Recuperar a memória pode promover reencontro do Brasil com a democracia

 

No maior comício das Diretas Já, mais de 1 milhão de pessoas se reuniram no Vale do Anhangabaú em 16 de abril de 1984 - Renato dos Anjos/Folhapress - Folhapress

 

Patricia Vanzolini e Leonardo Sica

Respectivamente, presidente e vice-presidente da OAB-SP

Abril de 1984 ficou marcado pelas grandes manifestações políticas de rua. No dia 10, milhares de pessoas ocuparam a Candelária, no Rio de Janeiro, com a mensagem "Eu quero votar para presidente". Há exatos 40 anos, no dia 16, em São Paulo, ocorreu o histórico comício do Vale do Anhangabaú, ato final das Diretas Já, movimento cívico que mudou o Brasil.

A emenda do voto direto foi rejeitada pelo Congresso Nacional, dias depois, mas a mobilização teve resultados expressivos: demarcou o fim da ditadura e abriu portas para a Constituição de 1988 e para as eleições diretas em 1989. Foi o primeiro grande encontro da nossa República com a democracia.

impacto do movimento foi resultado de uma firme estratégia de articulação e coesão da sociedade civil, reunida sob o Comitê Suprapartidário, formado por partidos políticos, centrais sindicais, entidades, artistas, estudantes etc. Por escolha de todos esses atores, o comitê foi presidido pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), comandada pelo saudoso Mário Sérgio Duarte Garcia. Numa sociedade dividida, desconfiada e traumatizada pelo regime autoritário, era necessária uma voz imparcial, apartidária e de moderação para coordenar as Diretas Já. A OAB foi, naquela quadra da vida nacional, o centro de entendimento que o país necessitava.

A pressão pelo voto direto se desdobrou no pacto político que firmou o Estado democrático de Direito como nosso modo de vida nas décadas seguintes. Agora, 40 anos depois, nos deparamos com dúvidas quanto ao futuro da democracia representativa. Arroubos extremistas desafiam democracias mundo afora. Autocratas conseguem se impor com apoio no voto popular e avançam sobre as instituições. Estudiosos vêm dissecando o que chamam de crise ou recessão democrática.

No Brasil, a polarização político-afetiva, o tribalismo que fragmenta a sociedade e campanhas de desinformação confrontam nossa democracia que, embora jovem, resiste com vigor.

Esse cenário impõe que nossas instituições se conectem com as novas demandas que pressionam as democracias: emergência digital, diversidade, desigualdade e ausência de perspectivas de progresso e bem-estar. E, para a OAB, por coerência, é imperioso superar a resistência ao voto direto para escolher seu presidente nacional e, assim, se recolocar como ator relevante do jogo democrático.

Recuperar a memória das Diretas Já é útil para promover um novo encontro do Brasil com a democracia.

O passado é a conexão entre o presente e o futuro e, enquanto não desenvolvemos outras tecnologias, é a melhor chave de leitura para compreender o presente e imaginar o futuro.

Há 40 anos, direita, esquerda, progressistas, conservadores e liberais se uniram sem preocupação com rótulos, sem barreiras ideológicas de uns contra os outros. Não tínhamos uma Constituição fundamentada na cidadania, no poder do povo e no pluralismo político, com garantias como liberdade de expressão, de reunião, de imprensa. Repressão e violência política eram realidades e, mesmo assim, foi possível convergir sob uma agenda coletiva.

Mesmo assim, foi possível.

Se foi naquele cenário, é hora de trocar polarização por aproximação, colocar mais luz naquilo que nos une como cidadãos e reconhecer que, como tais, nossas afinidades importam mais que nossas divergências.

É possível aprimorar nossas instituições na direção de uma democracia universal. Há necessidades consensuais que devem ser priorizadas, e nossa história recente mostra que, quando agimos sob um sinal comum, somos mais felizes nessa empreitada. Fonte: https://www1.folha.uol.com.br

Anistiar os crimes do 8 de Janeiro significará esquecê-los. E o Brasil não pode esquecer quem conspirou contra seu regime democrático

 

Por Marcelo Veiga Beckhausen

Assistimos diariamente aos avanços da investigação sobre o movimento antidemocrático de janeiro de 2023, conduzida pelo ministro Alexandre de Moraes e declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n.º 572. Constitucionais, portanto, tanto a Portaria 69/2019, do gabinete da presidência do STF, que indicou Moraes como relator do inquérito, quanto o artigo 43 do Regimento Interno do STF. Tais dispositivos serviram de suporte para o chamado inquérito das milícias digitais, destinado a investigar o incitamento ao fechamento da Suprema Corte, as ameaças de morte ou de prisão de seus membros e a apregoada desobediência a decisões judiciais.

Antes de prosseguir, cabe salientar meu entendimento de que o Regimento Interno do STF não é norma apta a estabelecer competência criminal, e é urgente que o Congresso Nacional se esforce para criar emenda constitucional neste sentido, mecanismos de enfrentamento aos ataques à Corte. Também entendo que as penas aplicadas aos baderneiros do 8 de Janeiro são extremamente pesadas, com a inadequada aplicação do concurso de crimes, associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Condutas, aliás, muito graves. Obviamente, numa democracia, devemos respeito às decisões do Judiciário, que devem ser obedecidas, e essas ponderações têm um sentido exclusivamente reflexivo.

Pois bem. Nos últimos meses surge no Congresso Nacional, com alguma força, o Projeto de Lei (PL) n.º 5.064, destinado a anistiar os participantes do 8 de Janeiro, quando os prédios dos Três Poderes em Brasília foram invadidos e depredados. Tal projeto concede perdão aos acusados e condenados pelos crimes definidos nos artigos 359-L e 359-M do Decreto-lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940, o Código Penal, em razão das manifestações que aconteceram na Praça dos Três Poderes, em Brasília.

Mas seria possível anistiar alguém por atentados ao Estado Democrático de Direito? A Corte Interamericana de Direitos Humanos já decidiu, em alguns julgados, que as autoanistias criminais são nulas (caso Barrios Altos vs Peru, por exemplo), e é impossível que responsáveis pelo cometimento de crimes contra a população civil possam isentar-se a si mesmos, com legislações criadas por órgãos legiferantes sem representatividade e subordinados aos repressores. Porém esse é um quadro diferente. Aqui, pretende-se anistiar um grupo de pessoas, civis e militares, envolvidas com tramoias, conspiração, fechamentos de estradas, acampamentos golpistas, ataques ao sistema eleitoral e destruição de bens públicos. Uma tentativa de ruptura institucional, complexa e com movimentos dos mais diversos. Malsucedida, ainda bem, por motivos que no futuro saberemos.

O projeto é de autoria de representantes legítimos do povo, eleitos, ironicamente, pelas urnas eletrônicas apontadas como fraudulentas pelos grupos que invadiram os prédios em Brasília naquele 8 de janeiro. É um diferencial em relação à anistia do regime militar, sancionada pelo general João Batista Figueiredo em agosto de 1979, que perdoou torturadores e violadores de direitos humanos. O PL em andamento ataca o trânsito em julgado de algumas decisões, proferidas pela última instância do Poder Judiciário, o que já é grave, posto que chancela a afronta ao artigo 2.º da Constituição, núcleo da separação dos Poderes. Mas é difícil de entender a concessão de anistia para quem, justamente, atacou as instituições e o sistema eleitoral, chamando-o de fraudulento sem provas, ocupando um espaço perigoso, extremista e antidemocrático.

Tal perdão representa um grande retrocesso, do ponto de vista do retorno à democracia desde os anos 80, num Brasil repleto de histórias de golpes e autoritarismo. E aos que não foram julgados ainda, financiadores, mandantes e altas autoridades da República, não seria necessário sequer aguardar o julgamento, autêntica anistia preventiva, estimulando os futuros golpistas de plantão, que receberiam simbolicamente um salvo-conduto inapropriado.

Críticas ao sistema judiciário são saudáveis, bem-vindas e necessárias, mas destoam dos pedidos de intervenção militar bradados em frente aos quartéis ou das facadas num quadro de Di Cavalcanti.

Existem caminhos legítimos para criticar o sistema, e não são esses. Se a palavra anistia deriva do latim amnestia, que significa esquecimento, não pode o Brasil esquecer quem conspirou contra seu regime democrático. Já fizemos isso uma vez e, agora, quando se completam 60 anos do último golpe militar, não cabe repetir tal esquecimento. Anistiar estes crimes significará esquecê-los. Sob pena de a ameaça do regime militar, de triste e repugnante lembrança, nunca nos abandonar e de o golpe de 1964 continuar sendo comemorado. Muitas vezes, explicitamente.

*DOUTOR EM DIREITO, PROCURADOR REGIONAL DA REPÚBLICA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF), É PROFESSOR DA UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS (RS)  Fonte: https://www.estadao.com.br

O País precisa conter o golpismo e se faz urgente a regulação das redes, mas nenhuma dessas tarefas pode prescindir da maior proteção contra autoritarismos: a liberdade de expressão

 

Está na Constituição, em seu artigo 5.º, inciso IV, parágrafo IV: “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Quando a Constituição foi promulgada, em 1988, poucas coisas pareceram mais festejadas do que esse artigo – o mesmo segundo o qual todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza e com garantia do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Estabeleceu-se ali também o veto a qualquer forma de censura e se definiram limites a esse direito fundamental: em situações de violação da intimidade, da honra, da vida privada e da imagem de outras pessoas. Em casos de calúnia, difamação e injúria, foi assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente do abuso da liberdade de expressão. Ou seja, a Constituição define, sem conjunções adversativas, o que é o pilar da democracia e aponta seus limites com precisão.

É espantoso, no entanto, que a limpidez da lei e de seus princípios fundadores pareça hoje insuficiente no Brasil. Mesmo com tamanha clareza, o debate sobre liberdade de expressão foi levado ao paroxismo pela ausência de regulação das plataformas digitais, pela conjugação entre ativismo e arbitrariedade do Supremo Tribunal Federal (STF) e pela instrumentalização muitas vezes criminosas das redes sociais – uma tríade de tensões agravada com as ameaças à democracia que culminaram no vandalismo golpista de 8 de janeiro de 2023, com o ambiente democrático intoxicado pela polarização e com a junção entre as diatribes de liberticidas extremistas e a tirania de quem se enxerga acima da lei e das instituições, como se viu na recente polêmica envolvendo o empresário Elon Musk e o ministro Alexandre de Moraes, do STF.

O País precisa fortalecer seus diques de contenção de novas aventuras golpistas, e se faz urgente a regulação das redes sociais – uma regulação que seja capaz de construir um ambiente digital mais seguro e confiável, permitir o avanço na proteção dos direitos e da liberdade e responsabilizar as plataformas digitais pelo conteúdo de terceiros que publicam. Nenhuma dessas tarefas inadiáveis, contudo, pode prescindir daquela que é a maior proteção da sociedade contra autoritarismos: a liberdade de expressão. É o que determina a fronteira entre regimes democráticos e autoritários ou o que define o princípio por meio do qual se pode frear o silenciamento de opiniões contrárias, seja pela censura estatal, seja pela “tirania da maioria”, segundo a clássica definição de um dos pais do liberalismo, o britânico John Stuart Mill. Se há ditaduras que toleram a liberdade econômica e governos autocráticos que mantêm o verniz democrático por meio das eleições, nenhum regime antiliberal tolera a liberdade de expressão.

O paradoxo é ver a mãe de todas as liberdades tisnada pela marotagem ideológica de nosso tempo. De um lado, certos personagens que se aliam em sua defesa e parecem, para muitos, o próprio avesso do princípio – de Elon Musk a Jair Bolsonaro, passando por Donald Trump, não são poucos os extremistas que se aproveitam do mundo aparentemente sem lei das plataformas digitais para irresponsavelmente difundir desinformação, arruinar o debate público e mobilizar exércitos de militantes à custa do medo e da deslegitimação das instituições. De outro lado, sob o pretexto de resguardar a democracia, adotam-se o arbítrio, a invenção de tipos penais e a criminalização do próprio exercício das liberdades individuais. O resultado é o mesmo: o enfraquecimento das liberdades e a desmoralização das instituições.

O Brasil pode inspirar-se em caminhos distintos adotados mundo afora para regular as plataformas digitais – uma legislação mais dura como a da União Europeia ou mais liberal como a norte-americana. Mas em nenhum desses modelos o Estado impõe restrições à liberdade de expressão com base no conteúdo, por mais imoral que seja. Salvo raríssimas exceções, também adotam um limite claro: aquilo que a própria Constituição define como crime no mundo real. A lei ainda é o melhor lenitivo contra a incúria ou a má-fé de agentes do poder público, de políticos extremistas ou de lideranças digitais que usam a própria defesa da democracia e da liberdade para subvertê-las. Fonte: https://www.estadao.com.br

Comissão Nacional da Verdade apontou mais de 8.000 indígenas mortos na ditadura

 

Txai Suruí

Coordenadora da Associação de Defesa Etnoambiental - Kanindé e do Movimento da Juventude Indígena de Rondônia

 

Presidida por Enea Stutz e Almeida, Comissão de Anistia julga casos de repressão a indígenas na ditadura Gabriela Biló/FolhapressMAIS 

 

Comissão de Anistia do Ministério dos Direitos Humanos analisou na terça-feira (2) os primeiros pedidos de reparação coletiva da história do país. No marco dos 60 anos do golpe, o Estado brasileiro reconheceu pela primeira vez a culpa na perseguição, tortura e morte de indígenas durante a ditadura militar, com anistia política aos povos guarani-kaiowás e krenaks.

Os pedidos de reparação coletiva são uma novidade e foram incluídos no regimento da comissão em 2023. Eles não geram ressarcimento financeiro, mas, no caso dos indígenas, podem representar uma nova etapa na garantia de direitos a essas comunidades, com a retificação de documentos, a inclusão no SUS ou avanços no processo de demarcação de terras.

A Comissão Nacional da Verdade (CNV) trouxe a público uma parte cruel e escondida da história: os graves crimes cometidos contra os povos indígenas. Um desses crimes foi a criação de um centro de detenção indígena, na cidade de Resplendor (MG), o "Reformatório Krenak". O reformatório aprisionou e torturou não apenas indígenas krenaks mas diversas outras etnias, entre elas os pataxós, impondo restrições às suas práticas ancestrais sob a vigilância dos militares.

Na Amazônia, o projeto do regime militar era de ocupação e "desenvolvimento", em uma época em que se propagava que a região era um vazio populacional e um "inferno verde". A herança dessa visão pode ser vista nas esferas das estruturas de poder criadas para "desenvolver" a região, nos impactos ambientais causados por grandes obras sem estudo prévio e na violação dos direitos dos povos indígenas e das comunidades tradicionais. Os waimiri-atroaris, por exemplo, tiveram 80% do seu povo dizimado durante a abertura da rodovia BR-174.

A CNV apontou que pelo menos 8.350 indígenas foram mortos durante a ditadura militar. O relatório Figueiredo expõe que entre as formas de tortura houve "caçadas humanas", promovidas com metralhadoras e dinamites (atiradas de aviões), contágios propositais de varíola em povoados isolados e entrega de açúcar misturado ao veneno estricnina. As cicatrizes e os impactos da ditadura podem ser sentidos até hoje na vida dos povos indígenas.

Por isso reproduzo a fala da deputada Célia Xakriabá no julgamento: "Quando falam que os povos indígenas são atrasados, digo que é atrasado também o Estado brasileiro, que só agora, em pleno 2024, vem pedir perdão aos povos indígenas pelas mortes e atrocidades cometidas contra nós na ditadura. É importante pedir perdão, mas é crucial não continuar assassinando os povos indígenas, pois a reparação neste momento é pensar na demarcação". Memória, justiça, reparação e demarcação para os povos indígenas! Fonte: https://www1.folha.uol.com.br

 

Em abril de 1964 começava o longo período marcado pela derrubada da frágil democracia brasileira implantada pela Constituição de 1946

 

Por Flávio Tavares

Existem datas que, pelos malefícios ou maldades provocados, jamais podem ser esquecidas. Uma delas é o 1.º de abril de 1964, que instituiu uma ditadura que durou 21 anos e completou 60 anos há poucos dias.

Não pretendo substituir-me à ampla e minuciosa rememoração daqueles acontecimentos publicada dias atrás por este jornal, mas relembrar certos períodos e fatos ocorridos ou que eu próprio presenciei. Eu era jornalista em Brasília e recordo com nitidez a sessão do Congresso Nacional em que o senador-presidente, sem qualquer debate, declarou “vaga” a Presidência da República – numa sessão em plena madrugada e que durou no máximo dez minutos. O pretexto invocado fora uma carta ao Congresso em que o então chefe da Casa Civil informava que o presidente da República iria transferir o governo para Porto Alegre, “em vista dos últimos acontecimentos militares”.

Consumava-se, assim, a tentativa de dar aparência legal ao levante militar iniciado em 31 de março em Minas Gerais, pelo general Mourão Filho. Era o começo de um longo período, marcado pela derrubada da frágil democracia na qual vivia o Brasil e implantada pela Constituição de 1946, após a destituição de Getúlio Vargas no ano anterior.

Daí em diante, ocorreram atos nefastos ao longo de mais de duas décadas. Começaram com prisões a esmo e a cassação de mandatos parlamentares ou a tortura como método de interrogatório dos presos políticos, e logo a censura na imprensa, rádio e televisão. Tudo se fazia por meio dos “Atos Institucionais” impostos pelos comandos do Exército, da Marinha e Aeronáutica. Era o início da ditadura militar, que se ampliou com o Ato Institucional número 2, ao extinguir os partidos políticos e anular a projetada eleição presidencial de 1965.

Os golpistas protestavam contra as “reformas de base”, especialmente contra a reforma agrária e a reforma financeira e fiscal, que eles apresentavam como a “comunização do País” e o início da “extinção da propriedade privada”. O pretexto fora o comício de 13 de março no Rio de Janeiro, em que o presidente João Goulart anunciou a estatização das refinarias privadas e a desapropriação das áreas rurais não cultivadas junto das rodovias federais.

Dias antes, em São Paulo, a Marcha da Família com Deus pela Liberdade reuniu dezenas de milhares de pessoas (encabeçadas por dona Leonor de Barros, esposa do então governador Adhemar de Barros) para protestar contra o governo federal. Já pré-candidato à Presidência da República, o governador paulista era conhecido pelo lema “rouba, mas faz”.

A pregação do sacerdote irlandês-americano Patrick Peyton, vindo ao Brasil para preparar a marcha, mostrava a escondida influência estrangeira nos acontecimentos.

Anos depois do golpe, a historiadora Phyllis Parker descobriu, nos arquivos da CIA e do Departamento de Estado, a Operação Brother Sam, que descrevia a participação americana no golpe. Naqueles tempos, em pleno auge da guerra fria, a paranoia anticomunista dominava os Estados Unidos e o mundo Ocidental. Em meu livro 1964 – O Golpe, exponho parte daquela documentação, que agora não cabe detalhar.

Mostro aqui, no entanto, um fato que define a raiz do movimento golpista. A esquadra americana partiu da base naval de Norfolk, com o porta-aviões Forrestal à frente, com destino a Santos, para intervir no Brasil. Indago: o porta-aviões não indicaria até um eventual bombardeio aéreo?

Dia 2 de abril, a esquadra recebeu ordem de voltar, pois o presidente João Goulart tinha desistido de resistir e o movimento golpista já havia triunfado.

Meses antes do golpe, o embaixador Lincoln Gordon (em reunião com o então presidente John Kennedy) tinha logrado substituir o adido militar dos EUA no Brasil pelo coronel Vernon Walters, que falava perfeitamente nosso idioma pois fora oficial de enlace dos EUA com as tropas do Brasil durante a 2.ª Guerra na Itália. Lá, fez-se íntimo do então coronel Castello Branco, seu colega no lado brasileiro.

Castello Branco foi o primeiro ditador, eleito pelo Congresso como candidato único numa verdadeira simulação em que o voto era cantado publicamente sob ameaça de cassação do mandato. Até o ex-presidente e então senador Juscelino Kubitschek votou em Castello, que, meses depois, cassou seu mandato parlamentar.

Desde a consolidação do golpe, incorporou-se ao nosso idioma o não usual verbo “cassar”, nunca com o sentido de “caçar” animais ou criminosos, mas de terminar com mandatos parlamentares ou suspender direitos políticos ao longo de dez anos.

O golpe no Brasil serviu de modelo para que em diferentes países da América do Sul ocorressem movimentos militares semelhantes, em que as Forças Armadas assumiram o poder político e aplicaram todo horror possível. Os mais notórios golpes de Estado ocorreram no Chile e na Argentina e, logo, se estenderam a outras nações.

Por tudo isso (além de outros detalhes), os 60 anos do golpe militar não podem ser esquecidos e são uma data a sempre lembrar.

*JORNALISTA E ESCRITOR, PRÊMIO JABUTI DE LITERATURA 2000 E 2005, PRÊMIO APCA 2004, É PROFESSOR APOSENTADO DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA Fonte: www.estadao.com.br

Golpista até o fim

Depoimentos dos ex-chefes do Exército e da Aeronáutica à PF não dão margem a dúvidas: Brasil esteve à beira da ruptura nas mãos de um liberticida incorrigível. Que isso não saia barato

 

O Brasil esteve à beira de um golpe de Estado nos estertores do governo de Jair Bolsonaro. Já não se trata mais de uma conjectura ou de um mero exagero retórico. Um golpe para impedir a posse de Lula da Silva como presidente da República legitimamente eleito foi uma possibilidade real, como ficou claro a partir dos depoimentos dos ex-comandantes do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, e da Aeronáutica, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, prestados à Polícia Federal (PF) no início de março.

A julgar pelo que disseram os ex-comandantes, a ruptura do regime democrático foi tramada por Bolsonaro sem recurso a meias palavras. De forma direta, o ex-presidente considerou empregar meios violentos para fazer letra morta da Constituição e se aferrar ao poder. É assim, como uma trama concreta, que a tentativa de golpe deve ser tratada pelas autoridades incumbidas de investigar, processar e julgar Bolsonaro e todos os sediciosos que a ele se associaram – até as últimas consequências.

São estarrecedoras as revelações dos militares, trazidas a público agora que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes decidiu retirar o sigilo das investigações. Aos policiais, Freire Gomes afirmou que Bolsonaro convocou reuniões no Palácio da Alvorada com a cúpula das Forças Armadas após a derrota no segundo turno para apresentar aos comandantes “hipóteses de utilização de institutos jurídicos como GLO (Garantia da Lei e da Ordem) e estados de defesa e sítio em relação ao processo eleitoral”.

Baptista Júnior, por sua vez, relatou à PF que, diante da insistência de Bolsonaro em encontrar meios para subverter a ordem democrática, por pura irresignação com o resultado da eleição, o então comandante do Exército chegou a ameaçá-lo de prisão. “O general Freire Gomes afirmou que, caso (Bolsonaro) tentasse tal ato, teria de prender o presidente da República”, disse o brigadeiro, que, assim como Freire Gomes, foi ouvido pela PF na condição de testemunha.

Para além do fato de terem chegado ao topo da carreira em suas respectivas Forças, Freire Gomes e Baptista Júnior estiveram no centro nevrálgico da conspiração bolsonarista. Dessa posição de destaque, o general e o brigadeiro foram determinantes para o fracasso do golpe, independentemente das razões que os tenham motivado a agir como agiram. Agora, como testemunhas, têm servido ao País para elucidar a anatomia do golpe urdido. Por isso o peso de suas palavras.

Que Bolsonaro é um ressentido com a democracia e um golpista de marca maior, já era fato público e notório desde muito antes de ele cogitar concorrer à Presidência da República. Seus quatro anos de mandato como chefe de Estado e de governo só deixaram claro para um público mais amplo a sua índole liberticida. A natureza golpista de Bolsonaro, no entanto, não diminui a importância das revelações feitas por seus ex-comandantes militares – ao contrário.

Também em depoimento à PF, o presidente do PL, o notório Valdemar Costa Neto, revelou as pressões que teria sofrido de Bolsonaro para que o partido bancasse com dinheiro público um relatório fajuto lançando suspeitas contra o sistema eleitoral. Fica claro, assim, que Bolsonaro procurou se cercar de meios políticos e militares para levar a cabo a intentona.

Inconformado com a derrota eleitoral, Bolsonaro se moveu para pôr tropas armadas nas ruas a fim de sustentá-lo no cargo, sob a falsa justificativa de que a eleição não teria sido limpa. Tramou prender autoridades políticas e judiciárias. Por óbvio, teria lançado suas garras também sobre a imprensa profissional e independente. No limite, Bolsonaro assumiu o risco de derramar o sangue de concidadãos em nome de um projeto pessoal de poder. Um doidivanas, assim como os fardados que anuíram com essa loucura.

Eis a dimensão da sordidez. Ao tempo que fazia chegar ao País a informação de que estaria “deprimido” por não ter sido reeleito, Bolsonaro, na verdade, estava maquinando o fim da democracia, cuja reconquista tanto custou aos brasileiros. Que isso não saia barato. Fonte: https://www.estadao.com.br

Hamas diz que Israel disparou contra civis que esperavam para receber alimentos, matando 112 pessoas; Exército israelense culpa 'empurra-empurra, pisoteamento e atropelamentos'

 

Vídeo divulgado pelo Exército de Israel mostra dezenas de pessoas em torno de caminhões de ajuda humanitária na Faixa de Gaza — Foto: Divulgação

 

Por O Globo e agências internacionais — Gaza

Autoridades palestinas acusaram Israel de disparar e matar dezenas de pessoas em meio a uma entrega caótica de ajuda humanitária na Faixa de Gaza na madrugada desta quinta-feira, em um incidente que, segundo o Ministério da Saúde do enclave, deixou ao menos 112 mortos e 760 feridos. Aliados de Israel, os EUA pediram uma investigação, e o presidente americano, Joe Biden, alertou que o episódio deve complicar os esforços por um cessar-fogo para o conflito de quase cinco meses. A mesma advertência foi feita pelo grupo terrorista Hamas, que controla a Faixa de Gaza desde 2007.

Israel e o lado palestino apresentaram relatos diferentes de como as vítimas morreram na Cidade de Gaza, no norte do território. Testemunhas e sobreviventes disseram que disparos atingiram multidões e os caminhões de ajuda, e Mohammed Salha, diretor interino do hospital al-Awda, que tratou 161 pessoas, afirmou que a maioria delas parece ter sido atingida por tiros.

O presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, que controla o território ocupado da Cisjordânia, descreveu o incidente como um "massacre horrível conduzido pela ocupação israelense contra pessoas que esperavam caminhões de ajuda". Já o Egito classificou o episódio como “um ataque desumano israelense” e pontuou que havia “civis palestinos desarmados”. “Nós consideramos atacar cidadãos pacíficos que correm para pegar parte da ajuda um crime vergonhoso e uma flagrante violação do direito internacional”, afirmou em comunicado.

Em um comunicado, as Forças Armadas de Israel afirmaram que as mortes decorreram de uma confusão durante a entrega da ajuda, com os soldados somente tendo disparado para o ar e contra as pernas de um grupo de residentes que se afastou do comboio humanitário e se aproximou de uma unidade militar israelense. Em uma entrevista coletiva mais tarde, o porta-voz das Forças Armadas de Israel, Daniel Hagari, afirmou, porém, que só foram feitos disparos de alerta para dispersar a multidão, e disse que aviões que sobrevoavam a área não realizaram ataques aéreos.

Segundo Hagari, as Forças Armadas coordenavam um comboio com 38 caminhões com ajuda humanitária vindo do Egito, prevista para ser distribuída por prestadores de serviço privado após entrada no território pela passagem de Kerem Shalom. O primeiro caminhão entrou no corredor humanitário às 4h40 (horário local), disse o porta-voz, em direção ao norte de Gaza.

— Nossos tanques estavam lá para garantir a segurança do corredor humanitário para o comboio de ajuda — afirmou Hagari. — Nossos veículos áereos não-tripulados [drones] estavam no ar para dar às nossas forças uma clara visão de cima.

No comunicado, o Exército afirmou que quando o comboio chegou ao entroncamento na Cidade de Gaza, "residentes cercaram os caminhões para saquear os suprimentos que eram entregues. Como resultado do empurra-empurra, pisoteamento e atropelamento pelos veículos, dezenas de palestinos foram mortos e feridos". De acordo com Hagari, isso ocorreu às 4h45.

Ainda segundo o comunicado, os caminhões continuaram se dirigindo para o norte da Faixa de Gaza e, ao chegar ao bairro de Rimal, surgiram relatos de que indivíduos armados dispararam contra os veículos e os saquearam. Nesse momento, diz o Exército de Israel, algumas pessoas na multidão começaram a se aproximar de uma unidade das Forças Armadas de Israel na área, o que fez os soldados fazerem disparos de alerta para o ar antes de atirar para atingir as pernas daqueles que continuavam avançando em sua direção.

À Reuters, uma fonte israelense afirmou, previamente ao comunicado do Exército, que as tropas de Israel abriram fogo contra “várias pessoas” que cercaram o comboio porque se sentiram ameaçadas.

Forças Armadas de Israel divulgam vídeo mostrando multidões durante entrega de ajuda que deixou mortos

Testemunhas relataram à AFP que viram milhares de pessoas correndo na direção dos caminhões de ajuda humanitária que se aproximavam. Uma pessoa afirmou que os veículos com as doações chegaram “muito perto de alguns tanques do Exército israelense que estavam na área, e milhares de pessoas simplesmente avançaram sobre os caminhões”. Nesse momento, afirmou, “os soldados dispararam contra a multidão”.

 

Negociações sobre cessar-fogo

Uma nova proposta tem sido debatida entre as autoridades israelenses, cataris, americanas e egípcias. Segundo a proposta, o Hamas deve libertar 40 reféns, incluindo mulheres, crianças e jovens menores de 19 anos, além de pessoas com mais de 50 anos e doentes. Já Israel libertaria cerca de 400 prisioneiros palestinos e não os prenderia mais. A proposta ainda permitiria que hospitais e padarias em Gaza fossem reparados e que 500 caminhões de ajuda humanitária entrassem no enclave por dia.

“As negociações conduzidas pela liderança do movimento não são um processo aberto à custa do sangue do nosso povo”, disse o grupo em referência às mortes desta quinta-feira, afirmando que Israel seria o responsável por qualquer fracasso nas tratativas.

Após quase cinco meses de guerra entre Israel e Hamas, as Nações Unidas estimam que 2,2 milhões de pessoas, a grande maioria da população, estejam ameaçadas pela fome em Gaza, especialmente no norte, onde destruição, combates e saques tornam quase impossível o transporte de ajuda humanitária. Também nesta quinta-feira, o Ministério da Saúde de Gaza anunciou que mais de 30 mil pessoas morreram como consequência das operações israelenses no enclave desde o início da guerra, em 7 de outubro, desencadeada com o ataque do Hamas a Israel que deixou ao menos 1.100 mortos e cerca de 240 reféns.

Segundo a Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinos (UNRWA, na sigla em inglês), quase 2,3 mil caminhões de ajuda entraram na Faixa de Gaza em fevereiro, com uma média de 82 veículos por dia. O número é 50% menor que em janeiro — antes do conflito atual, quando as necessidades da população eram menos urgentes, cerca de 500 caminhões entravam no enclave todos os dias. Fonte: https://oglobo.globo.com

Em ato na Paulista, Bolsonaro se limitou a pedir anistia, enquanto um de seus principais herdeiros, Tarcísio, já o tratava como um retrato na parede, candidatando-se a herdar seus

 

A manifestação bolsonarista de anteontem na Avenida Paulista serviu para evidenciar o contraste entre os objetivos de Jair Bolsonaro e os de quem pretende herdar seu espólio eleitoral. Com um discurso politicamente anódino, Bolsonaro parecia ter-se dado por vencido de que deverá, mais cedo ou mais tarde, prestar contas à Justiça em razão das cada vez mais robustas evidências de que urdiu um golpe para permanecer no poder, restando-lhe apenas apelar por uma improvável anistia. Por outro lado, ao dizer que “Bolsonaro não é mais um CPF, não é uma pessoa, ele representa um movimento”, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, tratou o ex-presidente, na prática, como um retrato na parede. Sendo ele mesmo perfeitamente elegível, ao contrário de seu padrinho político, Tarcísio claramente se apresentou como candidato a líder desse movimento – numa disputa contra outros vários presentes ao lado de Bolsonaro na Paulista.

Se os termos da convocação para o ato já não escondiam o propósito de Bolsonaro, o discurso do ex-presidente em cima de um trio elétrico reforçou sua intenção de explorar o público presente na Paulista para afrontar, a um só tempo, a História, a Polícia Federal e o Supremo Tribunal Federal a fim de escapar da cadeia. “Nós já anistiamos no passado quem fez barbaridades no Brasil”, disse Bolsonaro, referindo-se à anistia que pavimentou o caminho para a redemocratização do País. “O que eu busco é a pacificação. É, por parte do Parlamento, uma anistia para aqueles pobres coitados presos em Brasília”, completou, tratando como “pobres coitados” a malta ensandecida que vandalizou física e moralmente as instituições democráticas no 8 de Janeiro.

Por óbvio, Bolsonaro não dá a mínima para as agruras no cárcere experimentadas por cada um daqueles homens e mulheres, jovens e idosos, que, em seu nome, passearam naquele dia infame pelos tipos penais previstos na Lei 14.197/2021, que trata da defesa do Estado Democrático de Direito. Como sempre, Bolsonaro está preocupado apenas com seu destino – no máximo, com os de seus familiares e aliados próximos. Nesse sentido, é bastante sintomático que Bolsonaro tenha agradecido a seus apoiadores por terem proporcionado “uma fotografia para o mundo, uma imagem para o Brasil e para o mundo do que é a garra do povo brasileiro”. Era só com isso que Bolsonaro estava preocupado.

A política que faltou no discurso de Bolsonaro sobrou no de Tarcísio de Freitas. O governador paulista, único a quem foi dada a palavra entre os governadores presentes na manifestação – Romeu Zema (MG), Ronaldo Caiado (GO) e Jorginho Mello (SC) –, fez um breve inventário de algumas das alegadas realizações da gestão Bolsonaro. Logo em seguida, destacou que os milhares de manifestantes reunidos na Avenida Paulista lá estavam para “celebrar o verde e amarelo, o amor ao nosso país e o Estado Democrático de Direito”, sendo fundamental “entender os seus desafios”.

O poder de mobilização de Bolsonaro é incontestável, como mostra a multidão reunida na Paulista. Mas, enquanto o ex-presidente se limita a vociferar contra o “comunismo” em cima de um carro de som e a se dizer “perseguido”, Tarcísio e outros já estão com os olhos no futuro e seus “desafios”.

Essa direita se une por Bolsonaro hoje na exata medida da necessidade de preservar para si o potencial eleitoral do “mito” – mas é bom lembrar que o governador paulista, tão agradecido a seu padrinho, é o mesmo que não se sentiu constrangido em estabelecer um diálogo construtivo com o presidente Lula da Silva, demonizado pelos extremistas de camisa da seleção brasileira, e em apoiar a reforma tributária à revelia do ex-presidente. Ou seja, os prováveis herdeiros de Bolsonaro, ao mesmo tempo que compreendem as demandas – muitas das quais legítimas – dos que foram à Paulista, oferecem a superação do radicalismo bolsonarista, não só para ampliar o eleitorado fora da extrema direita, mas, sobretudo, para deixar claro seu caráter democrático – essencial para a pacificação que Bolsonaro só quer da boca para fora. Fonte: https://www.estadao.com.br

Bolsonaro – o tempo das consequências

A aposta de Bolsonaro e Valdemar só se sustenta porque justiça, imprensa e adversários ainda não param de falar deles. Mas até isso está em perigo

 

 

Por Fernando Gabeira

Com o resultado da Operação Tempus Veritatis (tempo da verdade) e outros indícios recolhidos pela Polícia Federal (PF), é possível dizer que o material terá sérias consequências jurídicas para Bolsonaro e alguns dos seus mais próximos apoiadores.

Minuta de golpe, gravação completa de uma reunião ministerial, troca de mensagens comprometedoras, monitoramento do ministro Alexandre de Moraes, que deveria ser preso e levado para Goiânia – tudo isso sustenta a narrativa de um plano de golpe, que deveria acontecer antes das eleições.

O golpe não aconteceu no ano de 2022. No entanto, ele viria a ser tentado, de outra forma, no 8 de janeiro de 2023. Um dos desafios da investigação é precisamente estabelecer os vínculos entre o que se planejou e o que aconteceu de fato.

Até o momento, uma das indicações é o levantamento de R$ 100 mil que foi solicitado ao tenente-coronel Mauro Cid. O dinheiro foi usado? Serviu para financiar ônibus e outros itens da logística da chamada “Festa da Selma”?

O fundamento de tudo, desde o princípio das maquinações, é a falsa suposição de que as urnas eletrônicas estavam viciadas.

Bolsonaro antevia a derrota. Na própria reunião de julho de 2022 ele afirma que sua vitória em 2018 foi um golpe de sorte. Na verdade, usa um termo fisiológico, mas o sentido é este: a vitória não se repetirá com o tipo de eleições que temos.

Essa conclusão levou facilmente a outra: é preciso fazer algo antes das eleições, virar a mesa, como chegou a formular o general Augusto Heleno.

As consequências jurídicas desta aventura golpista vão depender do grau de maturidade da preparação e dos vínculos com a tentativa desesperada do 8 de janeiro. Não se perdoam golpes fracassados; a evidente incompetência não funciona como atenuante.

Assim como nos Estados Unidos, a sucessão de processos criminais mantém Bolsonaro e Trump em evidência. Aqui, como lá, não há indicações de que isso significa perda de popularidade. A diferença essencial é que no Brasil os acusados são impedidos de disputar as eleições. Bolsonaro já está fora em 2026, mas corre o risco de uma ausência mais longa.

A tentativa de golpe pode resultar em prisão. Mas este processo, a julgar pelo que dizem nos bastidores os próprios ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), teria de ser completo. Em outras palavras, seria necessário julgamento com amplo direito de defesa e esgotamento de todos os recursos, em caso de condenação.

A justiça tem seu tempo quando transita nas alturas, uma vez que os manifestantes de 8 de janeiro já estão, em parte, condenados a altas penas de prisão.

Mas a cautela tem suas razões. Bolsonaro percebeu, pelo destino de Trump, que processos não derrubam popularidade, necessariamente. Ele deve se apoiar nela para contestar as acusações e, se possível, utilizá-la para ganhar mais simpatia. Assim interpreto a disposição de Bolsonaro de convocar manifestação em São Paulo.

Mas as consequências políticas não param aí. Elas são importantes no ano de eleições municipais. O PL, partido de Valdemar Costa Neto, tem uma fortuna para gastar: mais de R$ 1 bilhão. No entanto, o próprio Valdemar, presidente do partido, e seu mais importante cabo eleitoral, Bolsonaro, estão proibidos de entrar em contato, por força das investigações.

É claro que políticos sempre acham um caminho para contornar obstáculos. Mas não será nada fácil fazer uma campanha com a PF nos calcanhares. Não que a PF esteja interessada em eleições municipais. Mas os movimentos naturais neste momento político ficam restritos pelo próprio medo de estar sabotando as investigações.

Também não se sabe como essa situação do PL vai repercutir em toda a cadeia de pequenos municípios que acompanham a vida nacional também pelos grandes meios de comunicação.

Valdemar fez uma aposta de poder ao incorporar Bolsonaro: mais votos, mais deputados, mais dinheiro do Fundo Partidário. Seu partido era de direita, meio geleia geral, como os outros. Não calculou, entretanto, os prejuízos de encampar a extrema direita e sua luta antidemocrática contra as urnas eletrônicas, envolvendo dinheiro e energia do partido para fortalecer a tese de Bolsonaro totalmente insustentável. A própria Advocacia-Geral da União (AGU) bolsonarista produziu um relatório afirmando que não havia nada de errado com as urnas.

Valdemar é um jogador de grandes tacadas. Ganhar ou perder faz parte do jogo. Mas, parafraseando o poeta, há uma hora em que todos os cassinos se fecham.

A aposta de Bolsonaro e Valdemar só se sustenta porque justiça, imprensa e adversários ainda não param de falar deles. Mas até isso está em perigo, depois da chegada das consequências.

É inegável que a extrema direita tem uma base no Brasil, uma espécie de gênio que não volta mais para a garrafa. Mas é muito difícil chegar a algum lugar por meio de uma sucessão de derrotas e lances equivocados. Esse privilegio só nos dá a fé religiosa: por meio dela, com muitos sofrimentos, conquistamos o reino dos céus. Não pode haver algo mais distante dele do que a Papuda.

*JORNALISTA

Fonte: https://www.estadao.com.br

Aliados do ex-presidente em 2022, líderes religiosos falam em afastamento gradual

 

Anna Virginia Balloussier

SÃO PAULO

operação da Polícia Federal que atingiu Jair Bolsonaro (PL) e alguns de seus aliados mais próximos tem sido apontada como porta de saída por pastores que se aliaram ao ex-presidente até outro dia, mas não veem mais vantagem nessa relação.

O afastamento não seria algo imediato, com declarações públicas contra Bolsonaro. Até porque ninguém ali morre de amores pelo atual titular do Palácio do Planalto, Lula (PT), e parcerias fisiológicas do passado seriam mais difíceis de justificar perante a polarização mais radical vista nos últimos anos, sobretudo após a eleição de 2018.

A Folha conversou com líderes evangélicos que apoiaram Bolsonaro naquele ano e em 2022, inclusive indo em reuniões com o então chefe do Executivo e o convidando para seus púlpitos. O sentimento mudou. Nas palavras de um deles, as medidas autorizadas por Alexandre de Moraes, que podem implicá-lo numa trama golpista que incluía prender o próprio ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) e convocar novas eleições que invalidariam a vitória de Lula, complicam efetivamente a situação de Bolsonaro ante essa liderança cristã.

Um grupo de WhatsApp que reúne vários desses pastores graúdos, o Aliança, continuava em silêncio sobre a operação policial horas depois de agentes apreenderem o passaporte de Bolsonaro. Em conversas privadas, um ou outro trocavam impressões, pedindo orações para o nome que endossaram com entusiasmo no pleito do ano retrasado.

Falar abertamente ninguém quer, com exceção do pastor Silas Malafaia, o único da turma que continuou ao lado do ex-presidente após a derrota nas urnas e consecutivos reveses judiciais. À Folha Malafaia chamou os colegas de "um bando de covardes e cagões históricos".

O líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo contou ainda que outros pastores têm evitado responder falas suas criticando Moraes. Especula que seja por temerem uma associação com ele, que enxergariam como um alvo em potencial da Justiça. "Você sabia que, de um ano pra cá, desde que venho botando pra derreter o Alexandre, várias lideranças não respondem mais vídeos que posto, com medo de eu ser preso e pegarem meu celular?"

Malafaia diz ainda que em 2022 aconselhou Bolsonaro a invocar o artigo 142 da Constituição, que trata do papel das Forças Armadas na República. Bolsonaristas defendiam que esse trecho da Carta dá respaldo para uma eventual intervenção militar, tese rejeitada por instituições como a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e boa parte dos parlamentares, mesmo muitos que comungavam com o bolsonarismo.

O pastor também define como "estúpido e esdrúxulo o que Alexandre vem dizendo o tempo todo" e diz que, se prezasse pela transparência, Moraes nem sequer deveria ter presidido o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) durante a eleição, "porque foi secretário de Segurança de Alckmin, candidato a vice numa chapa". O hoje ministro do STF foi nomeado à secretaria por Geraldo Alckmin, então governador paulista e agora vice-presidente de Lula, em 2015.

Malafaia, contudo, tem sido cada vez mais voz isolada em seu segmento religioso. Na turma dos pastores que se posicionaram publicamente em 2022, muitos ainda reservavam críticas a Lula, como ao condenar declarações do petista que, em vez de pacificar o país, colocariam mais lenha na polarização nacional. Mas já vinham ensaiando uma trégua, com elogios à economia sob a batuta lulista, por exemplo.

Portais voltados ao público evangélico, como o Pleno News, deram destaque à operação contra Bolsonaro. O tom é mais simpático ao ex-presidente.

A bancada evangélica, que empossou na quarta (7) um aliado de Bolsonaro em sua liderança, o deputado Eli Borges (PL-TO), ainda não se pronunciou. Internamente, integrantes avaliam que um posicionamento pró-Bolsonaro pode ser temeroso, já que boa parte do bloco é composta por representantes de partidos de centro que se alinharam ao governo Lula.

Já Borges diz à reportagem que, "no momento certo", a frente deve se posicionar. "Vou tomar mais pé da situação."

Para o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), ex-presidente da bancada, Moraes está em busca "da cereja do bolo, que é a prisão do Bolsonaro". Membro da igreja de Malafaia, o parlamentar diz que operações como a desta quinta são vistas nas igrejas como perseguição, "e isso só fortalece" o ex-presidente.

Uma pastora que se pronunciou a favor do investigado foi a senadora Damares Alves (Republicanos-DF), que integrou a Esplanada bolsonarista. Pela manhã, disse que "não há outro sentimento que não seja o de indignação" com os desdobramentos judiciais e pediu: "Que Deus tenha misericórdia do nosso país". Fonte: https://www1.folha.uol.com.br

Prefeito de SP exaltou combate à 'ideologia de gênero'; pároco é investigado por suposta participação em plano golpista pró-Bolsonaro

 

Guilherme Seto

SÃO PAULO

Prefeito de São PauloRicardo Nunes (MDB) apresentou em 2016, como vereador, uma homenagem ao padre José Eduardo de Oliveira, que nesta quinta-feira (8) foi alvo de operação da Polícia Federal que investiga uma tentativa de golpe de Estado para manter Jair Bolsonaro (PL) no poder.

Na decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, o pároco é citado como membro do núcleo jurídico da trama, que supostamente auxiliava na elaboração de minutas de decretos com fundamentação jurídica e doutrinária.

Segundo a PF, o padre possui um site "no qual foi possível verificar diversos vínculos com pessoas e empresas já investigados em inquéritos correlacionados a produção e divulgação de notícias falsas".

Em 2016, Nunes justificou a concessão da salva de prata, maior honraria da Câmara Municipal de São Paulo, pela atuação do padre contra o que chama de "ideologia de gênero". O termo foi cunhado por setores conservadores da Igreja Católica nos anos 1990 e é utilizado em contraposição a discussões sobre identidade de gênero, diversidade e orientação sexual.

Nas redes sociais, o emedebista escreveu que a homenagem se deu pelo "excelente trabalho que desenvolveram junto ao Plano Nacional e Municipal da Educação, valorizando a família contra a ideologia de gênero".

A homenagem promovida por Nunes foi alvo de protesto de militantes LGBTQIA+ na Câmara.

Candidato à reeleição, o emedebista conta com o apoio de Bolsonaro, que viu a pré-candidatura de seu aliado Ricardo Salles (PL-SP) naufragar. Fonte: https://www1.folha.uol.com.br

PF encontra discurso golpista na sala de Bolsonaro na sede do PL; veja o documento

Texto fala em 'declaração' de estado de sítio no país e prevê um 'decreto' de Operação de Garantia da Lei e da Ordem. Documento foi encontrado em sala usada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro

 

Por 

Eduardo GonçalvesDimitrius DantasPaolla Serra e Mariana Muniz

 — Brasília

Polícia Federal encontrou na sede do PL, em Brasília, documento que prevê uma "declaração" de estado de sítio e um "decreto" de Operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) no país. O discurso golpista estava na sala usada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, atualmente presidente de honra da sigla, e foi apreendida durante a operação que investiga suspeitas de tentativa de golpe no país.

Advogado de Bolsonaro, Fabio Wajngarten diz que o "tal documento apócrifo" tem um padrão que "não condiz com as tradicionais e reconhecidas falas e frases do presidente". "Tal conteúdo escrito depende mandatoriamente de ação conjunta de outros poderes", diz ele.

Segundo a PF, as ações previstas no documento faziam parte de um plano para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência da República após sua eleição, em 2022. O documento tem o mesmo teor de um outra minuta encontrada no celular do ex-ajudante de ordens Mauro Cid no ano passado.

"Afinal, diante de todo o exposto e para assegurar a necessária restauração do Estado Democrático de Direito no Brasil, jogando de forma incondicional dentro das quatro linhas, com base em disposições expressas da Constituição Federal de 1988, declaro o Estado de Sítio; e, como ato contínuo, decreto Operação de Garantia da Lei e da Ordem", diz o texto.

O texto levanta o argumento de que ações "inconstitucionais" foram tomadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Supremo Tribunal Federal (STF) em 2022 na "medida em que ferem o princípio da moralidade institucional, maculando a segurança jurídica e na prática se revelando manifestamente injustas". Isso justificaria as ações drásticas que seriam decretadas pelo então presidente da República.

Em outro trecho, o documento atribui a Aristóteles a frase "dar a cada um o que é seu" e ao iluminismo a "necessidade de resistência às leis injustas".

O papel foi achado durante o cumprimento do mandado de busca e apreensão na na sede do partido nesta quinta-feira. O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, também foi alvo de buscas na operação. A informação foi antecipada pela GloboNews e confirmada pelo GLOBO.

Em junho de 2023, o GLOBO revelou que Cid guardava em seu celular fotografias da minuta. O documento encontrado com o ex-ajudante de ordens também previa um decreto de GLO e alguns "estudos" que seriam destinados a dar suporte a um eventual golpe de estado.

A GLO é uma operação militar que permite ao presidente da República convocar as Forças Armadas em situações de perturbação da ordem pública. Na decisão que autorizou o depoimento de Cid, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) afirmou que o oficial "reuniu documentos com o objetivo de obter suporte jurídico e legal para a execução de um golpe de estado".

De acordo com o texto, o material trata "da possibilidade de emprego das Forças Armadas em caráter excepcional destinados a garantir o funcionamento independente e harmônico dos poderes da União".

 

O que é o estado de sítio

O estado de sítio está previsto na Constituição para situações de "comoção grave de repercussão nacional" ou de "declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira". A solicitação é apresentada pelo presidente da República, mas depende de aprovação do Congresso Nacional.

Além disso, antes de apresentar a solicitação, o presidente precisa consultar dois órgãos. Um deles é o Conselho da República, composto pelo presidente, o vice-presidente, os presidentes da Câmara e do Senado, o ministro da Justiça e os líderes da maioria e da minoria da Câmara e do Senado.

O segundo órgão é o Conselho de Defesa Nacional, formado também pelo vice-presidente e pelos presidentes da Câmara e do Senado, além dos ministros da Justiça, das Relações Exteriores e da Fazenda e de comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica.

O estado de sítio possibilitaria algumas medidas excepcionais, como a suspensão da liberdade de reunião, restrições à liberdade de imprensa e permissão para requisição de bens e para busca e apreensão em domicílio. Fonte: https://oglobo.globo.com

Três militares e ex-assessor de Bolsonaro Filipe Martins foram presos. Segundo a PF, grupo se dividiu em núcleos para disseminar falsa notícia de fraude e invalidar vitória de Lula nas urnas.

 

Por Daniela LimaCamila BomfimAndréia SadiReynaldo Turollo JrAna FlorValdo CruzMárcio FalcãoIsabela LeiteMateus RodriguesPedro Alves Neto, Natuza Nery, Fábio Amato, g1, TV Globo e GloboNews — Brasília e São Paulo

 

PF faz operação contra militares e aliados políticos de Bolsonaro

A Polícia Federal deflagrou uma operação nesta quinta-feira (8) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, ex-ministros e ex-assessores dele investigados por tentar dar um golpe de Estado no país e invalidar as eleições de 2022, vencidas por Luiz Inácio Lula da Silva.

Ao todo, a PF cumpre 33 mandados de busca e apreensão e quatro mandados de prisão preventiva. Há ainda medidas cautelares, como proibição de contatos entre os investigados, retenção de passaportes e destituição de cargos públicos.

Os mandados foram autorizados pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Os nomes dos alvos não foram divulgados.

Jair Bolsonaro é alvo de medidas restritivas – por exemplo, a entrega do passaporte às autoridades em até 24 horas.

 

Há mandados de prisão preventiva contra:

Filipe Martins, ex-assessor especial de Bolsonaro;

Marcelo Câmara, coronel do Exército citado em investigações como a dos presentes oficiais vendidos pela gestão Bolsonaro e a das supostas fraudes nos cartões de vacina da família Bolsonaro;

Rafael Martins, major das Forças Especiais do Exército.

Ainda de acordo com a apuração da GloboNews, há também buscas contra:

Valdemar Costa Neto, presidente do PL – partido pelo qual Bolsonaro disputou a reeleição;

Braga Netto, ex-ministro da Defesa e candidato a vice de Bolsonaro em 2022;

Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI);

general Paulo Sérgio Nogueira, ex-comandante do Exército;

almirante Almir Garnier Santos, ex-comandante-geral da Marinha;

general Stevan Teófilo Gaspar de Oliveira, ex-chefe do Comando de Operações Terrestres do Exército;

Tércio Arnaud Thomaz, ex-assessor de Bolsonaro e considerado um dos pilares do chamado "gabinete do ódio".

Segundo a PF, há mandados sendo cumpridos em Amazonas, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Ceará, Espírito Santo, Paraná, Goiás e Distrito Federal.

Ainda de acordo com o material divulgado pela PF, o grupo investigado "se dividiu em núcleos de atuação para disseminar a ocorrência de fraude nas Eleições Presidenciais de 2022, antes mesmo da realização do pleito, de modo a viabilizar e legitimar uma intervenção militar, em dinâmica de milícia digital".

A operação foi chamada pela Polícia Federal de "Tempus Veritatis" – "hora da verdade", em latim.

 

Núcleos de atuação golpista

De acordo com a PF, o grupo investigado se dividiu em dois "eixos", ou núcleos de atuação para tentar minar o resultado das eleições 2022.

O primeiro "eixo" era voltado a construir e propagar informações falsas sobre uma suposta fraude nas urnas, apontando "falaciosa vulnerabilidade do sistema eletrônico de votação".

"[...] discurso reiterado pelos investigados desde 2019 e que persistiu mesmo após os resultados do segundo turno do pleito em 2022", pontua a Polícia Federal.

O segundo "eixo", por sua vez, praticava atos para subsidiar a abolição do Estado Democrático de Direito – ou seja, para concretizar o golpe.

Essa etapa, de acordo com as investigações, tinha o apoio de militares ligados a táticas e forças especiais.

O Exército acompanha o cumprimento dos mandados ligados aos militares, em apoio à PF.

De acordo com as investigações, se confirmadas, as condutas do grupo podem ser enquadradas em crimes como organização criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado. Fonte: https://g1.globo.com 

Apresentação ocorrerá em fevereiro no município de Campo Alegre de Lourdes, que vem sofrendo por conta da estiagem que atinge a região

 

Gusttavo Lima se apresentará em Campo Alegre de Lourdes (BA): cidade tem 30 mil habitantes, e show custou R$ 1,3 milhão — Foto: Reprodução/Instagram

 

Por 

Hyndara Freitas

 — São Paulo

A prefeitura de Campo Alegre de Lourdes, cidade de 30 mil habitantes na Bahia, contratou o cantor Gusttavo Lima, pelo valor de R$ 1,3 milhão, para se apresentar nos festejos de Nossa Senhora de Lourdes, em 9 de fevereiro. O município está em situação de emergência, declarada em setembro e válida por 180 dias (até março), por conta da estiagem que atinge a região. Com isso, a cidade ganha o direito de pedir recursos financeiros emergenciais ao estado.

O show foi contratado sem licitação pelo prefeito Enilson Marcelo Rodrigues da Silva (PCdoB). O valor do contrato, assinado em setembro, é três vezes maior do que todo o montante destinado ao orçamento da Cultura da cidade em 2023, que foi de R$ 413 mil.

A cifra também se aproxima do total destinado à pasta de Urbanismo, que ganhou R$ 1,6 milhão no ano passado. A secretaria de Esporte e Lazer, por sua vez, teve dotação orçamentária de R$ 485 mil.

Nas redes sociais da prefeitura, o show vem sendo anunciado com destaque. "Agora é oficial! Dia 09 de fevereiro sobem ao palco do nosso município: Gusttavo Lima, Tayrone e Francildo Silva — Pisadinha do Vaqueiro. Os Festejos de Nossa Senhora de Lourdes estarão repletos de grandes atrações, e você é nosso convidado especial! Esperamos por você! O Centro de Lazer irá tremer", diz uma postagem no Instagram oficial da gestão municipal.

De acordo com o contrato, o show terá duração de uma hora e meia, e o valor de cachê é de R$ 1,1 milhão. Os R$ 200 mil restantes serão despendidos para transporte do artista e sua equipe. O valor total foi parcelado em cinco vezes.

Além disso, o documento prevê que caberá ao município contratante o custeio da hospedagem, transporte local, camarim e carregadores de equipamento. "A hospedagem do artista deverá ocorrer em hotel com nível de serviços e comodidade com grau de excelência na cidade onde ficará hospedado", detalha o contrato.

A reportagem tentou contato com a prefeitura Campo Alegre de Lourdes, mas não obteve resposta. Fonte: https://oglobo.globo.com

Perfil da primeira-dama na rede social foi hackeado na noite de segunda-feira (11).

 

 

A primeira-dama brasileira, Janja da Silva — Foto: Divulgação

 

Por Artur Nicoceli, g1

Janja lamenta ataque hacker: 'ódio e misoginia'

A primeira-dama, Janja Lula, usou as redes sociais nesta terça-feira (12) para publicar uma nota sobre o ataque hacker sofrido por ela no X (antigo twitter). "É comprovado que nós, mulheres, somos as que mais sofrem com os ataques de ódio aqui nas redes. O que eu sofri ontem é o que muitas mulheres sofrem diariamente". Veja a nota completa abaixo.

A conta da primeira-dama foi invadida por volta das 21h30 de segunda-feira (11). Depois disso, o hacker fez publicações ofensivas contra Janja, o presidente Lula e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal — a conta tem mais de 1 milhão de seguidores.

Após o ataque hacker, a conta foi bloqueada a pedido da Polícia Federal, como mostrou o blog da colunista Andréia Sadi. Segundo o diretor-geral da PF, Andrei Passos, a instituição já está atuando no caso e que uma investigação preliminar está em curso.

A assessoria da primeira-dama informou ao blog também que entrou em contato com a PF e que também acionou o X.

O ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Paulo Pimenta, por sua vez, afirmou que os responsáveis serão identificados e não ficarão impunes.

"Os covardes que compartilham e comentam destilando seu ódio, preconceito e violência também serão identificados", publicou Pimenta no X.

A Secom também emitiu uma nota repudiando a invasão. A secretaria afirmou que todas as medidas cabíveis estão sendo tomadas.

 

Veja a nota completa de Janja abaixo:

"Na noite de ontem, os ataques de ódio e o desrespeito que eu sofro diariamente chegaram a outro patamar. Minha conta do X foi hackeada e, por minutos intermináveis, foram publicadas mensagens misóginas e violentas contra mim. Posts machistas e criminosos, típicos de quem despreza as mulheres, a convivência em sociedade, a democracia e a lei.

Eu já estou acostumada com ataques na internet, por mais triste que seja se acostumar com algo tão absurdo. Mas a realidade é que a internet é um espaço potente para o bem e para o mal. E é comprovado que nós, mulheres, somos as que mais sofrem com os ataques de ódio aqui nas redes. O que eu sofri ontem é o que muitas mulheres sofrem diariamente.

Mulheres no Brasil inteiro são vítimas de ataques machistas, que tomam conta das redes sociais e muitas vezes saem dela, acabando em agressões físicas e feminicídios. Milhares de mulheres perdem ou até tiram a própria vida a partir de ataques como o que sofri na noite de ontem.

A Polícia Federal e a plataforma X foram acionados imediatamente e estão tomando as devidas providências. O ódio, a intolerância e a misoginia precisam ser combatidos e, os responsáveis, punidos.

Agradeço todas as manifestações de solidariedade e apoio que tenho recebido desde então. Eu sei, e é sempre bom relembrar, que não estamos sozinhas". Fonte: https://g1.globo.com

Eliminação em marca institucional das referências ao cristianismo, às vitórias sobre os mouros e aos navegadores vira tema de campanha política para as eleições antecipadas

 

Imagem antiga e o novo logo do governo português — Foto: Reprodução

 

Por 

Gian Amato

Planejado para ser uma marca oficial de comunicação do governo com imagem “inclusiva, plural e laica”, o novo logotipo de Portugal iniciou uma polêmica no país. Este mês, virou tema da campanha política para as eleições legislativas antecipadas para 10 de março.

A imagem institucional foi remodelada em setembro, antes de o governo perder poderes. Sumiram símbolos que fazem parte da bandeira nacional, criada em 1910, como a esfera armilar (mundo que os navegadores encontraram), castelos e quinas, cruz grega e chagas de Cristo.

Dentro dos cinco escudos que formam a cruz azul na bandeira, cinco pontos brancos remetem às chagas de Cristo, reforçando a ligação do país com o cristianismo.

Uma interpretação dos especialistas para os sete castelos: representariam os reis mouros derrotados em 1150.

Em seus lugares, o escritório contratado pelo governo por € 75 mil (R$ 396 mil) criou um círculo entre um retângulo e um quadrado. As cores do país foram mantidas.

O governo explicou em um manual que não se propõe a reconstituir a bandeira, protegida pela Constituição. “Esta imagem torna-se mais operacional, ao mesmo tempo que reserva e preserva a bandeira nacional”.

E justificou que “Através da síntese formal, a nova imagem afirma-se também inclusiva, plural e laica” (...) Responde de forma mais eficaz aos novos contextos, determinados pela sofisticação da comunicação digital…”

A oposição à direita do Partido Socialista, destituído de seus poderes pelo presidente na sequência da demissão do primeiro-ministro António Costa, aproveitou para incluir o tema na campanha.

Candidato ao cargo de primeiro-ministro caso o Partido Social Democrata (PSD, de centro-direita) vença as eleições, Luís Montenegro promete revogar a decisão se for eleito e conseguir formar governo. O PSD chegou a ficar na frente do PS nas pesquisas, mas perdeu terreno.

“Com o meu governo, deixaremos de usar o novo símbolo. No nosso projeto não fazemos sucumbir as nossas referências históricas e identitárias a uma ideia de sofisticação”, escreveu Montenegro no X.

Autoproclamado defensor da matriz cristã, apesar de, ao mesmo tempo, ter sido multado por discriminar a comunidade cigana e ter chamado de bandidos uma família pobre e negra, o líder da sigla de ultradireita Chega também criticou no X:

“(...) Deixa de haver as quinas, os símbolos de Cristo e tem, segundo eles, documentos mais laicos, mais inclusivos. É negação de toda a nossa História. Fonte: https://oglobo.globo.com

Ao menos 35 ônibus e um trem foram queimados em represália à morte de um miliciano. O ataque foi o maior já feito ao transporte público do Rio de Janeiro.

 

Governador Cláudio Castro ao lado dos secretários de Polícia Civil e Polícia Militar — Foto: Cristina Boeckel/ G1

Por Octavio Guedes

O Rio de Janeiro viveu duas tragédias nesta segunda, dia 23. A primeira foi o inédito ataque de milicianos ao transporte público do Rio. A segunda, e mais grave, foi a coletiva do governador Cláudio Castro. Mais grave porque de bandido se espera tudo. De um governador, a expectativa é um pouco maior. Mesmo no Rio de Janeiro.

Sem qualquer plano, visão estratégica ou política estruturante para apresentar, o governador apelou para bravatas. E citou, inacreditavelmente, os nomes de três bandidos como se fosse um técnico de futebol anunciando a escalação do meio-campo. "Zinho, Tandera e Abelha. Não descansaremos até prendermos", esbravejou o governador.

Castro ressuscitou a fracassada política pública de criação do inimigo público número 1, extinta pelo ex-secretário de segurança pública José Mariano Beltrame. Ela é perfeita para governadores incompetentes, porque substitui a necessidade de apresentar à sociedade um plano de combate ao crime organizado. De quebra, cria no imaginário da população uma luta simplória do mal contra o bem. O mal é personificado num bandido. O bem é o governador, porque ele é chefe das forças que combaterão o mal.

Como Castro passa a ser o "autodeclarado bem", ele não precisa explicar seus fracassos: por que extinguiu a secretaria de segurança, por que resiste à criação de uma corregedoria unificada, forte e independente, por que assiste passivamente às humilhantes operações da Polícia Federal, levando policiais corruptos para atrás das grades, por que seu secretário de Polícia Civil foi preso por ligações com a máfia do bicho; por que seu secretário de Assuntos Penitenciários foi preso negociando uma trégua com uma facção criminosa, por que entregou o cargo de chefe da Polícia Civil a deputados de sua base eleitoral...

Nada disso é o problema. O problema agora é Zinho, Tandera e Abelha. Lógico que bandido tem que ser tirado de circulação. Ninguém defende o contrário. Mas transformar isso na única política pública de segurança de um governo é um truque medíocre. O Rio já teve vários inimigos públicos número 1 desde a década de 1980. Já foi Escadinha, substituído por Gordo, substituído por Fernandinho Beira-Mar, substituído por Uê, substituído por Elias Maluco... Uma farta linha de produção onde não faltam peças de reposição.

Beltrame, o ex-secretário responsável pelo fim da política do inimigo público número 1, aposentou a lorota porque tinha um plano concreto: a retomada de território do crime organizado, que resultou na criação das UPPs, de sucesso temporário. Beltrame descobriu um efeito colateral dessa política de inflar bandidos: aumenta o valor de extorsão e da segurança prestada aos bandidos pela banda podre da polícia.

Como no Rio não pode se dizer que chegamos ao fundo do poço, aguardemos as próximas ações da bandidagem. Ou a próxima coletiva do governador. Fonte: https://g1.globo.com

O retrocesso das Forças Armadas

Se os militares que tramaram um golpe forem realmente punidos, será a primeira vez que isto acontecerá na história do país

 

Por 

Míriam Leitão

 

Desfile militar de 7 de setembro em Brasília no ano passado — Foto: Isac Nóbrega/PR

Na noite da quinta-feira, 21, quando o ministro da Defesa, José Múcio, chegou na casa do almirante Marcos Olsen, comandante da Marinha, era o fim de um dia inteiro administrando a tensão entre o governo e as Forças Armadas pela revelação de que o ex-presidente Bolsonaro havia se reunido com os três comandantes e discutido um golpe de estado. O brigadeiro Marcelo Damasceno, comandante da Aeronáutica, foi à tarde ao seu gabinete. Com o general Tomás Paiva, comandante do Exército, o ministro falou por telefone. O general estava na Amazônia. Dos três ouviu a mesma coisa que disse aos jornalistas que o procuraram: as Forças Armadas, como instituição, não entraram no projeto autoritário, e é preciso saber quem individualmente praticou quais crimes.

A informação trazida pela jornalista Bela Megale, de O GLOBO, e por Aguirre Talento do Uol, na quinta, esclarece muita coisa. As movimentações e falas golpistas de Bolsonaro foram públicas, a ambiguidade das Forças Armadas também. Mas o tenente- coronel Mauro Cid agregou um dado concreto: a informação de que os comandantes militares e o então presidente tramaram juntos a interrupção do processo constitucional. Uma fonte informa que juridicamente não há atenuantes.

—Essa reunião – parece que houve mais de uma – indica cometimento de crime, porque o tipo penal envolvido é 'tentativa de golpe'. Eles podem dizer que apenas cogitaram e que cogitar não é crime. Mas eles foram além, fizeram reunião e foi elaborada uma minuta do golpe, portanto é um ato preparatório. É crime.

O governo Lula encontrou nas Forças Armadas “um mar de indisciplina” ao assumir, segundo definição de uma das fontes que ouvi nos últimos dias. Prova disso foi o fato de que os comandantes do governo Bolsonaro não queriam se reunir com o ministro indicado José Múcio. O almirante Garnier, como me disse o próprio ministro, nunca aceitou se encontrar com ele. É ato de indisciplina de um oficial, na época, na ativa.

Todos os absurdos vistos no governo Bolsonaro – notas ameaçadoras das Forças Armadas, desfile de tanques convocado pela Marinha para o dia de votação do voto impresso no Congresso, militares da ativa atacando candidatos nas redes sociais – foram o resultado do trabalho cotidiano de Bolsonaro de quebrar princípios, contaminar os militares, envolvê-los. Eles se deixaram enredar porque quiseram. Suas lideranças decidiram ter proveito naquele governo e receberam poder e dinheiro. A instituição, como um todo, enfrenta a ressaca de um enorme retrocesso. As Forças Armadas voltam a ser vistas como golpistas.

Eles lamentam hoje estar sob o manto da suspeição, mas o fato é que foi escolha envolver-se nesse novelo do qual não sabem sair. O que eu ouvi nas apurações que fiz é que o atual comando quer que sejam punidos todos os que se envolveram nessa trama, mas precisam que o Judiciário individualize as condutas. “Quem tiver culpa será expulso das Forças Armadas”, disse uma fonte. Se isso de fato acontecer será um avanço, porque a História do Brasil é repleta de movimentos golpistas dos militares e não tem registro de punições.

O almirante Almir Garnier, que teria aderido à ideia do golpe, assumiu em abril de 2021, quando Bolsonaro demitiu o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo, e todos os comandantes militares. Bolsonaro queria um ministro e comandantes mais submissos ao seu projeto autoritário. Conseguiu. Os escolhidos na época para as três Forças, general Paulo Sérgio Nogueira, brigadeiro Baptista Jr. e almirante Garnier, com maior ou menor intensidade, colaboraram para o ambiente de intimidação aos democratas que foi derrotado porque houve forte resistência das instituições e da sociedade. Não foi concessão. Não é correta a ideia de que eles “deixaram” a democracia permanecer. Ela é conquista do país.

O golpe de Bolsonaro se daria como? Intervenção direta no Tribunal Superior Eleitoral com afastamento dos ministros, quebra dos seus sigilos, anulação do resultado eleitoral. A Justiça Eleitoral seria a primeira vítima. É o que está escrito na minuta golpista. Por isso, é com espanto que se vê, no mesmo dia em que se revela essa reunião dos conspiradores em chefe, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, atacar a Justiça Eleitoral. No dia seguinte, ela disse ter sido mal compreendida. Suas palavras foram bem claras. Se o PT quer ser o estuário da luta democrática de todo o país, tem que pensar bem sobre que teses abraça. Fonte: https://oglobo.globo.com

 

No mundo dos sonhos petistas, os partidos deveriam ser livres para descumprir a legislação e dispor dos bilionários fundos públicos sem essa arrelia de ter de prestar contas ao TSE

 

A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann, questionou a existência da Justiça Eleitoral durante uma sessão da comissão especial que analisa a chamada PEC da Anistia. Caso essa sem-vergonhice prospere, e nada indica o contrário, os partidos ficarão livres do pagamento de multas impostas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por descumprimento da legislação eleitoral vigente em 2022, em particular pela inobservância das cotas para candidaturas de mulheres e negros e do porcentual de distribuição do Fundo Eleitoral para esses dois segmentos da sociedade sub-representados no Congresso.

O grande tema, porém, não é o questionamento da líder petista. Os cidadãos e seus representantes na Câmara são livres para discutir, com civilidade e honestidade intelectual, se, de fato, faz sentido haver no País uma estrutura do Poder Judiciário dedicada às questões de natureza político-eleitoral ou se essa demanda poderia ser atendida pela Justiça comum. É um tema digno de debate. O problema é o que está por trás desse ímpeto da deputada Gleisi Hoffmann em voltar suas baterias contra o TSE e os Tribunais Regionais Eleitorais.

Segundo a dirigente petista, as decisões das Cortes Eleitorais “trazem a visão subjetiva da equipe técnica dos tribunais, que, sistematicamente, entra na vida dos partidos políticos, querendo dar orientação, interpretando a vontade dos dirigentes”. Tivesse saído da boca de um parlamentar bolsonarista há apenas alguns meses, a mesmíssima fala teria desencadeado uma feroz reação dos petistas. Entretanto, o aborrecimento com a Justiça Eleitoral faz com que petistas e bolsonaristas deem as mãos e caminhem lado a lado na defesa dos interesses particulares dos partidos.

Por “entrar na vida” das agremiações políticas ou lhes “dar orientação”, entenda-se simplesmente o dever da Justiça Eleitoral de exigir o cumprimento das leis e da Constituição, nada além disso. As palavras de Gleisi Hoffmann indicam que, no seu mundo dos sonhos, os partidos não deveriam estar submetidos a essa arrelia de, ora vejam, ter de respeitar a legislação em vigor e prestar contas pelo uso dos bilionários fundos públicos que abarrotam o caixa das legendas.

Com um misto de desfaçatez e descaso pelos recursos dos contribuintes, a sra. Hoffmann afirmou que a Justiça Eleitoral estaria sendo implacável com os partidos ao impor multas “impagáveis” – cerca de R$ 23 bilhões acumulados por todos os partidos entre 2018 e 2023. De acordo com o TSE, só em 2022, o PT recebeu R$ 500 milhões do Fundo Eleitoral e mais R$ 104 milhões referentes à sua cota de distribuição do Fundo Partidário.

Na condição de presidente do partido mais orgânico e bem estruturado do País, goste-se ou não do PT, a deputada Gleisi Hoffmann vocaliza um sentimento que decerto anima a grande maioria de seus colegas dirigentes partidários: a Justiça Eleitoral mais atrapalha do que ajuda. Raríssimos são os que não desejam todos os bônus advindos da criação de um partido político no País sem ter de arcar com os respectivos ônus. Eis mais um sinal do total descolamento entre a maioria das legendas com representação no Congresso e os grandes anseios da sociedade brasileira. Salvo raras exceções, os partidos estão cada vez mais afastados dos eleitores e mais fechados na defesa dos interesses particulares de seus líderes.

Idealmente, não deveria haver Justiça Eleitoral no País nem tampouco os fundos públicos que financiam a administração e as campanhas políticas dos partidos. Este jornal não se furtará a advertir, sempre que necessário, que os partidos são organizações privadas da sociedade e, como quaisquer outras dessa natureza, devem ser financiados exclusivamente por recursos privados. Mas, dado que não há no horizonte o mais tênue indício de que os fundos públicos que jorram dinheiro nas contas dos partidos terão fim, é indispensável que ao menos haja uma instituição capaz de controlar o manejo desses recursos – R$ 6 bilhões apenas em 2022. E hoje não há outra mais qualificada para isso do que a Justiça Eleitoral. Fonte: https://www.estadao.com.br

Presidente falou na ONU 20 anos após primeira participação na Assembleia Geral, em 2003. Lula voltou a usar frase 'O Brasil voltou', que tem dito em fóruns internacionais, e cobrou reforma de instituições.

 

Lula discursa na Assembleia Geral da ONU

 

Por g1

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursou nesta terça-feira (19) na sessão de debates da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York.

Por tradição, o Brasil é o primeiro país a falar nessas reuniões – antecedido apenas pelo secretário-geral das Nações Unidas e pelo presidente da própria Assembleia Geral.

Lula retornou ao palco da ONU após 14 anos – discursou como presidente pela última vez na Assembleia-Geral de 2009. A primeira participação foi em 2003, vinte anos atrás.

 

Leia abaixo a íntegra do discurso de Lula:

Meus cumprimentos ao Presidente da Assembleia Geral, Embaixador Dennis Francis, de Trinidad e Tobago.

É uma satisfação ser antecedido pelo Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres.

Saúdo cada um dos Chefes de Estado e de Governo e delegadas e delegados presentes.

Presto minha homenagem ao nosso compatriota Sérgio Vieira de Mello e 21 outros funcionários desta Organização, vítimas do brutal atentado em Bagdá, há 20 anos.

Desejo igualmente expressar minhas condolências às vítimas do terremoto no Marrocos e das tempestades que atingiram a Líbia.

A exemplo do que ocorreu recentemente no estado do Rio Grande do Sul no meu país, essas tragédias ceifam vidas e causam perdas irreparáveis.

Nossos pensamentos e orações estão com todas as vítimas e seus familiares.

Senhoras e Senhores, há vinte anos, ocupei esta tribuna pela primeira vez.

E disse, naquele 23 de setembro de 2003:

"Que minhas primeiras palavras diante deste Parlamento Mundial sejam de confiança na capacidade humana de vencer desafios e evoluir para formas superiores de convivência”

Volto hoje para dizer que mantenho minha inabalável confiança na humanidade.

Naquela época, o mundo ainda não havia se dado conta da gravidade da crise climática.

Hoje, ela bate às nossas portas, destroi nossas casas, nossas cidades, nossos países, mata e impõe perdas e sofrimentos a nossos irmãos, sobretudo os mais pobres.

A fome, tema central da minha fala neste Parlamento Mundial 20 anos atrás, atinge hoje 735 milhões de seres humanos, que vão dormir esta noite sem saber se terão o que comer amanhã.

O mundo está cada vez mais desigual.

Os 10 maiores bilionários possuem mais riqueza que os 40% mais pobres da humanidade.

O destino de cada criança que nasce neste planeta parece traçado ainda no ventre de sua mãe.

A parte do mundo em que vivem seus pais e a classe social à qual pertence sua família irão determinar se essa criança terá ou não oportunidades ao longo da vida.

Se irá fazer todas as refeições ou se terá negado o direito de tomar café da manhã, almoçar e jantar diariamente.

Se terá acesso à saúde, ou se irá sucumbir a doenças que já poderiam ter sido erradicadas.

Se completará os estudos e conseguirá um emprego de qualidade, ou se fará parte da legião de desempregados, subempregados e desalentados que não para de crescer.

É preciso antes de tudo vencer a resignação, que nos faz aceitar tamanha injustiça como fenômeno natural.

Para vencer a desigualdade, falta vontade política daqueles que governam o mundo.

Senhores e senhoras

Se hoje retorno na honrosa condição de presidente do Brasil, é graças à vitória da democracia em meu país.

A democracia garantiu que superássemos o ódio, a desinformação e a opressão.

A esperança, mais uma vez, venceu o medo.

Nossa missão é unir o Brasil e reconstruir um país soberano, justo, sustentável, solidário, generoso e alegre.

O Brasil está se reencontrando consigo mesmo, com nossa região, com o mundo e com o multilateralismo.

Como não me canso de repetir, o Brasil está de volta.

Nosso país está de volta para dar sua devida contribuição ao enfrentamento dos principais desafios globais.

Resgatamos o universalismo da nossa política externa, marcada por diálogo respeitoso com todos.

A comunidade internacional está mergulhada em um turbilhão de crises múltiplas e simultâneas: a pandemia da Covid-19; a crise climática; e a insegurança alimentar e energética ampliadas por crescentes tensões geopolíticas.

O racismo, a intolerância e a xenofobia se alastraram, incentivadas por novas tecnologias criadas supostamente para nos aproximar.

Se tivéssemos que resumir em uma única palavra esses desafios, ela seria desigualdade.

A desigualdade está na raiz desses fenômenos ou atua para agravá-los.

A mais ampla e mais ambiciosa ação coletiva da ONU voltada para o desenvolvimento – a Agenda 2030 – pode se transformar no seu maior fracasso.

Estamos na metade do período de implementação e ainda distantes das metas definidas.

A maior parte dos objetivos de desenvolvimento sustentável caminha em ritmo lento.

O imperativo moral e político de erradicar a pobreza e acabar com a fome parece estar anestesiado.

Nesses sete anos que nos restam, a redução das desigualdades dentro dos países e entre eles deveria se tornar o objetivo-síntese da Agenda 2030.

Reduzir as desigualdades dentro dos países requer incluir os pobres nos orçamentos nacionais e fazer os ricos pagarem impostos proporcionais ao seu patrimônio.

No Brasil, estamos comprometidos a implementar todos os 17 objetivos de desenvolvimento sustentável, de maneira integrada e indivisível.

Queremos alcançar a igualdade racial na sociedade brasileira por meio de um décimo oitavo objetivo que adotaremos voluntariamente.

Lançamos o plano Brasil sem Fome, que vai reunir uma série de iniciativas para reduzir a pobreza e a insegurança alimentar.

Entre elas, está o Bolsa Família, que se tornou referência mundial em programas de transferência de renda para famílias que mantêm suas crianças vacinadas e na escola.

Inspirados na brasileira Bertha Lutz, pioneira na defesa da igualdade de gênero na Carta da ONU, aprovamos a lei que torna obrigatória a igualdade salarial entre mulheres e homens no exercício da mesma função.

Combateremos o feminicídio e todas as formas de violência contra as mulheres.

Seremos rigorosos na defesa dos direitos de grupos LGBTQI+ e pessoas com deficiência.

Resgatamos a participação social como ferramenta estratégica para a execução de políticas públicas.

Senhor presidente

Agir contra a mudança do clima implica pensar no amanhã e enfrentar desigualdades históricas.

Os países ricos cresceram baseados em um modelo com altas taxas de emissões de gases danosos ao clima.

A emergência climática torna urgente uma correção de rumos e a implementação do que já foi acordado.

Não é por outra razão que falamos em responsabilidades comuns, mas diferenciadas.

São as populações vulneráveis do Sul Global as mais afetadas pelas perdas e danos causados pela mudança do clima.

Os 10% mais ricos da população mundial são responsáveis por quase a metade de todo o carbono lançado na atmosfera.

Nós, países em desenvolvimento, não queremos repetir esse modelo.

No Brasil, já provamos uma vez e vamos provar de novo que um modelo socialmente justo e ambientalmente sustentável é possível.

Estamos na vanguarda da transição energética, e nossa matriz já é uma das mais limpas do mundo.

87% da nossa energia elétrica provem de fontes limpas e renováveis.

A geração de energia solar, eólica, biomassa, etanol e biodiesel cresce a cada ano.

É enorme o potencial de produção de hidrogênio verde.

Com o Plano de Transformação Ecológica, apostaremos na industrialização e infraestrutura sustentáveis.

Retomamos uma robusta e renovada agenda amazônica, com ações de fiscalização e combate a crimes ambientais.

Ao longo dos últimos oito meses, o desmatamento na Amazônia brasileira já foi reduzido em 48%.

O mundo inteiro sempre falou da Amazônia. Agora, a Amazônia está falando por si.

Sediamos, há um mês, a Cúpula de Belém, no coração da Amazônia, e lançamos nova agenda de colaboração entre os países que fazem parte daquele bioma.

Somos 50 milhões de sul-americanos amazônidas, cujo futuro depende da ação decisiva e coordenada dos países que detêm soberania sobre os territórios da região.

Também aprofundamos o diálogo com outros países detentores de florestas tropicais da África e da Ásia.

Queremos chegar à COP 28 em Dubai com uma visão conjunta que reflita, sem qualquer tutela, as prioridades de preservação das bacias Amazônica, do Congo e do Bornéu-Mekong a partir das nossas necessidades.

Sem a mobilização de recursos financeiros e tecnológicos não há como implementar o que decidimos no Acordo de Paris e no Marco Global da Biodiversidade.

A promessa de destinar 100 bilhões de dólares – anualmente – para os países em desenvolvimento permanece apenas isso, uma longa promessa.

Hoje esse valor seria insuficiente para uma demanda que já chega à casa dos trilhões de dólares.

Senhor presidente

O princípio sobre o qual se assenta o multilateralismo – o da igualdade soberana entre as nações – vem sendo corroído.

Nas principais instâncias da governança global, negociações em que todos os países têm voz e voto perderam fôlego.

Quando as instituições reproduzem as desigualdades, elas fazem parte do problema, e não da solução.

No ano passado, o FMI disponibilizou 160 bilhões de dólares em direitos especiais de saque para países europeus, e apenas 34 bilhões para países africanos.

A representação desigual e distorcida na direção do FMI e do Banco Mundial é inaceitável.

Não corrigimos os excessos da desregulação dos mercados e da apologia do Estado mínimo.

As bases de uma nova governança econômica não foram lançadas.

O BRICS surgiu na esteira desse imobilismo, e constitui uma plataforma estratégica para promover a cooperação entre países emergentes.

A ampliação recente do grupo na Cúpula de Joanesburgo fortalece a luta por uma ordem que acomode a pluralidade econômica, geográfica e política do século 21.

Somos uma força que trabalha em prol de um comércio global mais justo num contexto de grave crise do multilateralismo.

O protecionismo dos países ricos ganhou força e a Organização Mundial do Comércio permanece paralisada, em especial o seu sistema de solução de controvérsias.

Ninguém mais se recorda da Rodada do Desenvolvimento de Doha.

Nesse ínterim, o desemprego e a precarização do trabalho minaram a confiança das pessoas em tempos melhores, em especial os jovens.

Os governos precisam romper com a dissonância cada vez maior entre a “voz dos mercados” e a “voz das ruas”.

O neoliberalismo agravou a desigualdade econômica e política que hoje assola as democracias.

Seu legado é uma massa de deserdados e excluídos.

Em meio aos seus escombros surgem aventureiros de extrema direita que negam a política e vendem soluções tão fáceis quanto equivocadas.

Muitos sucumbiram à tentação de substituir um neoliberalismo falido por um nacionalismo primitivo, conservador e autoritário.

Repudiamos uma agenda que utiliza os imigrantes como bodes expiatórios, que corrói o Estado de bem-estar e que investe contra os direitos dos trabalhadores.

Precisamos resgatar as melhores tradições humanistas que inspiraram a criação da ONU.

Políticas ativas de inclusão nos planos cultural, educacional e digital são essenciais para a promoção dos valores democráticos e da defesa do Estado de Direito.

É fundamental preservar a liberdade de imprensa.

Um jornalista, como Julian Assange, não pode ser punido por informar a sociedade de maneira transparente e legítima.

Nossa luta é contra a desinformação e os crimes cibernéticos.

Aplicativos e plataformas não devem abolir as leis trabalhistas pelas quais tanto lutamos.

Ao assumir a presidência do G20 em dezembro próximo, não mediremos esforços para colocar no centro da agenda internacional o combate às desigualdades em todas as suas dimensões.

Sob o lema "Construindo um Mundo Justo e um Planeta Sustentável", a presidência brasileira vai articular inclusão social e combate à fome; desenvolvimento sustentável e reforma das instituições de governança global.

Senhor presidente,

Não haverá sustentabilidade nem prosperidade sem paz.

Os conflitos armados são uma afronta à racionalidade humana.

Conhecemos os horrores e os sofrimentos produzidos por todas as guerras.

A promoção de uma cultura de paz é um dever de todos nós. Construí-la requer persistência e vigilância.

É perturbador ver que persistem antigas disputas não resolvidas e que surgem ou ganham vigor novas ameaças.

Bem o demonstra a dificuldade de garantir a criação de um Estado para o povo palestino.

A este caso se somam a persistência da crise humanitária no Haiti, o conflito no Iêmen, as ameaças à unidade nacional da Líbia e as rupturas institucionais em Burkina Faso, Gabão, Guiné-Conacri, Mali, Níger e Sudão.

Na Guatemala, há o risco de um golpe, que impediria a posse do vencedor de eleições democráticas.

A guerra da Ucrânia escancara nossa incapacidade coletiva de fazer prevalecer os propósitos e princípios da Carta da ONU.

Não subestimamos as dificuldades para alcançar a paz.

Mas nenhuma solução será duradoura se não for baseada no diálogo.

Tenho reiterado que é preciso trabalhar para criar espaço para negociações.

Investe-se muito em armamentos e pouco em desenvolvimento.

No ano passado os gastos militares somaram mais de 2 trilhões de dólares.

As despesas com armas nucleares chegaram a 83 bilhões de dólares, valor vinte vezes superior ao orçamento regular da ONU.

Estabilidade e segurança não serão alcançadas onde há exclusão social e desigualdade.

A ONU nasceu para ser a casa do entendimento e do diálogo.

A comunidade internacional precisa escolher:

De um lado, está a ampliação dos conflitos, o aprofundamento das desigualdades e a erosão do Estado de Direito.

De outro, a renovação das instituições multilaterais dedicadas à promoção da paz.

As sanções unilaterais causam grande prejuízos à população dos países afetados.

Além de não alcançarem seus alegados objetivos, dificultam os processos de mediação, prevenção e resolução pacífica de conflitos.

O Brasil seguirá denunciando medidas tomadas sem amparo na Carta da ONU, como o embargo econômico e financeiro imposto a Cuba e a tentativa de classificar esse país como Estado patrocinador de terrorismo.

Continuaremos críticos a toda tentativa de dividir o mundo em zonas de influência e de reeditar a Guerra Fria.

O Conselho de Segurança da ONU vem perdendo progressivamente sua credibilidade.

Essa fragilidade decorre em particular da ação de seus membros permanentes, que travam guerras não autorizadas em busca de expansão territorial ou de mudança de regime.

Sua paralisia é a prova mais eloquente da necessidade e urgência de reformá-lo, conferindo-lhe maior representatividade e eficácia.

Senhoras e senhores

A desigualdade precisa inspirar indignação.

Indignação com a fome, a pobreza, a guerra, o desrespeito ao ser humano.

Somente movidos pela força da indignação poderemos agir com vontade e determinação para vencer a desigualdade e transformar efetivamente o mundo a nosso redor.

A ONU precisa cumprir seu papel de construtora de um mundo mais justo, solidário e fraterno.

Mas só o fará se seus membros tiverem a coragem de proclamar sua indignação com a desigualdade e trabalhar incansavelmente para superá-la.

Muito obrigado. Fonte: https://g1.globo.com