Derrota de Bolsonaro pode levar alguns de seus adeptos a novos esforços de fé

 

VOLTAIRE DE SOUZA

Crônicas da vida louca

 

 

Fé. Tristeza. Exaltação.

Muita gente ainda não se conforma com a derrota de Bolsonaro.

Alguns pedem intervenção militar.

O pastor Avarildo tinha outra opinião.

—A Deus tudo é possível.

Na Igreja Jesus do Último Dia, a orientação era uma só.

—Orar.

Mas havia um adendo.

—Contribua com os Batalhões de Cristo.

Avarildo aceitava todos os cartões de crédito.

--Vamos fazer romaria até Brasília.

Bandeira, camisa da seleção, Bíblia e botas resistentes.

—Modelo igualzinho ao da Infantaria.

A irmã Rodésia ficou em dúvida.

—Mas a gente vai até Brasília a pé?

—Caminhando e cantando, irmã.

—O senhor também, pastor Avarildo?

—Eu vou acompanhando... no meu jatinho.

—Louvado seja.

—Aleluia.

Um expressivo grupo evangélico pôs os pés na estrada.

—Se tiver bloqueio de caminhão...

—Não tem problema. A gente continua caminhando.

Irmã Rodésia ia no pelotão da frente.

—Aleluia, aleluia. Bolsonaro voltará.

—E Jesus também.

Ela fechou os olhos.

Veio a tremedeira. O transe. O êxtase místico.

—Meu Senhoooor Jesúúúis...

—Calma, irmã.

Ela ficou de joelhos.

—É ele. É ele ali. Não estão vendo?

—Quem? O Bolsonaro?

—Não. Jesus. Está chegando ali na estrada.

—Onde? Onde?

Antes do desmaio, os dedos trêmulos de Rodésia apontaram para a faixa contrária da rodovia.

—Mas será que é Jesus mesmo?

Era o Patriota do Caminhão.

Braços em cruz. Grudado na vidraça de um impaciente veículo de carga.

—É Jesus. Com certeza.

—Chegou a salvação do Brasil.

Muitos religiosos se lembram das palavras de Cristo.

—Eu sou o caminho, a verdade e a vida.

Mas é bom não ter ninguém atrapalhando a visão no para-brisa.

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br

PT avalia criar secretaria de assuntos religiosos para reabrir diálogo com evangélicos

Futuro governo deve reabrir diálogo com grandes pastores, mas priorizar igrejas pequenas e maior representatividade. Presidente do partido ‘dispensa’ acenos da Universal

 

Aliados do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defendem que o futuro governo construa canais próprios de diálogo com lideranças evangélicas, segmento que apoiou majoritariamente a tentativa de reeleição de Jair Bolsonaro (PL) e no qual se disseminaram ataques e notícias falsas contra o candidato petista. Uma ideia gestada por representantes do PT e pastores que colaboraram com a campanha de Lula é criar uma secretaria de assuntos religiosos, sob o guarda-chuva de um ministério voltado para assistência social ou direitos humanos, além de fomentar uma espécie de federação de igrejas independentes para driblar a dependência de pastores das maiores denominações. Outra proposta é reativar o extinto “Conselhão” com presença de representantes de religiões.

Um dos principais nomes da interlocução da campanha de Lula com religiosos e articulador da carta aos evangélicos, o ex-ministro Gilberto Carvalho tem colocado a reestruturação da relação com igrejas como um dos principais temas do futuro governo. No dia seguinte à vitória de Lula, Carvalho declarou ao podcast Três por Quatro, do site Brasil de Fato, que será preciso “sinalizar com clareza” e ter uma “ação abrangente” com os evangélicos, e considerou o segmento crucial para “reconstruir uma ampla base popular de governo” e chegar à população mais pobre, “que está sendo cuidada pelas igrejas”. Para Carvalho, o foco deve estar “nas pequenas igrejas, que são as que mais crescem”.

Na série Salto Evangélico, em setembro, O GLOBO revelou que há pelo menos 78,5 mil igrejas evangélicas “diversas”, que não pertencem a nenhuma grande denominação, por vezes compostas por uma dezena de templos ou menos. O número é quase o dobro dos 43 mil templos da Assembleia de Deus, maior rede de igrejas do país.

Na entrevista, Carvalho criticou a postura de grandes lideranças, como o bispo Edir Macedo, fundador da Igreja Universal, a quem chamou de “useiro e vezeiro em enviar seus representantes ao Planalto” para negociar apoio nos governos Lula e Dilma. “Erramos em atendê-lo e esquecer a base”, disse o ex-ministro. Ontem, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, disse que o partido “dispensa” os acenos feitos por Macedo após a eleição e afirmou que o líder da Universal “é quem precisa pedir perdão pelas barbaridades (ditas) sobre Lula”. Em novo vídeo, após a fala de Gleisi, Macedo afirmou que Lula “em oito anos que esteve no governo não fez nenhum favor” à sua igreja, enquanto ele teria ajudado o petista a se curar de um câncer na garganta com orações.

Dois pastores dissidentes de igrejas que apoiaram Bolsonaro, e que se aproximaram da campanha de Lula, endossam a ideia de uma secretaria de assuntos religiosos: o bispo Romualdo Panceiro, ex-integrante da Universal e que rompeu com Macedo em 2020, e o pastor Paulo Marcelo Schallenberger, que é amigo do deputado federal Marco Feliciano (PL-SP) e foi escanteado pela Assembleia de Deus do Belém (SP) por apoiar Lula.

— Quando houve o chute em Nossa Senhora Aparecida por um ex-bispo da Universal (em 1995), eu representava a igreja no México, onde havia uma secretaria desse tipo, e fui chamado ao governo porque queriam entender o que tinha ocorrido. Um secretário de assuntos religiosos seria um porta-voz do presidente para todas as religiões, e alguém que poderia assegurar a liberdade religiosa de acordo com o que prevê a lei — afirma Panceiro.

 

Teste em prefeituras

Schallenberger defende uma extensão ministerial para “dialogar com líderes simples e anônimos”. O pastor também pretende incentivar, numa iniciativa à parte do governo, a criação de uma “escola de pastores” e uma federação de “igrejas independentes”, que dê peso representativo a denominações menores:

— Essas igrejas já estão ajudando o Estado a ressocializar presos, a livrar pessoas das drogas, e podem receber melhores condições e recursos para isso. E a secretaria poderia ter interlocução direta com essa federação, sem precisar passar pelos “grandões”.

O modelo já foi testado em gestões petistas municipais. Em entrevista ao GLOBO, o prefeito de Araraquara, Edinho Silva (PT), um dos coordenadores da campanha de Lula, disse que é “plenamente possível” fazer parcerias com igrejas, por exemplo, no atendimento à população em vulnerabilidade. Em Maricá (RJ), a gestão do ex-prefeito e deputado eleito Washington Quaquá (PT) teve um pastor da Assembleia de Deus como secretário de assuntos religiosos.

— Quem comandar a área social do governo precisa trazer as igrejas para participar do projeto de país — diz Quaquá.

Nos governos Lula e Dilma, os evangélicos ficaram à frente de pastas como a Pesca e do Esporte, sem relação direta com agendas caras às igrejas. Na gestão Bolsonaro, pastores ascenderam a ministérios como da Educação, com o presbiteriano Milton Ribeiro, e dos Direitos Humanos, com Damares Alves.

Coordenadora dos Núcleos de Evangélicos do PT, a deputada federal Benedita da Silva avalia que “nenhuma escolha para ministério deverá se pautar por religião”, mas diz que a articulação política tampouco deve tomar os líderes evangélicos num papel de oposição. Benedita vê uma “oportunidade” na Câmara para evitar uma “disputa política pautada em religião”, e defende que o próximo presidente da Frente Parlamentar Evangélica — o mandato do atual, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), termina no início de 2023 — “não deve ser uma pessoa que tenha preferência por ser oposição”.

— Lula nunca deixou de conversar com lideranças de igrejas quando era presidente, é natural que isso se restabeleça. Me parece que o Conselhão é a forma mais consciente de participação de diversos setores da sociedade na discussão das políticas públicas. As igrejas têm compromissos com as causas sociais — afirma Benedita.

 

Relação com igrejas

1-Secretaria de assuntos religiosos - Com modelo em gestões do PT em municípios, órgão ficaria responsável pela interface entre governo federal e igrejas e por assegurar liberdade religiosa. A ideia vem sendo gestada por lideranças do partido e pastores que apoiaram Lula.

2-Presença de religiões em “Conselhão” - Outra forma de garantir representatividade religiosa, defendida pela deputada Benedita da Silva, que é evangélica, seria uma reativação do “Conselhão” criado no primeiro governo Lula com participação de pessoas ligadas a igrejas.

3-Aproximação cautelosa com pastores - Embora petistas defendam diálogo com grandes igrejas que apoiaram Bolsonaro, como Universal e Assembleia de Deus, outros conselheiros de Lula veem retomada de apoio com ceticismo. Ontem, presidente do PT criticou Edir Macedo.

4-Foco na pulverização de templos - Projeto de dar “identidade” e coesão a uma miríade de pequenas igrejas, que têm pouco peso individual mas estão capilarizadas pelo país, busca evitar dependência de grandes denominações para dialogar com a maioria dos fiéis, além de atrair novas lideranças. Fonte: https://oglobo.globo.com

A futura primeira-dama nunca falou demoradamente com a imprensa

 

A socióloga Rosângela da Silva, a Janja, em evento em São Paulo - Danilo Verpa/Folhapress

 

socióloga Rosângela Lula da Silva, conhecida como Janja, vai dar uma entrevista para a TV Globo. Ela deve falar com a emissora na próxima segunda (7).

A conversa, com as jornalistas Poliana Britta e Maju Coutinho, vai ao ar no Fantástico de domingo (13).

 

O programa é uma das principais atrações da emissora.

A futura primeira-dama do Brasil nunca deu uma entrevista. Ela chegou a cogitar conversar com a imprensa em determinados momentos, mas a orientação da campanha foi a de preservá-la para evitar polêmicas desnecessárias.

Suas únicas declarações, curtas, foram feitas em comícios, em um ambiente favorável e controlado.

Ela também costumava postar vídeos em suas redes sociais com as imagens dos comícios, e também em cenas em que aparecia ao lado de Lula, ou cantando e dançando.

Os dois oficializaram o namoro quando o ex-presidente deixou a prisão.

O namoro deles foi revelado pelo economista Luiz Carlos Bresser-Peireira, que visitou Lula na prisão em maio de 2019 e ouviu dele a confidência. Fonte: https://www1.folha.uol.com.br

Os caminhoneiros buscam substituir-se ao Tribunal Superior Eleitoral, decidindo sobre a lisura do segundo turno.

 

Flávio Tavares, O Estado de S.Paulo

O velho e tradicional refrão de que “após a tempestade vem a bonança” não se aplica ao resultado do segundo turno da eleição presidencial. Algumas tempestades são tão destrutivas em si mesmas que exigem muito mais do que esforço e entendimento para a verdadeira reconstrução.

Os reiterados ataques do presidente da República às urnas eletrônicas – mesmo sem apresentar provas nem indícios – criaram no País um turbilhão confuso, cujas feridas começam a despontar.

Na noite do segundo turno, enquanto Lula da Silva proclamava publicamente que governaria para todos os milhões de brasileiros, em Brasília as luzes do Palácio da Alvorada se apagavam, mostrando que Jair Bolsonaro fora dormir, sem um gesto sequer de dar garantias de uma pacífica transição colaborativa com o futuro governo. Não recebeu sequer o vice-presidente Hamilton Mourão, que esperou em vão na porta da residência presidencial.

Foi o primeiro sinal de que, se depender do atual presidente, irá persistir o clima de atritos e ataques que caracterizaram os debates entre os dois candidatos presidenciais.

Talvez a posição de Lula da Silva tenha sido marcada pela euforia do triunfo, enquanto Bolsonaro exteriorizava apenas o ressentimento típico do derrotado. Essa situação, porém, mostra a pequenez das posições do presidente que, no atual desgoverno, optou invariavelmente pelo confronto e pelo negacionismo. É desnecessário relembrar as posições de Bolsonaro na pandemia, que começou tratando a covid-19 como “gripezinha” e foi adiante até chegar ao disparate de propagar que a vacina “provoca aids”.

Isso, porém, revela o estilo confuso e alienado de Bolsonaro, que no momento dramático da pandemia (que deveria unir o País inteiro) preferiu zombar dos milhares de mortos ao dizer “eu não sou coveiro”. Ou fazer pose de charlatão e receitar cloroquina, contrariando a ciência médica.

Em 2018, Lula (mesmo preso) foi o grande “cabo eleitoral” de Bolsonaro, que se elegeu prometendo reverter o que tinham sido os governos do PT. Agora, a situação se inverteu e Bolsonaro transformou-se no fator que levou votos a Lula para evitar que o atual presidente continue no posto e prossiga duvidando da legalidade democrática.

Em síntese: os votos de Lula foram, mais do que tudo, votos contra Bolsonaro, que, assim, teve dupla derrota. Não foi ao acaso que os ex-presidentes José Sarney e Fernando Henrique Cardoso apoiaram Lula, tal qual Simone Tebet e o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles ou o grupo de economistas que elaborou o Plano Real, que pôs fim à inflação galopante.

Bolsonaro passou a ser uma espécie de “inimigo comum”, por suas constantes atitudes de governante que desafiava a democracia ou dela duvidava. A mais notória ou exacerbada fez seus adeptos ameaçarem invadir o Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, tempos atrás, numa caricata tentativa de imitar a invasão do Congresso, em Washington, pelos partidários de Donald Trump.

O palavrório tosco e agressivo de Jair Bolsonaro, infestado de palavrões, abriu caminho para criar um núcleo de fanáticos seguidores, como os caminhoneiros. Trata-se de pessoas expostas a um trabalho duro pelas estradas Brasil afora e que, agora, geraram nova tempestade. Obstruíram e fecharam rodovias fundamentais, como a Via Dutra e dezenas de outras ao longo de 24 Estados, além do Distrito Federal, por não reconhecerem o resultado do segundo turno.

Os caminhoneiros buscam substituir-se ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), decidindo sobre a lisura do segundo turno. Não apontam erros nem equívocos, agem apenas como arruaceiros ou rebeldes sem causa, procurando criar o caos num país de dimensões continentais em que as rodovias são o principal meio de transporte de carga industrial e alimentos.

Mesmo apertada, a vitória de Lula não foi jamais questionada ou posta em dúvida. O único detalhe duvidoso ocorreu no Nordeste do País, reduto lulista, onde a Polícia Rodoviária Federal (PRF) bloqueou estradas no dia da eleição, sob pretexto de “revisar documentos”, contrariando o que o TSE havia proibido. Ou seja, o “detalhe duvidoso” só poderia favorecer o candidato Bolsonaro.

A máquina do poder governamental fez-se evidente nesse detalhe. Fora disso, porém, nada ocorreu que possa ofuscar a lisura do segundo turno.

Alguns detalhes, porém, mostram que a tempestade não acabou e está a caminho do terrorismo. Ao referir-se ao criminoso bloqueio de estradas, o próprio presidente afirmou que “os movimentos populares refletem um sentimento de injustiça e indignação de como se deu o processo eleitoral”. Em várias capitais, fanáticos bolsonaristas gritam defronte aos quartéis pedindo “intervenção militar” para manter o atual presidente, mesmo que tenha perdido a eleição.

O fanatismo é um câncer social capaz de se multiplicar ao infinito e tornar-se devastador. A tempestade que pode gerar tem de ser impedida agora, já e já.

* JORNALISTA E ESCRITOR, PRÊMIO JABUTI DE LITERATURA 2000 E 2005, PRÊMIO APCA 2004, É PROFESSOR APOSENTADO DA UNB. Fonte: https://opiniao.estadao.com.br

Bolsonaro enfim se pronuncia sobre a eleição – para se queixar de ‘injustiça’ e justificar a baderna de bolsonaristas; entrementes, Ciro Nogueira inicia transição com os petistas

 

Notas&Informações, O Estado de S.Paulo

O presidente Jair Bolsonaro afinal se pronunciou, ontem, sobre as eleições em que perdeu para o petista Lula da Silva, no domingo passado. Fiel a seu espírito antidemocrático, não cumprimentou o vencedor. Ao contrário, sugeriu que foi derrotado pelo que chamou de “sistema”, que teria reservado a ele um tratamento “injusto”. Em outras palavras, não reconheceu a lisura do processo eleitoral – como, aliás, fez durante toda a campanha, sem apresentar provas.

Pior: com isso, justificou a baderna dos bolsonaristas golpistas que resolveram trancar estradas desde domingo para protestar contra a vitória de Lula. Segundo Bolsonaro, esses arruaceiros estão movidos por um “sentimento de indignação” – e se limitou a dizer que “os nossos métodos não podem ser os da esquerda, que sempre prejudicaram a população”. Não houve nenhum apelo explícito para que a baderna cessasse.

Esse pronunciamento tardio nem era necessário, pois a legitimidade da vitória de Lula não dependia da aceitação formal do presidente. E, a bem da verdade, Bolsonaro já havia se pronunciado sobre o resultado da eleição – não por meio de palavras, mas por intermédio desses camisas pardas que, com a omissão da Polícia Rodoviária Federal (PRF), devidamente cooptada pelo bolsonarismo, resolveram infernizar a vida dos brasileiros para manifestar sua insatisfação com a derrota de seu líder. 

Essa crise foi diligentemente construída ao longo dos últimos quatro anos. Enquanto se dizia um herói da liberdade e da Constituição, farsa que só tapeou quem se deixou tapear, Bolsonaro disseminou um discurso golpista segundo o qual a sua derrota só poderia ter como causa um complô do tal “sistema” – isto é, as instituições que fizeram prevalecer a lei contra seu golpismo. Disso adveio a desqualificação da imprensa profissional e independente, das instituições republicanas e do sistema eleitoral. Aí estão as consequências.

Mas o País, a despeito de Bolsonaro, continua a ser um Estado Democrático de Direito, razão pela qual é absolutamente inaceitável que a PRF não tenha agido com o devido rigor para impedir que essa súcia de bolsonaristas bloqueasse estradas Brasil afora. Todos os responsáveis por esse levante contra a vontade da maioria dos eleitores declarada nas urnas devem ser severamente punidos na forma da lei, a começar pelo diretor-geral da PRF, Silvinei Vasques, apoiador declarado do presidente da República e, no mínimo, negligente em relação aos delinquentes.

Eis o grau de absurdo da situação: o Supremo Tribunal Federal (STF) teve de ser acionado para autorizar que as Polícias Militares nos Estados cumprissem a lei e liberassem as estradas, diante do que o ministro Alexandre de Moraes classificou, corretamente, como “omissão e inércia” da PRF.

Os bolsonaristas vivem a se queixar do suposto “ativismo” do Poder Judiciário, mas o STF só foi chamado para intervir na questão dos caminhoneiros porque o Poder Executivo se omitiu e porque o diretor-geral da PRF se comporta como chefe de uma milícia a serviço de Bolsonaro, e não como chefe de uma instituição armada do Estado brasileiro.

Por fim, mas não menos importante, o procurador-geral da República, Augusto Aras, inerte diante das flagrantes violações da ordem jurídica e dos direitos e garantias fundamentais ao longo do trevoso período bolsonarista, só agiu contra os baderneiros depois de notificado pelo STF, comprovando sua inaceitável subserviência ao presidente. 

Felizmente, ao que parece, noves fora a pirraça de Bolsonaro e a baderna dos bolsonaristas, a transição seguirá seu curso. Logo depois do brevíssimo pronunciamento de Bolsonaro, o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, anunciou aos jornalistas que já havia começado as tratativas com a equipe do “presidente” (palavras dele) Lula. Desde domingo, aliás, vários outros políticos ligados ao atual presidente já tratam explicitamente o futuro governo como uma realidade. Ou seja, enquanto Bolsonaro e seus camisas pardas esperneiam contra “injustiças” delirantes, a transferência de poder, para quem interessa, já começou. Fonte: https://opiniao.estadao.com.br

Líder do Ministério de Madureira, Abner Ferreira diz que 'não adianta fazer confusão pela internet'; Malafaia, do ramo Vitória em Cristo, critica 'pastores omissos': 'É só entrar na rede deles para ver o silêncio'

Por Bernardo Mello — Rio de Janeiro

 

A derrota do atual presidente Jair Bolsonaro (PL), que tinha o apoio declarado das principais lideranças evangélicas brasileiras, e o retorno de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Presidência alimentam divisões na Assembleia de Deus, maior rede de igrejas do país. Após a confirmação do resultado do segundo turno presidencial, pastores e bispos que encabeçam os quatro ramos de maior influência da denominação adotaram posições distintas ou optaram pelo silêncio. Um dos líderes do Ministério de Madureira, o bispo Abner Ferreira minimizou o revés de Bolsonaro em um culto no domingo, embora tenha reiterado seu apoio ao presidente derrotado. Já o pastor Silas Malafaia, um dos aliados mais próximos a Bolsonaro, criticou Lula e a falta de manifestações de outros pastores.

Abner, que encabeça a chamada "igreja-mãe" de Madureira no Rio, se dirigiu aos fiéis no fim do culto, logo após a confirmação da vitória e Lula, e ressaltou que a diferença de votos para Bolsonaro havia sido "menos de um ponto" -- a distância, na verdade, foi de 1,8%. Em seguida, orientou o público da igreja a "não cair em provocação", referindo-se a eventuais discussões por conta do resultado.

-- Não adianta ficar discutindo, brigando, fazendo confusão em internet. Isso não leva a nada. O Ministério de Madureira se manteve em sua posição: apoiamos o presidente Jair Bolsonaro, mas você não vai achar um vídeo meu, uma palavra (de conflito), e olha que fui tentado a fazer muitas vezes - disse Abner, antes de descrever sua relação com o candidato do PT. - Porque esse filme eu já vi lá na década de 1990: fiz uma campanha (dizendo) "olha o Satanás, o filho do Diabo, o sapo barbudo, o anticristo". E depois ele ganhou e eu tive que ficar orando: "Irmãos vamos orar pelo anticristo, orar pelo Satanás, orar pelo diabo". Eu já vi isso, você acha que vou entrar nisso de novo? Burrice demais é má-fé.

Na história contada aos fiéis, com certa dose de ironia, Abner buscava exemplificar um dos raros discursos que uniram praticamente todas as lideranças evangélicas, das mais vinculadas a Bolsonaro às menos próximas: o ensinamento bíblico de que os cristãos devem sempre "orar pelos governantes". O lema, quando interpretado ao pé da letra, já foi uma espécie de senha para aproximação entre pastores e o governante da vez em diferentes momentos da história recente, independentemente de clivagens ideológicas ou partidárias.

Hoje, no entanto, lideranças que caminharam mais alinhadas a Bolsonaro ao longo da campanha repetem o ensinamento sem deixar de fazer ataques contundentes a Lula. Malafaia publicou um vídeo, nesta segunda-feira, no qual enumera acusações de corrupção envolvendo gestões petistas e fecha as portas a qualquer aproximação com Lula. Na véspera, o pastor já havia comentado a vitória de Lula com uma citação atribuída ao teólogo João Calvino, um dos responsáveis pela reforma protestante no século XVI, que afirma que os "governantes ímpios" são uma forma de punição divina às nações.

-- Você não terá o meu apoio, nem da maioria dos evangélicos. A minha consciência não permite te apoiar. Agora, você pode contar com as minhas orações, porque a Bíblia nos manda interceder pelas autoridades. A minha oração é para que Deus livre o Brasil do caos político, econômico e social - disse Malafaia no vídeo.

Líder do Ministério Vitória em Cristo, Malafaia também fez críticas a líderes evangélicos que, em sua avaliação, estariam "omissos":

-- Não fui covarde, nem omisso. Parabenizo muitos líderes que fizeram a mesma coisa que eu, mas não vou esconder aqui a verdade: lamento que muitos líderes evangélicos tenham sido covardes e omissos. É só você entrar na rede (social) deles para você ver o silêncio - alfinetou.

No momento em que Malafaia publicou sua mensagem, dois dos principais líderes de ramos da Assembleia de Deus ainda não haviam se manifestado sobre a derrota de Bolsonaro: o pastor José Wellington Costa Jr., líder da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB), guarda-chuva que reúne diversos ministérios e templos; e o pastor Samuel Câmara, da Assembleia de Deus de Belém do Pará, influente na região Norte do país.

José Wellington só se pronunciaria na noite de segunda-feira, mas não em suas redes sociais, e sim em um vídeo divulgado nos perfis da CGADB. O pastor, que também é uma das lideranças do Ministério do Belenzinho (SP), disse ter ficado "triste e até perplexo com o resultado", mas destacou que a eleição foi "tranquila" e que cabe aos fiéis "aceitar o resultado que aconteceu". Ele disse ainda que faria orações a Bolsonaro "para ter um fim de mandato pacífico, sem nenhum tipo de problema", e que também rezaria "pelo próximo presidente", sem citar Lula nominalmente.

Abner, normalmente mais discreto do que os colegas nas redes sociais, também não tratou do resultado presidencial em seus perfis na internet, mas buscou tranquilizar os fiéis durante o culto de domingo.

-- "Meu Deus, o que vai acontecer com a igreja?". Bom, se a igreja fosse do Bolsonaro ou do Lula eu estava com medo, mas como a igreja é de Jesus... para com isso, irmão! Que conversa é essa? - declarou o bispo. - "Pastor, vai vir perseguição". Irmão, isso para nós é alguma novidade? Isso é assim mesmo. Vamos continuar pregando o Evangelho, ganhando almas, clamando o batismo do Espírito Santo e a cura divina. Vamos seguir em frente. Quem vai continuar cuidando de mim e de você é Deus, não confie em homem, não. Que fique a lição para a igreja evangélica em nosso país, para não perdermos nosso foco, a nossa missão.

Outras lideranças de igrejas de grande alcance nacional também se manifestaram sobre o resultado eleitoral nesta segunda-feira. O bispo Edir Macedo, fundador da Igreja Universal, que usou jornais distribuídos gratuitamente a fiéis na campanha para atacar Lula e cristãos que se consideravam de esquerda, pediu a seus seguidores nas redes sociais que não "percam a sua paz por causa de política". No segundo turno, Macedo chegou a declarar que as urnas mostrariam "quem é o Deus vivo, se é o da esquerda ou o da direita".

-- Veja o que Deus falou para aqueles que creem e para aqueles que zombam ou tentam colocar sua fé para baixo: "o Senhor pelejará por vós, e vós vos calareis". Você que me odeia, me inveja, quer minha morte e destruição, espere só um pouquinho e os dias vão dizer para você o que Deus vai falar e vai atender. Você vai ver com quantos paus se faz uma canoa -- afirmou Macedo, nesta segunda-feira. Fonte: https://oglobo.globo.com

A vitória foi da democracia em luta contra o modelo autocrático

Lula foi eleito na mais disputada eleição da democracia brasileira em que a máquina do governo foi usada de forma jamais vista

 

Por Míriam Leitão

Lula foi eleito presidente do Brasil na mais emocionante, tensa, e disputada eleição da história da democracia brasileira. Lula enfrentou não apenas um adversário político, mas o peso da máquina do governo de uma forma nunca antes vista. Essa é a mais importante vitória de Lula, porque agora ele vem representando um conjunto de forças mais amplas do que o PT e o movimento foi contra não apenas um governo, mas um modelo que representava de fato uma ameaça à democracia.

O cientista político Jairo Nicolau projetava bem no começo da totalização de votos, que seria de apenas um ponto percentual. Foi o que acabou se confirmando. Mesmo quando São Paulo abriu e Minas tinha Bolsonaro na frente, ele lembrava que Bahia cobriria essa diferença. Perguntei a ele se Bolsonaro contestaria o resultado.

–Ele pode até tentar, mas não terá apoio. O sistema tem uma legitimidade maior que tudo. O Brasil inteiro assiste e confia. Não há espaço para isso - disse Nicolau.

Bolsonaro usou a máquina pública como jamais se viu antes, e afrontrou todos os limites legais e éticos para se favorecer. Despejou dinheiro sobre o eleitorado que resistia a ele, os mais pobres, rasgou todos os limites que a legislação eleitoral estabelece para verificar a desigualdade de armas. Tudo o que aconteceu em 2022 não pode voltar a acontecer.

Há muitas lições a tirar dessa disputa para aperfeiçoar a democracia brasileira. Há fatos como o assédio de empresas sobre funcionários, de líderes religiosos sobre os fieis, da Polícia Rodoviária Federal sobre os eleitores a caminho das urnas. Nada disso pode se repetir. O Brasil tem que fortalecer as bases da democracia brasileira, para nunca mais enfrentarmos os riscos pelo qual passamos nos últimos quatro anos. Fonte: https://oglobo.globo.com

Dom Paulo Mendes Peixoto

Arcebispo de Uberaba (MG)

 

Dentro do legítimo processo democrático, o Brasil convoca os cidadãos para mais um exercício e prática de sua cidadania. Assim aconteceu no Primeiro Turno das Eleições, dia 2 de outubro, elegendo os Senadores, Deputados, Governadores, levando para o Segundo Turno, Bolsonaro e Lula. Em 30 de outubro, pelo voto, que deve ser livre e responsável, será eleito o próximo Presidente da República. 

Com essas Eleições de Segundo Turno encerramos um período de profundas polarizações, uma verdadeira testagem de força entre o candidato e seus aliados de um lado e de outro. As Eleições do Primeiro Turno transcorreram de forma tranquila, todos indo às urnas, sempre prevendo qual seria o resultado final. Foi confirmação da maturidade cidadã e compromisso com um país melhor. 

Agora torcemos pela mesma serenidade do Segundo Turno. Essa serenidade precisa acontecer também no reconhecimento da identidade de quem for eleito. É fundamental saber perder e saber ganhar, sempre com a mente votada para a prosperidade social e econômica da Nação. O bom cidadão é quem soma forças, mesmo perdendo nas urnas. O país é maior do que os interesses pessoais. 

Mesmo com atitudes extremistas, notícias falsas, agressões, “inimizades” políticas, podemos dizer que os momentos eleitorais são excelentes espaços de democracia. Cada cidadão tem liberdade para realizar suas manifestações e sentimentos partidários e torcer pelos seus candidatos. Sinto que as pessoas se deixam levar por força das ideologias, de interesses que estão acima do próprio candidato. 

Hoje se fala em direita e esquerda. Essas palavras passaram a ser o que define a ideologia de muitos cidadãos, passando inclusive acima da identidade e do perfil de honestidade de um candidato. Não importa se é bom ou ruim candidato. Importa que ele seja do meu lado, de direita ou de esquerda. É uma realidade que pode ajudar, mas pode também prejudicar uma melhor viabilidade do país. 

Enfim, a história do Brasil vai prosseguindo nos rumos que são tomados. Um ditado popular diz que “o povo tem o governo que merece”. Se é fruto do sufrágio popular, certamente o ditado tem um sentido correto, mas é importante cada cidadão agir e votar com total responsabilidade, sabendo que seu voto implica consequências para um país melhor ou não. Que Deus abençoe estas Eleições! Fonte: https://www.cnbb.org.br

Ministro libera processos sobre bolsonarista e PCO para análise do plenário virtual do STF

José Marques

BRASÍLIA

O ministro Alexandre de Moraes liberou para a semana seguinte às eleições uma série de julgamentos no STF (Supremo Tribunal Federal) de recursos apresentados pelas redes sociais contra determinações do magistrado de bloqueios de perfis que promoveram ataques às instituições.

Com isso, Moraes busca mais uma vez o respaldo dos colegas em determinações sobre a suspensão de conteúdos da internet.

As empresas de tecnologia, porém, afirmam nos autos que as determinações fazem censura genérica a conteúdos que muitas vezes são lícitos. Elas querem que as decisões do STF apontem de forma clara o conteúdo que é ilegal para que as publicações sejam derrubadas pontualmente, e não que seja ordenado o bloqueio de páginas inteiras.

Entendem, no geral, que não se pode determinar a remoção de postagens que não ferem as instituições ou reproduzem fake news, e que impedir usuários de publicarem novos conteúdos é "censura prévia".

Os casos estão marcados para o plenário virtual do Supremo, plataforma na qual os ministros depositam seus votos durante uma determinada quantidade de tempo. A sessão acontece entre os dias 4 e 11 de novembro.

Pode haver pedido de vista (mais tempo para análise) e de destaque (quando os casos são levados ao plenário físico).

Serão analisados recursos do Twitter, da Meta (dona do Instagram e do Facebook), do Google (proprietário do YouTube), do Telegram e da ByteDance (proprietária do TikTok). Há ainda casos que entrarão em julgamento que estão sob sigilo.

Apesar de serem solicitações sobre questões pontuais, os julgamentos podem criar precedentes para situações semelhantes de bloqueio de conteúdos das redes.

Um dos processos em que haverá julgamento de recurso é relacionado à derrubada do perfil de Ivan Rejane Boa Pinto, militante bolsonarista de Belo Horizonte preso em julho.

Ele afirmou em vídeo que iria "caçar" e "pendurar de cabeça para baixo" ministros do Supremo e políticos de esquerda, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

No pedido feito ao STF contra a decisão de suspensão do perfil de Ivan Rejane no Twitter, a rede social afirma que, "a despeito do integral cumprimento à determinação", entende que o bloqueio integral da conta viola leis e a Constituição.

"[Existe] A possibilidade de caracterização de censura de conteúdo lícito existente nos milhares de tweets postados pelo usuário, e também de censura prévia de conteúdo futuro lícito, não necessariamente vinculado ao objeto do inquérito em curso", diz a defesa da rede social.

Há ainda recursos apresentados de diversas empresas de tecnologia em uma ação contra o PCO (Partido da Causa Operária), sigla de esquerda que foi incluída no inquérito das fake news, que também investiga o presidente Jair Bolsonaro (PL).

O PCO teve os seus perfis bloqueados por Moraes após ter defendido a "dissolução do STF" e chamado o ministro de "skinhead de toga".

Esse caso de bloqueio é considerado ainda mais grave pelas redes sociais, porque se trata de um partido político registrado no país desde 1997.

Nos autos, o Twitter diz que o bloqueio de uma legenda "tem o condão de impactar negativamente as atividades partidárias e o processo de competição eleitoral, uma vez que é também por intermédio das mídias sociais que os partidos e candidatos participam do debate público e se engajam na conversa político-eleitoral".

Já o Telegram afirma que "existem alternativas proporcionais e menos gravosas, no caso de existirem postagens ilegais do PCO na plataforma do Telegram, para que o Telegram cesse qualquer atividade considerada como ilegal e que não colida com o direito à liberdade de expressão de seus usuários".

O TikTok, por sua vez, diz que as decisões de derrubadas de conteúdo não foram acompanhadas de motivação sobre quais posts são ilegais. A rede também afirma que há "censura prévia e prejuízo ao debate democrático, à livre expressão e, ainda, ao direito de acesso à informação, garantidos a todos os cidadãos e, consequentemente, aos usuários dos provedores de aplicação de internet".

O Google defende em seu pedido que a ordem do Supremo sobre o bloqueio de canal do YouTube "seja limitada à remoção de vídeos específicos, em prejuízo dos meios legítimos de responsabilização do autor das publicações por conteúdos que venham a ser considerados ilícitos".

Em agosto, Moraes já havia colocado uma série de pedidos de redes sociais para análise do plenário virtual, em uma iniciativa na qual o ministro tentava fortalecer o peso de suas decisões antes do feriado do 7 de Setembro, quando eram esperados eventos de caráter golpista como em 2021.

ministro do STF André Mendonça, porém, pediu vista e suspendeu os julgamentos assim que eles foram iniciados.

No TSE (Tribunal Superior Eleitoral), presidido por Moraes, já há decisão colegiada no sentido de derrubar postagens específicas em vez de todo o perfil de políticos. Entretanto, existe a intenção de suspender todo o conteúdo em caso de infração reiterada.

Nesta segunda (24), por exemplo, o corregedor-geral da Justiça Eleitoral, Benedito Gonçalves, determinou que a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do TSE deve apresentar relatórios diários para detectar conteúdos que já foram avaliados como irregulares pelo tribunal.

Na mesma decisão, o corregedor negou pedidos para suspender as contas do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) e do deputado André Janones (Avante-MG), que são articuladores das campanhas de Bolsonaro e de Lula nas redes sociais, respectivamente.

Gonçalves afirmou que Carlos e Janones vão ter as contas suspensas se os relatórios do tribunal indicarem "produção sistemática de desinformação".

Procurados pela reportagem a respeito dos pedidos, a Meta e o Google informaram que não iriam se manifestar. O TikTok não se manifestou. O Twitter afirmou que "não comenta casos em andamento" e "tudo o que a empresa tem a manifestar a respeito de casos específicos está nos autos do processo". Fonte: https://www1.folha.uol.com.br

Do que o bolsonarismo é capaz

O bolsonarismo ameaça o respeito à lei, a integridade das instituições, a liberdade política e a paz social. Se alguém ainda tinha dúvidas, Roberto Jefferson desenhou para o País

 

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

O ex-deputado Roberto Jefferson mostrou do que o bolsonarismo é capaz. Seu ataque a policiais federais que foram a sua casa para prendê-lo, anteontem, não foi um ato isolado nem fruto de loucura: foi a consequência natural da escalada retórica violenta e golpista do presidente Jair Bolsonaro contra as instituições democráticas.

No 7 de Setembro do ano passado, convém recordar, Bolsonaro declarou que, “qualquer decisão do Alexandre de Moraes, este presidente não mais cumprirá”, referindo-se ao ministro do Supremo Tribunal Federal responsável pelo inquérito que apura o financiamento e a organização de atos bolsonaristas contra a democracia. E acrescentou, em seu dialeto bronco: “Dizer aos canalhas que eu nunca serei preso”, sugerindo que resistiria a uma eventual ordem de prisão.

Pois bem: em perfeita sintonia com seu líder, Roberto Jefferson, que estava em prisão domiciliar no âmbito da ação penal conduzida por Moraes, decidiu resistir a uma ordem de prisão emitida pelo ministro – e ainda avisou que o faria em vídeos que postou em redes sociais no momento em que a ordem estava para ser cumprida. “Eu não vou me entregar. Eu não vou me entregar porque acho um absurdo. Chega, me cansei de ser vítima de arbítrio, de abuso. Infelizmente, eu vou enfrentá-los”, declarou Jefferson enquanto se preparava para atacar os policiais. Ato contínuo, deu mais de 20 tiros nos policiais, ferindo dois deles, e ainda atirou granadas.

É improvável que isso tenha acontecido por acaso. Ao contrário: Jefferson, como bolsonarista exemplar, parecia ter um plano meticuloso. Primeiro, usou as redes sociais para violar, de modo deliberado, os termos de sua prisão domiciliar. Na ocasião, ofendeu a ministra Cármen Lúcia, do Supremo, porque ela votou no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a favor de decisões que, no entendimento de bolsonaristas, configuram censura. A estratégia é óbvia: sabendo que a violação de sua prisão domiciliar, de forma reiterada e insolente, teria resposta da Justiça, Jefferson provavelmente pretendia caracterizar essa reação como perseguição política e cerceamento da liberdade de expressão. É o estado da arte do bolsonarismo.

Os acontecimentos de domingo são gravíssimos em si mesmos, e Jefferson deve ser punido com todo o rigor da lei, sem qualquer hesitação. Mas o caso não se encerra com o encaminhamento do sr. Jefferson para a cadeia. Se o aspecto jurídico se limita à punição do ex-parlamentar, o escândalo político vai muito além.

Bolsonaro, depois de alguma vacilação, tratou de tentar se desvincular de Jefferson, ciente dos estragos potenciais em sua campanha, mas sua proximidade com o ex-deputado vai muito além de algumas fotos dos dois juntos, que o presidente jurava não existirem. Essa proximidade é a única explicação possível para o fato inaceitável de que Jefferson teve tratamento privilegiado da Polícia Federal mesmo depois do ataque a tiros e granadas do ex-deputado contra policiais. Está documentada, em vídeos e testemunhos, a cordialidade com que Jefferson foi tratado – nem algemas lhe puseram. Para culminar, a negociação para a rendição de Jefferson contou com a presença do ministro da Justiça em pessoa, despachado pelo presidente Bolsonaro para cuidar do caso, como se se tratasse de um preso especialíssimo – e não de um criminoso comum. 

Seja como for, a tentativa de Bolsonaro de se afastar do caso é inútil. O episódio todo está prenhe de bolsonarismo, em suas múltiplas dimensões – das quais o uso de armamentos contra agentes da lei é apenas o mais vistoso. Enquanto o presidente da República, por mero cálculo político, aparentava abandonar seu aliado fiel, os fanáticos camisas pardas bolsonaristas nas redes sociais procuravam maneiras de justificar a barbárie, sempre em nome da defesa da “liberdade” e contra o que o próprio presidente chamou de “estado ditatorial” promovido pelo Supremo e pelo TSE.

Não há como ignorar. Na Presidência da República, Jair Bolsonaro é um altíssimo risco para o respeito à lei, para a integridade das instituições, para a liberdade política e para a paz social. Se alguém ainda tinha dúvidas, Roberto Jefferson desenhou para o País. Fonte: https://opiniao.estadao.com.br

Dois séculos depois da Independência, brasileiros vivem uma guerra santa incompatível com a Carta outorgada em 1824 por d. Pedro I.

 

Rolf Kuntz, O Estado de S.Paulo

De volta às trevas, o Brasil vai às urnas no meio de uma guerra santa, com a disputa contaminada por um discurso religioso prenhe de ódio e de preconceito. Mais de um século depois de proclamada a República, seguidores do presidente convertem o púlpito em palanque, renegando a noção de Estado laico. A separação entre religião, política e função pública foi muito bem estabelecida, no entanto, já na Constituição de 1891, a primeira do período republicano. Naquela Carta, a laicidade estatal é evidenciada na garantia da liberdade religiosa, na proibição de aliança entre igrejas e governos, no reconhecimento exclusivo do casamento civil, no caráter secular dos cemitérios e numa regra fundamental da educação. “Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos”, determinou o parágrafo 6.º do artigo 72.

Também d. Pedro I e seus conselheiros propunham, no início do Brasil independente, uma ordem muito menos obscura do que aquela defendida pelo bolsonarismo. Liberdades básicas foram valorizadas na Constituição outorgada em 25 de março de 1824. Haveria uma religião do Império, o catolicismo romano, mas o direito de crença estaria protegido. “Ninguém pode ser perseguido por motivo de religião, uma vez que respeite a do Estado e não ofenda a moral pública”, segundo estabeleceu o artigo 179.

O mesmo artigo consagrou, em outro inciso, o direito de expressão: “Todos podem comunicar os seus pensamentos por palavras e escritos e publicá-los pela imprensa, sem dependência de censura, contanto que hajam de responder pelos abusos que cometerem no exercício desse direito, nos casos e pela forma que a lei determinar”.

A vida real, é claro, nem sempre decorreu dentro desses limites, no Império ou na República, mesmo quando prevaleceram normas de tipo democrático. A liberdade de expressão nem sempre foi respeitada, a lei nem sempre foi igual para todos e as cadeias nem sempre foram “seguras, limpas e bem arejadas”, com réus separados “conforme suas circunstâncias” e de acordo com a “natureza de seus crimes”, como também determinou a Constituição imperial. Essa Constituição ainda estabeleceu uma regra aparentemente desnecessária, mas muito importante e frequentemente violada: “Nenhuma lei será estabelecida sem utilidade pública”. O imperador provavelmente jamais tinha ouvido falar de orçamento secreto e de campanhas eleitorais financiadas com recursos públicos.

O Império também determinou, por meio do Código Penal, o respeito aos cultos legais, fixando punições para a perseguição por motivo religioso e para abuso ou zombaria de manifestações de fé. Violações ostensivas desses preceitos, ocorridas neste mês, seriam puníveis, de acordo com aquela regra, com até três meses de prisão, mas quase nada se tem feito, além de alguma restrição a fake news, para deter a guerra santa promovida por bolsonaristas e marcada, muito raramente, por alguma reação do outro lado.

“Este momento é um momento de guerra espiritual”, disse no fim de agosto a primeira-dama Michelle Bolsonaro, num encontro com mulheres evangélicas no Palácio da Alvorada. Nesta semana, em evento em São Paulo, a mulher do presidente acusou a esquerda de perseguição religiosa, atribuiu ao ex-presidente Lula a intenção de prender adversários e falou do PT como um câncer. “Estamos aqui para lutar pelo nosso Brasil, para que esse câncer do partido das trevas se dissipe, saia da nossa nação”, proclamou. Nunca apontou fundamentos para suas acusações, mas tem mantido, com aparente sucesso entre evangélicos, sua guerra santa contra o líder petista. Ao mesmo tempo, e de modo muito mais desastrado, a ex-ministra Damares Alves mistura o discurso religioso com acusações insustentáveis e logo desmentidas, mas a campanha de mentiras em nome de Deus tem prosseguido.

Numa tentativa de reação, Lula produziu uma carta aos evangélicos, enfatizando seu compromisso com a liberdade religiosa. Alguns companheiros criticaram, outros defenderam essa decisão, mas o debate nem ocorreria, se o Brasil tivesse permanecido fora das trevas. Houve quem comparasse o documento à Carta ao Povo Brasileiro, de 2002, mas a comparação é imprópria. Naquele texto, o candidato petista cuidou de temas econômicos e principalmente fiscais, procurando tranquilizar o mercado. Com o mesmo cuidado, convidou depois o presidente mundial do Banco de Boston, Henrique Meirelles, para comandar o Banco Central.

Economia e contas públicas são tópicos normais e importantes, como têm sido neste ano, do debate eleitoral. Não é o caso da crença em Deus ou da filiação a alguma igreja, se a eleição ocorre num país herdeiro dos valores forjados, no Ocidente, a partir dos séculos 17 e 18. Não se faz guerra santa num país com essa tradição, nem se indica um cidadão para um cargo público por ser “terrivelmente” evangélico ou vinculado a uma religião. Além de eleger um presidente e alguns governadores, os brasileiros devem decidir se pretendem viver no século 21 ou num passado com menos luzes. Esta última escolha é a mais importante. Fonte: https://opiniao.estadao.com.br

Depois de manifestantes protestarem contra a Basílica se Nossa Senhora Aparecida, em 12 de outubro, ao menos outros três casos circulam nas redes sociais

Por O GLOBO — Rio de Janeiro

 

Interrupções de bolsonaristas durante missas da Igreja Católica têm se multiplicado nos últimos dias Brasil afora. Além dos protestos na Basílica de Nossa Senhora Aparecida, em 12 de outubro, foram registradas ao menos outras três ocasiões desde então em que fiéis levantaram a voz contra padres durante uma celebração. Entre os motivos alegados, estão acusações de que seus discursos seriam, na verdade, palanque político para a esquerda.

Na Igreja São João Batista, em Jacareí, no interior do estado de São Paulo, um padre teve sua missa interrompida no domingo porque citou o nome da ex-vereadora Marielle Franco, assassinada em 2018, além de Bruno Pereira e Dom Phillips. Uma mulher que acompanhava a celebração disse que ele não poderia falar da ex-parlamentar carioca porque ela era “homossexual” e porque, segundo ela, tinha ligação com o “tráfico de drogas”.

— O senhor não vai falar de Marielle Franco dentro da casa de Deus. O senhor não vai falar de Marielle Franco, uma homossexual, uma envolvida com o tráfico de drogas, o senhor não vai falar de Marielle Franco dentro da casa de Deus. Uma esquerdista do PSOL, uma homossexual, que quer a ideologia de gênero dentro da escola das crianças — disse a mulher, acompanhada de outra fiel que questionou o padre se ele também defendia o aborto.

Em outro templo católico, na cidade paranaense de Campo do Tenente, uma mulher que vestia camisa com o rosto de Bolsonaro, e a frase “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, também criticou a postura do padre e, aos gritos, disse que só havia “mentira nessa igreja”.

 

“O Deus da vida é a favor do aborto?”

Na última quarta-feira, outro padre foi hostilizado durante missa na Paróquia Nossa Senhora da Luz, da Comunidade Nossa Senhora do Carmo, em Fazenda Rio Grande (PR). Depois de falar que "o Deus da vida nunca vai pactuar com as forças da violência, nunca vai estar do lado daquele que prega o armamentismo, porque Deus é amor, solidariedade", o padre Edson foi interrompido por uma mulher que o questionou: "O Deus da vida é a favor do aborto, padre?". O padre negou.

A mulher continuou gritando: "Ele é a favor da ideologia de gênero?". O padre negou novamente. "O senhor está pedindo voto para o Lula (PT)", ela falou, em tom afirmativo. O padre negou, mais uma vez. Pessoas aplaudiram.

O padre tentou seguir com a missa e foi interrompido novamente, agora por um homem, que tentou o intimidar, em um tom de ordem, falando para que ele se atenha à palavra de Deus.

Em nenhum momento, no entanto, o padre “pediu votos” ou ao menos citou o nome de qualquer candidato à Presidência. No Facebook, a Paróquia retirou de sua página principal todos os vídeos com as transmissões de missas que contavam com comentários desse tipo.

 

Casos têm sido recorrentes

O cardeal Dom Odilo Pedro Scherer, 7º Arcebispo Metropolitano de São Paulo, foi alvo de bolsonaristas no Twitter por usar uma roupa vermelha em sua foto de perfil, cor tradicionalmente associada ao Partido dos Trabalhadores (PT). Os internautas traziam como argumento para os ataques um suposto apoio do Cardeal ao comunismo e ao ex-presidente Lula (PT). Uma publicação de 2019 mostra que esse tipo comentário já circulava nas redes na época.

Em 2018, conforme informação divulgada pela revista Veja à época, o cardeal criticou o uso político do ato religioso em homenagem à ex-primeira-dama Marisa Letícia, organizado pelo ex-presidente e atual presidenciável Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em uma rede social, o cardeal teria lamentado a “instrumentalização política” da cerimônia.

Também no último 12 de outubro, no mesmo dia do ocorrido na Paróquia Nossa Senhora da Luz, no Paraná, o presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) compareceu à missa em Aparecida. O evento contou com uma confusão causada por bolsonaristas que fizeram ofensas e tentativas de agressão a uma equipe da TV Vanguarda, afiliada da TV Globo na região, segundo a repórter Daniela Lopes. O grupo utilizava palavras de ordem e pulava ao redor das câmeras de gravação.

Motivado pelos ataques por parte de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) dirigidos a ele, ao Papa Francisco e à Igreja Católica, o padre Zezinho, da Congregação do Sagrado Coração de Jesus, publicou um desabafo em sua página no Facebook onde confessa estar cansado de dar espaço para os fiéis "super politizados, irados e insatisfeitos" e que, por isso, ficará sem se manifestar no ambiente virtual até o dia seguinte ao segundo turno. Fonte: https://oglobo.globo.com

Eleições 2022: 'Perseguição contra cristãos já começou no Brasil. Só que dentro da igreja'

Como pressão de pastores por votos em Bolsonaro leva evangélicos a expulsão ou abandono de igrejas em diferentes partes do Brasil.

 

Por BBC

"A gente se sentiu descartável." "É como se nós, cristãos, estivéssemos vivendo a própria ditadura dentro do templo." "Não reconheço mais a Igreja hoje." "O pastor abandonou a Bíblia pra falar de comunismo." "É triste ver um lugar sagrado sendo corrompido." "A perseguição contra os cristãos já começou no Brasil. Só que dentro da própria igreja."

Uma pesquisa do Datafolha sugere que seis em cada dez evangélicos brasileiros pretendem votar em Jair Bolsonaro (PL) no segundo turno. As frases acima foram ditas por cristãos que não fazem parte deste grupo majoritário.

Apesar de representarem parte expressiva da comunidade evangélica — quatro em cada dez, segundo o levantamento mais recente do instituto —, aqueles que discordam do presidente raramente têm chance de expressar sua opinião.

Principalmente dentro das igrejas, eles contam.

À BBC News Brasil, eles dizem que, enquanto muitos de seus irmãos de fé apoiam Bolsonaro por medo de enfrentarem episódios futuros de intolerância religiosa no Brasil, a perseguição contra cristãos já existiria no país.

Nas palavras dos entrevistados, ela acontece dentro dos próprios templos, puxada principalmente por líderes religiosos que ameaçam com castigo divino ou punição dentro da própria igreja aqueles que discordam da fusão entre política e religião que tem marcado estas eleições.

A BBC News Brasil pediu esclarecimentos a todas as igrejas citadas nesta reportagem: Igreja Quadrangular, Igreja Batista, Assembleia de Deus e Santuário católico de São Miguel Arcanjo. Nenhuma respondeu às solicitações de comentários.

Enquanto pastores influentes como André Valadão e Silas Malafaia dizem que igrejas devem ter posição política clara e fazem campanha pela reeleição do atual presidente, a BBC News Brasil recebeu mais de 100 relatos de cristãos, principalmente evangélicos, que narram episódios de pressão ou intimidação dentro dos templos na reta final da eleição.

Muitos pediram anonimato, com medo de consequências para si próprios ou suas famílias dentro das igrejas. Outros já sofreram consequências.

 

'Queimar quem vota em Lula'

Alisson Santos diz ter sido expulso junto à esposa da igreja evangélica que frequentava desde 2019 em Aracaju (SE). Até o início de outubro, ambos trabalhavam como evangelizadores de jovens no templo.

Em entrevista à BBC News Brasil, ele diz que o apoio de pastores a Bolsonaro e seus aliados sempre existiu, mas se intensificou no segundo semestre, quando um dos pastores se candidatou a deputado estadual.

"A partir daí, em todas as reuniões a gente tinha que orar por esse pré-candidato e fazia reuniões para falar sobre isso", ele conta. "Diziam que Bolsonaro é o único candidato que defende a liberdade religiosa, o único que vai manter igrejas abertas. E que, se Lula for eleito, ele vai fechar as igrejas, queimar as igrejas".

Ele conta que viu frequentadores da igreja sendo expostos no altar por discordarem dos candidatos apoiados pela igreja.

"Ele (o pastor), antes do culto, procurou pessoas para perguntar em quem elas votariam. Algumas pessoas disseram que votariam num candidato diferente do dele. Na hora do culto ele usou essas pessoas como exemplo do que não fazer", ele diz.

"Ele fez isso durante a Palavra, duas semanas antes da eleição."

Para o jovem, o tom violento adotado em alguns cultos contradiz o propósito dos templos religiosos.

"Teve um culto em que o pastor chegou e falou que se o candidato Lula fosse eleito e fossem queimar as igrejas, ele ia mandar queimar primeiro quem votou nele. Isso não foi fora da igreja, não foi nos corredores, foi na frente da igreja toda", ele diz.

 

'Minha esposa só chora'

Após semanas evitando se posicionar na frente de pastores, Alisson compartilhou no status do WhatsApp um trecho de uma entrevista de Bolsonaro à revista IstoÉ Gente, em fevereiro de 2000.

Questionado na ocasião sobre sua opinião em relação ao aborto, que hoje condena veementemente, o então deputado respondeu: "Tem que ser uma decisão do casal".

Alisson também compartilhou um vídeo gravado em 2017, quando Bolsonaro discursou dentro de um templo da maçonaria — entidade criticada pelos evangélicos.

Ambas as imagens viralizaram recentemente nas redes sociais e foram usadas por opositores para ilustrar mudanças no discurso religioso de Bolsonaro ao longo das últimas duas décadas.

"Foi justamente por esse vídeo que eles marcaram uma reunião da diretoria", conta o jovem.

"Ele (o pastor) disse: 'Se vocês que não querem seguir o posicionamento da igreja, procurem outro lugar'. E isso pra mim foi um absurdo. E não foi nem particularmente, foi em frente a toda a diretoria."

Os dois deixaram seus cargos e não frequentam mais a igreja desde então.

"É muito triste. Minha esposa só chora desde o ocorrido. Ela só chora porque é o lugar que sempre nos acolheu", afirma. "A perseguição contra os cristãos já começou no Brasil. Só que dentro da própria igreja."

 

'Perseguição dentro do templo'

Marta vive numa capital nordestina. Muito religiosa, ela também diz que se viu obrigada a deixar a igreja que frequentava há décadas por discordar da pressão de pastores por apoio ao presidente.

"Sinceramente, eu me senti pressionada. Fiquei muito triste, decepcionada primeiramente. E, sinceramente, não tenho vontade de retornar para o templo mais porque Jesus não é isso. Ele não veio para fazer pressão", diz.

"Você passa a ser perseguido dentro do próprio templo pelos irmãos, na fé e pelos próprios pastores. Porque, se você não obedece, se você não segue aquele político que eles escolheram para votar, você não é cristão. A sua fé, ela está sendo colocada à prova."

Durante toda a entrevista, Marta cita trechos e ensinamentos da Bíblia.

"Não é assim que Jesus nos ensinou, que a gente fosse agressivo, que a gente que se armasse e partisse para cima do nosso adversário. Não é isso que a palavra do Senhor ensina. A Palavra de Deus diz que a gente tem que mostrar o amor, a misericórdia, a bondade", afirma. " Jesus, ele é amor, é bondade. Ele veio para curar, salvar e libertar, e não para colocar medo nas pessoas."

Mãe de uma criança pequena e de um adolescente, ela conta que a pressão política e o consequente afastamento da Igreja abalou toda a família.

"Isso mexe muito com a família, porque temos uma base religiosa, uma base cristã. Você fala para os seus filhos, você prega para os seus filhos sobre a sua doutrina que você crê. E, de repente, o seu filho pergunta 'Mãe, que Cristo é esse'? 'Que doutrina é essa'? 'Que religião é desse jeito? Sobre pressão, sobre ditadura, sobre não poder escolher?'"

 

'Ninguém se importou com a nossa saída'

Quase 3 mil quilômetros separam Marta de Deloana, uma assistente social de Osasco que frequentava a Assembleia de Deus há 12 anos. A história, no entanto, se repete.

"Sinto que perdi uma referência. De verdade. Sempre acreditei em Deus. Sempre gostei de ficar na igreja. Sempre gostei de participar dos grupos. Era realmente algo que fazia parte da minha vida", ela conta por videoconferência.

"E eu sinto que isso se perdeu. Não reconheço mais a Igreja hoje como a que conheci há dez anos. Por mais que a Igreja sempre tenha tido um posicionamento conservador, tenha a questão da doutrina, eu vejo as coisas hoje de forma muito violenta. Se penso de forma diferente, vem uma palavra de condenação. É como se eu pudesse ser punida por um pensamento que seja contrário."

A punição, na prática, aconteceu. Tudo começou quando seu marido, que frequentava a igreja desde criança, procurou um presbítero após um culto após se sentir ofendido por algumas de suas falas.

"Meu esposo terminou o ensinamento dos adolescentes e os levou para o final da aula para adultos. Esse homem estava finalizando a aula. Ele começou a passar alguns slides, colocando como se fosse o antes e depois dos jovens que entram nas universidades públicas. Era uma espécie de alerta para os pais que estavam ali", ela conta.

As imagens, segundo Deolana, mostravam um "antes e depois" de jovens que entram em universidades públicas. "O jovem todo arrumado em um primeiro momento, e depois ele fazendo uso de droga ou se 'tornando homossexual' dentro da universidade e coisas desse tipo. Querendo deixar bem claro que a universidade pública era um ambiente perigoso para os jovens."

Eles disseram ao religioso que aquele discurso era inapropriado e que o próprio marido de Deolana estuda em uma universidade pública.

"Ele já se alterou bastante, pelo que eu entendi, por ter sido questionado por uma fala. Como se ele já não admitisse ser questionado. E aí chegou o momento de ele falou: 'Estou vendo que você é de esquerda e sinto muito por você'", conta a assistente social.

"E ele falou como se fosse um posicionamento que fosse trazer uma condenação para a gente, como se fosse algo absurdo. Em momento algum o meu marido falou dessa questão de política, de esquerda e de direita. Ele estava querendo focar na fala dele em relação a universidade em si, e aí ele misturou vários assuntos."

O casal não conseguiu mais ir à Igreja depois do episódio.

"A gente se sentiu descartável, né? Ficamos com essa visão de que é um ambiente em que a gente não vai ser bem-vindo por causa da forma que a gente pensa. O que me chateou mais a gente foi essa intolerância. Que o pensamento contrário seja colocado dessa forma, como se fosse pecado ou coisas do tipo", ela diz.

"E com isso a gente não retornou mais, nem ninguém procurou a gente. Então, ninguém se importou, essa é a verdade, com a nossa saída."

 

Santinhos

João* e a esposa moram em São Paulo e, diferente de Alisson, Marta e Deloana, vão continuar frequentando a igreja, apesar da pressão pelo voto em Bolsonaro — em quem o casal não pretende votar.

"O nome de Bolsonaro é citado normalmente (nos cultos). Os irmãos, eles se dirigem ao presidente como o candidato correto. É o candidato do bem. E os demais candidatos, todos, independente da ideologia, são os adversários. São candidatos do mal, digamos."

Ele conta que, além do voto para presidente, pastores chegaram a indicar nomes e números de candidatos a cargos legislativos no primeiro turno dentro do templo.

"Geralmente a gente tem essa parte dos avisos no final dos cultos. Então, o pastor comentou que alguns irmãos tinham perguntado para ele alguma sugestão de candidatos para deputados de senadores (…) Então ele falou que, para quem quisesse, estava sendo montada uma lista de candidatos de deputados de que fosse, que seria disponibilizada para os irmãos que procurassem."

Frequentes nos comentários ouvidos pela reportagem, os relatos sobre indicações de votos dentro e fora de templos não vem só de evangélicos.

Católica, a paranaense Paula Izidro diz que essa foi a gota d'água.

"Eu tinha o costume de participar de uma caminhada com peregrinos da região ao Santuário de São Miguel Arcanjo. E na porta do santuário estava entregando o santinho de um candidato. Toda aquela coisa da peregrinação de fé acabou para mim ali", ela diz.

"Aquilo me deixou indignada, porque eles usaram o santuário de palanque. O padre fala abertamente sobre engajar na eleição, posta foto com Bolsonaro, e isso me deixa muito, muito deprimida. Logo ele que defende tortura, pena de morte, que não se importou com as pessoas na pandemia e tudo mais. Não condiz com o contexto religioso", ela diz.

 

'Perdi minha fé. Não tenho mais religião'

Enquanto muitos dos cristãos ouvidos pela reportagem contam que decidiram se afastar de suas igrejas e buscar outras opções, onde sua posição política seja respeitada, Luiz Fernando, que vive no interior da Bahia e era evangélico desde os 12 anos, tomou decisão mais drástica.

"Durante todos os anos que eu estive na Igreja, passamos por eleições presidenciais, por eleições municipais e nunca, até 2018, foi abordada essa questão de 'vote em tal candidato'. Era uma coisa que deixava todo mundo muito à vontade. Você não sabia se o seu irmão da cadeira da frente era a favor do partido A ou do partido B. Não sabia se a pessoa ao seu lado era a favor de partido A ou partido B. Tinha essa liberdade de voto e ninguém era recriminado por isso", ele lembra.

"Em 2018, eleição presidencial em que Jair Bolsonaro apareceu como o candidato cristão, que levantava a bandeira da família, da religiosidade, aquela coisa toda, eu percebi que a entonação dos cultos, o direcionamento dos cultos da igreja modificou. O pastor líder, em culto, no púlpito, falou: 'Vamos como cristãos votar em Jair Bolsonaro, pois ele representa a família e ele representa a nós cristãos. Aí, naquele momento eu entendi e falei 'não'. A política entrou na Igreja."

"Aí eu simplesmente eu percebi que tudo o que eu tinha vivido, aquela coisa de paz, de amor ao próximo, de tentar conquistar através do amor, foi tudo por água abaixo, porque eu vi o ódio e vi o ódio presente nas pessoas, nos meus amigos que eram da igreja. Eu vi essa coisa de guerra. Então eu falei: 'não, não dá mais, me desiludi com a religião. Eu simplesmente deixei de ir'."

A decepção o levou a, pela primeira vez na vida, se declarar "sem religião".

"Depois desse governo que se diz cristão, eu não consigo mais me relacionar com Deus intimamente. Na última pesquisa do IBGE, eu já me declarei que não tenho fé. (Perguntaram) 'Você é crente, você é católico, qual é a sua religião?' Eu falei: 'Não, não tenho religião'. Então não sei o que eles colocaram. Se agnóstico ou ateu, alguma coisa assim. Mas eu já não me coloquei mais como cristão, não me representa. Isso já não me representa mais.

"Eu percebi que para eu voltar a ter um relacionamento com Deus, a Igreja precisa mudar. E eu vejo que a Igreja não quer mudar." *Nome alterado a pedido do entrevistado. Fonte: https://g1.globo.com

Jornalismo – a hora de virar o jogo

A sociedade está cansada do clima de militância que tomou conta da agenda pública. Sobra opinião e falta informação.

 

Carlos Alberto Di Franco, O Estado de S.Paulo

Escrevo esta coluna no campus da Universidade de Navarra, Espanha. Estou participando do VII Encontro Internacional do Programa de Graduados Latino-Americanos (PGLA). Um evento formidável, com muitos colegas de prestígio no mundo da comunicação.

O cenário do consumo de informação preocupa. E muito. Exige reflexão, autocrítica e coragem. Todos, sem exceção, percebem que chegou para o jornalismo a hora da reinvenção.

A sociedade está cansada do clima de militância que tomou conta da agenda pública. Sobra opinião e falta informação. Os leitores estão perdidos num cipoal de afirmações categóricas e pouco fundamentadas, declarações de “especialistas” e uma overdose de colunismo. Um denominador comum marca o achismo que invadiu o espaço outrora destinado à informação qualificada: radicalização e politização. Trata-se de um fenômeno generalizado.

O jornalismo reclama alguns valores essenciais: amor pela verdade, paixão pela liberdade e uma imensa capacidade de sonhar e de inovar. Eles resumem boa parte da nossa missão e do fascínio do nosso ofício. Hoje, mais do que nunca, numa sociedade polarizada e intolerante, precisam ser resgatados e promovidos.

As redes sociais e o jornalismo cidadão têm contribuído de forma singular para o processo comunicativo e propiciado novas formas de participação, de construção da esfera pública, de mobilização da sociedade. Suscitam debates, geram polêmicas (algumas com forte radicalização) e exercem pressão. Mas as notícias que realmente importam, isto é, as que são capazes de alterar os rumos de um país, são fruto não de boatos ou meias-verdades disseminadas de forma irresponsável ou ingênua, mas resultam de um trabalho investigativo feito dentro de padrões de qualidade, algo que deve estar na essência dos bons jornais.

O jornalismo sustenta a democracia não com engajamentos espúrios, mas com a força informativa da reportagem e com o farol de uma opinião firme, mas equilibrada e magnânima. A reportagem é, sem dúvida, o coração da mídia.

Jornalismo independente reclama liberdade. Não temos dono. Nosso compromisso é com a verdade e com o leitor. Mas a reinvenção do jornalismo passa por uma imensa capacidade de sonhar. É preciso vencer comportamentos burocráticos, reconhecer a nossa crise e tratar de virar o jogo. O fenômeno da desintermediação dos meios tradicionais, por exemplo, teve precedentes que poderiam ter sido evitados, não fosse o distanciamento da imprensa dos seus leitores, sua dificuldade de entender o alcance das novas formas de consumo digital da informação e, em alguns casos, sua falta de isenção informativa e certa dose de intolerância.

Os leitores, com razão, manifestam cansaço com o tom sombrio das nossas coberturas. É possível denunciar mazelas com um olhar propositivo. Pensemos, por exemplo, na ignominiosa situação da corrupção. É preciso reverter um quadro que agride a dignidade humana, envergonha o Brasil e torna inviável o futuro de gerações. Não seria uma bela bandeira, uma excelente causa a ser abraçada pela imprensa?

Com seriedade e profundidade, e não como consequência do jogo político. Em vez de ficarmos reféns do diz-que-diz, do blá-blá-blá inconsistente, das intrigas e da espuma que brota nos corredores de Brasília, que não são rigorosamente notícia, mergulhemos de cabeça em pautas que, de fato, ajudem a construir um país que não pode continuar olhando pelo retrovisor.

Não podemos viver de costas para a sociedade real. Isso não significa ficar refém do pensamento da maioria. Mas o jornalismo, observador atento do cotidiano, não pode desconhecer e, mais do que isso, confrontar permanentemente o sentir das suas audiências. A verdade, limpa e pura, é que frequentemente a população tem valores diferentes dos nossos.

A internet, o Facebook, o Twitter e todas as ferramentas que as tecnologias digitais despejam a cada momento sobre o universo das comunicações transformaram a política e mudaram o jornalismo. Queiramos ou não. Precisamos fazer a autocrítica sobre o nosso modo de operar. Não bastam medidas paliativas. É hora de dinamitar antigos processos e modelos mentais ideológicos. A crise é grave. Mas a oportunidade pode ser imensa.

A violência, a corrupção, a incompetência e a mentira estão aí. E devem ser denunciadas. Não se trata, por óbvio, de esconder a realidade. Mas também é preciso dar o outro lado, o lado do bem. Não devemos ocultar as trevas. Mas temos o dever de mostrar as luzes que brilham no fim do túnel. A boa notícia também é informação. A análise objetiva e profunda, sem viés ideológico, é uma demanda dos leitores. E, além disso, é uma resposta ética e editorial aos que pretendem tornar o jornalismo refém da fácil cultura do negativismo.

A imprensa de qualidade, séria e independente, é essencial para a democracia. E tudo isso, tudo mesmo, depende da nossa coragem e da nossa humildade para fazer a urgente e necessária autocrítica.

Chegou a hora do jornalismo propositivo. Aquele que não se limita a mostrar os problemas, mas vai além: aponta alternativas e soluções.

*JORNALISTA. E-MAIL: Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar. Fonte: https://opiniao.estadao.com.br

Jair Bolsonaro (PL), ao lado de Tarcísio de Freitas (Republicanos), em missa no santuário de Aparecida nesta quarta - Eduardo Knapp/Folhapress

 

APARECIDA (SP), SÃO PAULO, BELO HORIZONTE, RIO DE JANEIRO e BRASÍLIA

O presidente Jair Bolsonaro (PL), em campanha pela reeleição, causou alvoroço ao participar de missa pelo Dia de Nossa Senhora Aparecida, nesta quarta-feira (12), no santuário dedicado à santa. A passagem por Aparecida (SP) foi marcada por recados desfavoráveis de representantes da Igreja Católica e aplausos e vaias de eleitores.

O rival dele no segundo turno, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), manteve a decisão anunciada de evitar a mistura entre eleição e religião e, também nesta quarta, fez atos no Rio de Janeiro e em Salvador.

Um dia antes da visita de Bolsonaro a Aparecida, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), principal entidade da igreja no país, lamentou em nota "a intensificação da exploração da fé e da religião como caminho para angariar votos no segundo turno". Sem citar nomes, a CNBB disse que "momentos especificamente religiosos não podem ser usados por candidatos".

O arcebispo de Aparecida, dom Orlando Brandes, afirmou na manhã desta quarta, antes da chegada de Bolsonaro na basílica, que "é preciso vencer os dragões do ódio e da mentira". Na fala, durante a homilia da principal missa do dia, ele mencionou ainda os desafios do desemprego, da fome e da incredulidade.

A frase foi dirigida a uma multidão de católicos que lotou o templo. Parte dos romeiros acompanhou a celebração do lado de fora. A festa em homenagem à padroeira do Brasil voltou, depois de dois anos de pandemia, a receber o público sem restrições de circulação ou capacidade.

Depois, questionado em entrevista coletiva sobre a presença na festividade religiosa do mandatário e de Tarcísio de Freitas (Republicanos), candidato do bolsonarismo ao Governo de São Paulo, em uma das missas no santuário nesta quarta, o arcebispo expressou certo incômodo.

"Não podemos julgar, mas precisamos ter uma identidade religiosa. Ou somos evangélicos ou somos católicos. Precisamos ser fiéis à nossa identidade católica, mas, seja qual for a intenção, vai ser bem recebido, porque é o nosso presidente", afirmou o sacerdote à imprensa.

Bolsonaro esteve na manhã desta quarta em Belo Horizonte para a inauguração de um templo da igreja evangélica Mundial do Poder de Deus, do apóstolo Valdemiro Santiago. Junto ao governador reeleito Romeu Zema (Novo), que o apoia, o mandatário acompanhou uma sessão de cura e ouviu Valdemiro pedir jejum de 12 horas até o dia da eleição, pela "nação, pelo presidente e pela primeira-dama".

O ambiente e as falas na capital mineira foram favoráveis à reeleição e aos discursos de campanha do político, mas a Folha ouviu de uma fiel a reclamação de que, se soubesse que haveria campanha eleitoral no templo, não teria ido até lá. A frequentadora não conseguiu entrar no local.

O presidente, que se diz católico, mas transita entre evangélicos e detém o apoio de líderes do segmento, fez um discurso em que exaltou o Brasil como um país majoritariamente cristão e disse respeitar todas as religiões.

À tarde, sob vaias e aplausos, Bolsonaro chegou ao Santuário Nacional de Aparecida (a 180 km de SP) acompanhado de Tarcísio e de outros aliados, como o senador eleito Marcos Pontes (PL-SP), o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e a deputada federal Bia Kicis (PL-DF).

Com o tumulto, o padre Eduardo Ribeiro, que conduzia a cerimônia, pediu silêncio para iniciar a celebração. "Silêncio na basílica. Prepare o seu coração, viemos aqui para rezar", afirmou. Parte do público também soltou gritos de "mito" na direção do presidente.

A missa transcorreu de forma serena, sem a presença de Bolsonaro no altar —nas celebrações do ano passado, o presidente foi encarregado de fazer a primeira leitura. Na homilia, o pároco Eduardo Catalfo pediu paz para a nação e enalteceu Nossa Senhora Aparecida como mulher negra e a representação do povo brasileiro.

Do lado de fora do templo, um jovem que vestia camiseta vermelha foi alvo de uma multidão enfurecida que gritava "mito" enquanto a comitiva do presidente estava em uma tenda de peregrinos. O homem, inicialmente, ficou encurralado em um círculo e, depois, quando tentou fugir, foi perseguido aos gritos de "Lula, ladrão, seu lugar é na prisão" e "a nossa bandeira jamais será vermelha".

A hostilidade dos bolsonaristas só acabou quando o homem de vermelho sumiu entre os corredores da igreja, sem ser agredido fisicamente.

comitiva presidencial não viu a cena. "E pensar que aqui é a casa de Deus", falou uma mulher assustada, com uma camiseta de romaria de São José dos Campos (SP).

Após a missa, o presidente foi convidado para rezar um rosário na basílica antiga, a primeira construída em devoção à santa. A atividade foi organizada pelo Centro Dom Bosco, organização de católicos conservadores que não tem ligação com o santuário nacional, cujo administrador é dom Orlando Brandes.

"Não é uma iniciativa nem do santuário nem da arquidiocese, mas as pessoas são livres", disse o arcebispo.

Bolsonaro não compareceu à basílica antiga, mas o anúncio de sua possível ida atraiu centenas de apoiadores ao local e houve princípio de confusão, com xingamentos e intimidações. Apoiadores do presidente partiram para cima de uma equipe de jornalistas da TV Vanguarda, afiliada da Rede Globo.

Segundo a repórter Daniela Lopes, que trabalha na TV, houve ofensas verbais e tentativa de agressão, mas um segurança que acompanhava interveio. Ela também disse à Folha que a confusão começou após um homem, com uma camiseta com a frase "fora, Bolsonaro", se aproximar do cinegrafista.

Depois que Bolsonaro deixou a igreja antiga, o padre Camilo Júnior disse durante uma pregação que o dia deveria ser dedicado à santa católica, e não a eleições. "Parabéns a você que está aqui dentro e está rezando, porque hoje não é dia de pedir voto, hoje é dia de pedir bênção", afirmou, sob aplausos.

Os organizadores da missa devem divulgar o total de público nesta quinta (13). Há, entre eles, a certeza de que havia muito mais pessoas que os cerca de 70 mil fiéis do ano passado, mas ainda menos que os 160 mil de 2019, antes da Covid-19.

É a terceira vez em que Bolsonaro, na condição de presidente, visita o Santuário Nacional de Aparecida. A primeira foi em 2019. Em 2021, dom Orlando fez alertas sobre o armamento da população, o discurso de ódio e a propagação de fake news —as falas foram entendidas como recados ao governante.

Também no ano passado, com a pandemia de Covid-19 em um momento mais crítico, o arcebispo defendeu a ciência e discursou sobre a importância da vacinação contra o coronavírus, indo na contramão do comportamento de Bolsonaro durante a crise mundial de saúde.

A volta do mandatário ao templo católico é mais um passo na maratona dele em busca de votos dos religiosos. Desde o dia 4, Bolsonaro participou de dois cultos da igreja evangélica Assembleia de Deus e usou o Círio de Nazaré, uma das maiores celebrações religiosas mais populares do país, para fazer campanha.

Em uma unidade da Assembleia de Deus na capital paulista, o presidente e a primeira-dama Michelle Bolsonaro subiram ao púlpito e falaram aos fiéis. Ela, que é evangélica, não esteve em Belo Horizonte nem em Aparecida nesta quarta.

No Pará, o presidente sofreu críticas da igreja e ficou isolado durante a festividade. A Arquidiocese de Belém afirmou que não convidou o mandatário e que não desejava nem permitia "qualquer utilização de caráter político ou partidário" do evento religioso. O Planalto disse à Folha que ele participou do Círio como chefe de Estado.

As atividades de Lula no feriado foram desvinculadas da celebração religiosa. O petista, que também mira os públicos evangélico (que majoritariamente apoia Bolsonaro) e católico, participou pela manhã de uma caminhada no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, onde prometeu avanços na economia para a população mais pobre.

Antes do ato, o ex-presidente ergueu uma imagem de Nossa Senhora Aparecida que lhe foi entregue por uma moradora. Durante o percurso, feito sobre um carro de som, estendeu uma bandeira do Brasil.

O petista também esteve em uma caminhada em Salvador. Na capital baiana, ele acusou o adversário de tentar tirar proveito eleitoral de eventos religiosos e disse que ele "usa o nome de Deus em vão".

O petista fez ainda alusão aos episódios em Aparecida: "Hoje [quarta] arrumou briga em Aparecida do Norte, onde também foi sem ser convidado, tentando tirar proveito de religião".

Na semana passada, Lula disse que não gosta de fazer nenhum gesto "que possa parecer" que esteja "utilizando a religião para fazer política". "Gosto de professar a minha fé e demonstrar a minha religião na minha intimidade. Não gosto de ficar fazendo Carnaval", afirmou.

Lula foi convidado pelo governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), para participar do Círio de Nazaré, mas declinou. Fonte: www1.folha.uol.com.br

Paulo Dantas (MDB) é investigado por suspeitas de desvio de dinheiro público

 

Camila MattosoFabio Serapião

BRASÍLIA

STJ (Superior Tribunal de Justiça) afastou Paulo Dantas (MDB) do cargo de governador de Alagoas. Ele é um dos alvos de uma operação da Polícia Federal deflagrada nesta terça-feira (11).

A determinação judicial atendeu a um pedido da PF. Segundo investigadores, os fatos apurados são da época que Dantas era deputado estadual e, também, do período em que já ocupava o cargo de governador.

Entre as suspeitas apuradas está a prática de uso de funcionários fantasmas em seu gabinete.

A operação cumpre 31 mandados de busca e apreensão. Entre os endereços estão a Assembleia Legislativa e a sede do governo.

Além do afastamento do governador e das buscas, a ministra Laurita Vaz, do Superior Tribunal de Justiça, autorizou o sequestro de bens e valores que alcançam R$ 54 milhões. Entre os bens sequestrados estão dezenas de imóveis em nome dos alvos.

A ação foi batizada de operação Edema e, diz a PF, apura a "prática sistemática de desvios de recursos públicos que ocorre desde o ano de 2019 no âmbito do Poder Público do Estado de Alagoas."

Os alvos são suspeitos das práticas dos crimes de organização criminosa, peculato e lavagem de dinheiro. Eles estão proibidos de manter contatos entre si e frequentar os órgãos públicos.

"A necessidade e a urgência das medidas cautelares cumpridas na manhã de hoje –que incluem busca e apreensão, sequestro de bens, afastamentos de função pública, dente outras medidas– foram amplamente demonstradas nos autos da investigação policial e corroborada pelo Ministério Público Federal, o que subsidiou a decisão judicial", afirma a PF em nota.

A PF pediu as medidas inicialmente em 8 de agosto, mas no dia 31 do mesmo mês aditou a solicitação. O MPF se manifestou em 8 de setembro e a decisão da ministra autorizando as buscas e o afastamento é de 5 de outubro.

O emedebista virou governador em maio, para um mandato tampão, após Renan Filho (MDB) deixar o cargo para disputar uma vaga ao Senado. A ministra do caso é Laurita Vaz. O afastamento do político tem prazo de 180 dias.

Dantas está no segundo turno da eleição para governador de Alagoas. Ele recebeu 46,64% dos votos válidos, enquanto seu adversário, Rodrigo Cunha (União), apoiado por Arthur Lira (PP), teve 26,74%.

O emedebista é apoiado apoiado pelo ex-presidente Lula e pela família de Renan Calheiros. Alagoas é o estado onde Lula teve a vitória mais apertada no primeiro turno —o petista obteve 57% dos votos válidos, ante 36% de Jair Bolsonaro (PL) e 4% de Simone Tebet (MDB).

Alagoas é o estado em que a maior parcela da população passa fome no Brasil, com 36,7% —número que é duas vezes a média nacional. Os dados são do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, que divulgou informações sobre segurança alimentar por estado.

Por causa das eleições, Renan Filho renunciou ao seu mandato como governador em abril. Seu vice-governador, Luciano Barbosa, deixou o cargo nas eleições de 2020, assumindo a Prefeitura de Arapiraca.

O próximo na linha sucessória seria o presidente da Assembleia Legislativa de Alagoas, Marcelo Victor (MDB), que preferiu não assumir o governo e concorrer à reeleição, convocando eleições indiretas.

Após imbróglios na Justiça, travados entre Arthur Lira e Renan Calheiros, Paulo Dantas foi eleito para um mandato até 31 de dezembro.

Sua campanha se baseia no que foi feito durante a gestão de Renan Filho, citando obras realizadas no período ou que estão sendo concluídas durante seu período no governo.

Dantas foi prefeito do município de Batalha durante dois mandatos e, em 2018, se tornou deputado estadual. Sua esposa, Marina Thereza Cintra Dantas (MDB), é a atual prefeita da cidade. Fonte: https://www1.folha.uol.com.br

Entidades pedem que eleitores denunciem assédio eleitoral

 

AMERICANA (SP)

O caso de um empresário que apareceu em vídeo coagindo funcionários para que votassem em Jair Bolsonaro (PL) chamou a atenção para o assédio eleitoral às vésperas das eleições 2022.

No vídeo, o dono da empresa Cerâmica Modelo, em São Miguel do Guamá (PA), prometia R$ 200 para os empregados em caso de vitória de Bolsonaro e dizia que mais da metade das empresas do município fechariam se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ganhasse.

Após investigação, Maurício Lopes Fernandes Júnior fechou um acordo com o Ministério Público do Trabalho em que teve que gravar um vídeo pedindo desculpas, pagar pagar indenização de R$ 2 mil para cada um dos funcionários, assinar a carteira de trabalho dos que não tinham registro, fornecer EPI’s (equipamentos de proteção individual) e desembolsar R$ 150 mil por dano moral coletivo.

A coação ou assédio para influenciar o voto podem ser enquadrados no artigo 301 do Código Eleitoral. A legislação prevê pena de até quatro anos de reclusão e pagamento de multa para quem "usar de violência ou grave ameaça para coagir alguém a votar, ou não votar, em determinado candidato ou partido".

A Folha quer saber se você, leitor, passou por uma experiência semelhante. Foi ameaçado ou recebeu promessas em troca de seu voto em determinado candidato?

Conte para nós neste formulário. Será possível anexar fotos ou documentos que comprovem o caso. Fonte: www1.folha.uol.com.br

Bolsonaro tenta associar vitória de Lula na região ao analfabetismo; petista rebate

 

Luiz Inácio Lula da Silva discursa em Marcolândia, no Piauí, em 2017 - Bruno Santos-1.set.17/Folhapress

 

João Pedro PitomboJosé Matheus Santos

SALVADOR e RECIFE

Em um hoje longínquo 2010, uma estudante paulista disse que eleitores do Luiz Inácio Lula da Silva não eram gente e deveriam ser afogados. A postagem feita após a vitória de Dilma Rousseff (PT) para a Presidência ganhou repercussão e resultou em uma condenação na Justiça Federal de São Paulo por crime de racismo.

Doze anos e três eleições presidenciais depois, o preconceito que na época foi encarado como um caso isolado não só se repete, mas ganhou escala e contornos de ataques massivos após o resultado do primeiro turno da eleição deste ano.

A larga margem de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que obteve 67% dos votos válidos no Nordeste, desencadeou uma onda de ataques contra eleitores nordestinos que partiram de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL).

Um dos ataques após a eleição veio do próprio presidente, nesta quarta-feira (6). Em uma transmissão nas redes sociais, Bolsonaro associou o analfabetismo à vitória de Lula no Nordeste e culpou o PT por índices negativos na área na região.

"Lula venceu em 9 dos 10 estados com maior taxa de analfabetismo. Você sabe quais são esses estados? No nosso Nordeste", disse.

afirmação foi rebatida nesta quinta (6) por Lula, que buscou trazer o tema para o centro do debate eleitoral: "Quem tem uma gota de sangue nordestino não pode votar nesse sujeito. Os nordestinos estão em todo o Brasil, trabalham e constroem esse país. Que Bolsonaro busque o voto da turma da rachadinha do Queiroz."

Nas redes sociais e aplicativos de mensagem, os ataques começaram com o avançar da contabilização dos votos no domingo (2).

Em áudio apócrifo que viralizou, um homem afirma que os eleitores do Nordeste deveriam morrer. "Esses nordestinos têm que morrer metade, aonde é que se viu, os caras... 66% para o Lula, esses caras não merecem. [...] Esses nordestinos tem que morrer tudo de fome [sic], tem que desmembrar o Nordeste do Brasil".

Mas as mensagens não ficaram apenas no anonimato. Em Uberlândia, cidade do Triângulo Mineiro, a advogada e vice-presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) na cidade, Flávia Moraes, postou um vídeo em tom ofensivo contra os eleitores do Nordeste.

Ao lado de duas amigas e com uma taça de vinho na mão, atacou: "Nós geramos empregos, pagamos impostos e gastamos nosso dinheiro lá no Nordeste. Não vamos mais ao Nordeste dar nosso dinheiro para quem vive de migalhas. Vamos gastar no Sudeste, no Sul ou até fora do país."

A OAB Uberlândia alegou que a fala não reflete o posicionamento da instituição, mas disse que não se manifesta sobre declarações de cunho pessoal de seus inscritos. Também informou que a advogada pediu licença do cargo.

Em Ouro Preto do Oeste, em Rondônia, uma dentista postou um vídeo em uma rede social no qual critica o voto dos eleitores do Nordeste em Lula e afirma que os demais estados sustentam a região.

"Sobre o Nordeste votar ainda no Lula, eu acho que o Nordeste deveria parar para pensar que quem vai lá e sustenta o turismo somos nós brasileiros que trabalha [sic] de verdade", afirmou.

Na sequência, associou a região à miséria e à exploração sexual infantil: "Nós vamos lá ‘turistar’ e gastar para aquelas famílias que vivem na miséria sobreviver [sic]. Quem já foi ‘turistar’ lá no Nordeste, vocês já viram como eles vivem, já viram a prostituição infantil?"

Uma advogada de Bragança Paulista (SP) também fez ataques aos nordestinos em um grupo em um aplicativo de mensagens: "Não conheço o Nordeste e nem quero conhecer. Deus me livre desse lugar de gente horrorosa". O caso está sendo apurado pela OAB da cidade.

Uma das postagens que ganhou maior relevância veio do comentarista Rodrigo Constantino. Em uma rede social, ele exibiu um mapa do Brasil destacando a região Nordeste como "Cuba do Sul". "Temos uma conclusão clara nessas eleições: a parte do país que mais recebe assistencialismo decide sobre a parte do país que mais produz para o PIB", escreveu.

A mesma imagem foi publicada uma rede social do Colégio São Marcos, de São Luís (MA). O colégio apagou a publicação e alegou que a postagem foi feita de maneira equivocada por um funcionário na conta institucional do colégio.

Presidente da seccional Pernambuco da OAB, Fernando Ribeiro Lins, classifica os casos como crime de xenofobia, que é equiparado ao de racismo na legislação penal. Por isso, qualquer pessoa nordestina alvo de ofensas pode ingressar com uma representação junto ao Ministério Público Federal, segundo ele.

"Racismo é um crime inafiançável. Admitindo uma condenação, não é possível pagar fiança para se livrar. Qualquer pessoa que pratique está sujeita a uma pena dura."

O Conselho Federal da OAB e os presidentes das seccionais da ordem nos estados da região também repudiaram os ataques ao Nordeste.

Na avaliação de especialistas, os ataques revelam desconhecimento sobre o Nordeste e seu papel na história, economia e cultura brasileiras. Também reforçam estigmas e tentam diminuir os eleitores de uma região onde vivem 53 milhões de brasileiros.

O historiador Severino Vicente, da Universidade Federal de Pernambuco, classifica a xenofobia como uma doença social.

"É querer negar ao outro o direito de ser o que ele é, é a tentativa de reduzir o outro e dizer que só interessa aquilo que é parecido comigo. O preconceito é filho da deseducação, daquele que não abre a cabeça e observa o mundo", diz.

O historiador também destaca o papel do Nordeste na construção de cidades como Brasília e para o avanço econômico de municípios, como o caso de São Paulo, que tem diversos imigrantes nordestinos: "o Brasil é filho do Nordeste e construímos as bases da nacionalidade".

Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas e professor da Universidade de Federal de Minas Gerais, Camilo Aggio destaca que os discursos de ódio, preconceito e xenofobia já existem na sociedade, mas tendem a ser alimentados e potencializados em ecossistemas digitais.

"Existe um adensamento de grupos sociais com a construção de tribos com epistemologias próprias. Por isso, tantos grupos se sentem autorizados a propagar discurso de ódio. Eles se sentem amparados por um agrupamento", explica.

Na avaliação de Aggio, o próprio presidente Jair Bolsonaro incita ataques, além de possuir um discurso que dá segurança e proteção a quem ataca: "Há uma aposta na inimputabilidade, como foi no caso do indulto ao [ex-deputado] Daniel Silveira".

Senador eleito pelo Maranhão, Flávio Dino (PSB) diz que, além de estimular preconceitos contra o Nordeste, Bolsonaro virou as costas para a região durante o seu mandato: "Nós, aqui no Nordeste, votamos de modo consciente." Fonte: https://www1.folha.uol.com.br

Ao propor 13.º para o Auxílio Brasil, Bolsonaro expõe convicção de que o voto das mulheres vulneráveis está à venda

 

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

O presidente Jair Bolsonaro decidiu aumentar o lance no leilão pelo voto dos mais pobres. Passado o primeiro turno, o governo não esperou um dia sequer para anunciar a antecipação do calendário de pagamentos do Auxílio Brasil. Até então, as transferências estavam programadas para serem encerradas no dia 31 de outubro, depois, portanto, da segunda etapa da disputa eleitoral. Não foi – nem será – a única investida. O governo prometeu um 13.º benefício para os 16,7 milhões de famílias chefiadas por mulheres. Antes, havia regulamentado uma modalidade criminosa de crédito consignado que tem tudo para expor os vulneráveis ao superendividamento.

É um feito impressionante. O arremedo de programa social que o governo inventou para substituir o bem-sucedido Bolsa Família paga mais, alcança um número maior de pessoas e não cobra qualquer contrapartida dos beneficiários, como o cumprimento do calendário vacinal ou a presença escolar obrigatória de seus filhos. E, a despeito do escancarado uso da máquina pública, cujo peso é muito maior que o Fundo Eleitoral, o presidente/candidato permanece na segunda posição com possibilidades reais de derrota. Para enquadrar o Auxílio Brasil ao Orçamento-Geral da União, o governo violou o teto de gastos, mas fez um esforço para criar um discurso social minimamente crível a justificar essa opção. Se nunca houve preocupação genuína com o bem-estar dos mais pobres, antes havia um mínimo de pudor, agora completamente abandonado.

Como nada disso gerou o efeito esperado, o governo se converteu em um puxadinho da campanha bolsonarista e compactua com seus devaneios sem qualquer empenho para manter a credibilidade. A proposta formal para o Orçamento de 2023 desmente a si própria e promete manter o piso em R$ 600 sem reservar os R$ 52,5 bilhões extras para custeá-la. A ela se junta o 13.º benefício às mulheres, cujo custo é estimado em R$ 10 bilhões. Não houve – nem haverá – qualquer explicação sobre a fonte de recursos para bancar a medida, tampouco sobre sua necessidade. Afinal, há algumas semanas, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse ser impossível que milhões de pessoas estivessem passando fome no País, dando a entender que o piso era suficiente para garantir todas as necessidades e despesas fixas de uma família. O que mudou para justificar a criação do 13.º benefício?

Há algo em comum a tudo que envolve o Auxílio Brasil desde sua concepção. Todas as discussões sobre o programa sempre foram superficiais e centradas unicamente no valor final a ser pago aos beneficiários, expondo a profunda convicção do presidente e de sua equipe de ministros de que o voto dos mais vulneráveis, de forma geral, e das mulheres mais pobres, em particular, está à venda. Quando era deputado federal, Bolsonaro chamou o Bolsa Família de bolsa farelo e chegou a compará-lo à prática do voto de cabresto. Sua opinião, evidentemente, não se alterou. A diferença é que agora ele espera colher frutos adotando uma estratégia que sempre condenou. Fonte: https://opiniao.estadao.com.br

Após vídeo dizendo que 'não vai mais alimentar quem vive de migalhas', Flávia Aparecida Rodrigues Moraes, que era vice-presidente da Comissão da Mulher Advogada, pediu licença do cargo. Em nota, a advogada informou que sua conduta não se encontra tipificada como crime.

 

Por Carolina Portilho e Luís Fellipe Borges, g1 Triângulo e Alto Paranaíba — Uberlândia

Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Uberlândia se posicionou na noite desta quinta-feira (6) sobre as declarações de xenofobia da advogada Flávia Aparecida Rodrigues Moraes. Em vídeo publicado das redes sociais, ela afirmou que "não vai mais alimentar quem vive de migalhas", se referindo à população nordestina 

No posicionamento, o presidente da OAB Uberlândia, José Eduardo Batista, informou que o órgão decidiu por exonerar Flávia do cargo de vice-presidente da Comissão da Mulher Advogada. Ela já havia pedido licença do posto após o vídeo circular nas redes sociais.

"Reiteramos que não compactuamos com os lamentáveis fatos veiculados nas redes sociais, nem com as expressões usadas pela advogada", declarou o presidente.

Também nesta quinta, a Defensoria Pública de Minas Gerais propôs uma ação civil pública contra Flávia. O órgão pede que a advogada pague R$ 100 mil em danos morais.

Ao g1, por meio de uma assessora de imprensa, Flávia declarou que se arrepende do que disse, mas que a conduta, embora reprovável, "não se encontra tipificada como crime em qualquer dispositivo legal vigente". Confira o posicionamento na íntegra mais abaixo.

 

Posicionamento da OAB

Além de exonerar a advogada da comissão, a OAB Uberlândia afirmou, em nota, que também determinou a abertura de processos éticos-disciplinares pelo Conselho de Ética e Disciplina da Subseção e pelo Tribunal de Ética Regional, em atenção aos pedidos de representação disciplinar protocoladas por advogados e autoridades de Uberlândia e região.

"Apresentamos nossas sinceras desculpas ao povo nordestino e em especial à advocacia nordestina e advocacia brasileira pelas manifestações ofensivas da referida advogada, postadas nas redes sociais", completa a nota.

 

Ação civil pública

Em nota enviada à imprensa, o defensor público Evaldo Gonçalves da Cunha afirmou que a indenização será destinada a entidades de combate ao preconceito, racismo e xenofobia. A advogada também deverá se retratar das declarações pelas vias adequadas.

"A ré propaga falas preconceituosas e discriminatórias, causando um constrangimento ao povo nordestino de magnitude imensurável", escreveu.

No texto da ação, a Defensoria Pública declara que o objetivo do processo é "o reconhecimento dos direitos de milhões de brasileiros nordestinos, sejam os lá residentes ou os que de lá se originam, de terem respeitada a sua identidade, como corolário da dignidade da pessoa humana".

O órgão indica que a advogada teria explicitamente incitado a discriminação do povo nordestino, o que configura o crime de "praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional".

Quando cometido em um meio de comunicação social, como a internet, a pena prevista para o crime é reclusão de dois a cinco anos e multa.

"Em que pese o direito de liberdade de expressão ser constitucionalmente garantido, tal direito não é absoluto e deve ser exercido em observância à proteção à dignidade da pessoa humana", aponta a ação.

 

Entenda o caso

Flávia Aparecida Moraes publicou um vídeo em uma rede social dizendo que "não vai mais alimentar quem vive de migalhas", se referindo aos moradores da região Nordeste do Brasil.

Vestidas com as cores verde e amarela, ela e mais duas mulheres não identificadas fazem um brinde enquanto deixam claro que não irão mais àquela região turística do Brasil e que preferem gastar o dinheiro no Sul e Sudeste ou até fora do país.

Na descrição do vídeo, Flávia ainda escreveu: "Lamentavelmente mais necessário, precisamos ser racionais. Democracia é democracia (sic)".

Na publicação, o áudio da advogada é quase encoberto pela música ao fundo, mas é possível identificar o que ela diz:

"A todos aqueles brasileiros que a partir de hoje têm que ser muito inteligente. Nós geramos empregos, nós pagamos impostos e sabe o que que a gente faz? A gente gasta o nosso dinheiro lá no Nordeste. Não vamos fazer isso mais. Vamos gastar dinheiro com quem realmente precisa, com quem realmente merece. A gente não vai mais alimentar quem vive de migalhas. Vamos gastar o nosso dinheiro aqui no Sudeste, ou no Sul ou fora do país, inclusive porque fica muito mais barato. Um brinde a gente que deixa de ser palhaço a partir de hoje", disse Flávia Moraes.

Segundo a 13ª Subseção da OAB, a advogada pediu licença do cargo que ocupava na entidade para se dedicar pessoalmente sobre o assunto. Já a OAB-MG informou, na quarta-feira (5), que vai tomar as providências cabíveis no âmbito ético disciplinar.

"A OAB repudia de forma veemente as expressões utilizadas que materializam preconceito e discriminação contra o povo nordestino. Caracteriza um tipo de xenofobia regional intolerável, inadmissível. A OAB MG recomenda à OAB de Uberlândia que independente da licença requerida pela colega a destitua do cargo porque ela não tem condições de participar desta gestão", disse o presidente da ordem mineiro, Sérgio Leonardo em vídeo publicado em rede social.

 

O que disse Flávia

"Em razão de manifestação pessoal publicada em minhas redes sociais, venho a público me desculpar por compreender a infelicidade do que foi falado, uma vez que é totalmente incompatível com meus valores. Minha conduta, embora reprovável, não se encontra tipificada como crime em qualquer dispositivo legal vigente.

A exposição da minha fala foi feita por terceiros, sem o meu consentimento, e fez com que eu siga atacada com as mais diversas formas de violência contra a mulher, tendo que blindar a mim e minha família. A infelicidade da minha fala não pode autorizar ou justificar a prática de crimes graves contra a minha pessoa, que vão desde injúria e difamação, até mesmo a apologia ao estupro. Em um Estado Democrático de Direito os fins não justificam os meios.

Lamento pela repercussão desta infeliz colocação e me arrependo profundamente pelo ocorrido, desculpando-me com todas as pessoas de origem nordestina que tenham se sentido ofendidas, retratando-me completamente." Fonte: https://g1.globo.com