Quantas vezes a gente insistiu em algo que era uma roubada? Todo mundo avisando e a gente ali, teimando. Desistir teria sido muito melhor
Por Leo Aversa
Domingo de tarde, Biden deitadão naquele sofá bege do Salão Oval. O jornal na barriga, a TV ligada, o telefone — vermelho — tocando sem parar. Do outro lado, assessores querendo discutir a guerra da Ucrânia, a questão dos imigrantes, o apagão cibernético na semana passada. Só treta, confusão e briga de cachorro grande. Ele ali, de saco cheio, olhar no teto, lembrando da torta de maçã que a avó fazia, sonhando com as férias na Disney na companhia dos netos. Enquanto espera a música do Fantástico para ir dormir, se pergunta: por que não consigo ficar aqui tranquilo, de boas? De supetão — não tão supetão assim, que a lombar não aguenta mais —, ele levanta e solta o grito primal do homem contemporâneo: “Que se foda, tô fora!”
Não quero tirar o emprego de escritores de autoajuda, nem desapontar admiradores de influencers existenciais e seguidores de coachs metafísicos, mas a persistência é uma qualidade sobrevalorizada. A toda hora, em todo lugar, tem um profeta do óbvio mandando a gente persistir, insistir, seguir em frente a qualquer preço. É bom, até faz bem, mas não vamos exagerar: desistir — na hora certa — é a grande arte.
Um monte de gente persiste, persiste, persiste e mesmo assim não chega onde queria. Pelo contrário, acaba pior que começou. Por teimosia, não percebe que até estava avançando, mas na direção contrária. Tipo ter que ir para Niterói, pegar a Brasil para o outro lado e acabar em Bangu. Acontece muito.
São pessoas a quem sobra vontade e determinação, mas falta GPS. Também existem os que insistem no que nunca vai dar certo e os que persistem em algo que, sim, funciona, mas não para eles.
Não quero fazer uma ode ao pessimismo, mas uma dose de régua e compasso e uma pitada de “melhor não” podem nos poupar de grandes decepções.
Dizem que o sucesso é 99% de suor e 1% de talento. Mais certo, impossível. Mas vamos ser sinceros, leitor: existem pessoas — maravilhosas — que nem esse 1% têm. Aí, complica. O sonho de uma jornada heroica rumo ao topo da montanha vira um patético tombo na escada na direção do porão. Não era melhor ter largado o osso lá no começo?
Nem deveria falar sobre a importância da desistência na vida afetiva. É até covardia. Construir uma relação, ir colocando tijolinho em cima de tijolinho, é algo lindo, deve ser um objetivo tão desejado como celebrado. Mas... Vamos ser sinceros: é uma em cem, né? Sobre as outras 99, meu caro leitor, descobrimos depois — estropiados — que era melhor ter pulado fora antes. Quantas vezes a gente insistiu em algo que era obviamente uma roubada? Todo mundo avisando e a gente ali, teimando. Desistir teria sido muito melhor do que descer a ladeira sem freio e bater de frente com um caminhão.
Nem acho que Biden estava tão mal assim, entrar num debate com um lunático mitômano é uma luta inglória para qualquer um, você tem que contestar um sujeito que acredita mesmo nas mentiras que diz. Igual a jogar xadrez com pombo. Vale a pena? Para quem tem tempo, disposição e um futuro pela frente, sim.
Só que tem uma hora na vida em que você percebe que o tempo é curto e que o que você quer mesmo é ler o jornal de domingo tranquilo, de boas, deitado no sofá.
Eles que lutem. Fonte: https://oglobo.globo.com




