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Registro em certidão dos mortos pelo regime alerta para importância da preservação das instituições democráticas
Eunice Paiva, viúva de Rubens Paiva, durante entrevista ao lado da foto do marido em 1986 - Jorge Araujo - 4.set.86/Arquivo Folhapress
No dia 20 de janeiro de 1971, Rubens Beyrodt Paiva foi sequestrado em sua casa, preso, torturado e assassinado por agentes do regime militar. O corpo do ex-deputado, cujo mandato havia sido cassado em 1964, nunca foi encontrado.
Após uma luta hercúlea por informações sobre o marido, Eunice Paiva obteve, em 1996, uma certidão de óbito que registrava só o desaparecimento.
Agora, o poder público corrige esse erro. No documento passa constar que a morte de Paiva foi "não natural; violenta; causada pelo Estado brasileiro no contexto da perseguição sistemática à população identificada como dissidente política do regime ditatorial instaurado em 1964".
Mesmo tardia, a retificação tem expressivo papel simbólico. Foram muitos os desaparecidos pela brutalidade da ditadura militar, e a ausência de um documento oficial que ateste não só o óbito como as causas funestas apenas perpetua a dor de parentes.
A trágica história da família foi contada no filme "Ainda Estou Aqui", dirigido por Walter Salles. A obra foi indicada ao prêmio Oscar nas categorias de melhor filme, melhor filme em língua estrangeira e melhor atriz para Fernanda Torres, já vencedora do Globo de Ouro, que interpreta Eunice. A película se baseia no livro homônimo do escritor Marcelo Rubens Paiva, filho do político assassinado.
As outras famílias que viveram casos semelhantes, embora menos conhecidos do grande público, poderão igualmente ter as certidões de óbito de seus entes queridos retificadas.
Em dezembro, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou que os cartórios do país devem atualizar os documentos de centenas de mortos e desparecidos durante a ditadura para constar que foram vítimas do regime. "É um acerto de contas legítimo com o passado", afirmou o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal.
Os parentes, inclusive de Paiva, deverão receber as novas certidões em sessões organizadas pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e pelo Ministério de Direitos Humanos.
Segundo levantamento realizado pelo Operador Nacional do Registro Civil de Pessoas Naturais, há 202 casos de retificação de certidões e 232 novos registros de óbito a serem produzidos.
Documentar os crimes da ditadura militar é uma reparação histórica que evidencia a importância da preservação das instituições democráticas. Em tempos de polarização política e populismos, tal alerta torna-se ainda mais necessário. Fonte: https://www1.folha.uol.com.br
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Segundo PF, migrantes chegaram algemados a Manaus em voo americano; FAB fará transporte até Belo Horizonte
Constança Rezende Victor Lacombe
Brasília e São Paulo
O ministro Ricardo Lewandowski (Justiça e Segurança Pública) determinou às autoridades e a representantes do governo americano a imediata retirada das algemas de migrantes brasileiros deportados dos Estados Unidos que chegaram em Manaus na sexta-feira (24).
De acordo com nota divulgada neste sábado (25) pela pasta, Lewandowski informou ao presidente Lula (PT) "sobre uma tentativa de autoridades dos Estados Unidos de manter cidadãos brasileiros algemados durante o voo de deportação" até Belo Horizonte, destino final. Segundo nota da Polícia Federal, os brasileiros chegaram algemados em Manaus.
A situação foi comunicada ao ministro pelo diretor-geral da PF, Andrei Passos Rodrigues. Lewandowski disse ao presidente que houve "flagrante desrespeito" aos direitos fundamentais dos cidadãos brasileiros.
"Ao tomar conhecimento da situação, o presidente Lula determinou que uma aeronave da FAB fosse mobilizada para transportar os brasileiros até o destino final, de modo a garantir que possam completar a viagem com dignidade e segurança", diz a nota. O avião americano parou em Manaus para reabastecer, mas uma falha técnica impediu a continuidade do voo até Belo Horizonte.
O Ministério da Justiça e Segurança Pública afirmou ainda que a dignidade da pessoa humana é um princípio basilar da Constituição Federal e um dos pilares do Estado Democrático de Direito, configurando valores inegociáveis.
Já a PF afirmou que os brasileiros que chegaram algemados foram recebidos e imediatamente liberados das algemas, na garantia da soberania brasileira em território nacional e dos protocolos de segurança no país. O órgão também proibiu que os brasileiros fossem novamente detidos pelas autoridades americanas.
Procurada pela Folha, a embaixada dos EUA em Brasília limitou-se a dizer que "os cidadãos brasileiros do voo de repatriação estão sob custódia das autoridades brasileiras" e que a representação diplomática está em contato com as autoridades do país.
Segundo a polícia, os passageiros foram acolhidos e acomodados na área restrita do aeroporto. No local, receberam bebida, comida, colchões e foram disponibilizados banheiros com chuveiros. "Os brasileiros serão acompanhados e protegidos pelos militares da FAB e policiais federais brasileiros", disse.
O grupo de 158 migrantes deportados desembarcou em Manaus após o avião americano que os levaria até Belo Horizonte apresentar um problema técnico. O voo com o deportados, dos quais 88 são brasileiros, decolou na sexta-feira (24) da cidade de Alexandria, no estado da Virgínia, e pousou em Manaus para reabastecer.
A FAB (Força Aérea Brasileira) informou que fará o transporte dos migrantes deportados. Segundo a Força, o avião saiu de Brasília às 13 horas e tinha chegada prevista em Manaus às 15h30 (14h30 no horário local). Profissionais de saúde acompanharão os deportados durante o trajeto até Belo Horizonte. Fonte: https://www1.folha.uol.com.br
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Líder religiosa apelou ao presidente para que fosse mais brando com população LGBT e estrangeiros
AFP
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, qualificou, nesta quarta-feira (22) como "desagradável" uma bispa de Washington e exigiu desculpas dela por ter dito que o republicano estava semeando o medo entre os migrantes e as pessoas LGBTQ.
"A chamada bispa que falou na terça-feira no Serviço Nacional de Oração é uma esquerdista radical que odeia Trump. Ela teve um tom desagradável, não foi convincente nem inteligente", escreveu o mandatário em sua rede, a Truth Social.
O presidente compareceu na terça a uma missa na Catedral Nacional de Washington dirigida pela bispa Mariann Edgar Budde, da Diocese Episcopal de Washington.
Em seu discurso, a religiosa sermoneou o novo líder pelos decretos assinados contra as pessoas LGBTQ e os migrantes após assumir seu segundo mandato presidencial.
"Peço que tenha piedade, senhor presidente", disse a bispa, que falou do "medo" que, segundo ela, se sente em todo o país.
"Há crianças gays, lésbicas e transgênero em famílias democratas, republicanas e independentes", afirmou.
Também defendeu os trabalhadores estrangeiros que "podem não ser cidadãos ou não ter a documentação adequada, mas a grande maioria dos migrantes não são criminosos."
O presidente, que anteriormente se limitou a dizer que a missa "não foi muito emocionante", atacou duramente a bispa em sua rede social.
"Além de seus comentários inapropriados, o sermão foi muito chato e pouco inspirador. Ela não é muito boa em seu trabalho. Ela e sua igreja devem desculpas ao público", publicou.
Entre as dezenas de ordens executivas assinadas na última hora de segunda-feira por Trump estão medidas para suspender a chegada de solicitantes de asilo e expulsar os migrantes que estão no país ilegalmente.
Trump também decretou que apenas serão reconhecidos dois sexos: masculino e feminino, mas não o transgênero. Fonte: https://www1.folha.uol.com.br
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Marte é o deus da Guerra. Portanto, é Marte acima de tudo e Trump, seu marechal, acima de todos
Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.
Donald Trump tomou posse como presidente de Marte. Elon Musk, o homem mais rico do Universo e com grandes interesses no Planeta Vermelho, será o seu mentor, o cérebro por trás do trono, quase um presidente putativo. Com isso, podemos ter certeza de que Trump cumprirá suas promessas de campanha: "Vamos fazer Marte grande de novo!", "Marte em primeiro lugar!", "Vamos nos orgulhar, vamos ser fortes, vamos vencer como nunca!" Perguntado sobre a sua relação com a Lua, foi taxativo: "Não precisamos dela!"
Com Trump no comando, Marte pode esperar por um governo marcial. Trump vai taxar todo o Sistema Solar. Planetas estéreis, como Saturno, Urano e Netuno, com suas organizações inúteis e parasitárias que vivem às custas de Marte, não perdem por esperar. Trump vai ocupar pela força os vizinhos Mercúrio e Vênus, retomar o Canal de Júpiter —afinal, foram os marcianos que o construíram— e, principalmente, construir um muro para isolar a Terra. Chega de terráqueos bigodudos, traficantes de drogas e cheios de filhos barrigudinhos e de nariz sujo continuando a passar pela fronteira e empesteando Marte. Os que já tiverem entrado serão deportados. Filhos de terráqueos ilegais terão sua cidadania revogada. O slogan oculto é: "Vamos fazer Marte louro de novo!"
Trump promete acabar de furar a Terra por todos os lados em busca de combustíveis fósseis. Se isso provocar mais secas, chuva, tsunamis, incêndios ou terremotos, a culpa será do Partido Democrata, que não trabalhou direito nos últimos quatro anos.
Em Marte só haverá homens ou mulheres, uns ou outros, sem opções extra ou intermediárias. As mulheres serão obrigadas a usar o chapéu do Zorro. As fake news serão a nova verdade, e acredite quem quiser. Com o indulto aos condenados pela invasão do Capitólio em 2021, o Poder Judiciário se tornará mero subscritor das decisões imperiais. Fica liberado dar calços em policiais, roubar-lhes o quepe e passar a mão em suas bundas e sair correndo.
Como todos sabem, Marte, na mitologia, é o deus da Guerra. Portanto, é Marte acima de tudo e Trump, seu marechal, acima de todos. Fonte: https://www1.folha.uol.com.br
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Medida altera uma política de longa data que vetava batidas de fiscalização em locais designados como 'áreas sensíveis'
Por O Globo
Autoridades da agência de Imigração e Fiscalização Aduaneira dos EUA (ICE, em inglês) serão autorizados a realizar batidas de fiscalização em locais como igrejas e escolas, anunciou o governo de Donald Trump nesta terça-feira, um dia após a posse do republicano. A medida altera uma política de longa data que evitava ações do tipo em locais considerados "'áreas sensíveis".
Em comunicado emitido nesta terça, o secretário interino de Segurança Interna, Benjamine Huffman, anunciou o fim de duas diretrizes, dando aos agentes mais autoridade para fiscalizações e acabando com um caminho de regularização para migrantes que buscam entrar nos Estados Unidos.
“Os criminosos não poderão mais se esconder nas escolas e igrejas dos Estados Unidos para evitar a prisão. O governo Trump não vai amarrar as mãos de nossos corajosos agentes da lei e, em vez disso, confia que eles usarão o bom senso”, diz a declaração.
Em 2011, o ICE estabeleceu uma política que impedia os agentes de efetuar prisões em locais sensíveis. Grupos defensores dos direitos dos imigrantes manifestaram seu temor diante da retirada da política, afirmando que isso alimentaria o medo nas comunidades. Como efeito, imigrantes podem tirar seus filhos da escola e muitos ficarão com receio de buscar atendimento médico em hospitais.
A segunda medida anunciada elimina de forma gradual os programas de liberdade condicional que permitiam que determinados imigrantes vivessem e trabalhassem temporariamente nos Estados Unidos enquanto aguardassem audiência no tribunal de imigração, o que pode levar meses ou até anos.
Partidários do Partido Republicano têm acusado o governo anterior, do ex-presidente Joe Biden, de ter abusado do programa, estendendo a autorização a várias nacionalidades — pessoas de países em crise, como Venezuela, El Salvador e Ucrânia, por exemplo, foram beneficiados com a política nos últimos anos. A declaração não esclarece quais programas serão eliminados, mas diz que as avaliações voltarão a ser feitas caso a caso.
“O governo Biden-Harris abusou do programa de liberdade condicional humanitária para permitir indiscriminadamente que 1,5 milhão de migrantes entrassem em nosso país. Tudo isso foi interrompido no primeiro dia do governo Trump", disse o texto. "Essa ação fará com que o programa de liberdade condicional humanitária retorne ao seu propósito original de analisar os imigrantes caso a caso." Fonte: https://oglobo.globo.com
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Há ainda candidatos eleitos que, no entendimento da Justiça Eleitoral, estariam prestes a assumir um terceiro mandato, o que é proibido pela legislação
Por O Globo — Rio de Janeiro
Prefeitos eleitos no Ceará ficaram impedidos de assumirem cargos por investigações policiais — Foto: Reprodução
Nesta quarta-feira, aconteceu a cerimônia de posse dos prefeitos eleitos nas eleições municipais de 2024. Nem todos, no entanto, puderam assumir os cargos por força de decisões judiciais. Dois desses casos aconteceram no Ceará e envolvem políticos suspeito de ligações com facções criminosas e compra de votos.
Reeleito prefeito de Santa Quitéria (CE), José Braga Barrozo (PSB) foi preso pela Polícia Federal e a Polícia Civil instantes antes da cerimônia de posse. Barrozo é investigado por suspeita de envolvimento com a facção Comando Vermelho. Investigado no mesmo processo, o vice Francisco Gardel Mesquita Ribeiro (PSB) também foi impedido de assumir, apesar de não ter sido preso. A função de interino coube a Joel Barroso, filho de José Braga e presidente da Câmara de Vereadores.
O Ministério Público Eleitoral (MPE) alega que Barrozo foi favorecido por membros do Comando Vermelho durante as eleições municipais de 2024, segundo a TV Verdes Mares. Eleitores do candidato adversário teriam sido ameaçados e coagidos a votar no prefeito. O MPE pediu a cassação da chapa de Barrozo e Ribeiro.
"Destacamos que toda essa discussão na mídia reflete ações orquestradas por grupos que não aceitaram sua derrota nas últimas eleições. Alegações semelhantes têm sido apresentadas desde 2020, sempre sem qualquer comprovação", disse o prefeito reeleito em nota divulgada no início desta semana.
A Justiça Eleitoral também suspendeu a posse do prefeito de Choró (CE), Carlos Alberto Queiroz Pereira, o Bebeto Queiroz (PSB), e do vice Bruno Jucá Bandeira (PRD). Alvo de um mandado de prisão preventiva, Bebeto já se encontrava foragido das autoridades quando a suspensão foi determinada.
Bebeto Queiroz foi alvo de duas operações. Uma delas é a "Ad Manaus", deflagrada pelo Ministério Público do Ceará em novembro deste ano. O MP investiga a suspeita de fraude em contratos envolvendo o abastecimento de veículos da prefeitura do município, segundo a TV Verdes Mares.
Outra é a Operação 'Vis Occulta', da Polícia Federal, que investiga a compra de votos em dezenas de municípios do Ceará, entre eles Choró. Em uma das mensagens obtidas pelos invesetigadores, o prefeito reeleito reclama do preço de um voto. "Mas só para votar... ele é doido, é caro demais, mano... ele consegue quantos votos?", diz Bebeto a um interlocutor, segundo o jornal Estado de São Paulo.
'Terceiro mandato'
Em Itaguaí, o prefeito eleito Dr. Rubão (Podemos) ficou impedido de assumir o cargo após uma decisão da Justiça Eleitoral. O Tribunal Regional Eleitoral entendeu que, caso o político ocupasse o cargo, estaria configurado um terceiro mandato consecutivo. Em 2020, quando era presidente da Câmara de Vereadores, ele assumiu o cargo após o impeachment de Carlo Busatto Júnior, o Charlinho, e do vice. O caso será julgado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 4 de fevereiro.
A situação semelhante aconteceu Presidente Kennedy, no Espírito Santo. No final de dezembro, o TSE manteve o entendimento do Tribunal Regional Eleitoral do Espírito Santo (TRE-ES) de que Dorlei Fontão (PSB) buscava o terceiro mandato consecutivo, o que é proibido por lei. Ele assumiu o cargo em 2019 quando era vice-prefeito. A prefeita Amanda Quinta Rangel foi afastada por suspeita de envolvimento com esquema de fraude em licitações e pagamento de propina. Em 2020, ele se reelegeu para o cargo.
Em Bandeirantes, no Mato Grosso do Sul, o prefeito Álvaro Urt (PSDB) também foi impedido de tomar posse no cargo. Em 2020, enquanto era prefeito do município, Urt foi cassado pela Câmara de Vereadores e ficou inelegível por oito anos. Ele recorre da cassação e tenta assumir o mandato. Um novo julgamento deve ocorrer em 2025. Fonte: https://oglobo.globo.com
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A polícia do Jerônimo
A polícia da Bahia, estado governado pelo PT, tem uma política de genocídio
Aline Bispo/Folhapress
Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.
Os números do feminicídio e a violência generalizada que acomete o Brasil são desesperadores e é triste não ver uma saída realmente satisfatória para essa situação. Porém, neste texto, gostaria de abordar a violência em série cometida pela polícia do estado da Bahia: um verdadeiro descalabro, uma política de genocídio. E é uma vergonha ainda maior considerando que, há quase duas décadas, o governo da Bahia é liderado pelo Partido dos Trabalhadores (PT), um fato que não deveria impedir a crítica necessária e urgente.
Afinal, quando a polícia de São Paulo joga um jovem de uma ponte, apontamos com razão que se trata da polícia do Tarcísio —inclusive escrevi sobre isto recentemente na Folha, sobre as necessárias responsabilizações do governador e de seu secretário de segurança. Mas o que pergunto é: por que não devemos apontar que a polícia baiana, que mata mais do que toda a polícia dos Estados Unidos, é a polícia do Jerônimo, do Rui Costa, do Jaques Wagner?
Sou uma das poucas escritoras a enfrentar esse tema de forma franca. Em agosto de 2023, quando do assassinato brutal e inaceitável de Mãe Bernardete, liderança de terreiro morta no interior de sua própria casa em circunstâncias longe de serem devidamente esclarecidas, escrevi o seguinte nesta Folha:
"Somente nesse estado da Bahia, em um ano, a polícia matou mais do que toda a polícia dos Estados Unidos, segundo dados do Anuário de Segurança Pública. Em qualquer governo estadual e federal isso é uma vergonha. Em um governo progressista, então, me faltam palavras para definir. A polícia de governos estaduais de direita matam, as de esquerda também. Se um ex-governador do Rio de Janeiro afirma que é para 'mirar na cabecinha', um outro na Bahia diz que policiais são artilheiros na frente do gol. Partidarizar essas mortes endêmicas no país por proselitismo político deveria envergonhar quem se diz intelectualmente honesto".
Destaco a citação pois, ainda que seja atual e pertinente, penso também que é necessário ter coragem e, sobretudo, memória num país de gente covarde, que não só partidariza esse proselitismo como ainda mente a meu respeito. Eu me orgulho de ser uma intelectual negra independente, no sentido descrito por bell hooks, que, entre muitas coisas, afirma que, como vivemos numa sociedade fundamentalmente anti-intelectual e difícil para os intelectuais comprometidos e preocupados com mudanças sociais radicais, é preciso afirmar sempre que o trabalho que fazemos tem impacto significativo.
Nesse sentido, fico pensando em como um tema tão grave e urgente como o genocídio cometido pela polícia baiana pode concorrer com a indignação seletiva diante da substituição do nome de Iemanjá pelo de Rei Yeshua por uma cantora em uma letra de música. Foi com essa indignação que me vi bombardeada de notícias e textões pseudorrevolucionários a respeito. Ora, que fique claro: o que Claudia Leitte fez é um desrespeito inegável. Mas, convenhamos, há algo mais óbvio que isso?
O problema não está na troca dos nomes; o problema é que Claudia Leitte tenha sido validada como cantora de axé em primeiro lugar. A troca foi apenas a cereja do bolo de uma narrativa que já estava fora do eixo havia muito tempo. Bolo esse sobre o qual muitos de seus confeiteiros se dizem agora surpresos com o resultado.
Pessoas que adularam, incensaram, financiaram, quando não fizeram a mesma coisa e cantaram músicas e/ou bajularam autores de "hinos racistas" em um ritmo negro, agora se dizem revoltadas. Para além de muita indignação, há uma indústria que se reorganiza e deixa seus bois de piranha de tempos em tempos. Lucram com o axé e o gospel e, ainda assim, como os governadores, se livram de responder por seus crimes.
Feita esta breve digressão, pois o Brasil não é para iniciantes, mas sim para iniciados, por que não voltamos ao que realmente importa?
Há uma urgência em apontar os crimes de uma política pública que tem acumulado taxas estratosféricas de homicídios sob governos que deveriam ser responsabilizados. Sim, é necessário que governadores e seus antecessores sejam levados ao banco dos réus. Que um promotor, como um artilheiro diante do gol –a infeliz analogia emprestada por um ex-governador baiano–, os acuse pelos crimes contra sua própria população e marque seu golaço.
Os dados falam por si. Segundo o Anuário de Segurança Pública (sempre importante citar), a polícia da Bahia é a que mais mata no Brasil. Trata-se de um dado insuperável e que, por si só, exige perguntas, respostas, mudanças e consequências aos agentes responsáveis na máquina estatal. Fonte: https://www1.folha.uol.com.br
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Mundo secular, com seus valores líquidos e oportunistas, não parece páreo para comunidades religiosas coesas férteis
Escritor e ensaísta, autor de "Notas sobre a Esperança e o Desespero" e “A Era do Niilismo”. É doutor em filosofia pela USP.
Fundamentalismo religioso é uma expressão que na passagem do século era muito usada pela mídia e pelas universidades. Livros e artigos foram escritos fazendo uso dela para chamar a atenção para o fenômeno identitário que ameaçaria o modo secular de sociedade.
Mas a expressão saiu de moda. O mundo das ideias, como tudo no século 21, é coisa arrastada pelas modas de comportamento e pelo oportunismo. Um fenômeno que atravessou a discussão das identidades antimodernas foi a crítica decolonial e a afirmação de que algumas identidades vítimas poderiam matar por que seriam "resistentes ao colonialismo" —caso emblemático é a carta branca dada ao Hamas pela ONU.
Essa virada teórica da esquerda implicou o abandono do uso da expressão "fundamentalismo religioso" porque ela carregava consigo um valor negativo, do ponto de vista ideológico, quando aplicado a populações "subalternizadas". No caso do Brasil, o termo era utilizado em grande parte para se referir aos evangélicos.
Vale salientar que, no início do século 20, nos Estados Unidos, evangélicos usavam o termo para si mesmos com valor positivo —viver segundo os fundamentos do cristianismo e recusar a secularização, o feminismo e o darwinismo.
Quase três décadas depois, os evangélicos despontam como o maior grupo religioso do país e, portanto, como um mercado imenso de votos e influência lobista. Há que se tratar bem deles, afinal de contas a democracia é um regime de competição por votos.
Aqueles "ainda" mal comportados recebem o nome de "extrema direita" e ficam ainda na berlinda, por conta de seu mau comportamento eleitoral. No entanto, os grupos descolados entre os evangélicos, e portanto de esquerda, são recebidos com honras pela elite da mídia. Sua missão: convencer os evangélicos a votar na esquerda em 2026. Pois bem.
Recentemente, na Bélgica, um livro sobre o fundamentalismo islâmico teve seu lançamento cancelado sob acusação de difamar o islamismo —esses fundamentalistas são chamados pelo termo "islamiste" em francês, para designar o movimento de teor político ideológico que visa colonizar a Europa secular e impor um islamismo radicalizado à sua população, a começar pelos jovens de fé muçulmana.
A obra dos jornalistas Laurence D’Hondt e Jean-Pierre Martin se constitui numa série de entrevistas com professores francófonos de escolas entre França e Bélgica. "Allah n’a Rien à Faire dans Ma Classe" é o título — "Alá nada tem a fazer na minha aula", com um sentido de que Alá não deve se meter na minha aula.
Os autores citam um professor de história de um "collège" francês, Iannis Roder, que afirma algo essencial: "Se entregarmos à extrema direita a exclusividade do real, deixamos para eles o real". É o que muitos de nós têm feito —negando o fenômeno descrito pelos autores na sua obra a fim de passar uma imagem de "cool".
Os autores não são de forma nenhuma reacionários, mas jornalistas que fazem sua lição de casa e dão voz a professores que sofrem com a pressão de alunos fundamentalistas e que não encontram nem na direção da escola, nem nas instâncias superiores responsáveis do governo, espaço ou apoio mínimo para seus impasses dentro da sala de aula.
Todos têm medo de ser acusados de serem de extrema direita ou de sofrer violências cotidianas. Enquanto isso, os fundamentalistas colonizam o ensino francófono. O árabe vai se tornando a língua franca em algumas escolas. A estratégia do fundamentalismo islamita mudou —o terrorismo pode ser substituído por formas mais brandas de impor sua visão religiosa de mundo, fazendo o uso da educação, cuja entrada está aberta para eles.
Uma professora, Adeline — os nomes são fictícios— narra que, logo após o evento da Charlie Hebdo em 2015, um professor muçulmano afirmou que os cartunistas mereceram e ninguém teve coragem de criticá-lo.
Ela o fez e sofreu inúmeras represálias. Em uma delas, um colega, quando era obrigado a sentar no lugar que ela havia sentado, cobria o assento com um plástico, para mostrar todo o nojo que sentia por ela. Os valores da República —como se fala na França— se tornaram insalubres, quando grande parte dos alunos são profundamente refratários.
Estado laico, secularismo, igualdade de gêneros, crítica das tradições, ciência, Darwin. Os alunos se ofendem com esses assuntos. Professoras mulheres são desrespeitadas. Mas o tema vai além da colonização islamita. O que se revela é algo anterior e grave. O mundo secular, com seus valores líquidos e oportunistas, seu egoísmo, sua infertilidade, não parece páreo para comunidades religiosas coesas férteis. O Sapiens é religioso, antes de republicano. Fonte: https://www1.folha.uol.com.br
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Seja qual for o destino penal do general Braga Netto, sua prisão preventiva mostra a extensão da vergonha que o bolsonarismo causou às Forças Armadas
O País acordou ontem com a notícia da prisão de um general quatro estrelas da reserva, um desdobramento dramático do caso da suposta trama golpista contra o presidente Lula da Silva, investigada pela Polícia Federal (PF). É evidente que tudo ainda carece de maiores esclarecimentos, mas o episódio em si mesmo ilustra com clareza meridiana a dimensão da vergonha causada pelo bolsonarismo às Forças Armadas.
Por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), após consulta à Procuradoria-Geral da República (PGR), a Polícia Federal (PF) prendeu preventivamente o general de Exército da reserva Walter Braga Netto. O militar, segundo a PF, é suspeito de ser um dos líderes da tentativa de golpe de Estado urdida nos estertores do governo de Jair Bolsonaro para impedir a posse de Lula da Silva, plano que teria envolvido até o assassinato do atual mandatário, entre outras autoridades.
Moraes decretou a prisão preventiva de Braga Netto porque, ainda de acordo com a PF, ele estaria destruindo provas e, principalmente, coagindo testemunhas para tomar conhecimento do teor sigiloso do acordo de colaboração premiada firmado pelo tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
A serem verdadeiras essas acusações, haja vista que a prisão de Braga Netto foi ordenada por Moraes em grande medida pelos supostos novos elementos de prova que Mauro Cid teria fornecido ao STF em seu depoimento mais recente, prestado no dia 21 de novembro, está-se diante, de fato, de condutas típicas para a decretação da prisão preventiva. Por essa razão, Braga Netto foi mantido no cárcere após ser submetido à audiência de custódia, ocasião em que são verificadas as eventuais ilegalidades de uma prisão.
De todos os suspeitos de participar da intentona, Braga Netto, sem dúvida alguma, é o mais graduado a ser preso até agora. Acima dele só haveria o golpista maior, Jair Bolsonaro, o grande beneficiário do eventual sucesso daquele plano nefasto que teria sido colocado em marcha após sua derrota nas urnas em 2022, como aponta a PF. A regra no Brasil, como o passado demonstra, sempre foi o acobertamento de militares, da ativa e da reserva, suspeitos de terem cometido crimes comuns – à exceção, por óbvio, daqueles delitos cobertos pela Lei da Anistia, de 1979.
A prisão preventiva de Braga Netto, portanto, quebra essa rotina de leniência, para dizer o mínimo, com a apuração de crimes comuns envolvendo militares, fardados ou não, em que pese se tratar – e é fundamental frisar isso – de uma prisão cautelar, ou seja, decretada em sede de investigação, e não de antecipação de culpa nem muito menos de cumprimento de pena. Mas só isso, porém, já é algo inédito ao menos desde a redemocratização do País.
Se a prisão de outros militares de alta patente suspeitos de envolvimento na tentativa de golpe já não foram triviais, a de Braga Netto é histórica, na mais estrita acepção do vocábulo. Afinal, além de ele ser um general com quatro estrelas nos ombros a ir para a cadeia, sobretudo por suspeita de ter liderado uma tentativa de golpe de Estado, Braga Netto foi chefe do Estado-Maior do Exército, ministro da Casa Civil e da Defesa no governo Bolsonaro, candidato a vice na chapa do ex-presidente e, ademais, interventor na Segurança Pública do Rio de Janeiro, uma elevada posição de poder, malgrado o fiasco operacional da intervenção militar.
A prisão de um personagem como Braga Netto, alguém que, além de possuir o currículo acima, foi uma figura central na política brasileira nos últimos anos, é reveladora do desassombro com que membros do alto escalão do governo anterior parecem ter agido para se manter no poder a despeito da derrota eleitoral. Como sublinhamos nesta página há algumas semanas, o Brasil só terá paz quando todos os suspeitos de ter urdido o golpe de Estado forem julgados de acordo com as leis do mesmo Estado Democrático de Direito que tentaram abolir (ver Traidores da Pátria, 20/11/2024).
Desde a manhã de ontem, o general da reserva Walter Braga Netto viu consideravelmente reduzida a distância que o separa desse inevitável acerto de contas com a Justiça. Fonte: https://www.estadao.com.br
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A encruzilhada histórica da Síria
Ninguém cioso dos direitos humanos deixará de se alegrar com a queda de um dos maiores criminosos da nossa era. Mas o novo capítulo pode ser mais brutal e dilacerar a Síria por gerações
Na manhã de ontem, enquanto o ditador sírio Bashar al-Assad voava de Damasco para Moscou, os extremos se tocaram no coração dos sírios: por um lado, alívio com a derrocada de uma tirania sanguinária de mais de 50 anos; por outro, angústia com um futuro absolutamente imprevisível.
Entre muitos protagonistas internacionais envolvidos no conflito, a Turquia, que apoia grupos rebeldes no norte da Síria, foi o mais óbvio vencedor. Os sustentáculos do regime de Assad – Rússia e Irã (e o Hezbollah, a milícia xiita libanesa apoiada por Teerã) – foram os maiores derrotados. Israel e os EUA podem celebrar a queda da dinastia alauita ante a maioria sunita. Mas a perspectiva de um governo jihadista em Damasco não permite otimismo, nem para eles, nem para as minorias curdas ou cristãs na Síria, nem para os Estados árabes sunitas do Golfo.
A dinastia Assad foi responsável por assassinar mais de 500 mil sírios. Desde o início da guerra civil, após a brutal repressão de protestos na onda da Primavera Árabe, 600 mil sírios morreram, 13 milhões foram deslocados, 6,8 milhões fugiram do país e, dos 15 milhões remanescentes, 90% vivem na miséria.
O regime já estava em frangalhos em 2012, quando uma coalizão heteróclita – que envolve desde fanáticos islâmicos ligados à Al-Qaeda, o Estado Islâmico, paramilitares apoiados pela Turquia até milícias curdas apoiadas por Estados ocidentais esperançosos de estabelecer uma democracia – se rebelou. Mas os Assads eram aliados próximos da Rússia desde a guerra fria, e Vladimir Putin não abandonaria suas bases navais na costa mediterrânea síria. Assad tornou-se o mais importante aliado da teocracia iraniana na região. Juntos eles perpetraram os maiores massacres no Oriente Médio nos tempos modernos, sob a leniência da comunidade internacional, marcadamente dos EUA sob Barack Obama, que viu suas “linhas vermelhas” serem rompidas uma após a outra, sem reação.
Uma Rússia distraída pela guerra na Ucrânia e o “Eixo de Resistência” liderado por um Irã debilitado pelos golpes de Israel nos últimos meses foram de longe o fator decisivo para o fim de Assad. Em duas semanas, suas forças fugiram em debandada ante os avanços fulminantes dos rebeldes. Sua queda marca uma mudança sísmica no equilíbrio de poder na região.
Uma prioridade para a comunidade internacional é garantir que os estoques de armas químicas na Síria não caiam nas mãos dos jihadistas. A Força Aérea israelense já bombardeou uma delas ontem.
Muito do que acontecerá na sequência dependerá do Hayat al-Sham (HTS), o grupo que liderou a recente ofensiva. Ele vem governando com alguma competência, dadas as circunstâncias, a província de Idlib, pediu moderação aos seus correligionários e prometeu tratar com dignidade as minorias cristãs e curdas e até os alauitas. Mas até 2017 o HTS era filiado à Al-Qaeda, e suas relações com outros rebeldes são convolutas. Ele tem rusgas ideológicas com o Exército Nacional Sírio apoiado pela Turquia, tem um histórico de hostilidade aos curdos e é classificado como uma organização terrorista tanto por Estados árabes quanto ocidentais, o que complica quaisquer negociações. A Turquia é agora um protagonista-chave, e todos os olhos e esforços diplomáticos devem se voltar a Ancara.
É certo que a partir de agora se abriu um novo capítulo para a história da Síria e do Oriente Médio, mas qualquer previsão é temerária. A queda de Assad e a humilhação de Teerã e do Hezbollah podem levar a uma Síria e a um Líbano mais tolerantes? Não é impossível, mas o caminho é tortuoso, e a porta para a paz é estreita. E ela pode ser facilmente trancada pelas disputas intestinas dos rebeldes. O próximo capítulo pode ser muito mais brutal e a Síria pode ser dilacerada e sangrar por gerações.
Qualquer pessoa ciosa dos direitos humanos não pode deixar de sentir uma ponta de alegria com a derrocada de um dos maiores criminosos de nossa era. Mas as palavras de Henry Kissinger a propósito da Guerra Irã-Iraque nos anos 1980 repercutem com extraordinária atualidade: é uma pena que ambos os lados não possam perder. Fonte: https://www.estadao.com.br
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Deus, a Pátria e a Família estão horrorizados com o baixo nível dos generais que dizem defendê-Los
Bolsonaristas presos em 8 de janeiro – Reuters
Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.
Deus está chocado. A Pátria e a Família, então, nem se fala. Pois não é que justo aqueles que vivem falando em Seus nomes demonstraram que, ao querer passar os adversários na bazuca, no punhal e no veneno, estão pouco ligando para os valores que os ditos Deus, Pátria e Família defendem? Deus, a Pátria e a Família se referem aos áudios descobertos outro dia, que mostram generais espumando de patriotismo e pregando ódio e ranger de dentes.
E que gente grosseira e desbocada, meu Deus! Se é assim que eles conversam em família ou nas igrejas que frequentam, eu não gostaria de vislumbrar meus sobrinhos ou os filhos pequenos dos meus amigos, das minhas amigas, ao alcance de tanta boca suja. Para eles, palavrão é vírgula. Dúvida?
"O senhor me desculpe a expressão, mas quatro linhas é o caralho. Quatro linhas da Constituição é o caceta!" "Kid Preto, porra, por favor, o senhor tem que dar uma forçada de barra com o Alto Comando, cara. Tá na cara que houve fraude, porra. Não dá mais pra gente aguentar essa porra. Tá foda! Tá foda!" "Vai agora esperar virar uma Venezuela para virar o jogo, cara? Democrata é o cacete! Não tem que ser democrata mais agora. Acabou o jogo, pô!" "O presidente tem que fazer uma reunião com o petit comitê. Esse pessoal acima da linha da ética não pode estar nessa reunião. Tem que ser a rataria!"
Ah, está explicado. Eles são a rataria, a turma abaixo da linha da ética. Mas Deus, a Pátria e a Família se perguntam: foi isso que aprenderam nos cursos que fizeram no quartel e lhes renderam aquelas chapinhas no peito? E o mais inacreditável vem agora: "Olha, general", diz um da rataria, "eu sou capaz de morrer, cara, pelo meu país, sabia? Pelo meu presidente, cara. Eu não consigo vislumbrar, né, meus sobrinhos, né, os filhos pequenos dos meus amigos, das minhas amigas, vivendo sob o julgo [sic] desse vagabundo [Lula]. Aprendi na caserna a honrar o meu presidente [Bolsonaro]. E eu tô pronto a morrer por isso".
Deus, que é Onisciente, avisa: "Vá devagar, meu rato. O ratão por quem você se dispõe a morrer vai te deixar na rua assim que as coisas apertarem para ele". Fonte: https://www1.folha.uol.com.br
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Ao que tudo indica, o golpe não foi para a frente porque parte da Cúpula das Forças Armadas evitou a acompanhar o presidente e seus assessores marginais numa aventura inconsequente
Após ser indiciado por tentativa de golpe de Estado, o ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL) desembarcou em Brasília na noite desta segunda-feira (25) Foto: Wilton Junior/Estadão
*Por Fabiano Lana
Essa não é uma coluna sobre questões jurídicas. Mas sobre merecimento. Sobre os castigos adequados como aprendizado para condutas inadequadas das figuras públicas. Nesse sentido, o que merece um ex-presidente da República que cogitou dar um golpe militar para continuar ilegalmente no poder por meio da força bruta a não ser a cadeia? Atualmente o ex-presidente e seus asseclas nem negam mais quais eram suas intenções, apenas tentam colocar o crime dentro de outras molduras, como a de ter cogitado um “estado de sítio”, algo assim. Mas o que fizeram, ou mesmo tiveram a intenção de fazer, além de começarem a executar, é algo que obriga ao castigo, a enviar a todos por um longo tempo para o xilindró.
Mas vivemos no Estado de Direito. Nesse sentido Bolsonaro deve ter acesso a toda defesa possível e pode ser que escape ileso, em hipótese. Pulularam uma série de juristas para dizer que, apesar do plano para destruir a democracia brasileira ser repudiável, etc., na verdade o que houve não pode ser tipificado como um crime. É como se admitissem, veja, que o direito pode ser o refúgio dos canalhas. Numa adaptação aqui da frase do escritor inglês Samuel Johnson, que na verdade se referia ao uso cínico do patriotismo para justificar o injustificável.
Mesmo com o risco de cair na satírica lei Godwin - que considera toda a referência ao nazismo numa discussão como uma carta apelativa – vale agora lembrar do livro “Eichmann em Jerusalém - um relato sobre a banalidade do mal”, de Hannah Arendt. Durante seu julgamento, o responsável por gerir toda a deportação em massa para operar o extermínio dos judeus, Adolf Eichmann, alegou inocência. Agia dentro do ordenamento jurídico de seu país e cumpria ordens. Homem cumpridor de seus deveres, podia até ser considerado um homem de bem pelos autodenominados patriotas brasileiros. Aliás, sempre desconfie de quem alega “cumprir ordens” ou seguir as regras quando tenta defender algo reprovável.
Estamos agora numa espécie de epidemia de desculpas para justificar o malfeito de Bolsonaro. “Olha, tentar um golpe e não ir à frente é o mesmo que tentar que matar alguém e desistir”, dizem uns, trocando as bolas nas tipificações do Código Penal. “Veja bem, o artigo 142 da Constituição permite a intervenção militar”, afirmam outros, distorcendo que a intenção do texto era proteger a República, e não a desmantelar. “A tentativa de execução do golpe é menor do que o atentado ao Direito que ocorre hoje no Brasil”, lamentou outro, sem ir à conclusão lógica de que o golpe tem como fim aniquilar esse mesmo Estado de Direito que ele diz querer proteger.
E tem a frase clássica: “Ah, mas o Lula, que roubou bilhões, está solto”, dita por uma daquelas senhoras com a Bíblia na mão da qual não se deve duvidar das boas intenções. Sem entrar no mérito da questão, a resposta aqui não vai agradar a seita petista. Ora, imaginemos uma cidade com dois bandidos soltos. Pelo menos um estar preso é melhor do que ambos soltos. Dito isso sabemos que Lula não foi absolvido, mas que os casos foram arquivados, prescritos em decisões que parecem ter algo de tramas político-jurídicas. Essa é uma lacuna de nossa história.
Mas por um segundo vamos nos imaginar na cabeça desses infelizes que estavam nos acampamentos que terminaram no vandalismo do dia 8 de janeiro de 2023. Para eles a eleição foi fraudada com a anuência da nossa Suprema Corte para que uma quadrilha com tendências comunistas voltassem ao poder. A tentação de chamar a todos de zumbis políticos é enorme, o que segura é saber que ainda são milhões. De qualquer maneira foram instigados por Bolsonaro a agir assim. E, também por isso, ele merece a prisão.
O ex-presidente, hoje sem direitos políticos, merece o cárcere de um ponto de vista moral, não exatamente do Estado de Direito (pelo qual pode até ser absolvido, o que teríamos que aceitar). Nunca percamos de vista, entretanto, que, ao que tudo indica, o golpe não foi para a frente porque parte da Cúpula das Forças Armadas evitou a acompanhar o presidente e seus assessores marginais numa aventura inconsequente – essa lacuna também ainda precisa ser melhor preenchida.
O ponto é: Jair Bolsonaro, o mesmo que saiu do Exército após a acusação de querer explodir o sistema de abastecimento de água do Rio de Janeiro, agora precisa sair definitivamente da vida pública, e da vida com os cidadãos livres, ao querer explodir a democracia. No primeiro caso, escapou e o país paga o preço de um reincidente no crime. Não merece perdão duas vezes. Existe até alegação cínica: “Mas aparecerão outros Bolsonaros”. Ok, faz sentido dizer que Bolsonaro, assim como Lula, é uma ideia. Mas se esse novo Bolsonaro transgredir deverá ser preso também, para evitar um mal pior. Fonte: https://www.estadao.com.br
*Fabiano Lana é formado em Comunicação Social pela UFMG e em Filosofia pela UnB, onde também tem mestrado na área. Foi repórter do Jornal do Brasil, entre outros veículos. Atua como consultor de comunicação. É autor do livro “Riobaldo agarra sua morte”, em que discute interseções entre jornalismo, política e ética.
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É perturbador o número de generais suspeitos de apoiar a trama golpista investigada pela PF. Isso mostra que a formação militar precisa deixar mais claro que respeito à lei não é opcional
Ainda há muitas dúvidas a respeito do suposto golpe para manter Jair Bolsonaro no poder, mas uma coisa parece certa: se realmente houve, a conspiração provavelmente não prosperou porque a maioria dos chefes militares do País se manteve fiel à Constituição, em particular o Alto Comando do Exército. Caso seja confirmado que houve mesmo um complô – que, conforme as investigações, incluía o assassinato do presidente eleito Lula da Silva, de seu vice, Geraldo Alckmin, e do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes –, é seguro afirmar que o Brasil escapou de ser tragado por uma das mais graves crises de uma história já bastante marcada por golpes e insurreições.
Pode-se especular quais teriam sido as motivações dos chefes militares legalistas, mas a rigor elas são irrelevantes. Seja pela convicção democrática de seus membros, seja por pragmatismo – afinal, não havia, como não há, “clima” para um golpe militar no País –, o fato é que os militares suspeitos de participar do tal complô foram afinal frustrados e o governo federal legitimado pelas urnas em 2022 aí está, acumulando erros e acertos até a prestação de contas no próximo ciclo eleitoral, como acontece em qualquer democracia constitucional.
Dito isso, não deixa de ser perturbadora a informação de que a Polícia Federal (PF) identificou que a trama golpista contou com uma rede de apoio composta por ao menos 35 militares, entre os quais há nada menos que 10 generais e 16 coronéis do Exército, além de um almirante. Como se sabe, quatro oficiais das Forças Especiais do Exército, os chamados “kids pretos”, e um policial federal foram presos pela PF, por ordem de Moraes, pela gravíssima suspeita de terem planejado aquele triplo homicídio.
O simples fato de os nomes desses 35 militares terem sido citados no curso das investigações não significa, necessariamente, que todos tenham feito parte da suposta conspiração para impedir a posse de Lula da Silva. Não se pode descartar que alguns possam ter sido citados como bravata, a indicar um apoio à intentona que, na realidade, não houve. Há diligências em curso e só a denúncia que a Procuradoria-Geral da República decerto apresentará ao STF individualizará as condutas dos suspeitos, civis e militares, de tramar a permanência de Bolsonaro na Presidência a despeito da derrota eleitoral.
Mas, independentemente do transcurso jurídico do caso, é espantoso que tantos militares, e tão graduados, sejam suspeitos de conspirar contra a democracia – reconquistada à custa de muita dor para os brasileiros – em plena segunda década do século 21. Todos os coronéis e generais da ativa foram formados para o alto oficialato após a redemocratização do País. A esmagadora maioria deles já sob a égide da Constituição de 1988, que, a despeito da exegese picareta que muitos fizeram do art. 142, define claramente o papel das Forças Armadas no regime democrático, principalmente a submissão do poder militar armado ao poder político civil.
A sociedade sabe apenas superficialmente como se dá a formação dos militares, mas a luz dos fatos permite enxergar que algo não vai bem nessa formação quando dezenas de oficiais de alta patente da ativa e da reserva são citados como participantes de um plano de golpe de Estado.
Mais bem dito: o Brasil não pode ficar à mercê dos humores dos senhores membros do Alto Comando do Exército, que hoje, ao que tudo indica, são legalistas. Mas poderiam não ser, como vários de seus colegas de farda mencionados como envolvidos na trama golpista. Por isso, é importante enfatizar que o respeito à Constituição e ao Estado Democrático de Direito não é uma escolha e que as escolas militares devem ter o especial cuidado de incutir esses valores nos corações e mentes dos soldados desde o primeiro passo que eles dão em um quartel. Amar e servir à Pátria, afinal, é antes de tudo respeitar suas leis, em especial a maior de todas.
A Operação Contragolpe e outras antes dela, além das que estão por vir, devem levar as Forças Armadas, em particular o Exército, a um profundo reexame de uma mentalidade segundo a qual os militares seriam uma espécie de “tutores” da República. Nunca foram e jamais serão, ao menos não enquanto aqui vigorar uma democracia digna do nome. Fonte: https://www.estadao.com.br
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Embora já esperado, o indiciamento de Bolsonaro e de seus principais assessores pela PF dá contornos dramáticos às revelações de que o País esteve supostamente à beira da ruptura
A Polícia Federal (PF) indiciou ontem 37 pessoas por uma suposta tentativa de um golpe de Estado a fim de impedir a posse do presidente Lula da Silva, legitimamente eleito em 2022. Somadas, as penas máximas cominadas à miríade de crimes que compuseram essa desabrida sedição chegam a 30 anos de prisão.
Entre os indiciados estão muitos ex-ocupantes de altos cargos da República durante o governo de Jair Bolsonaro, o que torna ocioso apontar a gravidade e o ineditismo da conclusão dessa minuciosa investigação policial. Basta dizer que, além do próprio Bolsonaro, que obviamente seria o maior beneficiário do eventual sucesso de um golpe, terão de prestar contas à Justiça os generais da reserva Braga Netto, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, que foram os principais assessores do então presidente no Palácio do Planalto.
Embora já fosse esperado, dado o andamento das investigações da PF, o indiciamento da alta cúpula do governo Bolsonaro e do próprio ex-presidente mostra que a trama golpista, se realmente houve, provavelmente não se circunscreveu a um punhado de oficiais de segundo escalão em conluio com agentes policiais. A ser verdade o que a PF diz ter descoberto, o País esteve à beira da ruptura e esse movimento contou, na hipótese benevolente, com a omissão de Bolsonaro, já que parece ser impossível que nem ele nem os generais que o assessoravam não tivessem conhecimento do complô. Tudo ganha contornos ainda mais dramáticos quando se imagina a hipótese menos benevolente: a de que Bolsonaro não só sabia, como jamais desestimulou a sedição, o que comprovaria de vez seu já notório golpismo.
Outro que se vê mais uma vez enredado por uma espessa teia criminosa é o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, um habitué de inquéritos policiais. O deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), que chefiou a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no governo Bolsonaro, e Anderson Torres, que foi ministro da Justiça naquela gestão, também estão entre os indiciados por suspeita de participação na intentona.
Agora que essa suposta tentativa de golpe passou a ter, oficialmente, nome e sobrenome, cabe ao Ministério Público e ao Poder Judiciário processar e julgar cada um dos acusados, na medida exata de sua responsabilidade. Os que forem considerados culpados, sem distinção, devem ser punidos com todo o rigor da lei, pois é este, e somente este, o instrumento de que dispõe o Estado Democrático de Direito para repelir os ataques de seus inimigos e desencorajar audácia semelhante no futuro.
As investigações mostram que o planejamento do suposto golpe foi realizado durante reuniões com oficiais da cúpula das Forças Armadas. É estupefaciente. Conclui-se que só não foi concluído porque o Alto Comando do Exército, em sua maioria, assim não quis. Há provas documentais da conspiração. Não há perdão possível para quem se lança em uma empreitada delinquente como essa. Se já era inaceitável falar em anistia para os que tramaram acintosamente contra a Constituição antes que esse suposto complô fosse revelado em contornos tão vívidos, espera-se que agora ninguém mais ouse condescender com quem, por meio da força bruta, tentou subverter a soberania da vontade popular.
Ficou claro a partir do relatório de indiciamento de Bolsonaro et caterva que a dicotomia entre legalidade e ilegalidade, natural para qualquer cidadão decente, jamais fez parte do léxico dos militares golpistas. Para essa turma, imperava uma mentalidade absolutamente distorcida que opõe “moralidade” à “imoralidade”, sendo “imoral”, para essa súcia de sediciosos, dar posse ao “vagabundo”, como se referiu ao presidente Lula da Silva o general reformado Mário Fernandes, preso no dia 19 passado por suspeita de ter tramado o seu assassinato com outros “kids pretos”, como são conhecidos os militares das Forças Especiais do Exército.
O indiciamento pela PF é apenas o primeiro passo para que o golpismo que grassou neste país com espantosa naturalidade tenha uma resposta institucional à altura da ameaça que representou. Fonte: https://www.estadao.com.br
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Algumas promessas de campanha e declarações do presidente eleito certamente devem estar causando preocupação ao governo brasileiro
Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e ex-embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004), Rubens Barbosa escreve mensalmente na seção Espaço Aberto
A eleição de Donald Trump para a presidência dos EUA terá não só profundas repercussões na política interna norte-americana, como também no cenário internacional, com forte impacto na geopolítica, na economia global e em alguns temas globais, como meio ambiente, mudança do clima, imigração, transição energética e avanço da direita. Ajustes, acomodações e resistências acontecerão em função das mudanças prometidas, a partir de janeiro.
As políticas econômicas e comerciais do governo Trump, se cumpridas as promessas, em função de políticas expansionistas para criar empregos, medidas nacionalistas e protecionistas de política industrial, com o consequente reflexo na inflação, no déficit público e na taxa de juros do Federal Reserve (Fed), poderão impactar o comportamento do dólar, a inflação e a taxa de juros no Brasil.
As relações institucionais entre o Brasil e os EUA não deverão ser afetadas. Comércio, investimentos, tecnologia e outras áreas de cooperação continuarão a fluir normalmente, mas algumas promessas de campanha e declarações de Trump certamente devem estar causando preocupação ao atual governo: a questão da Venezuela, a proximidade com a China, a evolução do Brics, a busca de protagonismo global, a possibilidade de imposição de tarifas para a exportação de todos os países para os EUA, a agenda climática, a eventual deportação de brasileiros, as acusações de corrupção, as relações de Trump com o bolsonarismo e os problemas com Elon Musk, associados à retórica de restrições à liberdade de expressão nas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF).
As ações globais para a preservação do meio ambiente, o combate à mudança de clima e a transição energética ficarão afetadas pela perda de prioridade no novo governo Trump, que prometeu ampliar a pesquisa e exploração de petróleo e gás no território americano e novamente abandonar o Acordo de Paris, eliminando as metas de redução de emissões de gás carbono. A COP-30, no Brasil, será diretamente afetada e poderá ser esvaziada pela ausência do presidente dos EUA.
A escalada retórica de Trump, já presidente eleito, sobre a situação política interna na Venezuela é inquietante para a política externa brasileira. Apesar de a América do Sul não ter prioridade na política externa dos EUA e a Venezuela não ter sido mencionada na campanha eleitoral, Trump disse, em entrevista no TikTok, que a Venezuela é um caos, que a população está sofrendo e que seu governo vai ter várias opções para responder a essa questão, inclusive a opção de uma intervenção militar. Certamente, terá apoio de outros países, como a Argentina, de Javier Milei, e resistências de potências extrarregionais que apoiam Caracas, como a Rússia e a China.
As relações com a China, a principal parceira comercial do Brasil, passarão por um momento muito delicado pela eventual reação dos EUA à aproximação brasileira com Pequim, pela dependência do mercado chinês. As decisões sobre a política de Lula da Silva em relação ao Brics, na reunião no ano próximo no Brasil, podem representar o maior desafio da política externa do atual governo. A presença no Brasil dos novos membros, autoritários e ditaduras, e a questão do ingresso da Venezuela no grupo deverão gerar reação da oposição de direita brasileira, às vésperas do início da campanha eleitoral de 2026. A decisão sobre o eventual ingresso do Brasil na Rota da Seda pode ter implicação no relacionamento com o governo Trump, visto que ainda com Joe Biden altas autoridades norte-americanas mandaram sinais claros sobre os riscos de uma eventual adesão do Brasil.
A promessa de deportar 10 milhões de imigrantes dificilmente será cumprida na totalidade, mas com certeza, em parte, será implementada. O maior contingente de brasileiros no exterior está nos EUA (1,9 milhão – 290 mil ilegais) e poderá ser afetado, o que gerará desconforto para o governo Lula.
O avanço da direita na região ganhará reforço e apoio de Washington. Javier Milei e Nayib Bukele serão prestigiados e ganharão mais espaço na América Latina, esvaziando ainda mais a liderança regional do Brasil e a busca de influência global (guerras na Ucrânia e Gaza).
Até mesmo na política interna poderá haver ações contrárias ao atual governo. Eduardo Bolsonaro estava em Mar-a-Lago, comemorando a vitória republicana, e não será surpresa se vier a estimular provocações e mesmo restrições ao governo Lula no final de 2025. Sem falar num eventual apoio do governo Trump à retórica de perseguição política a Jair Bolsonaro e de julgamento em relação aos condenados pelos acontecimentos de 8 de janeiro em Brasília e à declaração de inelegibilidade do ex-presidente pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Os imprudentes pronunciamentos do presidente Lula manifestando sua preferência por Kamala Harris para “defender a democracia e evitar o nazismo e o fascismo com outra cara” e aconselhando Trump a “pensar como habitante do planeta Terra” não vão ajudar na relação entre os chefes de Estado dos dois países.
Em face de todos esses desafios de política externa, de acordo com o interesse nacional e refletindo a mudança do eixo da política comercial para a Ásia/China, torna-se urgente uma declaração do governo brasileiro, sem ideologia ou partidarismo, com o objetivo de reafirmar uma posição de independência em relação a países ou grupo de países. Fonte: https://www.estadao.com.br
*PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR, MEMBRO DA APL, FOI EMBAIXADOR EM WASHINGTON
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Santrosa, que também é cantora, foi achada morta com braços e pernas amarrados
Santrosa tinha pouco mais de 11,2 mil seguidores no Instagram, onde fazia publicações frequentes de seu trabalho como cantora - Reprodução/Instagram
Campinas
A Polícia Civil do Mato Grosso investiga a morte de Santrosa, mulher trans e cantora, encontrada com mãos e pés amarrados no município de Sinop (503 km de Cuiabá).
O corpo da vítima foi encontrado, neste domingo (10), em uma região de mata.
Além de cantora, Santrosa havia sido candidata a vereadora nas eleições municipais de 2024 pelo PSDB. Não se elegeu, mas se tornou suplente.
Ela tinha 27 anos e estava desaparecida desde o sábado (9). Relatos feitos à polícia dão conta de que Santrosa saiu por volta das 11h de casa e não voltou mais. Ela faria um show na noite daquele dia, mas não compareceu ao evento.
A vítima mantinha um canal no Youtube, onde publicava clipes de suas músicas. O canal tem pouco mais de 4.000 inscritos e a última publicação é de um ano atrás.
Na política, tinha como bandeiras a defesa de pautas voltadas à cultura para comunidades periféricas do município. Conforme publicou em seu Instagram, se viesse a ocupar uma cadeira no legislativo de Sinop, seria a primeira mulher trans a atingir o feito.
Nas redes sociais, conhecidos lamentaram o crime brutal. Santrosa foi decapitada.
Em nota publicada no Instagram, a Associação da Parada do Orgulho LGBTQIA+ de Mato Grosso disse que acionou o Grupo Estadual de Combates aos Crimes de Homofobia do estado e que cobrará das autoridades a apuração do crime para que os culpados sejam identificados. Fonte: https://www1.folha.uol.com.br
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Não há como cuidar dos objetivos de integração social, de elevação das condições de vida e de valorização da ordem democrática sem combinar políticas de crescimento
Por Rolf Kuntz
O jornalista Rolf Kuntz escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto
Golpistas brasileiros festejaram a vitória de Donald Trump na eleição americana, como se isso fosse um sinal para a anistia a quem depredou Brasília e tentou derrubar o governo em 8 de janeiro de 2023. Anistia se aplica geralmente a crimes comuns e, em situações muito especiais, a crimes políticos, quando se restabelece a democracia e se busca a reconciliação. Convém cuidar do assunto com muita prudência. A democracia sobreviveu ao golpismo, as sedes dos Poderes foram restauradas e a rotina institucional foi mantida, como se comprovou nas eleições deste ano. Mas a extrema direita pouco ou nada mudou. Continua a desfrutar dos direitos e liberdades comuns, como fazem os extremistas em todas as democracias, e a esperar novas oportunidades para destruir a ordem constitucional.
Não basta, no entanto, reprimir o golpismo e defender legalmente, no dia a dia, as liberdades básicas. Pesquisas têm apontado, entre os cidadãos, preferência majoritária pelos valores democráticos, mas políticos eleitos nem sempre se mostram alinhados a essa preferência. É preciso fazer muito mais para consolidar, em todos os grupos, o compromisso com as normas fundamentais da democracia.
Esse esforço é especialmente relevante num país de enormes desigualdades econômicas e culturais, onde o conservadorismo se confunde, frequentemente, com a aceitação do autoritarismo. A mistura de religião e política, hoje mais visível do que em outras épocas do Brasil independente, torna o cenário especialmente complicado.
A extrema direita tem explorado essa mistura com empenho e com aparente sucesso. Passados 135 anos da implantação da República, ainda é necessário – e talvez mais do que em outros tempos – lembrar e reafirmar com vigor o caráter laico do Estado nacional. Esse caráter já foi respeitado, de fato, no período do Império, embora dom Pedro I tenha apresentado a Constituição de 1824 “por graça de Deus” e “em nome da Santíssima Trindade”.
Embora possa parecer estranho, o presidente da República ainda precisa, em 2024, reafirmar o Estado nacional como entidade responsável pela segurança, pelos direitos básicos e pela igualdade de todos os brasileiros, consagrados como indivíduos livres, com direitos intocáveis de cidadania e como sujeitos de uma ordem democrática.
Mas esse empenho produzirá resultados insuficientes, se faltar a esses indivíduos, ou a uma grande parte deles, a crença nessa ordem como condição essencial à sua dignidade e às suas possibilidades de bem-estar e de sucesso. Cuidar da integração de todos os grupos, incluídos os mais carentes, é, portanto, mais que uma tarefa vinculada a uma bandeira partidária. É um trabalho necessário à consolidação de uma sociedade capaz de operar de forma livremente colaborativa, apesar das diferenças entre os componentes do conjunto.
Não basta, portanto, promover o crescimento econômico, se for muito desigual o acesso ao bem-estar e a melhores condições de vida. O Brasil já viveu esse tipo de crescimento – ou de desenvolvimento, mesmo, dadas as grandes transformações nas condições de produção. A integração social nesse processo foi em geral limitada, com acesso restrito aos benefícios propiciados pelas mudanças.
Durante a grande expansão econômica iniciada na segunda metade dos anos 1960, apenas uma parcela da mão de obra teve acesso às ocupações de tecnologia mais moderna e remuneração mais elevada. A desigualdade acentuou-se, portanto, também no interior da classe trabalhadora, fato já reconhecido por analistas nos anos 1970. Embora o investimento em educação tenha aumentado nesse período, as oportunidades de formação permaneceram concentradas, assim como os benefícios econômicos da modernização profissional.
Nas décadas seguintes, Estado e setor privado continuaram fazendo muito menos que o necessário para distribuir mais amplamente as possibilidades de ascensão econômica ligadas à educação e ao treinamento. Embora reconhecida a importância econômica da escola, a política educacional nunca foi suficientemente integrada aos programas de expansão e transformação do sistema produtivo. Falou-se muito no exemplo coreano de articulação das políticas de crescimento e de educação, mas com limitados efeitos práticos. Excetuada a formação universitária, acessível a poucos e nem sempre de alta qualidade, a educação profissional continuou a depender principalmente do ensino privado e do treinamento empresarial.
Não há como cuidar com eficácia dos objetivos de integração social, de elevação das condições de vida e de valorização da ordem democrática sem combinar as políticas de crescimento econômico, de apoio aos grupos mais vulneráveis e de ambiciosa difusão das oportunidades educacionais. Não basta, obviamente, destinar grandes volumes de recursos aos chamados programas sociais. A ajuda emergencial pode ser indispensável, mas só se alcançarão resultados amplos, duradouros e relevantes para a democracia com amplo investimento na capacidade produtiva de todos os cidadãos – sempre com valorização das liberdades básicas. Fonte: https://www.estadao.com.br
*JORNALISTA
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Republicano venceu bem e deve obter domínio sobre Congresso para tentar implementar promessas
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".
O mundo não acaba com a eleição de Donald Trump, mas se torna um lugar mais sombrio e mais perigoso também.
Uma primeira observação é que Trump venceu bem. Superou a rival no colégio eleitoral e no voto popular e é quase certo que seu partido controlará as duas Casas do Congresso. A maioria da Suprema Corte ele já tinha. O ex e futuro presidente não encontrará, portanto, grandes impedimentos para implementar suas principais promessas. É aí que mora o perigo.
Suas ideias econômicas têm potencial para desencadear uma guerra comercial em escala planetária. Seus posicionamentos geopolíticos fragilizam ainda mais o já combalido sistema internacional baseado em algum multilateralismo e respeito a regras.
E fica pior. Seu negacionismo climático, com a possível retirada dos EUA dos acordos de Paris, torna quase impossível reduzir as emissões de gases-estufa na proporção necessária para evitar cenários catastróficos. Num plano já mais simbólico, sua recondução ao poder reforça o estatuto de autocratas, o populismo de extrema direita e o vandalismo institucional.
Daria para alongar a lista de problemas, mas não quero terminar a coluna num tom tão pessimista. A democracia funciona como um sistema homeostático. Se Trump de fato impuser tarifas a todos os produtos importados e expulsar milhões de imigrantes, provocará um surto inflacionário nos EUA que terá efeitos tóxicos sobre as pretensões eleitorais dos republicanos no pleito de meio de mandato de 2026.
Algo parecido vale para todas as outras falsas soluções que ele vende. Programas populistas desvairados em algum momento se chocam com a realidade, produzindo frustração.
Vale destacar ainda uma especificidade da política americana. Nos EUA é praticamente impossível aprovar emendas constitucionais que não reflitam amplos consensos. Isso reduz, embora não elimine, a perspectiva de Trump usar sua maioria legislativa para fincar-se no poder. Ele não poderá, por exemplo, retirar da Constituição o dispositivo que lhe veda disputar um terceiro mandato. Fonte: https://www1.folha.uol.com.br
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Nomes influentes nas igrejas, como Michelle Bolsonaro e Silas Malafaia, exaltaram vitória
São Paulo
Donald Trump de olhos fechados e cabeça baixa, com várias mãos espalmadas sobre ele. A imagem foi compartilhada nesta quarta (6) pela ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro com um agradecimento especial a Deus, a quem ela credita a vitória do republicano na eleição presidencial dos Estados Unidos.
"Um homem temente a Deus. Um homem que ama o Estado de Israel. Obrigada, Senhor! Que Deus o livre de todo o mal. Que Deus abençoe a sua vida com sabedoria e discernimento para governar a sua nação", diz Michelle. "Viva a América!"
Seu enteado Eduardo Bolsonaro, deputado federal pelo PL-SP, acompanhou a apuração dos votos na casa do presidente eleito.
Michelle engrossou o coro de evangélicos influentes no Brasil que celebraram o triunfo de Trump. Uma das bases preferenciais do republicano é o chamado evangélico branco americano.
O pastor André Valadão, que comanda em Orlando um galho da mineira Igreja Batista da Lagoinha, também foi à rede social destacar o desfecho eleitoral.
Ele pede que seus seguidores reajam à conquista republicana. A maioria é simpática a ela. "Que alívio!! Deus fazendo a obra!! A próxima lavada de direita será o Brasil em 2026!!" é o comentário mais curtido.
O pastor Silas Malafaia foi outro a exaltar o resultado sobre a democrata Kamala Harris. "Ele fez barba, cabelo e bigode", diz. "Cadê os institutos de pesquisa? Cadê a imprensa esquerdopata? Eu não aguento essa imprensa tendenciosa, o tempo todo, falando ‘blá-blá-blá, a mulher tá na frente’. Pelo amor de Deus, o cara deitou e rolou."
Os levantamentos vinham apontando empate técnico entre os dois candidatos, sem cravar qual deles tinha mais força para vencer o pleito.
"Quem vota em direita sabe que a bandeira é a família tradicional, é contra aborto", diz Malafaia. "E é o que vai acontecer na América. Só que, desta vez, com Trump ganhando nas duas Casas [Senado e Câmara], vai mudar."
Ao emplacar um presidente e a maioria do Congresso, o conservadorismo ganha musculatura, segundo o pastor. Ficará mais fácil passar leis com apelo conservador, por exemplo. "Com as duas Casas na mão dele, a história vai ser diferente."
O bispo Alessandro Paschoall, da Igreja Universal do Reino de Deus, tratou o saldo das urnas como uma bola dentro do cristianismo. Postou no Instagram uma montagem em que Kamala aparece primeiro repreendendo pessoas que gritavam contra ela num ato de campanha. "Vocês estão no comício errado", ela disse na ocasião.
As redes conservadoras sugeriram que a democrata respondia a um homem que bradou "Jesus Cristo é o Senhor", pintando-a como inimiga dos valores cristãos. Mas não ficou claro se ela, que falava sobre aborto, reagiu a outros comentários críticos dessa turma. É possível ouvir alguém na audiência dizendo que ela estava mentindo, por exemplo.
O bispo intercala essa cena com outra de Trump recebendo uma oração de duas jovens loiras, olhos fechados e Bíblia na mão. Corta para outro momento do empresário dançando em um comício, uma trilha sonora que indica lacração sobre a adversária.
Paschoall comanda o Arimateia, grupo de conscientização política que empresta o nome de José de Arimateia, personagem contemporâneo a Jesus Cristo, descrito na Bíblia como senador e membro do que hoje equivaleria ao Supremo Tribunal Federal.
O pastor Cláudio Duarte, bastante influente nas redes sociais evangélicas, integra a turma entusiasmada com o retorno de Trump à Casa Branca. "Meus parabéns aos americanos que votaram com responsabilidade", escreveu num perfil virtual. E arrematou: "Uma boa mensagem para nós".
A senadora Damares Alves (Republicanos-DF), ex-ministra do governo Jair Bolsonaro (PL), viu em 2024 um trailer para o pleito presidencial que o Brasil enfrentará daqui a dois anos. Ela publicou uma foto de Trump vitorioso e outra de Bolsonaro, inelegível —sua militância nutre esperanças de ver esse status ser revertido até lá. "Simbora, capitão, 2026 é logo ali!", bradou Damares. "Estamos endireitando o mundo!" Fonte: https://www1.folha.uol.com.br
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Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.
Quantos vereadores ligados às facções criminosas não têm sido eleitos no país?
Cidades brasileiras com até 15 mil habitantes elegem nove vereadores. As que têm cerca de um milhão elegem 33. São Paulo, com seus mais de 11 milhões, elege 55. Tire a média e multiplique pelos, segundo o IBGE, 5.570 municípios do Brasil. A pergunta é: quantos dos quase 200 mil vereadores em exercício no país não fazem parte de alguma forma do crime organizado ou foram cooptados por ele?
A pergunta é irrespondível, porque nenhum deles se elege pelo PCC ou por seus satélites, mas por um dos 33 partidos legalmente constituídos, reconhecidos pela Justiça Eleitoral e com direito ao fundo partidário provido pela União para financiar suas campanhas. Os próprios cartolas dos partidos talvez nem desconfiem da ligação deste ou daquele de seus filiados com uma organização criminosa nem ele sobe ao palanque com o button da sua facção. Mas, assim que é eleito, já começa a trabalhar para os interesses do crime, propondo ou revogando leis, nomeando aliados ou facilitando o controle da polícia.
Para que serve um vereador infiltrado? Para o mesmo que um deputado estadual, federal ou senador, ou, se chegarmos a isso, um juiz, desembargador ou ministro —para a lenta costura interna do tecido jurídico, de modo a pôr o Estado a serviço do crime. Essa trama já começou há muito, com a diplomação anual de advogados saídos das facções e sua escalada a promotores ou defensores públicos.
Muitos candidatos a vereador a serviço delas terão sido eleitos há duas semanas, e talvez até alguns prefeitos. O TSE (Tribunal Superior Eleitoral), presidido pela ministra Cármen Lúcia, formou um núcleo de especialistas do Ministério Público e da Polícia Federal para cruzar os pedidos de registro de candidaturas com um possível envolvimento com o crime. É uma nova e poderosa prática de varredura, mas ainda embrionária. Não impede que as facções apontem como candidatos seus membros recém-admitidos, ainda sem nódoa na ficha.
O submundo descobriu que é melhor trabalhar sem balbúrdia, execuções, tiros, balas perdidas e arranca-rabos entre eles. Sai o crime organizado, entra o crime legalizado. Fonte: https://www1.folha.uol.com.br
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