriu mão do compromisso de lutar por um Brasil melhor e mais justo para todos nós". Fonte: https://oglobo.globo.com

Presidente desembarcou em Roma no domingo (12) para participar da Semana Mundial da Alimentação, liderada por organismo multirateral da ONU.

 

 

Lula se encontra com Papa — Foto: Divulgação/Ricardo Stuckert

 

Por Aline FreitasAfonso FerreiraAna Flávia Castro, g1 — Brasília

 

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se reuniu nesta segunda-feira (13) com papa Leão XIV, no Vaticano. A informação foi divulgada em comunicado oficial da Santa Sé.

Lula desembarcou em Roma neste domingo (12) para participar da abertura do Fórum Mundial da Alimentação 2025, principal evento anual da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

A visita do presidente marca as comemorações pelos 80 anos de criação da FAO e ocorre em um momento simbólico, meses após o anúncio da saída do Brasil do Mapa da Fome.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a primeira-dama Janja da Silva se reuniram nesta segunda-feira (13) com o papa Leão XIV, no Vaticano.

Na ocasião, Lula parabenizou o pontífice pela liderança na Igreja Católica e aproveitou a ocasião para convidá-lo a participar da COP 30, que será realizada em novembro, em Belém (PA).

"Convidei-o a vir à COP30, considerando a importância histórica de realizarmos uma Conferência do Clima pela primeira vez no coração da Amazônia. Por conta do Jubileu, o Papa nos disse que não poderá participar, mas garantiu representação do Vaticano em Belém", prosseguiu.

Lula desembarcou em Roma neste domingo (12) para participar da abertura do Fórum Mundial da Alimentação 2025, principal evento anual da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

A visita do presidente marca as comemorações pelos 80 anos de criação da FAO e ocorre em um momento simbólico, meses após o anúncio da saída do Brasil do Mapa da Fome, de acordo com o relatório O Estado da Segurança Alimentar e Nutricional no Mundo (SOFI 2025), divulgado em julho.

"Falei ao Papa sobre minha participação hoje no encontro da FAO e como em dois anos e meio tiramos pela segunda vez o Brasil do Mapa da Fome. E, agora, estamos levando este debate para o mundo por meio da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza", afirmou o presidente em uma rede social, após o encontro.

Ainda na segunda-feira (13), também na sede da FAO, o presidente Lula encerrará a Segunda Reunião do Conselho de Campeões da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza.

Ele vai inaugurar o espaço que sediará o Mecanismo de Apoio da Aliança, que funcionará como o secretariado da iniciativa.

Em conversa com jornalistas na última quarta-feira (8), o coordenador-geral de Segurança Alimentar e Nutricional do Ministério das Relações Exteriores, ministro Saulo Arantes Ceolin, afirmou que a presença de Lula nos eventos reforça a relação histórica e estratégica entre o Brasil e a FAO.

“O objetivo principal da viagem é esse: prestigiar o Fórum e, sobretudo, comemorar o aniversário da organização, que é tão importante e com a qual o Brasil mantém uma relação robusta há décadas", disse Ceolin.

 

Primeiro encontro com o papa

Esta é a primeira vez que Lula se reúne com o papa Leão XIV, sucessor do papa Francisco. O encontro entre os dois líderes estava sendo costurado pelo governo brasileiro nos últimos dias.

Segundo fontes do Itamaraty, o ministro de Relações Exteriores, Mauro Vieira, conversou com o cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado do Vaticano, duas vezes por telefone durante a última semana. A reunião entre Lula e o papa Leão XIV também foi articulada com a embaixada brasileira na Itália junto à Santa Sé.

"Parabenizei o Santo Padre pela Exortação Apostólica Dilexi Te e a sua mensagem de que não podemos separar a fé do amor pelos mais pobres. Disse a ele que precisamos criar um amplo movimento de indignação contra a desigualdade e considero o documento uma referência, que precisa ser lido e praticado por todos".

Lula também disse que o pontífice pretende visitar o Brasil em um momento oportuno.

"Será muito bem recebido, com o carinho, o acolhimento e a fé do povo brasileiro. Lembrei que ontem tivemos uma demonstração imensa dessa fé no Círio de Nazaré e nas comemorações do Dia de Nossa Senhora de Aparecida, padroeira do Brasil".

A última ida de Lula para Roma foi em abril deste ano, para participar do velório do papa Francisco, que faleceu em 21 de abril, aos 88 anos, após um acidente vascular cerebral (AVC) e em decorrência de uma insuficiência cardíaca.

Além de Lula e Janja, também participaram do encontro os ministros Mauro Vieira, Wellington Dias e Paulo Teixeira, a senadora Ana Paula Lobato, a presidenta da Embrapa Silvia Massruhá e o embaixador do Brasil junto ao Vaticano, Everton Veira. Fonte: https://g1.globo.com

Não estão sendo dias fáceis para Bolsonaro e sua grei, após uma série de reveses políticos e judiciais. É possível que o bolsonarismo se recupere, mas, enquanto isso, o País respira melhor

 

O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), seu fiel amigo blogueiro, Paulo Figueiredo, e outros empedernidos soldados bolsonaristas até que tentaram disfarçar o desconforto e entoar uma mensagem triunfante, mas os últimos dias sacramentaram uma tendência inquestionável: a sucessão de derrotas políticas deixou o bolsonarismo ainda mais enfraquecido e isolado. Pode-se atribuir seus reveses a uma suposta perseguição política do Judiciário, a uma eventual traição do Centrão, ao nono círculo do inferno de Dante, a uma maré de azar ou aos efeitos tardios do Mercúrio retrógrado passado, mas nada disso esconde o essencial, isto é, está-se diante de uma espiral descendente que atormenta o bolsonarismo. E quando este perde, é o Brasil que ganha.

malaise bolsonarista chegou ao ápice na Assembleia-Geral da ONU, onde Donald Trump fez a inesperada declaração sobre a “excelente química” que sentiu nos poucos segundos de conversa que teve com o presidente Lula da Silva. Trump não só mencionou o demiurgo petista de forma positiva, depois de jamais citá-lo em declarações anteriores, como anunciou um encontro entre os dois e nem sequer citou o nome de Jair Bolsonaro. Pode não dar em nada, mas o gesto já é o suficiente para promover algo impensável até aqui – um canal de diálogo e negociação entre os dois mandatários. É tudo o que os Bolsonaros mais abominam, já que, dispostos a tudo em nome dos interesses do mito fundador do bolsonarismo, usaram seus contatos no governo americano para chantagear o Brasil e suas instituições.

Mas houve mais. As mais recentes manifestações de rua, por exemplo, mostraram o tamanho da insatisfação dos brasileiros contra a blindagem de parlamentares ante investigações criminais e a concessão de anistia “ampla, geral e irrestrita” a Jair Bolsonaro e outros golpistas condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Se é um erro reduzir os protestos a um triunfo da esquerda, também é um erro negar que o número de manifestantes em todas as capitais no fundo mostrou que Bolsonaro não é mais senhor das ruas. A eloquência da reação popular arrefeceu ainda mais o entusiasmo do Congresso para a anistia – uma agenda que já deveria estar sepultada – e para proteger a si mesmo.

Além disso, a Procuradoria-Geral da República denunciou o deputado Eduardo Bolsonaro por “coação” na Ação Penal 2.668, que julga a trama golpista; o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), rejeitou a tentativa do PL de blindar o filho “Zero Três” das ausências às sessões da Casa, um dos caminhos possíveis para cassar-lhe o mandato; o Conselho de Ética da Câmara instaurou processo que pede a sua cassação por agir contra os interesses brasileiros, trabalhar a favor de sanções dos EUA a autoridades brasileiras, atacar o STF e incitar a ruptura democrática; e partidos do Centrão vêm fazendo acenos a uma candidatura à Presidência que não leve o sobrenome Bolsonaro.

O infortúnio parece evidente e não é fruto apenas das circunstâncias externas. É resultado sobretudo dos próprios erros e da fadiga nacional com esses inconformados com a democracia. Recorde-se que Bolsonaro se elegeu num tsunami conservador e antissistema. Entre outras bandeiras, propunha o amor à Pátria contra a ordem globalista que violava a soberania nacional e a rejeição à velha política, vista como corrupta. Acreditou quem quis. Em sua cruzada, trabalhou para minar a Justiça Eleitoral, sucumbiu à velha política, atacou a democracia, tentou dar o golpe e foi vencido, limitado pelos diques de contenção das instituições democráticas. A partir daí, o bolsonarismo se restringiu a uma pauta única: livrar o seu principal líder do julgamento e da cadeia. Nada mais lhe importa – nem mesmo a Pátria.

Ainda é válida a velha máxima cunhada pelo ex-governador mineiro Magalhães Pinto, segundo a qual política é como nuvem: você olha e ela está de um jeito; olha de novo e ela já mudou. Não está escrito nas estrelas, portanto, nem que o calvário bolsonarista prosseguirá nem que seus métodos conseguirão seduzir alguém fora do mais restrito grupo de liberticidas inconsequentes. Mas considerando a atual direção e ritmo dos ventos, o Brasil pode começar a vislumbrar como real a chance de se ver livre dessa força política reacionária e destrutiva que tanto mal vem fazendo ao País. Fonte: https://www.estadao.com.br

Ao rejeitar a PEC da Blindagem, o Senado apenas enterrou o monstrengo fuzilado pela sociedade indignada – que deve permanecer alerta, pois o espectro do corporativismo criminoso segue vivo

 

A Câmara dos Deputados escreveu uma das páginas mais vergonhosas da história republicana ao aprovar a chamada “PEC da Blindagem” – ou da “Impunidade”, ou da “Bandidagem”, como queiram. Com ela, os deputados, a título de defender prerrogativas parlamentares, assinaram um pacto de autoproteção criminosa. Ontem, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado rejeitou in totum, por 26 votos a 0, a aberração. Fez bem – mas não fez mais do que a obrigação.

A proposta exumava, em versão ainda mais obscena, o sistema de licença prévia do Congresso para processar parlamentares, mecanismo que vigorou entre 1988 e 2001 e que resultou em quase 300 pedidos de investigação barrados – contra apenas um autorizado. A impunidade de Hildebrando Pascoal, o “deputado da motosserra”, acusado de comandar homicídios brutais e de envolvimento com o narcotráfico, é o emblema desse período de vergonha. Foi justamente para pôr fim a essa era de impunidade que se aprovou a Emenda Constitucional n.º 35/2001. A Câmara, duas décadas depois, quis ressuscitar o cadáver político da licença prévia, pervertendo não só os mais elementares princípios republicanos, mas também o simples bom senso.

Não parava aí. A PEC previa que as decisões sobre prisão em flagrante e formação da culpa fossem tomadas em votação secreta pelo plenário – devolvendo ao submundo o que a Emenda Constitucional n.º 76/2013 havia trazido à luz da transparência. Estendia foro privilegiado a presidentes de partidos, cargo sem função estatal. E hipertrofiava a inviolabilidade parlamentar, tornando-a salvo-conduto absoluto contra qualquer responsabilização. Imunidade pervertida em impunidade, prerrogativa degenerada em privilégio.

Alguns deputados tentaram traficar a falácia de que se tratava de resgatar o “texto original” da Constituição. É um sofisma pernicioso. O dispositivo da licença prévia foi concebido em um contexto de transição democrática, para resguardar os mandatos depois de duas décadas de cassações arbitrárias promovidas pelo regime militar. Hoje, num regime democrático consolidado, o artifício não protege a democracia, mas os corruptos; não defende a liberdade de representação, mas facilita a infiltração do crime organizado no Parlamento. A pretexto de restaurar uma letra morta, a Câmara seviciou o espírito da Constituição.

A indecência foi aprovada com articulação consciente do Centrão e a cumplicidade covarde do presidente da Casa, Hugo Motta. Não houve engano, não houve distração: houve dolo legislativo. O súbito surto de “arrependimento” de alguns deputados, após a reação das ruas e das redes sociais, é oportunismo puro. “Ninguém votou sem saber”, como lembrou o senador Otto Alencar. As desculpas posteriores, de petistas a bolsonaristas, foram apenas exercícios performáticos de marketing de danos.

Coube à sociedade o papel de verdadeiro freio. O recado das multidões nas ruas foi contundente: os brasileiros não toleram um Congresso acima da lei. O Senado, sensível ao custo político das eleições majoritárias e pressionado pela opinião pública, agiu como barreira. Seja pela virtude de alguns ou por instinto de sobrevivência de todos, os senadores rasuraram uma das páginas mais vergonhosas da história do Congresso. Mas não há como apagá-la.

Que ela sirva de lição. A “PEC da Blindagem” não foi acidente, mas sintoma de um padrão corrosivo: o corporativismo voraz que converte o Legislativo em condomínio de interesses privados, blindado contra a Justiça e a sociedade. Esse mesmo espírito explica o uso predatório das emendas orçamentárias, a conivência com “devedores contumazes” ou vendetas contra o Banco Central. É a lógica de um poder capturado, divorciado da nação que deveria representar.

Arquivar a PEC foi o primeiro passo. O segundo é cobrar responsabilidades de quem a patrocinou e blindar – agora sim, de forma legítima – a Constituição contra novos truques regimentais que disfarçam privilégios como “prerrogativas”. A sociedade mostrou que não está anestesiada. A democracia só se sustenta quando a lei vale para todos. E igualdade perante a lei não se negocia. Fonte: https://www.estadao.com.br

A pretexto de reagir ao assassinato de um ativista conservador, Trump coloca a máquina do Estado contra quem ele considera dissidente. É um desastre moral para o outrora ‘farol da democracia’

 

O tiro que matou o ativista conservador Charlie Kirk acertou em cheio a jugular da democracia liberal americana. O atentado foi um ataque ao mecanismo que permite cidadãos resolverem conflitos sem se ferirem: a palavra. “Quando as pessoas param de conversar, é aí que você tem violência.” Essa verdade, dita pelo próprio Kirk, deveria guiar a reação. Em vez disso, o que se vê é o emprego do aparato persecutório do Estado para punir quem fala o que desagrada. É uma violação legal e um desastre moral.

A esquerda iliberal há anos equipara palavras a “violência”, cria categorias elásticas como “discurso de ódio” e aplaude o cancelamento. O resultado está à vista nas universidades: uma geração treinada a ver o dissenso como agressão e disposta a aceitar a agressão como resposta ao dissenso. Pesquisas mostram que um em três estudantes considera justificável “em alguns casos” usar violência para impedir um orador. Essa corrosão ajuda a explicar por que tantos celebraram a morte de um adversário. Eles merecem reprovação moral e contestação pública, não linchamentos digitais.

Seria de se esperar da direita um contrapeso. Mas o que se vê é o trumpismo copiar o manual que condenava. No país cuja Suprema Corte definiu que mesmo ideias odiosas são protegidas pela Primeira Emenda, salvo em caso de risco de violência claro e iminente, a secretária de Justiça prometeu “ir atrás” de quem praticar “discursos de ódio”. O vice-presidente incentiva patrulhas virtuais contra os que zombaram da tragédia. O chefe da agência reguladora de radiodifusão ameaça cassar licenças para constranger emissoras. E o próprio presidente volta a mover ações bilionárias contra jornais e jornalistas, e fala em classificar entidades civis como “terroristas” ou em revogar isenções fiscais por motivos políticos. Isso não é justiça. É justiçamento e perseguição.

Adicionando insulto à agressão, tal comportamento trai o legado de Kirk da maneira mais brutal. Seu trabalho – controvertido no conteúdo, claro no método – era interpelar, ouvir, responder, insistir. Mas a direita trumpista aproveita-se do luto como combustível para uma cruzada punitiva, equiparando palavras a violência para justificar coerção oficial. O resultado previsível é mais silêncio forçado, mais ressentimento, mais incentivos a soluções de força. Repressão não desarma radicais; oferece-lhes a narrativa de mártir e empurra moderados para a autocensura.

Uma sociedade livre precisa de dois princípios gêmeos: tolerância máxima ao discurso e tolerância zero à violência. O primeiro não é um favor ao “nosso lado”; é um seguro democrático para todos, especialmente minorias e dissidentes. Foi essa aposta que fez dos EUA uma exceção: nazistas e comunistas podem marchar; fanáticos, insultar; artistas, ultrajar – e a resposta legítima é crítica, protesto, sátira, boicote e mais discurso. O segundo princípio protege o primeiro: quem ameaça, agride, bloqueia palestras ou destrói propriedade para calar o outro deve ser contido e punido, com o rigor da lei.

Os americanos sabem, por amarga experiência, que a censura não reduz ódio; empurra-o para subterrâneos onde se radicaliza. E sabem, por tradição constitucional, que “discurso de ódio” não é categoria jurídica. O caminho civilizado é outro: proteger a praça pública, reforçar a segurança de eventos controversos, punir quem recorra à força e recusar que governos, de esquerda ou de direita, transformem o gosto do príncipe em lei. Há espaço para decência privada – inclusive demitir quem viola códigos internos –, mas não para a polícia das opiniões.

O futuro da democracia americana dependerá da capacidade de lideranças e instituições de rejeitar o iliberalismo, venha de onde vier. Isso exige, mais do que decretos e coletivas, coragem cívica. Coragem de suportar o abjeto sem criminalizá-lo; de discutir com quem erra sem destruí-lo; de lembrar, em meio ao trauma, que o antídoto da violência é mais debate, não menos. Quem quiser honrar a vítima, que honre o princípio pelo qual viveu e morreu: a máxima tolerância à opinião e a intolerância absoluta à violência. Fonte: https://www.estadao.com.br

Ao aprovar PEC da Blindagem, Câmara transforma mandatos em escudos de impunidade, violenta a Constituição, trai a representação popular e abre as portas do Congresso para o crime organizado

 

A Câmara escreveu uma das páginas mais vergonhosas de sua história ao aprovar, no dia 16 passado, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3/2021, a chamada PEC da Blindagem. Como se sabe, pretende-se tornar deputados e senadores praticamente inimputáveis ao impedir que sejam investigados, processados e até presos em flagrante por crime inafiançável sem que para tanto haja licença prévia de suas respectivas Casas Legislativas. Há poucos dias, o Estadão revelou que entre 1988 e 2001, período em que a licença prévia vigorou no País, só uma mísera vez o Congresso autorizou que um de seus membros fosse investigado pelos crimes de que foi acusado. O que reinou foi o espírito de corpo, quando não o compadrio.

Não satisfeitos em esbofetear a sociedade legislando escancaradamente em causa própria, mais de 340 deputados ainda violentaram a Constituição em seu princípio mais elementar – a igualdade de todos perante a lei. Até para os padrões desta legislatura é espantosa a desfaçatez com que a Câmara traiu sua missão de ser “a tribuna onde a Nação fala”, para lembrar Ruy Barbosa, um gigante do Parlamento brasileiro. Sob a falsa justificativa de proteger o mandato parlamentar de supostos “abusos” e “atropelos” que teriam sido cometidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF), os deputados decidiram colocar-se acima da lei, nada menos, furtando-se em responder pelos crimes que vierem a cometer.

Nesse sentido, a PEC da Blindagem, que bem poderia ser chamada de PEC da Impunidade, deve ser vista como um ataque frontal à democracia representativa. Se promulgada, estará criado o ambiente no qual bandidos poderão ficar impunes apenas porque lograram obter um mandato eletivo. Deputados de todos os matizes ideológicos, do governo e da oposição, deram-se as mãos para escarnecer dos eleitores.

O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), um anão diante da grandeza institucional do seu cargo, abusou da má-fé e afrontou a inteligência alheia em seu discurso em defesa da PEC da Blindagem. Em tom solene que mal escondia a desfaçatez, Motta ignorou a história da Nova República e distorceu o contexto da Assembleia Nacional Constituinte disseminando a lorota de que a Casa, ora vejam, só estaria restaurando o texto original da Carta de 1988. É preciso recordar, então, que o dispositivo da licença prévia, àquela época, era a resposta idealizada a um momento da vida nacional totalmente distinto. O Brasil mal havia saído de uma ditadura militar. Os constituintes originários buscavam proteger o mandato parlamentar de eventuais arbitrariedades em uma transição de regime ainda em andamento.

A realidade hoje é completamente diferente. O regime democrático está consolidado. Parlamentares já têm assegurada pela Lei Maior a inviolabilidade civil e penal por suas opiniões, palavras e votos. Ademais, há quase 40 anos, o País não estava assolado pela infiltração de organizações criminosas de caráter mafioso no sistema político nem tampouco pela rapinagem de recursos bilionários do Orçamento por meio de emendas parlamentares – é contra a investigação desses desvios que os deputados querem se proteger.

Como se nada disso bastasse, a PEC da Blindagem ainda é um convite para que membros de facções como o PCC e o Comando Vermelho entrem no Congresso pela porta da frente. Se antes as organizações criminosas já exploravam o mandato de maus parlamentares como espécie de casamata em defesa de seus interesses no Legislativo, agora têm o incentivo adicional para financiar candidaturas de seus próprios gângsteres e, assim, blindá-los do alcance da lei sem intermediários. O que a Câmara aprovou, portanto, foi um programa de fomento à criminalidade política no País.

Agora resta torcer para que o Senado se erga como o adulto na sala desta república tão maltratada e enterre de vez a ignomínia que passou na Câmara, resgatando alguma aura de decência para o Congresso perante a opinião pública. A democracia brasileira estará novamente sob risco se a Casa Alta for cúmplice de uma delinquência política, nada menos. Não à toa, a eleição para o Senado no ano que vem tem despertado a atenção de muita gente – não necessariamente gente bem-intencionada. Fonte: https://www.estadao.com.br

 

Se tolerar a apologia de uma ação militar dos EUA contra o Brasil feita pelo filho de Bolsonaro, a Câmara dará uma banana para o País e se assumirá como valhacouto de canalhas

 

A cada dia em que preserva o mandato de Eduardo Bolsonaro (PL-SP), um impatriota que se homizia nas prerrogativas de deputado licenciado, a Câmara falha miseravelmente em cumprir sua missão de honrar a representação popular, essência da democracia representativa. Sob risco de ser tida como cúmplice das ações de lesa-pátria perpetradas por esse traidor do Brasil, a Casa precisa, de uma vez por todas, livrar-se de um estorvo que trabalha dia e noite para desmoralizá-la.

Por mais óbvia que seja, a pergunta se impõe: afinal, o que falta para a cassação de Eduardo Bolsonaro? Sua mais recente infâmia, que decerto não será a última, foi endossar uma ameaça feita poucos dias atrás pela porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, de que os EUA, pasme o leitor, poderiam enviar “caças F-35 e navios de guerra” ao Brasil em represália à condenação de seu pai, Jair Bolsonaro, por tentativa de golpe de Estado, entre outros crimes. Ora, se a apologia de uma intervenção militar estrangeira contra o País não se enquadra como quebra do decoro parlamentar, o vale-tudo está autorizado e a transformação da Câmara em um valhacouto de canalhas é mera questão de tempo.

As ações de Eduardo Bolsonaro contra o Brasil nos EUA são tão perniciosas que fazem até seu pai, um dos piores deputados que já passaram pela Câmara desde 1824, parecer um bufão. Indagado sobre o risco de brasileiros inocentes serem mortos nessa hipotética ação militar norte-americana para evitar que seu pai vá para a cadeia, o ainda deputado reagiu com absoluto descaso, afirmando que “pessoas inocentes já estão se ferindo” – em referência aos golpistas condenados pelo ataque do 8 de Janeiro, entre eles seu pai. Eduardo Bolsonaro não apenas relativiza o sofrimento real que uma guerra, ainda que hipotética, imporia à população brasileira, como rebaixa a atividade parlamentar a um exercício de má-fé baseado no egoísmo e no desprezo pela vida humana.

Seu caso é o mais aviltante, mas não é exceção. Carla Zambelli (PL-SP), outra criminosa condenada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), fugiu do País para escapar da pena e está presa na Itália, onde aguarda o término do processo de extradição para o Brasil. É mais uma que permanece deputada a despeito do extenso rol de atos que protagonizou contra a dignidade parlamentar. Seu correligionário Alexandre Ramagem (PL-RJ), também um criminoso condenado pelo STF, há de ter o mandato cassado em cumprimento do art. 55, inciso VI, da Constituição assim que a sentença penal condenatória transitar em julgado.

A mera possibilidade de deputados desse jaez seguirem detentores de mandato parlamentar é um atentado contra a dignidade e a credibilidade da Casa de Ulysses Guimarães, de resto já tão abaladas por outra gama de malfeitos de seus membros. A higienização institucional, portanto, não é apenas um dever político da Câmara, é uma necessidade democrática. Nesse sentido, o paralelo histórico é incontornável. Em 1999, o então deputado Jair Bolsonaro escapou da cassação depois de ter defendido o fuzilamento do então presidente Fernando Henrique Cardoso e ter pregado, reiteradas vezes, o fechamento do Congresso. A Câmara, à época, trilhou o caminho da indulgência. É ocioso descrever as consequências da pusilanimidade.

A cassação de Eduardo Bolsonaro, portanto, impõe-se como uma questão de honra institucional, apreço pela democracia representativa e respeito pelo Regimento Interno e pela Constituição. Não deve ser objeto de conchavos partidários entabulados nas sombras nem de cálculos eleitorais oportunistas. A Câmara não pode se apequenar diante de comportamentos que atentam contra valores republicanos dos mais comezinhos. A resposta às ignomínias do sr. Eduardo Bolsonaro deve ser clara, pública e altiva: há limites que não podem ser ultrapassados no exercício da representação parlamentar – e a defesa de uma intervenção militar estrangeira é um desses limites intransponíveis.

A sociedade não pode assistir passivamente a seus representantes conspirarem contra o próprio país. Se a Câmara não agir agora, a História cobrará, como já cobrou no passado, o preço dessa inaceitável omissão. Fonte: https://www.estadao.com.br 

Influenciador, morto na última quarta, defendia o direito de ter armamento mesmo que isso custe 'algumas mortes por ano'

 

Romain Fonsegrives

Orem (Utah) | AFP. Boeden Seitzinger ainda está "traumatizado" pela morte de Charlie Kirk. O eletricista de 18 anos estava nas primeiras filas do evento em uma universidade em Utah, no oeste dos Estados Unidos, onde o influenciador pró-Trump foi assassinado com um tiro no pescoço.

"Vi sangue jorrando de sua artéria carótida", conta à agência de notícias AFP o jovem, que usava um boné vermelho com a inscrição "Make America Great Again", o lema do presidente Donald Trump.

"Era evidente que ele não ia sobreviver. Foi aterrorizante", acrescenta Seitzinger ao participar na quinta-feira (11) de uma vigília em memória de Kirk em Orem, o subúrbio de Salt Lake City, onde o ativista conservador foi assassinado em 10 de setembro.

Apesar da morte desta figura da direita americana, Seitzinger rejeita totalmente a ideia de implementar controles mais rigorosos para a obtenção de armas de fogo nos Estados Unidos. "Isso não teria mudado nada. Quando se quer, se pode: as pessoas conseguem armas, aconteça o que acontecer", sustenta.

O suposto assassino de Kirk foi preso pela polícia nesta sexta-feira. As autoridades ainda não explicaram em quais circunstâncias foi comprado o fuzil com mira telescópica encontrado em alguns arbustos perto da cena do crime.

Mas uma coisa é certa: Utah é um dos estados mais permissivos em matéria de armas. Nesta região conservadora, adultos podem portar armas de fogo sem permissão, exceto jovens de 18 a 20 anos. Nos campi, como o da Utah Valley University onde Kirk foi morto, ter uma arma é possível contanto que se tenha permissão.

 

Defensor da Segunda Emenda

Seitzinger ia caçar com sua família desde criança e adquiriu seu primeiro fuzil há alguns meses. A compra levou 30 minutos, o tempo necessário para que a loja verificasse seus antecedentes policiais. O jovem se opõe a qualquer norma que o obrigasse a esperar vários dias.

"Isso não é o que Charlie iria querer", estima. "Charlie costumava dizer que uma arma de fogo é tão perigosa quanto a pessoa que a maneja. Não se deve culpar a arma de fogo, mas sim a pessoa que a utiliza". "O fato de que ele está morto não me faz ter medo das armas, me faz ter medo das pessoas", aponta.

Kirk, que foi abatido enquanto respondia a uma pergunta sobre os ataques a tiros, muito comuns nos Estados Unidos, era um fervoroso defensor da Segunda Emenda da Constituição, que garante o direito de portar armas.

O ativista chegou a afirmar que "vale a pena pagar o preço, infelizmente, de algumas mortes por arma de fogo a cada ano para que possamos ter a Segunda Emenda para proteger nossos outros direitos concedidos por Deus".

Com mais armas de fogo em circulação do que habitantes, os Estados Unidos possuem a maior taxa de mortalidade por armas de fogo entre os países desenvolvidos. Em 2024, mais de 16 mil pessoas morreram por essa causa, sem contar os suicídios, segundo a ONG Gun Violence Archive.

 

"Discrepância"

Nos Estados Unidos, os sucessivos governos de ambos os lados do espectro político ainda não conseguiram deter os ataques a tiros, um flagelo do cotidiano sistematicamente seguido pelas tradicionais "orações" enviadas pelos líderes políticos.

Aos 73 anos, Reed Fansworth também rezou por Kirk com centenas de pessoas durante a vigília. Entre a multidão, este gerente de uma empresa de informática viu algumas pessoas portarem armas, o que lhe trouxe tranquilidade.

"Utah é um pouco como o Velho Oeste", diz sorrindo enquanto segura uma grande bandeira americana. "Quando todo mundo porta uma arma, as pessoas se comportam." "A morte de Charlie não muda muito as coisas", assegura. "Devemos nos preocupar com as pessoas que sentem essa raiva, mas não devemos retirar as armas de todo mundo."

Leah Marett confessa sentir uma "discrepância" diante do assassinato de Kirk. Mas para esta estudante de 25 anos, o debate continua sendo "irresolúvel". "Há tantas armas que, mesmo que tentemos tirá-las de circulação, nem todos as entregariam", afirma. "Deixaríamos muitas pessoas perigosas armadas e os inocentes ficariam indefesos." Fonte: https://www1.folha.uol.com.br

Supremo rompe com uma nefasta tradição de leniência ao condenar Bolsonaro e seus comparsas civis e militares à prisão pela tentativa de impedir a posse de um presidente legitimamente eleito

 

A condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro a 27 anos e 3 meses de prisão por tentativa de golpe de Estado, entre outros crimes correlatos, engrandece o Brasil. Sob risco de se perder a real dimensão do feito realizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), não se pode analisar o fim do julgamento da Ação Penal (AP) 2.668 somente à luz da punição de criminosos que, desde os mais elevados postos da República, conspiraram contra a Constituição. É preciso reconhecer que, malgrado os problemas jurídicos, de resto compreensíveis ante o ineditismo do processo, e em meio a uma brutal pressão sofrida pelo STF, a democracia brasileira passou com poucos arranhões por seu maior teste desde o fim da ditadura militar e soube lidar com uma ameaça real à sua existência.

Pela primeira vez, um ex-presidente da República é condenado à prisão por insuflar e liderar uma conspiração que pretendia impedir a posse de um presidente legitimamente eleito. Ao lado de Bolsonaro na desonra de ingressar no rol dos culpados, três generais de quatro estrelas e um almirante de esquadra foram igualmente condenados, rompendo-se, assim, a nefasta tradição de leniência com militares sediciosos que conspurca a história republicana. Desde 1889, o País conviveu com reiteradas intervenções de fardados na vida política nacional, sempre sob o signo da impunidade. Nesse sentido, a decisão do STF de não condenar apenas o líder civil da trama golpista resgata uma condição indispensável para o desenvolvimento do Brasil: na democracia, não há lugar para tutela militar sobre os destinos do País. Tampouco há espaço para indulgência com traidores da Pátria, sejam paisanos ou fardados.

A condenação de Bolsonaro, pode-se afirmar, é o corolário de uma vida pública dedicada à insurreição, à violência, à mentira, ao desrespeito às instituições e a tudo o mais que possa ser hostil à convivência em uma sociedade livre. Como bem sublinhou o ministro relator da AP 2.668, Alexandre de Moraes, Bolsonaro foi praticamente um “réu confesso”. Recorde-se que, em agosto de 2021, o então presidente afirmara que só via “três alternativas” para seu futuro: “estar preso, estar morto ou a vitória (na eleição de 2022)”, deixando claro que “a primeira alternativa não existe”. Ou seja, Bolsonaro jamais cogitou de uma transferência pacífica de poder.

A condenação, porém, transcende a biografia do indigitado, um sujeito que nunca ofereceu algo de bom ao Brasil e a seus concidadãos como militar, como deputado e como presidente da República. A decisão do STF é uma vitória da sociedade brasileira, que, a duras penas, reconquistou as liberdades democráticas em 1985 e tem lutado para aprimorá-las desde então. Portanto, a prisão de Bolsonaro por liderar uma tentativa de restauração do arbítrio no País é o triunfo, do ponto de vista coletivo, do ideal de Justiça.

É preciso registrar, ademais, a gravidade das pressões para deslegitimar o julgamento de Bolsonaro e seus asseclas. O presidente dos EUA, Donald Trump, sob influência de Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente, impôs sanções ao Brasil e a ministros do Supremo. Há poucos dias, chegou a ameaçar o Brasil até com a possibilidade de intervenção militar para livrar Bolsonaro da cadeia. Em paralelo, o grupo político do sr. Bolsonaro empenhou-se sistematicamente em criar um clima de hostilidade em relação ao Supremo, na expectativa de mudar o destino do ex-presidente, agora um golpista condenado, a depender da mudança de ventos políticos. Infelizmente, não há razão para crer que essa malta recuará, o que prenuncia tempos ainda mais tumultuados.

Seja como for, o Supremo provou-se disposto a cumprir seu papel, mesmo diante das mais severas adversidades. Agora, cabe à sociedade e ao Congresso reafirmar esse pacto democrático. Não se tratou de vingança, mas de justiça. Não se tratou de perseguição, mas de resguardo da Constituição. O Brasil mostrou que é capaz de punir, com o rigor da lei, aqueles que atentam contra a democracia. E que ninguém, nem mesmo um ex-presidente da República ou militares de alta patente, está acima da lei. Fonte: https://www.estadao.com.br

Os partidos devem refletir se vale a pena ampliar as tensões institucionais, paralisando o País neste momento importante, só para livrar da cadeia um desqualificado como o ex-presidente

 

Ao aceitar pagar o preço de se converter ao catolicismo para ser coroado rei da França, o protestante Henrique de Navarra, em 1593, saiu-se com esta: “Paris bem vale uma missa”. E Jair Bolsonaro, vale uma missa?

Em outras palavras: vale a pena ampliar as tensões institucionais e paralisar o avanço de projetos importantes para o Brasil só para tentar livrar da cadeia um completo desqualificado como Bolsonaro?

Parte considerável do establishment político parece considerar que sim. Bolsonaro é muito útil para essa turma, pois desde as eleições de 2018 provou-se capaz de eleger muita gente só ao abrir a boca e declarar apoio. Nem sempre foi assim: recorde-se que na campanha de 2018, mesmo aparecendo bem nas pesquisas de intenção de voto, Bolsonaro teve de se abrigar num partido nanico, o PSL, para disputar a Presidência, porque a maior parte do Centrão estava na coligação do tucano Geraldo Alckmin, que terminou o primeiro turno com vergonhosos 5% dos votos. Antes visto como tóxico, Bolsonaro, após o estrondoso triunfo de 2018, passou a ser tido como a grande liderança de uma direita que até então não se assumia publicamente como tal. Não é algo trivial, num país em que chamar alguém de direitista era (e para muita gente continua a ser) equivalente a xingar de reacionário e golpista.

Bolsonaro, portanto, foi uma espécie de libertação. Deu corpo e voz a uma multidão de eleitores que gostariam de se assumir orgulhosamente de direita e não tinham representantes na política tradicional que refletissem essa aspiração. Os partidos invertebrados que farejam o poder logo perceberam que havia um grande mercado do voto pronto para ser conquistado, e Bolsonaro era o produto ideal: boquirroto, indiferente a partidos e saudoso da ditadura militar – considerada uma “era de ouro” que precisava ser resgatada antes que a baderna esquerdista terminasse de destruir o Brasil. Quando se provou extremamente competitivo contra o demiurgo Lula da Silva e o poderoso PT, Bolsonaro ganhou status de “mito”, que conserva até hoje.

O problema de ganhar uma eleição para presidente, contudo, é que o vencedor precisa governar, e Bolsonaro até então havia sido apenas um deputado do baixíssimo clero que só administrava os lucrativos negócios da família com rachadinhas e compra e venda de imóveis em dinheiro vivo. Sem qualquer experiência executiva e sem nenhum cacoete democrático, Bolsonaro não passou de um histrião, incapaz de articular qualquer pensamento coerente para conduzir o Brasil. O resultado disso foi um governo desastroso, irresponsável durante a pandemia e que não entregou quase nada do que prometeu, notabilizando-se apenas pelas crises institucionais que criou. De quebra, ressuscitou Lula da Silva.

Sua grande marca no governo foi o golpismo, do qual resultaram os planos para se aferrar ao poder com a ajuda de militares, culminando no famigerado 8 de Janeiro. Só isso deveria bastar para desmoralizar Bolsonaro perante os partidos que, malgrado tenham lucrado muito ao se associarem ao ex-presidente, bem ou mal precisam da plena democracia para existir e atuar. Hoje, estar com Bolsonaro equivale a considerar a ruptura democrática como algo moralmente aceitável.

Definitivamente, Bolsonaro não vale essa missa. Mas, ao que consta, ganhou impulso a pressão política pela aprovação de uma anistia ao ex-presidente, ao mesmo tempo que cresce no Congresso a ameaça de emparedar ministros do Supremo Tribunal Federal. Ou seja, pretende-se perdoar um golpista declarado, que nada de bom fez para o País, e punir os magistrados que, malgrado seus abusos e erros, fizeram seu trabalho em defesa da democracia.

Aqui não cabe ingenuidade: nenhum dos empenhados em livrar Bolsonaro e em constranger o Supremo está minimamente interessado em preservar a democracia e as liberdades. O que eles querem é conservar o potencial eleitoral que a marca Bolsonaro representa – e, de quebra, impedir que o Supremo complique a vida dos muitos parlamentares que se lambuzam de emendas ao Orçamento sem prestar contas a ninguém. Fonte: https://www.estadao.com.br

Urdida nos subterrâneos do Congresso, uma eventual impunidade para os acusados de tramar um golpe de Estado ora em julgamento no STF é juridicamente teratológica e moralmente inaceitável

 

O julgamento da Ação Penal (AP) 2.668 mal havia começado quando, a alguns passos do Supremo Tribunal Federal (STF), caciques partidários e autoridades do Congresso, aos quais se juntou o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, já articulavam um pornográfico acordo político para aprovar um projeto de lei de anistia. O contraste é gritante: enquanto o STF exercia seu dever de julgar suspeitos de atentar contra a ordem constitucional democrática, a elite política do País trabalhava para neutralizar a eventual punição dos que vierem a ser condenados por trair o pacto republicano. Anistiá-los não é só uma iniciativa juridicamente teratológica – é moralmente inaceitável.

A monstruosidade desse conchavo salta aos olhos. Admitir a constitucionalidade de uma anistia para réus acusados de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, entre outros crimes, implica admitir que a Constituição conteria um dispositivo de autodestruição. Ademais, cogitar de anistia, a essa altura, é um artifício político para livrar Jair Bolsonaro e seus corréus, civis e militares, das consequências penais de seus atos. Talvez a única centelha de sensatez nessa articulação toda, não que seja aceitável, tenha partido do presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre, que defendeu que uma eventual anistia não pode contemplar o ex-presidente.

Mas antes o problema fosse apenas técnico. É, sobretudo, político e moral. Há evidências em profusão de que Bolsonaro e sua grei tramaram para permanecer no poder à revelia da vontade popular e em flagrante violação da Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito. O 8 de Janeiro foi a culminação visível de uma conspiração muito mais ampla contra a democracia. Por isso, a sofreguidão pela anistia não visa à proteção dos idiotas úteis que tomaram Brasília à força naquele fatídico dia, mas sim dos mentores do golpe, cujos nomes figuram no topo da política e das Forças Armadas, sabe-se lá por quais interesses. Seja como for, trata-se de um pacto espúrio para manter impunes os que ousaram tentar matar a política como único meio civilizado de concertação dos múltiplos interesses em disputa numa sociedade livre.

Não é a primeira vez que o Brasil se depara com movimento desse jaez. Só no período republicano, cerca de 40 anistias foram aprovadas, quase sempre com o propósito de livrar a cara de militares e políticos envolvidos em insurreições. O resultado foi invariavelmente nefasto para o País. Ao invés de fortalecer a democracia e ensejar a “pacificação da sociedade”, como apregoam os modernos arautos da impunidade, as anistias sistemáticas só serviram de incentivo para novas aventuras golpistas. A História demonstra que cada perdão fomentou a ruptura seguinte. Definitivamente, não é isso o que a Nação deseja, como atestam as pesquisas de opinião.

Até a anistia de 1979, “ampla, geral e irrestrita”, frequentemente invocada pelos bolsonaristas como precedente, ilustra a armadilha. Negociada nos estertores da ditadura militar, a Lei 6.683 serviu como instrumento de transição necessário àquela época, mas ao custo de blindar torturadores, assassinos e contumazes violadores das liberdades individuais. Até hoje o País convive com a impunidade de crimes hediondos cometidos em nome do Estado, mantendo feridas abertas e uma memória histórica inconclusa. O que naquele contexto foi tratado como uma espécie de “mal necessário” se converteu, à luz da experiência, em mal permanente. É esse legado infame que alguns pretendem ressuscitar agora, a pretexto de uma “tradição”.

Se é de tradição que se trata, a cogitação de uma anistia aos golpistas mostra a facilidade com que a elite política condescende com quem mina o império da lei, amesquinha os valores republicanos e faz pouco-caso dos direitos humanos, além de transmitir a mensagem de que, em momentos de crise, sempre haverá brechas para acomodações subterrâneas. Esse tempo precisa passar. Chega. O Brasil que almeja por um futuro mais desenvolvido, justo e próspero para todos tem de encerrar esse ciclo de uma vez por todas.

O julgamento dos golpistas ora em curso no STF é essa inflexão histórica. É a ocasião de afirmar, em termos inequívocos, que a democracia brasileira não admite mais que se passe a mão na cabeça de seus algozes – sejam fardados ou paisanos. Fonte: https://www.estadao.com.br

Ao dizer que não confia na Justiça, que ora julga Bolsonaro, Tarcísio esquece sua obrigação, como governador e eventual postulante à Presidência, de preservar as instituições democráticas

 

“Infelizmente, hoje eu não posso falar que confio na Justiça, por tudo o que a gente tem visto”, declarou o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, em entrevista ao jornal Diário do Grande ABC a propósito do julgamento de seu padrinho político, o ex-presidente Jair Bolsonaro. É altamente problemático que a principal autoridade do Executivo paulista, com pretensões de presidir a República, expresse desconfiança sobre o Poder Judiciário.

Muito ainda pode ser e certamente será dito sobre a qualidade do julgamento de Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal, e é evidente que o governador de São Paulo, como qualquer cidadão, tem o direito de criticar as decisões daquela Corte. Mas, ao contrário dos cidadãos comuns, o sr. Tarcísio de Freitas não pode, de maneira leviana, manifestar desconfiança sobre o Judiciário, sugerindo que ali se tomam decisões políticas. Um chefe de Executivo como o governador paulista deve saber que é seu dever preservar a imagem das instituições democráticas, mesmo que se sinta contrariado. Uma democracia em que reina a desconfiança sobre as instituições está a meio caminho de sua ruína.

Portanto, se ao sr. Tarcísio de Freitas interessa que a democracia seja fortalecida – e não há nenhuma razão para duvidar disso –, então ele deveria se empenhar ao máximo para que o Supremo seja visto como essencial na sustentação do Estado Democrático de Direito, e não como uma Corte que persegue seu padrinho político em razão de interesses políticos inconfessáveis, como o governador parece sugerir.

Deslegitimar o Supremo é algo próprio dos liberticidas bolsonaristas, mas jamais deveria sair da boca de um chefe de governo com responsabilidade diante do Brasil e da Constituição. Compreende-se a necessidade de Tarcísio de conquistar o eleitorado de Bolsonaro, mas, se o preço desse apoio é a desmoralização da democracia, o governador deveria se recusar a pagá-lo.

Infelizmente, contudo, o sr. Tarcísio de Freitas não só investe na tese da desconfiança a respeito do Supremo, como prometeu que, se chegar à Presidência, seu “primeiro ato” será indultar Bolsonaro. Ou seja, o governador considera que não há nada mais importante e urgente no País do que livrar o padrinho da cadeia, a despeito de todas as evidências de que o ex-presidente tramou contra a democracia.

Não é de hoje que o governador paulista tenta caracterizar o perdão a Bolsonaro como resultado de um acordo político com vista a “pacificar” o País. Na entrevista, disse que uma eventual anistia é “prerrogativa do Congresso” para construir uma “solução política”. Ora, em primeiro lugar, não há nada a ser “pacificado” no Brasil. O que há são os inconformados com a democracia, que há tempos tentam criar as condições para uma conflagração que lhes dê a oportunidade de consumar o tão desejado golpe.

Essa turma, que ora conta com a simpatia do governador de São Paulo, fez e faz campanha sistemática para desmoralizar o sistema de votação, atiçou caminhoneiros para fechar estradas e prejudicar a economia do País após a derrota de Bolsonaro em 2022 e invadiu as sedes dos Três Poderes para forçar um confronto que, em seus delírios, resultaria na tão desejada intervenção militar que destituiria o presidente Lula da Silva. Agora, pediu a uma potência estrangeira, os EUA, que castigasse o Brasil e os ministros do Supremo para impedir que Bolsonaro seja preso. A estes não pode ser reservada nenhuma condescendência. A impunidade para os golpistas, defendida pelo sr. Tarcísio, essa sim, teria o condão de conflagrar o País. Só a condenação exemplar de quem atentou contra a democracia fará o Brasil superar esta tenebrosa etapa de sua história. Não pode haver acomodação, sob qualquer pretexto – ingênuo ou cínico.

O governador Tarcísio, bem como os demais postulantes conservadores à Presidência, precisam urgentemente se descolar de Bolsonaro, caso queiram ser vistos como genuínos democratas. É preciso restabelecer os limites morais do que é permitido fazer para ganhar uma eleição. Parte do eleitorado pode ter se deixado seduzir pelo espalhafato dos golpistas e dos oportunistas craques em redes sociais, mas o Brasil só avançará de fato quando elegermos um presidente que tenha princípios e não abra mão deles em troca de um punhado de votos. Fonte: https://www.estadao.com.br

Cresceram as chances de a anistia ser pautada após dois personagens entrarem em campo em auxílio a Bolsonaro: Arthur Lira e Tarcísio de Freitas.

 

Jair Bolsonaro apareceu em frente à sua casa em Brasília, onde cumpre prisão domiciliar, nesta terça-feira (2) — Foto: Luis Nova/AP

 

Por Natuza Nery

Deputados do PT passaram a considerar seriamente a possibilidade de a anistia a Jair Bolsonaro ser pautada pela Câmara dos Deputados.

“Agora ficou sério”, disse um parlamentar ao blog sob condição de anonimato.

Nesta terça-feira (2), políticos passaram a ser alertados por aliados do Centrão de que o presidente da Câmara, Hugo Motta, estaria propenso a pautar o perdão logo após o julgamento da ação penal do golpe.

Nas últimas horas, dois personagens entraram campo em auxílio a Bolsonaro, mas por razões diferentes: Arthur Lira, ex-presidente da Câmara, e Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo.

Lira é uma espécie de bolsonarista do Centrão. E, na segunda-feira (1º), visitou o ex-presidente – preso em regime domiciliar.

Importante dizer que Lira ainda tem certa influência sobre grupos de deputados.

Já Tarcísio tenta se cacifar como o candidato sucessor de Bolsonaro nas eleições de 2026. Recentemente, deixou-se gravar dizendo que daria o perdão presidencial ao aliado caso fosse eleito para o Palácio do Planalto.

A ofensiva de Tarcísio vem depois de Eduardo Bolsonaro fustigá-lo por tentar assumir algum protagonismo nas negociações com o governo Trump após o tarifaço. Eduardo chegou a dizer que Tarcísio não possui o perfil desejado por bolsonaristas.

A movimentação do governador, portanto, é lida como uma tentativa de reverter esse cenário adverso.

Não é possível dizer, ainda, se sua estratégia dará certo. Mas é certo que seu engajamento mudou o status da empreitada da anistia de improvável para possível. Fonte: https://g1.globo.com

A democracia brasileira venceu

Início do julgamento de Bolsonaro e corréus no STF é o fim da indulgência com o golpismo que manchou a história republicana do País e a afirmação da força da Constituição sobre seus inimigos

 

O Supremo Tribunal Federal (STF) inicia hoje aquele que pode ser considerado, sem exagero, o julgamento mais importante de sua história. Estarão no banco dos réus o ex-presidente Jair Bolsonaro, ex-ministros de Estado e militares de alta patente que compõem o “núcleo crucial”, como classificou a Procuradoria-Geral da República, de uma tentativa de golpe com o objetivo de subverter a vontade popular manifestada nas urnas em 2022. É a primeira vez que um ex-presidente e membros de seu primeiro escalão enfrentam acusações tão graves à luz da Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito – e com real perspectiva de condenação. Oxalá seja a última.

A originalidade do julgamento, no entanto, não se restringe às figuras diante de seus julgadores. De forma inédita, os dispositivos legais criados para substituir a famigerada Lei de Segurança Nacional serão aplicados por um tribunal civil em ação penal que envolve réus que tiveram grande proeminência política e militar no País. O simbolismo é inequívoco: a democracia brasileira, tantas vezes golpeada desde 1889, robusteceu-se a ponto de processar e julgar seus inimigos sem condescendência e, mais importante, sem recorrer a expedientes violentos. Trata-se de um enorme salto civilizatório.

É verdade que a condução dos inquéritos dos atos antidemocráticos e da Ação Penal (AP) 2.668 pelo STF não é isenta de falhas. A teoria da democracia defensiva, que norteou a resposta institucional da Corte aos ataques golpistas, por vezes resvalou em abusos, os quais este jornal não deixou de apontar e reprovar quando era o caso. A força da democracia reside no respeito à forma do Direito que a sustenta, vale dizer, na observância ao devido processo legal, mesmo, e sobretudo, quando em julgamento estão acusados de tramar para destruí-la. Mas, no geral, é de justiça reconhecer que o STF mais acertou do que errou, agindo com firmeza e celeridade. Fosse leniente, talvez já não vivêssemos sob a égide da Constituição de 1988.

Por óbvio que seja, é relevante notar que o julgamento só ocorre porque o golpe fracassou, fato que, por si só, atesta que a democracia já venceu seus inimigos, independentemente de seu desfecho. Fosse bem-sucedida a sedição, o STF não estaria exercendo hoje seu papel de guardião da ordem democrática, decerto teria sido rebaixado a mero aprisco de chancela judicial aos desígnios autoritários do sr. Bolsonaro e sua grei. Logo, o esperneio do ex-presidente pelas medidas cautelares a que foi submetido e pela eventual condenação faz parte de seu direito de defesa, mas não altera o principal: golpistas não serão anistiados de antemão, como tantas vezes ocorreu ao longo destes mais de 200 anos de Brasil independente, em especial militares. É do mais alto interesse das Forças Armadas, como instituições a serviço do Estado e do povo brasileiros, apoiar a condenação dos fardados que, comprovadamente, tomaram parte na intentona.

Nesse sentido, a comparação com os EUA é incontornável. O golpismo do presidente Donald Trump contou com a complacência de instituições que outrora foram a referência mundial de solidez institucional. Trump não só escapou de punição, como retornou à Casa Branca para um segundo mandato no qual promove com especial denodo a corrosão sistemática dos pilares que fizeram seu país ser o que – ainda – é. O Brasil trilha o caminho inverso.

Talvez por isso Trump esteja empregando o descomunal poder dos EUA para atacar o STF e salvar Bolsonaro de seu destino penal. Não por amizade, mas para impedir que no maior país da América Latina floresça um exemplo de resistência democrática que amplie o contraste com a genuflexão de parte das instituições americanas ao trumpismo. Poucos aguentariam essa pressão que o STF hoje suporta, mas, até aqui, a Corte dá mostras de firmeza exemplar.

Dito isso, convém não baixar a guarda. O julgamento é apenas o fim da etapa judicial de um lamentável capítulo de nossa história. Uma vez concluído, a pressão política por anistia aos eventuais condenados aumentará no Congresso. É preciso resistir a esse movimento de impunidade. Foi-se o tempo de acomodações e indulgência com golpistas nesta república que hoje, seja qual for o resultado do julgamento que se inicia, amanhece mais forte. Fonte: https://www.estadao.com.br

 

O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal — Foto: Brenno Carvalho/ Agência O Globo

 

Por Gustavo Maia

 — Brasília

Flávio Dino se envolveu em uma confusão dentro de um avião na tarde desta segunda-feira, antes de o voo partir de São Luís rumo a Brasília, por volta das 16h40.

Aos berros, uma mulher partiu para cima de Dino e tentou agredi-lo. Mas foi contida pelo segurança do ministro. Ela gritou que "não respeita esse tipo de gente" e que "este avião está contaminado".

Ela também perguntou: "onde o comunismo deu certo?". Dino, que já foi governador do Maranhão pelo Partido Comunista do Brasil, estava sentado e trabalhando, de cabeça baixa, e ficou calado.

A assessoria do ministro afirmou que a passageira gritava frases como "o Dino está aqui", apontando para o ministro, "em clara tentativa de incitar uma espécie de rebelião a bordo".

A mulher foi advertida pela aeromoça-chefe para parar. Na sequência, um agente da PF entrou no avião, da Latam, e conversou discreta e educadamente com o ministro. E informou ao segurança de Dino que comunicaria o ocorrido à superintendência da corporação em Brasília.

O policial então foi até a mulher que o abordou e perguntou seu nome. Uma passageira que presenciou a cena relatou à coluna que o policial comentou que "vivemos num país democrático, mas certos comentários devem ser evitados para que os ânimos não ficassem inflamados".

Ele então citou o direito internacional e disse que qualquer manifestação durante o voo seria relatado à polícia em Brasília, destino do voo.

Depois que o avião pousou, a mulher foi levada por agentes da PF para prestar depoimento. Antes de deixar o avião, ela pediu que outros passageiros testemunhassem a seu favor, se ela precisasse.

Disse a mulher ao ser conduzida pelos policiais:

— Cadê o celular de vocês, gente, para ter filmado essa palhaçada aqui, para pegar uma mulher? Parece que vieram pegar o Bolsonaro aqui dentro.

O entrevero ocorreu um dia antes de Dino participar do julgamento de Jair Bolsonaro e mais sete aliados no STF. Ele é um dos cinco integrantes da Primeira Turma do Supremo, ao lado de Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Cristiano Zanin e Luiz Fux. Fonte: https://oglobo.globo.com

Pode-se alegar, com razão, que retornamos ou que entramos numa nova era de imposição de força

 

Por Cláudio Finkelstein

Vivemos numa era de conflitos globais. Israel e Ucrânia dominam os noticiários, mas há uma patente realidade de outros conflitos, seja no Sudão, Síria, Iêmen, Mianmar, Congo, com tensão na Índia e Paquistão. É o retorno da corrida armamentista hemisférica, uma espécie de paz armada contemporânea, num ambiente de medo, sem uma nação hegemônica disposta ou apta a instaurar uma nova pax romana. A guerra é detestável, sempre, mas é uma realidade inconteste e cada vez mais perceptível. Do Bill of Rights, de 1689, à Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), de 1948, busca-se afirmar uma situação que estabeleça padrões mínimos de decência e proteção ao ser humano. É a “era dos direitos humanos” que lamentavelmente não mais se percebe. A violência internacional, assim como a doméstica, vem ocupando cada vez mais os noticiários e se aproximando de todos, sem uma resposta adequada.

Conforme alertado pela Cruz Vermelha Internacional, em 2024, havia ao menos 120 conflitos armados no mundo e, de acordo com o Relatório de 2024 do Conselho Norueguês de Refugiados, 66 milhões de pessoas afetadas por conflitos ou tragédias, sendo que 1.143.000 delas no Brasil. A triste constatação é que o imperativo da paz para uma grande parte da população global está longe de ser alcançado.

A realidade é que tratados, assim como decisões dos tribunais internacionais são cotidianamente desrespeitados, sem quaisquer consequências perceptíveis. Áreas residenciais, escolas, hospitais, parques e praças públicas tornam-se bases e campos de batalha, por vezes com escudos humanos e infrações ao Direito Humanitário de lado a lado.

Mercenários atuam livremente e com frequência são contratados por Estados. O limiar da tragédia é o poderio nuclear. Bombas atômicas não foram mais usadas desde Hiroshima e Nagasaki, mas seu poder destrutivo aumentou exponencialmente e a proliferação de nações que as detêm tornou-se o principal problema de segurança global. A guerra à distância não se limita a mísseis e drones destrutivos, envolve também preparação da inteligência e espionagem, ataques cibernéticos, manipulação do GPS e de sinal de internet, tão ou mais destrutivos, disruptores e mortíferos do que bombardeios.

Assim como a guerra, as relações políticas, culturais, sociais e econômicas evoluíram consideravelmente desde a segunda metade do século passado, causando inúmeras alterações nos costumes. Alguns evoluíram, outros involuíram. A guerra, infelizmente, evoluiu, ao menos tecnicamente e em poder destrutivo, com armamentos de destruição em massa e químicos e com táticas ainda mais devastadoras, forçando os Estados beligerantes a se adaptarem a essa nova situação, sem que as nações do globo discutissem suas repercussões jurídicas.

Lidar com esses conceitos passou a compor efetivamente a prática dos Estados em suas relações recíprocas, na maioria das vezes involuntária, impulsionada pelo medo de retaliações das nações hegemônicas. Diplomacia e política se imiscuíram no cenário externo, reconfigurando as relações com nações periféricas que não têm voz ativa ou representatividade no atual cenário global.

Afinal, nada desta triste realidade existia à época da negociação das Quatro Convenções de Genebra de 1949. As relações de força entre os blocos capitalista e socialista eram parelhas e o “terceiro mundo” não tinha lugar de fala. O conceito de ameaça existencial não era regulado, tampouco o de ataque preventivo, guerra por procuradores ou a imposição unilateral de sanções, noções que com o passar do tempo passaram a integrar o cotidiano de várias nações, mas estranhas ao Direito da Guerra. O comércio se fortaleceu com a Organização Mundial do Comércio e viu sua derrocada a partir de 2020, escalado agora com o protecionismo da era Trump II. A ONU tornou-se refém de cinco Estados com interesses ambíguos e antagônicos, restando como foro de negociações, mas sem um ordenamento necessário ao exercício de sua função básica: manter a paz no globo.

Na visão do Direito das Gentes, o costume nas relações internacionais, mesmo que imposto à comunidade global, mas praticado consistentemente há décadas, passa a integrar o Direito Internacional, devendo ser considerado por todos. É indiscutível que o costume é uma fonte primária de Direito e que a dinâmica do Direito Internacional não reconhece escala hierárquica entre suas fontes primárias, podendo o costume, inclusive, revogar qualquer tratado ou prática anterior. E essa é a nossa realidade. Pode-se alegar, com razão, que retornamos ou que entramos numa nova era de imposição de força, de bullying institucionalizado, do direito do mais forte, em que o conceito ocidental de “nação responsável” é decidido a portas fechadas. É lamentável constatar tudo isso, mas é essencial discutir esses novos contornos do Direito Internacional para entender essa realidade e combatê-la. Fonte: https://www.estadao.com.br

Manifestações dissonantes e incômodas, mesmo quando incivis, são parte do custo da democracia

 

Por Júlio Barroso e Leonardo Gomes Penteado Rosa

A despeito de o Brasil não possuir uma tradição lá muito robusta de liberdades civis, a redemocratização galvanizou o desejo do País de abandonar a censura e a promulgação da Constituição de 1988 inaugurou esperanças de desenvolvimento de uma cultura política tolerante e afirmativa das liberdades fundamentais.

Quase 37 anos depois da promulgação da Constituição, contudo, um conjunto heterogêneo de decisões judiciais recentes delineia um cenário pouco auspicioso para a liberdade de expressão. A inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da internet, decidida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), abre as portas para a trivialização da censura terceirizada e sem critério para as plataformas. Em fins de 2024, decisão monocrática do mesmo tribunal ordenou a retirada de circulação de obras jurídicas por objetar seu conteúdo. Mais recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) condenou um semanário a indenizar ministro do STF, afirmando que a publicação abusou da ironia na crítica ao ministro. Em instâncias inferiores, tivemos condenação de jornalista por divulgar salários de desembargadores. Poderíamos continuar enumerando casos afins, mas esses exemplos já são suficientes para evidenciar um panorama pouco amigável para aquela que podemos considerar a rainha das liberdades públicas, sem a qual as demais tendem a murchar. É especialmente preocupante que tais restrições venham justamente de diferentes instâncias do Judiciário, poder ao qual, no sistema brasileiro, cabe proteger as liberdades fundamentais, se necessário de modo contramajoritário e contra o clima dominante de opinião.

Defensores das medidas restritivas objetam apontando a moralidade nefasta nas expressões censuradas: em alguns casos, isso é inegavelmente verdade. No entanto, essa justificativa, além de excessivamente genérica, assume que ao Judiciário cabe uma espécie de tutela moral dos cidadãos. É preciso mais do que reprovação moral do conteúdo da expressão para justificar a censura. Não se trata aqui de defender uma versão “absolutista” da liberdade de expressão – sequer há quem defenda que a expressão jamais deve ter limites. Trata-se de reconhecer que, neste assunto, o Judiciário tem sido excessivamente restritivo e arbitrário.

O excesso de restrição deve-se, em parte, ao mal-entendido segundo o qual a liberdade de expressão deve ser constrangida pelo dever de civilidade. Uma importante função da liberdade de expressão é salvaguardar o debate público, que, pela sua natureza, costuma ser áspero (embora não tenha de sê-lo sempre). O dever moral de civilidade jamais deve ser imposto como uma obrigação jurídica, justamente por ser incompatível não com uma medida “absolutista” da liberdade de expressão, mas com parâmetros internacionais elementares de entendimento dessa liberdade em democracias. Lembremo-nos de que direito é, fundamentalmente, regra. Um bom teste para a regra que se aplaude é colocar-se do outro lado do balcão e pensar como os próprios adversários poderão aplicar aquela regra se e quando chegarem ao poder.

Já a arbitrariedade resulta da indisposição e da incapacidade dos tribunais de estabilizar regras de interpretação da liberdade de expressão. Cabe ao Judiciário – especialmente aos tribunais superiores – estabelecer em jurisprudência critérios bem delineados e regras claras de intervenção que se apliquem isonomicamente a todos. Diante do caso concreto, o espaço decisório de cada juiz é hoje quase total, e muitas vezes os magistrados simplesmente mencionam o contravalor de sua preferência como razão suficiente para a censura.

Para agravar o quadro, há outro mal-entendido: a liberdade de expressão foi capturada na polarização política que vive o País. Parte da direita faz uma defesa instrumental e retórica dessa liberdade, enquanto parte da esquerda acredita que a bandeira pertence de fato a seus adversários (exceto quando se vê censurada). Tem sido quase universal a disposição para aplaudir a censura dos adversários políticos enquanto se reivindica liberdade para seu próprio lado. Em outras palavras, a fronteira entre a censura vista como legítima e a ilegítima quase sempre coincide com a clivagem que polariza o País. A censura do que penso é censura, mas a censura do outro é democracia ou justiça. É um equívoco político. Apesar de a liberdade não se vincular a uma agenda política substantiva, foi e continua sendo crucial para dissidentes e lutadores sociais das mais variadas estirpes. Mas não há uma liberdade “de esquerda” ou “de direita”: o que a liberdade de expressão promete é preservar o caráter aberto do sistema político. Manifestações dissonantes e incômodas, mesmo quando incivis, são parte do custo da democracia.

Esperamos que a atual crise judicial da liberdade de expressão no Brasil seja apenas um soluço e que a sociedade brasileira e suas instituições se reconciliem com essa liberdade, reconhecendo-a como o pilar fundamental do regime democrático, com o qual essa liberdade se confunde. Fonte:  https://www.estadao.com.br

Bolsonaro mobiliza multidões ao capitalizar o ressentimento de muitos brasileiros. É fácil chamá-los de ‘golpistas’; difícil é admitir que abusos em nome da democracia alimentam esse azedume

 

As manifestações convocadas por apoiadores de Jair Bolsonaro no dia 3 passado revelaram, mais uma vez, a notável resiliência do populismo reacionário no Brasil. Embora envolto em escândalos e acusado de liderar uma conspiração golpista, o ex-presidente segue mobilizando parcelas expressivas da opinião pública. Compreender a capacidade de Bolsonaro de convocar multidões, mesmo submetido a tornozeleira eletrônica e em meio a uma ação penal no Supremo Tribunal Federal (STF), exige mais do que sarcasmo ou desprezo. Exige inteligência. Exige, sobretudo, que se investiguem as causas profundas da permanência desse movimento, que, a despeito de sua agenda antidemocrática, segue se retroalimentando de ressentimentos reais, abusos institucionais e frustrações legítimas.

A tragédia da república brasileira é que seus principais adversários se enxergam como encarnações do Bem. Em nome da civilização contra a barbárie, justificam-se arbitrariedades. Em nome da democracia, tolera-se a censura. Em nome da justiça social, contorna-se a lei. Em nome do combate ao autoritarismo, redobra-se o autoritarismo. É esse ciclo de descomedimento, intransigência e pretensão ao monopólio da moral que alimenta, do lado oposto, o mesmo espelho deformado. O Brasil segue refém de duas formas de radicalismo: uma grotesca, a outra presunçosa. Ambas se enxergam como o lado certo da História. Ambas agem como se estivessem acima da lei.

Jair Bolsonaro e seus filhos e aliados responderão, com razão, por tentativa de golpe de Estado e por mobilizar um governo estrangeiro contra instituições nacionais. Os indícios reunidos evidenciam que o clã Bolsonaro cruzou linhas vermelhas. Mas também é indisputável que o STF, notadamente por meio do ministro Alexandre de Moraes, cruzou inúmeras outras. O Supremo transformou-se em ator político de primeira ordem, instituiu inquéritos sem objeto definido, decretou prisões preventivas abusivas, censurou jornalistas e age com tamanha ambivalência hermenêutica que a interpretação de suas próprias decisões passou a depender do humor de seus ministros. O dedo do meio de Moraes no camarote de um estádio de futebol resume o ethos de um STF que confunde coragem com prepotência e mandou às favas a virtude da prudência.

Essa metamorfose da Corte em órgão de vanguarda, fiador do governo e promotor de causas identitárias não é indiferente à polarização política. Ela a inflama. Como também o faz a esquerda no poder, incapaz de aprender com os erros do passado. O PT, em especial, nunca fez a autocrítica exigida por sua responsabilidade nos escândalos que solaparam a credibilidade do sistema político. Sua resposta à oposição tem sido a de escorar-se no Supremo e apostar no discurso que opõe ricos e pobres. Sua visão de mundo permanece calcificada numa moral binária, que reduz adversários e dissidentes a “fascistas” e inviabiliza esforços de conciliação.

Parte considerável das elites intelectuais também perdeu o senso de proporção. A hegemonia progressista nas academias, redações e classe artística multiplica manifestações de escândalo moral contra críticos conservadores, mas é permissiva com os abusos cometidos por aliados. Cultiva uma retórica de superioridade moral que transita entre o iluminismo autoproclamado e o escracho público. Com isso, não apenas se aliena de amplas parcelas da população, como contribui para desmoralizar a indignação legítima, franqueando munição a quem sabe instrumentalizar ressentimentos.

Não se combate o populismo reacionário com populismo judicial ou messianismo progressista. Nenhum excesso de um lado justifica os do outro. A democracia exige o fim dos ciclos de vingança. Um novo pacto institucional, fundado na responsabilidade recíproca, na pluralidade e no respeito à lei, é condição para restaurar a confiança dos cidadãos na República. O combate ao golpismo deve ser firme, mas também exemplar. Não só na pena, mas na forma. Porque é a forma, no fim das contas, que distingue a justiça da revanche. Fonte: https://www.estadao.com.br