*Frei Carlos Mesters, Carmelita.

O jeito de o povo rezar os seus salmos

Hoje existem várias maneiras de se rezar os salmos. “O Senhor é meu Pastor” (Sl 23), por exemplo, tem várias melodias e várias letras. Usam-se vários instrumentos. Às vezes, os salmos são rezados por uma única pessoa, enquanto os outros escutam; outras vezes, são rezados alternadamente, em coro. Às vezes, depois de recitação do salmo, fica-se um tempo em silêncio para ruminar a palavra ouvida e, em seguida, cada um repete o versículo que mais o impressionou.

Estas e outras maneiras são meios que nós usamos hoje para poder agarrar o sentido do salmo e, assim, rezá-lo como expressão dos nossos próprios sentimentos. O ideal é este: recriar o salmo, a partir da sua raiz, como se fosse rezado hoje pela primeira vez.

E aí vem a pergunta: Como é que o povo do tempo da Bíblia rezava os seus salmos? Como fazia para recriá-los e assimilá-los na vida? O que podemos aprender deles neste ponto? O próprio Livro dos Salmos nos dará a resposta a estas perguntas.

1-Chaves de leitura

A maioria dos salmos tem um pequeno título que funcionava como chave de leitura. Ele informava sobre a origem, o autor, o tipo e o uso do salmo. Os títulos dos salmos são antiqüíssimos. Nem sempre são claros. Eles nos dão uma idéia de como os salmos eram rezados naquele tempo. Tomemos como exemplo, entre muitos outros, o título do Salmo 57 que diz: “Do mestre do canto. Não destruas. De Davi. A meia voz. Quando fugia de Saul na caverna” (Sl 57,1). Vejamos ponto por ponto:

Do mestre do canto. Sinal de que eles tinham um responsável que puxava o canto durante as celebrações. Provavelmente, havia um grupo de cantores que formava um coro para animar o culto (cf. 1Cr 15,16; 9,33; 2Cr 23,13).

Não destruas. Era o título de uma música popular bem conhecida de todos. O Salmo 57 devia ser cantado com a melodia da música “Não destruas”. Até hoje, o povo faz letra para ser cantada conforme a melodia de cantos populares bem conhecidos.

De Davi. Atribuir o salmo a Davi ajudava o povo a “rezar como Davi rezou, a cantar como Davi cantou”. Tornava mais concreta a recitação do salmo, pois facilitava a identificação do povo com Davi.

A meia voz. Indicava que se tratava de um salmo mais meditativo, pois havia outros salmos em que o povo era convidado a cantar e gritar bem alto (Sl 47,2). Nem sempre as celebrações eram silenciosas. Pelo contrário! (Sl 42,5).

Quando fugia de Saul na caverna. Evoca um fato bem conhecido da vida de Davi (cf. 1Sm 24,1-8) como contexto de origem do salmo. Isto ajudava a dramatizar o salmo, a ligá-lo com a vida, e favorecia a identificação do orante com Davi.

2-Instrumentos musicais

Ao que parece, as celebrações eram bem animadas, acompanhadas com muitos instrumentos musicais. O Salmo 150 enumera vários: trombeta, cítara, harpa, tambor, instrumento de corda, flauta, címbalo (Sl 150,3-4; cf. 81,3-4). Em outros salmos aparecem outros instrumentos como a lira de dez cordas (Sl 33,2), o oboé (Sl 46,1). Havia salmos que deviam ser acompanhados com um determinado instrumento musical. Por exemplo, o Salmo 54, foi feito para ser acompanhado com instrumento de corda (Sl 54,1); O Salmo 46, com oboé (Sl 46,1). O Salmo 33 convida o povo a tocar os instrumentos e fazer grande louvação (Sl 33,2-3). Eles gostavam de música e festa!

3-Participação do povo

Hoje em dia, quando se reza um salmo, todo mundo tem o texto na mão. Isto facilita a participação. Naquele tempo, não havia texto na mão do povo. Cantava-se de memória e o povo participava de muitas maneiras. Às vezes, alguém puxava o canto e o povo respondia em forma de ladainha, dizendo sem parar: “Eterno é seu amor, eterno é seu amor, eterno é seu amor, eterno...” (Sl 136). Outras vezes, o cantor que puxava o canto mandava o povo confirmar a prece com a aclamação “Amém! Amém!” (Sl 106,48). Ou provocava os vários grupos presentes na celebração: “A Casa de Israel, repita: eterno é seu amor! Agora a Casa de Aarão, repita: eterno é seu amor! Agora todo mundo que teme o Senhor, repita: eterno é seu amor! Agora todo mundo que teme o Senhor, repita: eterno é seu amor!” (Sl 118,2-4).

Em outros salmos, o povo participava por meio do canto de um refrão que voltava no começo, no meio e no fim (Sl 80,4.8.20). Outras vezes, participava dançando (Sl 150,4), acompanhando a procissão (Sl 42,5; 24,6-10), fazendo romaria (Sl 122,1-2), tocando seus instrumentos (Sl 33,2-3). As festas eram alegres e barulhentas (Sl 81,3-4; Sl 42,5).

4-Expressão corporal

Corpo e alma formam uma unidade. O corpo acompanha o movimento da mente e dele procura ser uma expressão e uma ajuda. Por isso, a expressão corporal faz parte da prece e lhe dá mais vida. A Bíblia tem muitas informações sobre as várias formas de expressão corporal que acompanhavam a recitação dos salmos e a prece em geral: prostração, genuflexão, inclinação (Sl 95,6; 22,30); levantar as mãos para o alto (Sl 63,5), bater palmas (Sl 47,1), soltar gritos (Sl 47,1), colocar a cabeça entre os joelhos (1Rs 18,42).

Depois do exílio, quando uma grande parte dos judeus vivia fora da Palestina, espalhada pelas costas do Mar Mediterrâneo, criaram o costume de orientar o corpo. Isto é, durante a oração, eles se voltavam na direção do templo de Jerusalém que ficava no Oriente (Sl 138,2). Faziam isto três vezes ao dia, no momento exato em que, lá no templo, se oferecia o sacrifício, de manhã, ao meio dia e no fim da tarde. Assim, unidos entre si no mundo inteiro, faziam subir as preces até Deus junto com a fumaça dos sacrifícios do templo de Jerusalém.

5-Espelho para todo sofredor

Como vimos anteriormente, é difícil saber exatamente em que época, em que lugar e a partir de que fato a maioria dos salmos foi escrita. Ou seja, não é fácil atingir o contexto histórico exato da origem dos salmos. De certo modo, isto era proposital! Era para permitir que os salmos pudessem ser rezados em todo tempo e em todo lugar, sobretudo os salmos de lamento. Nos salmos de lamento, o salmista expressava a sua dor de tal maneira, que a sua prece pudesse ser assumida e rezada também por outros. Por isso, ele não particularizava demais nos detalhes pessoais, pois isto dificultaria ao outro identificar-se com o salmo. Nem generalizava demais, pois isto separaria o salmo da vida e ele já não seria espelho para ninguém. Numa palavra, os salmos são, ao mesmo tempo, universais e concretos. Nisto está a sua arte! Por isso são espelho para todo sofredor. Até hoje, o povo se encontra lá dentro, apesar de todas as dificuldades de linguagem, de interpretações e de distância no tempo.

Para a oração dos salmos é importante lembrar o seguinte. O sentido dos salmos se concretiza não só a partir do contexto da pessoa que fez o salmo, mas também e sobretudo a partir do contexto daquele que reza o salmo. Por exemplo, o Salmo 72 diz: “O Senhor liberta o indigente que clama, e o pobre que não tem protetor” (SI 72,12). Ao rezar este salmo, não se deve pensar no indigente e no pobre do século IV antes de Cristo, mas, sim, nos indigentes e nos pobres que nós mesmos conhecemos no lugar onde moramos, hoje, aqui e agora, no Brasil! O estudo do contexto histórico do salmo pode ajudar muito para que, na oração, o salmo possa ser espelho para todo sofredor.

6-Retrato da vida de cada um

As imagens ou comparações usadas nos salmos para expressar a atitude orante do povo diante de Deus eram as mesmas que se usavam para expressar as coisas mais comuns da vida e da convivência diária: criança dormindo no colo da mãe (SI 131,2), a família em casa ao redor da mesa (SI 128,3), uma roda alegre de gente amiga que grita e canta com violão e pandeiro (SI 33,1-3; 81,3-4), o luar do sertão (SI 8,4), saudades da terra (SI 42,5), o pedreiro que constrói uma casa e o vigia que guarda uma cidade (SI 127,1), etc.

Todas as situações da vida estão presentes nos salmos: alegria, tristeza, solidão, abandono, perseguição, exploração, repressão, opressão, desespero, esperança, doença, morte, amor, ódio, casamento, educação, juventude e velhice, calor, frio, luta, festa ... tudo! Os salmos não distanciavam as pessoas da vida. Pelo contrário. Traziam a vida para dentro da prece, e levavam a prece para dentro da vida. Tudo que dava para rir e para chorar era usado no diálogo com Deus. Os salmos têm a variedade da própria vida.

7-Ambiente organizado da comunidade

O povo que hoje participa da comunidade conhece de cor muitos cânticos: “O Povo de Deus no deserto andava”, “Da cepa brotou a rama”, “Queremos Deus”, "Eu confio em Nosso Senhor", "A Ti, meu Deus", "Me chamaste", etc. Outro dia perguntaram: “Dona Maria, quando foi que a senhora aprendeu Queremos Deus?” Ela respondeu: “Não sei! A gente sabe!” Nas comunidades existe um ambiente de vida que transmite as coisas sem que a gente se dá conta. Assim, no tempo de Jesus, havia um ambiente de vida, sustentado e mantido pela organização comunitária do povo em torno da sinagoga, e pelos costumes familiares. Neste ambiente, o povo aprendia os salmos de cor, quase como a respiração da vida da comunidade.

Os evangelhos ainda deixam transparecer alguns traços deste ambiente de oração da vida comunitária do tempo de Jesus, em que os salmos aparecem como parte integrante do conjunto. No Domingo de Ramos, o povo gritou espontaneamente a frase de um salmo para aclamar Jesus (Mc 21,9 e SI 118,25-26). O cântico de Maria cita mais de quatro salmos diferentes (Lc 1,46-55). Depois da Ceia Pascal, Jesus e os apóstolos saíram da sala e foram para o Horto rezando salmos (Mt 26,30). Três ou quatro das oito bem-aventuranças que Jesus proclamou para o povo são frases  tiradas dos salmos (Mt 5,3-10).

Estes e outros fatos mostram que os salmos permeavam a vida do povo como o cimento permeia os tijolos e dá consistência à parede. Eles davam consistência e expressão à piedade e à fé do povo. Os salmos eram ensinados e divulgados entre o povo através das reuniões na sinagoga, através da oração em família, através das procissões e das romarias. Os salmos chamados alfabéticos facilitavam a memorização dos mesmos (SI 25, 34, 37, 111, 112, 119 e 145).

Estes sete pontos revelam o jeito usado pelo povo daquele tempo para rezar e assimilar os salmos na vida. Quem for ler e estudar os salmos com atenção, poderá descobrir muitas outras informações a respeito de cada um destes sete assuntos. Demos apenas algumas dicas.

* Conhecido por seus estudos sobre a Bíblia - estudou em Roma e em Jerusalém - Frei Carlos Mesters, Carmelita da Ordem do Carmo, nasceu na Holanda em 1931. Missionário no Brasil desde 1949. Sacerdote desde 1957, doutor em Teologia Bíblica. É um dos principais exegetas bíblicos do método histórico-crítico no Brasil e foi fundador CEBI - Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (1978). Atualmente reside no Convento do Carmo de Unaí-MG.

No vídeo, imagens da despedida de Frei Vicente de Paula Maciel, O. Carm, da Paróquia de Nossa Senhora do Carmo de Brasilia/DF. Fonte: Facebook (Eneida Carbonell/ Brasília). NOTA: No Capítulo Provincial deste ano, o confrade foi transferido para Belo Horizonte-MG, onde será formador dos Postulantes Carmelitas. Convento do Carmo da Lapa, Rio de Janeiro. 12 de fevereiro-2017. DIVULGAÇÃO: www.mensagensdofreipetroniodemiranda.blogspot.com

Frei Fernando Millán Romeral, O. Carm. Prior Geral .

(Tradução livre)

(Fevereiro de 2017). A vida consagrada é encontrado em um momento importante, complexo e de certo modo, controverso. Por um lado, começou o processo para elaborar um novo documento que regulamente e oriente as relações entre religiosos e bispos, ou melhor, entre os religiosos e as igrejas locais. Trata-se de um novo mutuae relationes adaptado às novas realidades eclesiais, canônicas e teológicas do nosso tempo. Por outro lado, Francisco assinava no passado dia 29 de junho de 2016, a Constituição Apostólica Vultum do quaerere, sobre e para as religiosas contemplativas (aquelas "Sentinelas da aurora" como as chama o papa). Na mesma se anuncia um novo documento sobre o assunto que elabora em breve a congregação para os institutos de vida consagrada (civcsva) para a execução de alguns temas específicos. Além disso, em muitos países da Europa se estão a realizar processos (nem sempre fáceis) de união das províncias e de reestruturação das existentes que suscita reações muito variadas e às vezes provoca dificuldades e desafios de vários tipos. São apenas três exemplos do complicado período em que vivemos. Devemos viver esse tempo com espírito de discernimento, sério e responsável, mas isso não quer dizer que não possamos vivê-lo com alegria, com serenidade, com esperança e com bom ânimo.

O caso é que, no meio desses processos complexos, em não poucas ocasiões são chamados (e com paixão) o princípio da "autonomia". certamente, este princípio (autonomia das províncias, dos mosteiros, etc) nasce em certos Momentos da história da vida consagrada com um critério sábio e para evitar intromissões. Se procurava preservar estilos de vida e protegê-los, para evitar que se perderem ou que fossem manipulados e deturpadas. Portanto, era (e é) um meio válido ao serviço dos carismas, ou dos Estados de vida no seio da igreja.

Quando, no entanto, esse princípio se transforma em algo absoluto, quando se defende com unhas e dentes, quando se lhe atribui mais categoria teológica e canônico da que tem... Pois creio humildemente que algo está errado. Ninguém entrou na vida religiosa para ser independente, muito pelo contrário, para deixar que outros (as diversas mediações), com diálogo, discernimento, bom senso, coragem e obediência... sejam os que nos governam. O religioso coloca sua vida em outras mãos para satisfazer uma vontade superior, a de Deus. Se existe um princípio sagrado na vocação religiosa é, sim, o de ser "Heterónomos"...

Há dois anos, aproveitando o quinto centenário do nascimento de Santa Teresa, reli algumas de suas obras (não todas, nem com o detalhe que quisesse) e olhei a sua sabedoria espiritual e humana. Me deleite recordando algumas passagens e surpreendi-me descobrindo outros pelos que certamente passei de forma distraída há anos. E eis que no caminho da perfeição, a santa ela nos dá esta pérola: "e uma vez que as freiras fazemos o mais, que é dar a liberdade pelo amor de Deus, pondo-a num outro poder (...). Torno a dizer que está o tudo ou grande parte em perder cuidado de nós mesmos e o nosso presente; que quem de verdade começa a servir ao Senhor, o mínimo que ele pode oferecer é a vida; pois deu a sua vontade, o que teme?" (Caminho 12,1-2). Quase nada...
E Thomas Merton, outro mestre espiritual de primeira fila, reclamava tanto de uma obediência cega que levasse ao "sacrifício de o interior", ou seja, dos princípios mais sagrados, provocando assim uma espécie de inércia, passividade infantil e doidinha... como de uma autonomia que acabou tornando-se um fetiche. O monge é despachado com esta análise e escreve com um bisturi muito fino: "por outro lado, não devemos transformar a autonomia em um fetiche e ser 'Fiel' apenas a nossa própria vontade, uma vez que esta é mais uma maneira de ser infiel..."

Sei que tudo isso teria que precisa-lo muito e que é um assunto complicado e vítreo. Por onde a mão... te curtas. Mas acho que apelar demasiado à autonomia ou transformá-lo em um totem, é perigoso e até mesmo contra a própria essência da vida consagrada que nos liberta para sempre fazer a sua vontade.

Fonte: http://vidareligiosa.es/blogs/signosgestosguinos

*Frei Carlos Mesters, Carmelita.

Origem e formação do Livro dos Salmos: Espelho do que acontece hoje

Na superfície do Livro dos Salmos aparecem algumas coisas que chamam a atenção: repetições, interrupções, incertezas quanto ao autor, confusão quanto ao número dos salmos. São como janelas abertas que ajudam a entender como foi o processo de formação do Livro dos Salmos; revelam como se chegou dos salmos ao Livro dos Salmos. Como veremos, foi uma origem muito semelhante à de tantos livros de canto que hoje circulam nas nossas comunidades. Na origem de cada salmo está um salmista, um poeta, um indivíduo. Na origem do Livro dos Salmos está a comunidade, o povo. Se os 150 salmos foram transmitidos e chegaram até nós, isto não se deve à ação do salmista, mas, sim, ao povo. O povo se reconhecia neles. Os salmos eram a expressão da sua fé, esperança e amor, da sua caminhada e luta. Por isso os cantava, selecionava e conservava. Assim se chegou dos salmos ao Livro dos Salmos. Nesse capítulo, vamos ver de perto os pontos mais significativos deste processo de formação do Livro dos Salmos, e apontaremos, ao mesmo tempo, e semelhança com os livros de canto que hoje circulam nas nossas comunidades.

Um processo de formação que durou quase mil anos

Alguns salmos são bem antigos. Vêm desde o tempo de Davi que governou o povo de 1010 até 970 antes de Cristo. Outros já são mais recentes. Os últimos são, provavelmente, da época dos Macabeus, isto é, dos anos 170 a 160 a. C. Isto quer dizer que a formação do Livro dos Salmos durou quase mil anos! Por isso mesmo, é difícil saber em que época, exatamente, foi escrito este ou aquele salmo. Esta incerteza quanto à data exata da composição da maioria dos salmos, como ainda veremos, tem um significado muito importante para o seu uso pelo povo. Não sendo de nenhum tempo certo, dão certo para todo tempo!

Preces vindas de todo canto e lugar

Alguns salmos refletem o ambiente da cidade, por exemplo, o salmo que fala do vigia noturno (Sl 130, 6-7). Outros já são mais do interior, da roça: o salmo onde o sofri­mento e a exploração do povo são descritos com a imagem do arado que passa pelas costas do torturado (Sl 129,3). Alguns foram feitos na Palestina (Sl 122), outros na Babilônia durante o exílio (Sl 137). Tem salmos que vêm da região do Norte, outros vêm do Sul. Eles vêm de todo canto e lugar! É como hoje: pela letra e pela melodia, você consegue reconhecer  os cânticos que vêm do Nordeste ou do Sul. Na Bíblia, pela maneira de os salmos usarem o nome de Deus, os entendidos no assunto conseguem descobrir se são do Norte ou do Sul. Por exemplo, os Salmos 1 até 41 preferem chamar Deus de Javé ou Yhwh (traduzido em algumas Bíblias por Senhor), enquanto os Salmos 42 até 89 preferem usar o nome Elohim, traduzido por Deus. Mesmo assim, na maioria dos casos, é muito difícil saber em que lugar, exatamente, este ou aquele foi escrito. Aqui vale o mesmo que dissemos a respeito da época. Não sendo de nenhum lugar certo, dão certo para todo lugar!

Oração dos pobres

Antes da reforma de Josias em 620 a.C., havia muitos pequenos santuários espalhados pelo país. Cada um deles lembrava algum fato importante da história do povo de Deus. Nas festas, os romeiros iam lá para fazer as suas preces, oferecer os seus dons e cumprir suas promessas. Os sacerdotes e os levitas os recebiam e com eles rezavam. Nestes pequenos santuários, o povo do interior, os pobres, derramavam a sua alma diante do Senhor.

Numa destas romarias para o santuário de Silo, Ana, a mãe de Samuel, foi rezar no santuário. O sacerdote Eli pensou que ela estivesse embriagada e pediu para ela voltar mais tarde, depois que o efeito do vinho tivesse passado. Ela respondeu: “Não, Senhor! Eu sou uma mulher atribulada. Não bebi vinho nem bebida forte. Mas derramo minha alma na presença do Senhor. Não julgues a tua serva como uma vadia! É que estou muito triste e aflita. Por isso estou rezando até agora!” (1Sm 1,15-16). Este fato nos dá uma idéia de como era o ambiente de oração naqueles santuários. Ora, foi neste ambiente dos santuários, centros de romaria, que surgiram muitos salmos, sobretudo os salmos de lamento, os salmos dos pobres, salmos anônimos.

Cânticos populares

Os salmos foram surgindo, e o povo os cantava. Cantando, foi selecionando e conservando, modificando uns e esquecendo outros. Hoje, por exemplo, certos cânticos das Campanhas da Fraternidade já foram esquecidos. Ninguém mais lembra deles. Mas se perguntar: “Vocês conhecem Prova de Amor?”, todo mundo conhece. Pouca gente, porém, lembra o autor e a data deste canto. Se perguntar: “Quem fez Jesus Cristo, eu estou aqui?”, muita gente vai saber que foi Roberto Carlos. O mesmo acontecia com os salmos. O povo lembrava o autor de alguns; de outros, já não lembrava, ou estava em dúvida.

Na Bíblia Hebraica, dos 150 salmos, uma terça parte, isto é, 49 salmos, é anônima. Não tem autor. No título do Salmo 72, se diz: “De Salomão” (Sl 72,1). No fim do mesmo salmo, se diz: “Fim das orações de Davi” (Sl 72,20). Ficou a dúvida: é de Davi ou de Salomão? Hoje em dia, às vezes, a gente não sabe se a música é do padre Zezinho ou da Irmã Miriam.

Coleções de salmos

O Livro dos Salmos parece uma colcha de retalhos. Os retalhos vêm das coleções de salmos que já deviam existir antes do livro. Um simples levantamento dos títulos dos salmos oferece o seguinte quadro geral:

  1. Os salmos 3 até 41 são de Davi (menos o salmo 33);
  2. Os salmos 42 até 49 são dos filhos de Coré;
  3. Os salmos 51 até 65 são de Davi;
  4. Os salmos 68 até 70 são igualmente de Davi;
  5. Os salmos 72 até 83 são de Asaf;
  6. Os salmos 84 até 88 são dos filhos de Coré (salmo 86 é de Davi);
  7. Os salmos 105 até 107 começam com Aleluia;
  8. Os salmos 111 até 118 começam com Aleluia (menos o salmo 115);
  9. Os salmos 120 até 134 são indicados como Cânticos das Subidas;
  10. Os salmos 135 e 136 começam novamente com Aleluia
  11. Os salmos 146 até 150 também começam com Aleluia.

Este quadro mostra que, antes da existência do Livro dos Salmos, havia dois tipos de coleções: 1. Salmos para determinadas ocasiões e solenidades: por exemplo Subidas, isto é, para as romarias; 2. Salmos-Aleluia, isto é, para festas de louvor. Até hoje, é em torno deste mesmo duplo critério que se fazem as coleções de canto.

Canto repetido, canto modificado

Às vezes, um canto do Sul do Brasil reaparece no Nordeste com outra letra e outra melodia. Parece até um canto diferente. Quando o povo gosta de um canto e com ele se identifica, ele o vai adaptando, modificando letra e melodia. O mesmo canto, modificado ou não, aparece em várias coleções. O mesmo acontecia com os salmos. Foram surgindo aquelas coleções, por exemplo, para as romarias ou para as várias festas. Para as romarias surgiu a coleção dos Cânticos das Subidas (salmos 120 a 134). Para a festa de Javé Rei e Juiz surgiram os Salmos 93 até 100. Os mesmos salmos apareciam em várias coleções. Na edição final do Livro dos Salmos, estas coleções foram remanejadas entre si e reunidas numa unidade maior.

Isto explica as repetições que existem dentro do Livro dos Salmos: Por exemplo, o Salmo 14 é igual ao salmo 53. O Salmo 70 é quase igual aos versículos 14 a 18 do Salmo 40. A primeira metade do Salmo 108 está repetida no Salmo 57: Sl 108,2-6 é igual ao Sl 57,8-12; a segunda metade do mesmo salmo está repetida no Salmo 60: Sl 108,7-14 é igual ao Sl 60,7-14. O salmo repetido é, cada vez, de outra coleção. Se o Livro dos Salmos fosse uma única coleção de um único autor, não haveria tais repetições.

Davi, o autor dos salmos

A Bíblia Hebraica atribui 73 salmos a Davi, 12 a Asaf, 11 aos filhos de Coré, 2 a Salomão, 1 a Moisés, a Ernã e a Etã. Os outros salmos são anônimos. Na tradução grega, chamada a Setenta, do século III antes de Cristo, há 82 salmos de Davi, isto é, 9 a mais do que no original hebraico. E no tempo de Jesus, era comum atribuir todos os salmos a Davi (cf. Lc 20,42). Como se explica esta vontade de querer atribuir um número cada vez maior de salmos a Davi? Qual o sentido de dizer que os salmos são de Davi?

Depois do exílio, Davi tornou-se a expressão maior da esperança e do ideal de vida do povo. Eles esperavam um novo rei Davi para restabelecer o direito pisado dos pobres (cf. Sl 72,1-3; 78,70; 89,4.21; 132,1.10.17; 14,10). Para o povo daquele tempo, Davi era o que os Santos são para muitos de nós hoje: um ideal a ser imitado. O Livro das Crônicas, por exemplo, que é daquela época do pós-exílio, omite todos os pecados de Davi e o apresenta como um homem santo e perfeito. Davi era herói que encarnava o ideal do povo. É daí que nascia uma vontade muito grande de identificação com Davi. Eles queriam ter em si os mesmos sentimentos que animaram a Davi na sua luta. Queriam “rezar como Davi rezou, cantar como Davi cantou”. Por isso, para eles era muito importante poder dizer que um salmo era de Davi. Quanto mais salmos de Davi, tanto melhor! Isto ajudava o povo a viver melhor o ideal e a realizar a sua missão. É por isso que a tradução grega tirou vários salmos do anonimato e começou a atribuí-los a Davi. No tempo de Jesus, já era opinião comum do povo: todos os salmos são de Davi. Nisso tudo se reflete a vontade do povo de ser fiel.

Os cinco livros dos salmos: o lado orante da Lei de Deus

Cada livro de canto tem uma certa divisão e subdivisão interna. A maneira de dividir o assunto depende do critério que o editor adota: cantos para a missa, cantos para as grandes festas do ano litúrgico, cantos para reuniões e assembléias, etc. O editor final do Livro dos Salmos também teve o seu critério para dividir em cinco partes os 150 salmos que ele conseguiu reunir. Dentro do Livro dos Salmos, ocorrem quatro interrupções mais ou menos semelhantes. As quatro ocorrem no fim dos Salmos 41, 72, 89 e 106, e tem a forma de um refrão de louvor: “Bendito seja o Senhor, o Deus de Israel, desde agora e para sempre! Amém! Amém!” (Sl 41,14; 72,18-19; 89,53; 106,48). Estas quatro interrupções dividem o Livro dos Salmos em cinco unidades menores: a primeira de 1 até 41; a segunda de 42 até 72; a terceira de 73 até 89; a quarta de 90 até 106; e a quinta de 107 até 150. No fim do Salmo 72, ele até deixou a marca dizendo: “Fim das orações de Davi” (Sl 72,20); fim de uma unidade, começo de uma outra. Dividindo o Livro dos Salmos em cinco partes, o editor imitou o Pentateuco, o Livro da Lei de Deus, que também tem cinco partes. Deste modo, ele nos apresentou o Livro dos Salmos como o lado orante da Lei de Deus.

Enumeração confusa

Quando, nas reuniões, se pede: “Vamos rezar o Salmo 50!”, tem gente que abre a Bíblia no Salmo 49, outros no Salmo 50, outros ainda no Salmo 51. Esta confusão não é de hoje. Ela começou, muito provavelmente, quando, em torno do ano 250 antes de Cristo, foi feita a tradução grega da Bíblia, chamada a Setenta. Ela foi feita quando o Livro dos Salmos ainda estava em fase de formação. Quando o tradutor chegou no Salmo 10, ele pensou que fosse a continuação do Salmo 9, e traduziu os dois como se fossem duas partes do mesmo salmo. Por isso, ele deu o número 10 para o salmo que, na Bíblia Hebraica, tinha o número 11. Outros acham que algum copista, ao transcrever o texto hebraico, chegou na metade do Salmo 9 e pensou que fosse o começo de um novo salmo. Qualquer que tenha sido a causa, o fato é que existe a diferença dos números entre a Bíblia Hebraica e a tradução grega. A Igreja Católica sempre seguiu a enumeração da tradução grega, que foi mantida na Vulgata (tradução latina), no breviário do clero e nas traduções em outras línguas. Os Protestantes seguem a enumeração original da Bíblia Hebraica, que está sendo retomada hoje pela “Bíblia de Jerusalém” e por várias outras traduções católicas. Muitas Bíbia colocam o número da Bíblia hebraica entre parêntesis. Por exemplo: Salmo 50(51). Outros fazem o contrário e colocam o grego entre parêntesis. Por exemplo: Salmo 51(50). Eis o esquema das diferenças na enumeração dos salmos:

Bíblia Hebraica         Tradução Grega

1-8       1-8

9-10     9

11-113            10-112

114-115          113

116      114-115

117-146          116-145

147      146-147

148-150          148-150

O conteúdo final do Livro dos Salmos

O título hebraico do Livro dos Salmos é Sefer Tehilim, isto é, Livro dos Hinos. Mas dentro do Livro dos Hinos só tem um único salmo que é apresentado explicitamente como Hino ou Tehilah, também traduzido por Louvor (Sl 145,1). Na tradução grega, o título é Biblos Psalmon, isto é, Livro dos Salmos. A palavra psalmos ou salmo, originalmente, indicava um tipo de canto que devia ser acompanhado com um instrumento de cordas chamado psaltérion. Mas dentro do Livro dos Salmos só tem 57 dos 150 que são apresentados explicitamente como psalmos. Os outros são apresentados como oração (Sl 86,1), como poema (Sl 89,1), como súplica (Sl 90,1), como aleluia (Sl 107,1), como salmo-cântico (Sl 83,1), etc. Esta diversidade mostra como foi difícil para eles identificar o conteúdo do Livro dos Salmos: hino, salmo, cântico, oração, poema, lamento, súplica! Tem de tudo! É difícil classificar a vida debaixo de um denominador comum.

Uma vez pronto, o Livro dos Salmos começou a exercer uma função muito importante na vida do povo de Deus:

* conservava a memória, pois lembrava os fatos mais importantes da história;

* educava o povo, pois trazia os grandes apelos dos profetas e dos sábios;

* ajudava a manter a fé, a esperança e o amor;

* cobrava o compromisso de fidelidade;

* animava a caminhada; possibilitava  ao povo o contato direto com Deus.

Numa palavra, o Livro dos Salmos era amostra, modelo e muleta de arrimo. Era o manual de reza, o livro de canto. O Livro dos Salmos era e é a lei orante do povo de Deus!

* Conhecido por seus estudos sobre a Bíblia - estudou em Roma e em Jerusalém - Frei Carlos Mesters, Carmelita da Ordem do Carmo, nasceu na Holanda em 1931. Missionário no Brasil desde 1949. Sacerdote desde 1957, doutor em Teologia Bíblica. É um dos principais exegetas bíblicos do método histórico-crítico no Brasil e foi fundador CEBI - Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (1978). Atualmente reside no Convento do Carmo de Unaí-MG.

(VEJA O PRIMEIRO VÍDEO, COM FREI PETRÔNIO DE MIRANDA, CARMELITA)  

*Frei Carlos Mesters, Carmelita.

O lugar que o Livro dos Salmos ocupa dentro da Bíblia

Há três tipos de livros no Antigo Testamento: livros de história, livros de sabedoria, e livros de profecia. O Livro dos Salmos costuma ser colocado entre os Livros de Sabedoria. Mas o curioso é o seguinte: nos salmos não tem só sabedoria, mas também história e profecia. E nos Livros de Profecia, de História e de Sabedoria não tem só Profecia, História e Sabedoria, mas também tem salmos! Só uma pequena parte dos salmos da Bíblia está no Livro dos Salmos; a outra parte, bem maior, está espalhada pelo resto da Bíblia, até no Novo Testamento.

Algo semelhante acontece com o tempo em que os salmos foram escritos. Há salmos que foram feitos antes do começo do Livro dos Salmos: o Cântico de Miriam (Ex 15,21), de Moisés (Ex 15,1-18), de Débora (Jz 5,1-31, de Ana (1Sm 2,1-10). E há salmos que foram feitos depois que o Livro dos Salmos já estava completo e terminado: O Cântico de Maria (Lc 1,46-55), de Zacarias (Lc 1,67-79), de Simeão (Lc 2,29-32) e vários outros, copiados por Paulo nas suas cartas (1Cor 13,1-13; Fl 2,6-11).

Estas observações tão simples e tão evidentes sobre o tempo e o lugar dos salmos dentro da Bíblia permitem tirar quatro conclusões muito importantes?

 O Livro dos Salmos não pretende ter o monopólio da oração; pretende ser apenas uma amostra de como o povo de Deus rezava naquele tempo.

  1. O Livro dos Salmos oferece um modelo de como se pode orar. Quer provocar a criatividade e suscitar novos salmos, como de fato suscitou em muitas pessoas. O próprio Jesus chegou a fazer um salmo (Mt 6,11-13).
  2. O Livro dos Salmos serve como muleta na hora da precisão. Pois tem momentos na vida em que a pessoa já não sabe como e o que rezar. Mesmo querendo, não encontra palavras. Ele se sente “como a terra seca do sertão à espera da chuva” (Sl 63,2). Numa hora dessas é bom a gente poder recorrer aos salmos e pedir emprestado palavras antigas e seguras para dirigir-se a Deus. Foi o que Jesus fez na hora da sua morte: “Meu Deus! Meu Deus! Por que me abandonaste?” (Mc 15,34; Sl 22,2).
  3. Na vida do povo de Deus, a prece não é um setor separado do resto da história. Pelo contrário! Há um vai-vem constante entre a prece e a vida. O povo rezava e celebrava a sua caminhada.

Duas comparações para resumir o que foi dito:

  1. a) A Bíblia é como uma casa à beira do rio. Você vê o reflexo da casa na água do rio. O rio é a oração do povo; são os salmos. Neles você vê o reflexo de toda a vida do povo. Os salmos são o lado orante da história, da profecia, da sabedoria; o lado orante da caminhada!
  2. b) O Livro dos Salmos é como a caixa d’água. Parte da água está dentro da caixa, parte dela está nos muitos canos que percorrem a casa. Canos de dois tipos: os que conduzem a água da fonte até a caixa, e os que levam a água da caixa até as torneiras.

* Conhecido por seus estudos sobre a Bíblia - estudou em Roma e em Jerusalém - Frei Carlos Mesters,, Carmelita da Ordem do Carmo, nasceu na Holanda em 1931. Missionário no Brasil desde 1949. Sacerdote desde 1957, doutor em Teologia Bíblica. É um dos principais exegetas bíblicos do método histórico-crítico no Brasil e foi fundador CEBI - Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (1978). Atualmente reside no Convento do Carmo de Unaí-MG.

No áudio, a irmã Maria Inês Vieira Ribeiro, da Congregação das Mensageiras do Amor Divino- Presidente da Conferência dos Religiosos do Brasil- CRB, fala sobre os desafios da Vida Religiosa no Brasil. (1ª Parte).

NOTA: O Capítulo da Província Carmelitana de Santo Elias- Carmelitas da Ordem do Carmo, aconteceu entre os dias 23-27 de janeiro de 2017 na Casa de Encontros Emaús, em Embu das Artes/ Itapecerica da Serra, São Paulo. Convento do Carmo da Lapa, Rio de Janeiro. 8 de fevereiro-2017. DIVULGAÇÃO: www.mensagensdofreipetroniodemiranda.blogspot.com

*Frei Carlos Mesters, Carmelita.

Não é tão fácil rezar os salmos hoje. As dificuldades são muitas. Algumas vêm dos próprios salmos, da sua linguagem e do seu conteúdo. Outras vêm das pessoas que rezam, da comunidade. Outras ainda vêm da situação que vivemos, da nossa realidade. Algumas dificuldades têm respostas e se resolvem. Outras só se resolvem na medida em que forem assumidas como desafios da própria caminhada.

Dificuldades que vêm dos próprios salmos

  1. a) Violência, vingança, agressividade.

Há salmos extremamente violentos e agressivos. Alguns exemplos:

  1. “Feliz quem agarrar e esmagar teus nenês contra a rocha” (Sl 137,9). Uma coisa assim a gente não deseja nem para o pior inimigo. Como dirigir uma prece assim a Deus?
  2. “Ele feriu reis poderosos, porque eterno é seu amor! Matou reis famosos, porque eterno é seu amor!” (Sl 136,17.18). Não estamos acostumados a celebrar a morte dos inimigos como expressão do amor de Deus por nós!
  3. Salmo 109 pede vingança contra o inimigo. Entre outras coisas (Sl 109,6-15), ele pede a Deus “que a mulher dele se torne viúva e os filhos órfãos” (Sl 109,9). E assim há vários outros salmos.
  4. b) A ira violenta de Deus que provoca medo

2,5.12:      A ira de Deus se inflama rápida

6,2:   não me castigues com tua ira

7,7:   levanta-te com tua ira contra os abusos dos meus opressores

21,10:        Deus os engolirá com a sua ira

27,9:          não afastes teu servo com ira, pois tu és o meu socorro

30,6:          sua ira dura um momento, mas seu favor dura pela vida inteira

38,4:          por causa da tua ira nada em meu corpo está intacto

56,8:          Ó Deus, derruba com tua ira os povos

59,14:        que tua cólera os destrua, os destrua e não existam mais

69,25:        Derrama sobre ele o teu furor e o ardor da tua ira os atinja

74,1:          por que arder em ira contra as ovelhas do teu rebanho

76,8:          Tu és terrível. Quem pode resistir à tua frente quando ficas irado?

78,21:        Deus se enfureceu .. a sua ira se ergueu contra Israel.

38:    ele é compassivo e reprimia sua ira muitas vezes

79,5-6:      Derrama o teu furor sobros que não te conhecem

85,6: Ficará  irado conosco para sempre

86,15:        Tu és piedade e compaixão: lenta para a cólera  e cheio de amor

88,17:        tua cólera pesa sobre mim: teus furores passaram sobre mim

90,7:          tua ira nos consumiu, teu furor nos transtornou

95,11:        jurei na minha ira: jamais entrarão no meu repouso

102,11:      por causa da tua ira me elevaste e me jogaste no chão

103,8:        Javé é compaixão e piedade, lento para a cólera  e cheio de amor.

O problema é triplo: 1) O contraste com o ensinamento de Jesus que manda amar os inimigos (Mt 5,44) e perdoar 70 vezes sete (Mt 18,22). 2) O contraste com o sentimento humano nosso de hoje que não consegue ser tão agressivo a ponto de pedir que alguém esmague as crianças do inimigo contra a rocha. 3) Até hoje, estas frases estão na Bíblia. Não foram censuradas. São Palavras de Deus para nós. Como entendê-las? Como rezá-las?

 Qual a sua mensagem?

  1. c) Imagens estranhas, linguagem difícil, fatos desconhecidos.

Os salmos usam comparações estranhas. Por exemplo, comparam a fraternidade com óleo derramado sobre a cabeça de Aarão, que desce pela barba até nas roupas (Sl 133,2). Alguns salmos estão cheios de nomes difíceis que se referem a pessoas e luga­res desconhecidos para nós (Sl 60,8-11; 83,7-12). Outros salmos celebram fatos que não conhecemos e de que não participamos. Por exemplo, Meriba e Massa (Sl 95,8). É difícil celebrar algo que a gente não viveu nem conheceu.

 d) Tradução que não traduz

Nem sempre é possível traduzir de tal modo que as palavras brasileiras evoquem em nós o mesmo que as palavras hebraicas evocavam no povo daquele tempo. Uma Bíblia traduz: “Minha vida está ligada a ti, e tua direita me sustenta” (Sl 63,9). Naquele tempo, esta frase evocava a imagem tão familiar da criança agarrada nas costas do pai que a segura e a sustenta com os braços. Uma tradução mais fiel poderia ser: “Eu me agarro a ti, e tu me seguras com tuas mãos”. Traduzir não é fácil.

* Conhecido por seus estudos sobre a Bíblia - estudou em Roma e em Jerusalém - Frei Carlos Mesters, Carmelita da Ordem do Carmo, nasceu na Holanda em 1931. Missionário no Brasil desde 1949. Sacerdote desde 1957, doutor em Teologia Bíblica. É um dos principais exegetas bíblicos do método histórico-crítico no Brasil e foi fundador CEBI - Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (1978). Atualmente reside no Convento do Carmo de Unaí-MG.

Frei João Marcos Santos Oliveira, O. Carm

RESUMO

Reconhecendo a riqueza dos detalhes da Regra dos Irmãos da Bem Aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo, este trabalho busca evidenciar o tema do “coração puro e consciência serena”, caminho místico de conversão e união esponsal com o Criador, abordando as características conceituais dos termos em destaque junto à leitura antropológica, contextualização teológica, intertextualidade bíblica e traços da história e tesouro da espiritualidade carmelitana.

O intento é aprofundar o conhecimento sobre este aspecto da espiritualidade carmelitana e abrir horizontes para uma vivência mais autêntica do carisma, à luz da tradição da Ordem e das necessidades atuais da Igreja de Cristo.

Ordem do Carmo – Regra Carmelitana – Coração – Consciência – Espiritualidade...

*Leia na íntegra. Clique aqui:

http://mensagensdofreipetroniodemiranda.blogspot.com.br/2017/02/regra-do-carmo-o-coracao-puro-e.html

As informações sobre eremitas ocidentais que vieram à Terra Santa na época das Cruzadas, estabelecendo-se no Monte Carmelo em meados do século XII, são escassas. No entanto, é aí que encontramos as raízes da futura Ordem do Carmo. Há um documento de notável valor histórico proveniente de Jacques de Vitry (1180-1254), bispo de Acre, entre 1216 e 1228. Na sua obra Historia Orientalis (capítulos 51 e 52) descreve o que chama de ‘renascimento da Igreja’ naquelas regiões e faz menção de eremitas que moram no Carmelo ‘perto da fonte de Elias’:

“Desde então iniciou-se o reflorescimento da Igreja Oriental e a expansão da vida religiosa no Oriente. A vinha do Senhor brotou novamente. Parecia realizada a palavra dos Cânticos: o inverno passou e as chuvas pararam; nos campos reapareceram as flores, chegou o tempo da poda.

 Pois, das diversas partes do mundo, de todas as línguas e raças, de todas as nações, confluíram à Terra Santa piedosos peregrinos e religiosos, atraídos pela fama dos Lugares Santos. Igrejas antigas foram restauradas. Graças à liberalidade dos príncipes e às esmolas dos fiéis, foram reedificados mosteiros religiosos e, por toda a parte, as igrejas providas suficiente e dignamente de ministros e de alfaias necessárias para o culto divino.

Varões santos, despedindo-se do mundo, impelidos por diferentes sentimentos e desejos e inflamados pelo amor do serviço divino, escolheram lugares, cada um conforme o próprio ideal e piedade. Uns, seduzidos pelo exemplo de Nosso Senhor, preferiram a vida eremítica naquele deserto inesquecível de Quarantena, onde Jesus jejuou quarenta dias depois do batismo, e aí lutavam heroicamente para o Senhor, vivendo em pequenas celas. Outros, imitando o exemplo do homem santo e solitário, que foi o profeta Elias, professavam a vida eremítica no monte Carmelo, sobretudo na parte que se avança sobre a cidade de Porfíria, a atual Haifa, próxima de uma fonte, conhecida como a Fonte de Elias, não longe do mosteiro de Santa Margarida. E ali, como abelhas do Senhor, produziam o mel da doçura espiritual nas colmeias das suas humildes celas”.

Jacques de Vitry — como ele mesmo diz no prefácio de seu livro — visitou pessoalmente os lugares por ele descritos, o que confere ainda maior valor a seu relato. Provavelmente se trata de dois grupos distintos de ‘monges’. Uns são latinos isto é, provenientes do Ocidente, outros gregos, como deparamos de dados contidos num manuscrito do primeiro quartel do século XIII, intitulado: Les chemins et les pelegrinages de la Terre Sainte.

“Perto da Abadia de Santa Margarida, na vertente do mesmo Monte [Carmelo], depara-se um lugar mui pitoresco, onde moram monges latinos que se chamam Irmão do Carmelo. Ali existe ainda uma pequena capela de Nossa Senhora. Há naquele terreno grande abundância de águas saudáveis, que jorram dos penhascos. A Abadia [de Santa Margarida] dos Gregos dista dos eremitas latinos uma légua e meia”.

A nós interessam mais diretamente os eremitas do Monte Carmelo que procedem do Ocidente, liderados por um certo ‘B’. “Eram eremitas leigos que peregrinaram da Europa Ocidental para a Terra Santa, provavelmente com o voto de ficar aí para sempre. Não sabemos como era precisamente o relacionamento deles com ‘B’. Talvez tenham chegado à Terra Santa sob a direção dele. Talvez ‘B’ morasse como eremita no Monte Carmelo e tomasse sob a sua responsabilidade os eremitas que chegaram aí. É certo, porém, que ainda não se tinha, ligado uns aos outros por um voto religioso”. (5)

Tradicionalmente o Monte Carmelo é um ‘lugar santo’, indicado como a residência habitual do grande profeta Elias. Ainda restam traços de grutas naturais de anacoretas que, ao longo dos tempos, viviam naquele local. O Carmelo atrai a muitos que ‘procuram a face de Deus’, pois é o lugar onde Deus ‘se faz conhecer’ e onde se experimenta ‘quem Ele é’ (cf. 1Rs 18,20-40). Devida à sua rica vegetação — Carmelo significa também ‘jardim’ — tornou-se em Israel um símbolo de graça e prosperidade.

Os eremitas procuraram esse lugar como espaço privilegiado de libertação interior e purificação de coração. É igualmente lá que podiam contemplar e saborear o poder e a doçura da presença divina. Além disso, a solidão e o despojamento proporcionavam uma transformação da pessoa, obra de Deus nele, resultando numa profunda unificação interior. Trata-se, na verdade, de uma crescente identificação com Cristo.

A categoria espiritual de deserto possui, inegavelmente, uma dimensão profética. Denuncia a fixação em ‘valores que passam’ e aquele que nele se adentra percebe mais claramente a transitoriedade da vida com a experiência de que ‘só Deus é absoluto’.

O deserto também é visto como ‘lugar de luta’ contra tudo que obstaculiza a ação de Deus, dentro e fora do cristão. Deste modo torna-se um espaço privilegiado de militância contra as forças do mal e isso em nome da própria coerência evangélica.

Sobre a vida dos peregrinos eremitas que se estabeleceram no Monte Carmelo, na época das Cruzadas, pouco sabemos com certeza. Tudo indica que moravam isoladamente, sem nenhuma organização específica. O que os unia era o espírito de Elias e seu ideal de vida, realizado “num ambiente de simplicidade de estruturas, que favorecia a solidão e a oração. Mas o grupo, de fato, não limitava sua experiência unicamente ao aspecto eremítico (o deserto, a solidão), mas o ampliava pelo obsequium Iesu Christi, vivido na Terra Santa, ao serviço (solatium) da própria Terra Santa. A escolha do lugar para a própria moradia pelos eremitas latinos no Wadi ain es-Siah (= vale do peregrino ou vale dos ermitães), que, além de oferecer grutas e ambiente para a vida solitária, era também o caminho principal dos peregrinos entre Accon e Cesareia, parece falar deste serviço porque é fácil supô-lo pensando nos costumes e exigências dos peregrinos que, a cada ano, chegavam mais numerosos. Neste caso se poderia pensar que os primeiros carmelitas tinham apostolado que poderia ser incluído em justas ocasiões, nas quais fala a Regra, com dispensa da permanência contínua nas celas”. 

Em geral podemos dizer que a veste religiosa (‘o hábito’) é sinal de consagração a Deus. Ao mesmo tempo, significa a pertença a uma determinada Família Religiosa na Igreja. Manifesta externamente uma realidade interior de alguém que em Deus encontrou sua riqueza principal e, por isso, deixou de lado a ostentação de um vestuário pessoal. Neste sentido o hábito é também expressão de pobreza e simplicidade evangélicas.

Nos textos constitucionais do século XIII aparecem os diversos elementos do hábito carmelitano: uma túnica de lã crua, isto é, não tingida; o escapulário que, originalmente, formava uma só peça com o capuz. Sobre a túnica — ajustada por um cinto de couro — e o escapulário, vestia-se a capa, também de lá crua (‘barrada’ ou listrada inicialmente, sendo inteiramente branca a partir do Capítulo de Montpellier, 1287), interpretada como sinal de ‘humildade, honestidade e pobreza’. Revestido com a veste branca do batismo, os religiosos do Carmo deveriam seguir o Cordeiro imaculado com reta consciência e coração puro. No século XIV, João Baconthorp (+1348) começa dar à capa branca um sentido mariano, sendo, na sua opinião,  um símbolo externo da pureza e virgindade da Mãe de Deus.

O escudo do Carmo — impresso, pela primeira vez, em 1499 — traz três estrelas cada uma com seis pontas. Tradicionalmente a estrela inferior representa a Virgem Maria, enquanto as duas superiores fazem referência ao profeta Elias e seu discípulo Eliseu. Nesta interpretação as estrelas indicariam a índole Mariana da Ordem e sua inspiração Eliana.

Em 1557, faleceu o 15º rei de Portugal, Dom João III, sendo herdeiro do trono seu neto, Dom Sebastião, com apenas três anos de idade. Durante sua menoridade governaram, na qualidade de regente, a avó, Dona Catarina da Áustria, e o tio-avô, Cardeal Dom Henrique, até que atingisse os 14 anos. De fato, em 1517? Dom Sebastião assumiu pessoalmente o governo, mas desapareceu misteriosamente, em 1578, na Batalha de Alcácer-Quibir, na luta contra os Mouros, em Marrocos, Norte da África. Com 66 anos, o Cardeal Dom Henrique teve de assumir, de novo, o trono real. Logo se apresentou o problema da sucessão. Efetivamente, tendo falecido em 1580, sem deixar herdeiros, os direitos da monarquia portuguesa foram reclamados pelo rei da Espanha, Filipe II, que, facilmente, venceu pretendentes politicamente mais frágeis. Iniciou-se, então, a chamada ‘União Ibérica’. Embora, a rigor, não se trate de uma anexação, a união de coroas favoreceu muito a Espanha, em detrimento de Portugal. Sofreram sobretudo as relações exteriores de ordem comercial.

Foi durante o breve governo de Dom Henrique que os primeiros Carmelitas desembarcaram no Brasil. Recorremos a uma fonte obrigatória, na qual o fato é relatado com detalhes. Referimo-nos a Manuel de Sá (1694-1735), cronista da Província portuguesa, que deixou duas obras impressas de grande valor para o conhecimento do Carmo lusitano. Como observou o historiador frei Balbino Velasco Bayón, O.Carm., na sua obra História da Ordem do Carmo em Portugal (2001), Manuel de Sá utilizou documentos que, talvez, hoje tenhamos que dar por desaparecidos. Segundo sua Crônica, Dom Henrique “resolveu que se fundasse a Paraíba, para o que mandou preparar uma poderosa armada, nomeando por cabo dela a Frutuoso Barbosa, fidalgo da sua Casa”. E ainda — segundo a mesma fonte — teria sido o próprio monarca que ordenou ao comandante que lavasse consigo alguns religiosos carmelitas, para trabalhar na ‘conversão dos infiéis’. Por explícita solicitação do rei, Frutuoso teria se dirigido, então, aos superiores do Carmo em Lisboa. Era provincial recém-eleito, frei Damião da Costa, mas pelo fato de ainda não ter sido confirmado no cargo, a província estava, naquele momento, nas mãos do primeiro definidor (conselheiro), frei João Caiado, na qualidade de vigário provincial. Este deu pleno apoio ao pedido formulado. Na ‘carta obediencial’, expedida em 26 de janeiro de 1580, lemos:

“Mandamos aos religiosíssimos Padres Frei Domingos Freire, Frei Alberto de Santa Maria, Frei Bernardo Pimentel e Frei Antônio Pinheiro, todos varões de provada religião, sacerdotes professos da nossa Ordem, que acompanhem ao sobredito Capitão, na viagem que se há de fazer para edificar a cidade de Paraíba, onde poderão fundar mosteiro desta Ordem, a que intitularão Nossa Senhora da Vitória. E não só nesta terra, mas também em Pernambuco e em todos aqueles lugares que lhes oferecerem, sendo convenientes ao serviço de Deus e das almas dos próximos e bem da religião.

E nas tais regiões o Padre Domingos Freire pregará o Evangelho de Cristo e ouvirá de confissão, e os demais padres seus companheiros, se parecer assim ao Reverendíssimo Ordinário do lugar. E exercitarão os demais ofícios, assim de sacerdotes como de religiosos.

E constituímos para seu Vigário ao padre frei Domingos Freire, ao qual terão obediência e respeito como devem a seu prelado. E lhe cometemos as nossas vezes e poderes, e lhe damos o cuidado dos ditos religiosos, assim no temporal como no espiritual. E poderá, por comissão do nosso Reverendíssimo Padre Geral, Mestre Frei João Batista Rúbeo de Ravena, receber à nossa Irmandade todos aqueles que, com piedade e devoção, o pedirem. E dar aos Irmãos as letras concedidas pelo papa Clemente VII, e confirmadas pelo Papa Gregório XIII. E não só fará isto, mas tudo o mais que nós fizéramos se presentes estivéssemos, seguindo sempre as ordens do Reverendo Padre Prior do nosso convento de Lisboa, ao qual determinadamente obedecerão enquanto no Capítulo Provincial se não determinar o contrário.

E pedimos com toda aquela submissão e caridade ao Reverendíssimo Bispo do Brasil e a seus Curas e Vigários, que aos sobreditos Padres recebam com benignidade e caridade e usem de seu ministério e indústria para saúde das almas. Dada neste nosso Convento de Lisboa, sob nosso sinal e selo do nosso Ofício, em vinte e seis de Janeiro de 1580. — Frei João Caiado”. (30)

É bem possível que, por ocasião do envio ao Brasil dos primeiros missionários portugueses, a Província do Carmo em Portugal contava com aproximadamente 200 religiosos. Ainda de acordo com o relato de Manuel de Sá, os Carmelitas foram recebidos em Pernambuco — para onde se desviou a expedição por causa de forte temporal — “com sinais de grande afeto”, tanto do Bispo da Bahia, Dom Frei Antônio Barreiros (1576-1596), como do Clero local e da população em geral. Começaram imediatamente seu trabalho apostólico entre os gentios ’para sua conversão’, e entre os convertidos ‘para a reforma de seus costumes’. (31) Não demorou — conta frei Tarcísio Meinen (32) — “que os oficiais da Câmara de Olinda lhes oferecessem vasto terreno com uma capelinha de Santo Antônio, para que pudessem fundar aí o seu primeiro convento e igreja”.

O Capítulo Provincial de Beja, realizado em Portugal no ano de 1583, confirmou oficialmente a fundação. Com a licença do Capitão de Pernambuco, Jerônimo de Albuquerque Coelho, os Carmelitas começaram imediatamente a construção do primitivo convento onde entraram em 1584.

Com a chegada de novos frades de Portugal, quatro religiosos partiram para Salvador (1585-1586). Receberam em doação de Antônio Dias Calafate e sua mulher um terreno nos arrebaldes da cidade, conhecido por ‘Monte Calvário’, uma colina onde — segundo o historiador jesuíto Serafim Leite — havia, no tempo de Tomé de Sousa, uma aldeia indígena. Nova doação, incluindo um terreno e uma capela dedicada a Nossa Senhora da Piedade, foi realizada, em 1592, por Cristóvão de Aguiar Daltro e sua esposa.

Chefiados por frei Pedro Viana — eleito Comissário dos Conventos no Brasil, durante o Capítulo Provincial de 1587, em Lisboa — outros Carmelitas seguiram para o sul, desembarcando na Vila de Santos, antiga Capitania de São Vicente. Em 24 de abril de 1589, José de Adorno e sua mulher, Catarina Monteiro, doaram a Ermida de Nossa Senhora da Graça, com seus ornamentos. Brás Cubas doou as terras vizinhas, em agosto daquele ano, com ato de posse registrado em 1o de setembro de 1589.

“No ano seguinte (1590), os Carmelitas chegaram ao Rio de Janeiro. Após alguma hesitação entre o Morro de Santo Antônio (já chamado Morro do Carmo, quando correram notícias sobre uma possível fundação) e outra oferta, Frei Pedro Viana resolveu aceitar esta, a Ermida de Nossa Senhora do Ó, juntamente com o terreno necessário para a construção do convento, oferecido pelos Oficiais da Câmara, por ser um sítio bem mais conveniente. Por escritura de 28 de abril de 1590, receberam os carmelitas mais uma légua de terras, de Jorge Ferreira, para ‘a casa de Nossa Senhora do Carmo que se há de fazer nesta cidade, para ajuda e sustentamento’.” (33)

Por fim, em 1594, os frades do Carmo subiram o Planalto de Piratininga, onde foi feita outra fundação, primeira presença da Ordem na futura cidade de São Paulo. Assim, em 1595, já eram cinco os conventos do Carmo no Brasil.

No dia 15 de janeiro de 1595, no Capítulo Provincial presidido por Frei João Estevão Chizzolla, Prior-geral da Ordem, em Lisboa, foram confirmados os priores dos conventos brasileiros e estabelecidas as seguintes medidas: Os conventos da Ordem no Brasil formam uma vigararia (vice-província), governada por um Vigário Provincial, eleito nos Capítulos pelo Definitório (Conselho) da Província de Portugal. O Vigário Provincial do Brasil tem voto e lugar nos Capítulos Provinciais. Caso venha a falecer, será imediatamente substituído pelo prior do convento de Olinda, até que o Definitório preencha a vaga. No mesmo Capítulo elegeu-se Frei João Seixas como primeiro Vigário Provincial do Brasil.

A direção da recém-erguida Vigararia logo deu continuidade às fundações. Foi confirmada a de São Paulo (1595). Seguiram: São Cristóvão de Sergipe (1600), Angra dos Reis (1608), Paraíba (1608), São Luiz do Maranhão (1616), Belém do Pará (1624), Mogi das Cruzes (1629), Recife (1631), Goiana, em Pernambuco (1636).

Pelo relatório do prior-geral, Frei Henrique Silvio (1598-1612), ficamos sabendo que, em 1606, havia no Brasil 99 Carmelitas: 30 em Olinda, 30 na Bahia, 14 no Rio de Janeiro, 10 em Santos, 8 em São Paulo, 7 no Paraíba. Em correspondência de 1635 este número dobrou: fala-se de 200 frades, espalhados pelos diversos conventos carmelitanos na Terra da Santa Cruz.

O término da União Ibérica (1640) fez acender o sentimento nativista na Colônia portuguesa das Américas. Também na Ordem do Carmo houve tentativas de maior independência de Portugal. Já em 1635, o procurador do Carmo brasileiro na Metrópole, Frei Sebastião dos Anjos, sugerira a constituição de uma província autônoma. Seu pedido encontrou acolhida favorável junto à Cúria geral da Ordem, em Roma. De fato, o Prior-geral, Frei Teodoro Straccio chegou a instituir, em 1640, uma nova província com o título de Nossa Senhora do Rosário, inclusive com a nomeação de seu titular. A reação da Província-mãe de Portugal foi radicalmente contrária, o que fez que o projeto não saísse do papel. O que se conseguiu, no entanto, foi a ereção de dois vicariatos (vice-províncias): o da Bahia, com nove conventos, e o do Maranhão, com três casas.

Nova tentativa teve lugar em 1648, com o decreto que unia os vicariatos numa única província sob o patrocínio de Santo Elias. Também agora o projeto fracassou. “Talvez se deva procurar a razão na atitude da Coroa de Portugal, que manifestou grande repugnância que os Carmelitas brasileiros se separassem da obediência dos de Portugal. Assim o manifestou o Provincial português, João Coelho, que escreveu, em 29 de Outubro de 1648, ao Geral da Ordem, fazendo-lhe ver a necessidade de se dobrar à vontade do Rei e de que se suspendesse a decisão do capítulo geral. Voltou a escrever, em Janeiro de 1649, fazendo ver os graves inconvenientes de levar adiante a decisão: pobreza e escassez de conventos, falta de religiosos preparados, invasão das tropas holandesas, que tinham feito estragos em alguns conventos, como Pernambuco, Paraíba e Sergipe. A isto acrescentava-se que se tinha nomeado um prófugo para comissário. O Provincial português oculta que o rei se opunha abertamente a esta ereção.” (34)

Diante das crescentes desejos de autonomia, o Prior-geral Ângelo Monsignani (1682-1686) procurou e encontrou uma ‘solução salomônica’ que, na realidade, deu praticamente plena autonomia aos brasileiros dos dois Vicariatos, embora formalmente ainda unidos à Província portuguesa.

Finalmente, em 1685, o imenso território brasileiro, exceto o Maranhão, foi dividido em outras vice-províncias: a Província Fluminense, com seis conventos: Rio de Janeiro, São Paulo, Santos, Angra dos Reis, Mogi das Cruzes e Vitória do Espírito Santo; e a Província da Bahia-Pernambuco, com sete conventos: Olinda, São Cristóvão, Paraíba, Recife, Goiana, Salvador e Rio Real. A nova divisão veio ao encontro de reais aspirações, baseadas em diferenças regionais, além do fato da difícil comunicação entre as partes norte e sul da Colônia.

“Não se desistiu, porém, do desejo de uma vida completamente independente. Uma nova petição conjunta das duas vice-províncias foi entregue, já com a licença do próprio Rei, à Sagrada Congregação dos Bispos e Regulares, de Roma. Nela lemos que, em 1715, a vice-província da Bahia contava 218 e a do Rio de janeiro 163 religiosos. E nestes números não estavam incluídos os Noviços, nem os 25 religiosos que, naquele tempo, estavam fora de seus conventos, nas fazendas ou em Portugal. Desta vez, Roma atendeu aos desejos dos Carmelitas e, em 1720, o Papa Clemente XII instituiu as duas Províncias do Rio de Janeiro e da Bahia, sancionando a separação completa de Portugal”. (35)

Por decreto do Prior-geral, Frei Carlos Cornaccioli, de 21-11-1720, foi nomeado Prior-provincial da recém-criada Província Fluminense, o Frei Francisco Paes da Purificação.

Na época da independência das províncias havia ainda o caso específico do Maranhão, em certo sentido independente do resto da Colônia. Ficou a parte tipicamente ‘portuguesa’ da Terra da Santa Cruz pelo fato de ter mais fácil comunicação com Lisboa do que com Bahia ou Rio de Janeiro. Também no interior da Ordem, o Maranhão, junto com as terras no extremo norte do Brasil, seguiu um caminho próprio. Até a criação dos dois Vicariatos, em 1639, tinha o status de Comissariado, diretamente subordinado à Província portuguesa. Em 1674, existiam no Maranhão quatro conventos: São Luís (1616), Belém do Pará (1624), Gurupá (1639-1674, quando foi abandonado), Alcântara (1647), com um total de 60 religiosos.

A vice-província do Maranhão seria o berço do grande movimento missionário dos Carmelitas na Amazônia. Até o Maranhão aderir à Independência do Brasil, em 1823, continuou pertencendo à Província carmelitana de Portugal.

Em páginas anteriores falamos da reforma na Ordem promovida pela Província de Touraine (França), em princípio do século XVIII. A ‘reforma turonense’, como ficou conhecida, entrou na Vice-Província de Bahia-Pernambuco. Em 1679, o Vigário provincial autorizou sua introdução no convento de Goiana. A reforma teve amplo apoio do Geral, Frei Monsignani que, em 1683, baixou várias medidas para favorecê-la no Brasil. Assim, decretou que os conventos de Recife e de Vila Real (depois substituído pelo da Paraíba) fossem entregues aos ‘reformados’. Teriam por superior um Comissário, diretamente nomeado, de três em três anos,  pelo Prior-geral e assistido por dois sócios. O titular da Vice-província apenas recebia autorização para fazer a visita canônica em cada triênio, acompanhado por um religioso pertencente aos ‘reformados’. Essa medida deu origem a muitas controvérsias, frequentes vezes relacionadas com a extensão da jurisdição e questões de propriedades.

 “Há quem duvide da sinceridade desta Reforma no Brasil. Seria antes um movimento separatista dos religiosos do Norte, que desejavam afastar-se do resto do Carmo brasileiro, formando uma província própria. Certo é, que a Reforma se confinou ao Norte do país, expandindo-se já por fundações próprias. Em 1714 foi dado o decreto de elevação a vice-província, logo a seguir anulado, para ser renovado só em 1724 e confirmado por Bento XIII no ano seguinte. Quando contava três conventos e seis hospícios, com mais de cem religiosos, a Reforma foi elevada a Província autônoma, em 1744”. (36) 

Ilza UeharaAngra dos Reis, Rio de Janeiro. 

A mudança de párocos sempre aconteceu, e, nem por isso a Santa Igreja deixou de funcionar. Acho sim, que nós paroquianos devemos nos empenhar mais nos trabalhos a que nos propormos e ajudar! Os freis passam por nossa vida, Jesus continua, e é nisso que devemos focar. Se vai dar certo "depende de nós". Vamos ajudar ao Frei Reinaldo e aceitar a mudança, que decerto pode ser muito boa para o Frei Marcelo, ele pode adquirir mais experiência e ficar mais perto dos familiares..#ProntoFalei!

Maria Costa, Angra dos Reis, Rio de Janeiro. 

Fico muito triste com a saída repentina do Frei Marcelo De Jesus Maciel ele tinha muito planos para 2017 estava começando sua missão aqui!! Será que o seu provincial está preocupada em fazer a Igreja crescer em fazer uma Igreja de saída como pede o nosso querido Papa Francisco? Só Jesus!!! Vai entender essa Igreja!!!! Apesar de tudo isso desejo que todos os novos párocos possam ser guiados pelo Espírito Santo em suas paróquias!!! (Via Face book)

Sanndro Yuri, Angra dos Reis, Rio de Janeiro. 

Frei Reinaldo, Deus abençoe em sua nova função e como sempre fiz com todos que por Angra passam: Conte com minhas orações e vamos trabalhar juntos.

Frei Marcelo, fico muito triste com sua partida, muito triste mesmo, pois nem finalizamos nossos trabalhos. Agora eu só acredito que isso é de extrema falta de caridade com os paroquianos. A província deveria pensar em nós, que ficamos nas Paróquias, que muitas das vezes lutamos juntos com os párocos pelo melhor de nossa casa e aí sem mais e nem menos somos a cada tempo surpreendidos com essas mudanças.

Espero que um dia sejamos mais respeitados: Fraternidade também deveria ser feita com os paroquianos. Seria muito bom que o Senhor Provincial viesse com mais frequência em nossas paroquias e nos ouvisse antes dessas mudanças todas. "Que nos mostrem a alegria de ser Carmelita."

Abraços Fraternos... E Deus abençoe cada pároco em sua nova missão. (Via Facebook)

Salvador-BA

Frei Raimundo Brito, O. Carm.

Frei Victor, O. Carm. (Está em Jaboticabal cuidando da saúde)

Frei Alberto Fernandes, O. Carm. 

 Unaí-MG.

Frei Carlos Mesters, O. Carm.

Frei Marcelo Frezarini, O. Carm.

Frei Martinho Cortez, O. Carm.

Frei Geraldo D`Abadia, O. Carm.

 Carmo Sion (Belo Horizonte-MG).

Frei Evaldo, O. Carm. (Prior Provincial)

Frei Cláudio, O. Carm.

Frei Tinus, O. Carm.

Frei Miguel, O. Carm.

E estudantes Carmelitas

 Casa de formação/Planalto (Belo Horizonte-MG)

Frei Gilvander Moreira, O. Carm.

Frei Fernando Bezerra, O. Carm.

E estudantes Carmelitas.

 Comunidade do Postulantado em Belo Horizonte-MG

Frei Vicente Maciel, O. Carm, Formador.

E Postulantes Carmelitas.

 São Paulo-Itaim Bibi

Frei Paulo, O. Carm.

Frei Rothmans, O. Carm

Frei Márcio, O. Carm.

 São Paulo- Conventão.

Frei Tadeu, O.Carm.

Frei Jerry, O. Carm.

Frei Alonso, O. Carm.

E estudantes Carmelitas.

Mogi das Cruzes/SP (Convento)

Frei Gabriel, O. Carm.

Frei Marcelo de Jesus, O. Carm

 Mogi das Cruzes/SP (Noviciado)

Frei Antanael, O. Carm.

Frei Marcelo Aquino, O. Carm

E Noviços Carmelitass

 Itu/SP.

Frei Clóvis Nascimento, O. Carm.

Frei Antônio Bento, O. Carm.

Frei Aparecido, O. Carm

 Angra dos Reis-RJ

Frei Reinaldo Rodrigues, O. Carm.

Frei Donizete Barbosa, O. Carm.

Frei Valter Rubens, O. Carm.

Rio de Janeiro (Vicente de Carvalho)

Frei Silvio Ferrari, O. Carm.

Frei Reinaldo Paraíso, O. Carm. 

E estudantes Carmelitas.

 Santos/SP.

Frei Lino Oliveira, O. Carm.

 Palmas/TO.

Frei Alan Fábio, O. Carm.

Frei Felisberto, O. Carm.

Frei Tiago Oliveira da Cruz, O. Carm.

 Brasília /DF

Frei Eduardo, O. Carm.

Frei João Carlos, O. Carm.

 Lapa/ RJ

Frei Petrônio, O. Carm.

Frei Adailson, O. Carm.

Quando falamos aqui de ‘Terceira Ordem’ referimo-nos a pessoas que vivem o carisma carmelitano exatamente na sua condição de leigo ou leiga. Globalmente podemos distinguir três fases evolutivas. Antes de descrevê-las convém dizer que o assunto é um tanto complexo, pelo fato de serem as datas às vezes confusas, imprecisas e localmente situadas. Corremos, assim, o risco de  introduzir generalizações que, na realidade, se referem a fatos de um determinado tempo ou área geográfica específica.

Já nos inícios da história carmelitana, encontramos os chamados oblatos, leigos que, de uma ou outra forma, fazem parte da família do Carmo. Em certos casos chegam a fazer uma verdadeira profissão religiosa, ‘doando-se’ — se et sua  (a si mesmo com seus bens) — à Ordem, representada pelo seu legítimo superior. Em tese podem ser tanto homens quanto mulheres, mas, na realidade, predominam largamente as leigas.  Normalmente vivem em casas separadas e vestem um hábito semelhante a dos frades, daí a denominação manteladas. Outros nomes dizem respeito a casos mais ou menos idênticos: oblatas, conversas, beatas, pinzocheras, beguínas, terciárias. Todas dependiam de um determinado convento e não formam grupos homogêneas.

Em maio de 1452, reuniu-se, na cidade de Colônia, o Capítulo Provincial da Alemanha Inferior, sob a presidência do Geral da Ordem, Frei João Soreth (1451-1471). Poucos meses antes, o Legado do Papa para a Alemanha e regiões vizinhas, Nicolau Krebs ou Nicolau de Cusa (1401-1564), apaixonado defensor da unidade da Igreja, exatamente numa época de muitas divisões, decorrentes do Cisma Ocidental (1378-1417), decretara que comunidades de mulheres consagradas, não dotadas de uma Regra aprovada pela Santa Sé, deveriam obtê-la ou unir-se a alguma Ordem Religiosa já existente. Caso não obedecessem seriam extintas!

Nesse contexto devemos situar o pedido das beguínas de Geldre, na Diocese de Colônia, apresentado no mencionado Capítulo Provincial. Na realidade, essas mulheres piedosas já mantinham contatos com os Freis Carmelitas desde que chegaram à freguesia onde se localizava a sua casa, em princípios do século XIV. Certo é que estavam sob a direção dos Carmelitas a partir de 1360, sem que seguissem uma Regra específica.

A solicitação das beguínas foi acolhida favoravelmente pelo Prior geral (10-5-1452), que encarregou o superior do convento de Geldre para efetuar a incorporação do grupo com a profissão religiosa, a fim de que vivessem regulariter como verdadeiras Carmelitas.

Na realidade, o ato de Soreth precedeu a Bula Cum Nulla (7-10-1452), de Nicolau V, com cinco meses! Numa carta às ex-beguínas de Geldre (14-10-1453), agora ‘monjas carmelitas’, o Geral ratificou sua decisão de maio do ano anterior, apoiando-se na Bula mencionada, transcrevendo, inclusive, o próprio texto daquele documento pontifício.

Foi o mesmo Prior geral que, após ter aceito as beguínas de Geldre, providenciou a incorporação de outras comunidades de ‘mulheres devotas’, como as de Nieukerk (Holanda), Dinant (Bélgica) e, provavelmente, ainda outras.

Nessa mesma época houve na Itália também aproximações de  algumas comunidades de pinzocheras à Ordem do Carmo. O caso de Florença é típico e daria origem ao célebre mosteiro de Santa Maria dos Anjos, onde viveu Santa Madalena de Pazzi (1566-1607), dotada com extraordinárias experiências místicas.

Os estudiosos não estão concordes quanto à origem da Bula Cum Nulla. A final de contas quem é que a pediu ao Papa? Há os que defendem a tese que a iniciativa partiu das ‘agregadas’ italianas, particularmente as de Florença. Muitas delas viviam nas suas próprias residências ‘como se fossem carmelitas’! Por volta de 1450 surgiu em Florença a ideia de acolher essas mulheres piedosas numa casa ‘de vida em comum’. O projeto da construção desse convento ficou pronto em 1452. É nessas alturas que teriam enviado a Roma uma representação para ‘garantir’ seus direitos como religiosas, o que resultaria na Bula Cum Nulla.

A questão continua em aberto. Frei Vital Wilderink, na sua tese de doutorado, aborda essa temática e chega às conclusões que resumimos em seguida.

Deixando de lado aspetos mais diretamente jurídicas e organizativas, é indiscutível que os conventos femininos fundados por Soreth se distinguem notoriamente dos cenóbios encontrados na Itália e na Espanha. Efetivamente, as fundações localizadas na Alemanha, nos Países Baixos (Holanda e Bélgica de hoje) e na França, constituíam uma unidade, formando uma verdadeira Família com uma mesma orientação e idêntico programa de vida.

Sabemos que, desde que sua eleição como Geral, João Soreth se empenhara na obra de reforma da sua Ordem, toda ela centrada na ‘observância regular’. A criação de conventos femininos está nesta mesma linha de ação. É bem possível que o caso das beguínas de Geldre ofereceu a Soreth  a oportunidade para ampliar sua visão no sentido de dar início a um verdadeiro ‘ramo feminino’ da Ordem do Carmo. É fato comprovado que o Geral colocou essas iniciativas sob sua direta jurisdição ou as confiou a Carmelitas ‘já reformados’. Os mosteiros de ‘monjas carmelitas’ tornaram-se logo centros de irradiação espiritual e laboratórios da reforma desejada por Soreth. A vida em comum, o Ofício coral, a estrita observância com a clausura rígida dão prova disso. Podemos até dizer que as ‘carmelitas de Soreth’ anteciparam em um século as reformas introduzidas pelo Concílio de Trento (1545-1563) e suas aplicações concretas no pontificado de São Pio V (1566-1572).

Frei João Soreth — afirma Dom Vital Wilderink (23) — pode ser reconhecido como o ‘fundador’ das Carmelitas na medida em que tenha sido o ‘reformador’ da Ordem do Carmo. O fato de sua obra reformadora ter tido pouca penetração nas regiões ao sul dos Alpes d e dos Pireneus, fez com que se dedicasse inteiramente às fundações nórdicas. Graças a seu empenho e santa teimosia, o ramo feminino do Carmo — a ‘Segunda Ordem’ — pode nascer e consolidar-se, pois foi ele que o concebeu, inspirou e organizou, inclusive com o indispensável embasamento jurídico que, mais tarde, seria adotado também em outras regiões antes avessas à sua reforma.

O Prior-geral Soreth gostava de dizer que a primeira preocupação das monjas carmelitas é honrar fielmente a Mãe de Deus, considerando-se como verdadeiras ‘Filhas de Nossa Senhora’ a quem têm por Prioresa de seus mosteiros. Maria é vista como guia de perfeição mística e modelo de pureza. Na vida espiritual é ela que conduz a monja ao seu divino Filho e à própria Santíssima Trindade (ver os ensinamentos de Santa Maria Madalena de Pazzi).

Enquanto lentamente se vai afirmando o que constituirá a “Segunda Ordem” ou Sancti Moniales (monjas de estrita clausura), as pinzocheras ‘de profissão solene’ continuaram a ser bastante numerosas na Itália e na Espanha sem, no entanto, levarem uma vida comum. Ocupam, de fato, o terceiro lugar na hierarquia da Ordem, após os religiosos e as monjas. Por este motivo foram chamadas, em alguns lugares, de terciárias mas, na realidade, eram ‘verdadeiras religiosas’, agregadas — pelos seus ‘votos solenes’ — a um convento masculino ou mosteiro feminino da Ordem. Pio V, querendo clarificar certas confusões reinantes, declarou que a Igreja doravante negaria o ‘caráter solene’ aos votos de pinzocheras que não vivessem em clausura. Acontece que, segundo as leis em vigor naquele tempo, só as terciárias ‘continentes’, portanto com voto de virgindade — o que excluía expressamente os laços matrimoniais — possuíam plenamente os privilégios da Ordem terceira. As não-continentes (as casadas) foram relegadas a um plano inferior, semelhante a das coirmãs da Ordem, ou seja aquelas que não tinham feita profissão religiosa e, por isso, consideradas ‘seculares’, não obstante certos compromissos espirituais as ligassem à Ordem. Essas últimas tornaram-se a variante feminina dos confrades ‘de capa branca’ com regras próprias que, na Espanha, ao que tudo indica, eram conhecidos também por “terceiros’.

Em suma, “quanto à origem da Ordem Terceira, podemos aceitar como um fato histórico, que a Ordem Terceira do Carmo. No seu sentido geral como é conhecida hoje, não existia antes de 1476. Os Carmelitas, embora tivessem a direção espiritual de numerosos grupos de pessoas desejosas de uma vida mais perfeita, não possuíam o direto de agregar tais grupos à Ordem.

A Bula Cum Nulla, de 1452, conferiu apenas a licença de unir à Ordem mulheres que vivessem em castidade. Não se tratava, pois, de uma permissão de fundar Ordens Terceiras em geral, que incluíssem homens e mulheres casados. Essa faculdade só veio na Bula Dum Attenta (1476), quando a licença de agregação foi estendida a quaisquer grupos de pessoas, casadas ou não, homens ou mulheres. Esta Bula significa verdadeiramente o início da Ordem Terceira Carmelita, ao menos em teoria. Pois, há em tudo isto a considerar uma circunstância particular: as outras Ordens Terceiras foram confirmadas depois de já existirem. A Ordem Terceira do Carmo, porém, teve a sua licença jurídica antes de ser organizada! Na prática, ela continuou durante mais de cem anos restrita a mulheres com o voto expresso de castidade perfeita.” (24)

Em fins do século XVI, constatamos na Ordem a existência de quatro grupos distintos: os frades, as monjas, mulheres continentes com voto explícito de castidade (impropriamente chamadas de ‘terceiras’), coirmãs e confrades da Ordem, a quem pode ser conferida, com razão, a qualificação de ‘terceiros’. Além desses grupos havia, desde o século XIV, um outro tipo de agregação: as ‘Confrarias da Madonna’. Algumas se limitam a viver na sombra das igrejas dos Carmelitas, outras assumem o escapulário como distintivo da Ordem, particularmente após as supostas visões de São Simão Stock de que falaremos em seguida.

No decorrer do tempo esvaem-se características específicas entre os vários grupos, gerando não poucas confusões. O Prior-geral Teodoro Straccio (1632-1642) procurou resolver a questão com uma dupla intervenção: agregou, em 1637, à Ordem terceira todos os confrades e coirmãs com votos de obediência e de castidade ‘segundo o próprio estado’, colocando, em 1540, todos os outros na Confraria do Escapulário.

Finalmente, no decurso do século XVIII, surge uma nova modalidade de agregação: Irmãs Terceiras, reunidas em verdadeiras Congregações de Terceiras Regulares de vida apostólica e missionária. Estas famílias religiosas tiveram grande florescimento, unindo formas específicas de serviço eclesial ao carisma e à espiritualidade do Carmo.

Contexto histórico geral

Para conhecer as origens da Ordem do Carmo é indispensável colocá-las no seu contexto histórico. O período que vê nascer os Carmelitas é a Idade Média que, na realidade, abrange praticamente dez séculos de história do Ocidente. Só pelo fato de ser tão extenso, percebe-se a dificuldade de dar uma caracterização englobante desse período. No entanto, alguns traços — não obstante suas variações regionais — são constantes. Em primeiro lugar, o acentuado teocentrismo. Todo o visível repousa no invisível, disse, com acerto, um pensador da época. Para o homem medieval, Deus está onipresente e toda a realidade é profundamente marcada pela sua ação. Aliás, a própria cosmovisão medieval reflete notoriamente a centralidade do divino e a orientação transcendental de toda a vida na terra. É nessa época que se consolida o que costumamos chamar de cristandade, isto é, um pacto entre os dois poderes que regem a sociedade: o espiritual, identificado com a hierarquia eclesiástica, particularmente o Papa, e o poder temporal entregue ao chefe civil-político. Na mentalidade medieval todo o poder provém diretamente de Deus que o confia ao Vigário de seu Filho encarnado na terra, ou seja ao Romano Pontífice. Nesse contexto surge a teoria das duas espadas, frequentemente atribuída a São Bernardo de Claraval (1090-1053). O texto bíblico de referência é Lc 22,38, onde lemos: “Disseram [os apóstolos]: Senhor, eis aqui duas espadas. Ele respondeu: é suficiente!” Na interpretação medieval as duas espadas pertenceriam, por direito divino, a Pedro. Uma está nas suas mãos e a outra às suas ordens. A hermenêutica é de surpreendente simplicidade: a espada espiritual é própria da função petrina, enquanto a espada temporal o Papa passa ao governante civil, para usá-la segundo as intenções de seu outorgante. Assim, na realidade, todo o poder concentra-se naquele que é considerado o “lugar-tenente de Cristo na terra”. Está aqui o núcleo da teocracia pontifícia cultivada na Idade Média, não sem constantes contestações e declaradas oposições.

Outra característica medieval, mas intimamente associada à precedente, é, sem dúvida, a chamada reductio ad unum, isto é, o esforço de ‘reduzir’ tudo a um único denominador: Deus, princípio e fim de todas as coisas e legalmente representado pela Instituição Eclesiástica que praticamente se identifica com o Reino de Deus, visto que muitos a consideram como sua realização, já aqui na terra. Tudo que não entra nesta lógica deve ser combatido e, na medida do possível, eliminado. Exige-se total conformidade ao modelo implantado e submissão dócil às autoridades instituídas. Percebe-se facilmente que em semelhantes circunstâncias a Inquisição surge e se consolida como instrumento apropriado para a manutenção do status quo, controlando e reprimindo tudo que não se enquadra na ideologia adotada.

O homem medieval tem acurada sensibilidade quanto à transitoriedade da vida. Para ele, ser transeunte constitui uma realidade viva, sempre de novo recordada. A terra é — pelo menos no esquema mental — apenas um exílio, um curto tempo de permanência. A verdadeira pátria situa-se no além. As peregrinações dão expressão concreta a essas convicções. Na realidade, trata-se de um fenômeno antiquíssimo na História do cristianismo. Já nos primeiros séculos temos notícias de peregrinações à Terra Santa, por exemplo, da galega Etéria que, em fins do século IV, empreendeu uma viagem aos lugares sagrados. Deixou uma minuciosa descrição de seu itinerário que, ao que tudo indica, durou aproximadamente três anos. O movimento rumo à região onde Jesus viveu e morreu nunca cessou e, em determinados momentos da História, adquire particular intensidade. Na mente do medieval, Palestina constitui uma imensa relíquia, um preciosíssimo patrimônio sagrado da Cristandade. Nela tudo é santo pelo fato de o próprio Jesus ter tocado a terra e nela derramado seu precioso sangue. Poder pisar em terreno tão sacro e ter contato físico com os lugares onde a presença do Senhor se faz sentir tão intensamente, é o sonho amplamente acalentado nesse período da História. Jerusalém, local do Santo Sepulcro, é objeto de incontida devoção, símbolo de toda uma concepção religiosa voltada para o além: “Vós vos aproximastes do Monte Sião e da cidade do Deus vivo, a Jerusalém celeste; da reunião festiva de milhões de anjos; da assembleia dos primogênitos, cujos nomes estão escritos nos céus. Vós vos aproximastes de Deus, o Juiz de todos; dos espíritos dos justos, que chegaram à perfeição, de Jesus, o Mediador da nova aliança e da aspersão com sangue mais eloquente que de Abel” (Hb 12,22-24).

A societas christiana, a sociedade cristã medieval, considera o ‘mundo’ como seu ‘corpo’ e a ‘Igreja’ como sua ‘alma’. Via com maus olhos o avanço do Islã, exatamente nas regiões onde o cristianismo teve seu berço e primeira expansão. Paulatinamente se fixa no ideário medieval um declarado sentimento anti-islâmico, que chegou a ter traços de uma demonização de seus seguidores.Na Península Ibérica — invadida pelos mouros em 753, quando Djebel-el-Tarik atravessou o Estreito de Gibraltar — desenvolve-se uma contra-ofensiva aos muçulmanos que entrou na História com o nome de Reconquista Cristã. Durou nada menos do que cinco séculos até que, em 1492, os Reis Católicos conseguiram expulsá-los de seu último reduto, a cidade de Granada.

Para situarmos a origem da Ordem do Carmo não podemos deixar de mencionar dois fenômenos tipicamente medievais: o eremitismo e as Cruzadas.

O ano Mil inaugura um novo período na História da Europa. A tremenda crise dos séculos IX e X, denominado Século de Ferro, cede lugar a uma renovação da sociedade e da própria Igreja. Significativo é o movimento de progressiva urbanização e de intensificação comercial. A sociedade rural, identificada com o feudalismo, deixa de ser a forma predominante da organização socioeconômica. Os incipientes burgos (cidades) apresentam modalidades alternativas e muito mais atraentes de convivência e realização humana. Junto com as transformações econômicas, vêm as transformações intelectuais e espirituais.

“O despertar da cidade leva a transferir o centro da gravitação político-social do castelo feudal no campo para os povoados e para as cidades. A cultura intelectual cresce muito através da criação das Universidades, saindo, assim, dos palácios e da corte feudal. A mesma cultura renovada se traduz em expressões cracterísticas na arte (romano, gótico), na especulação filosófica e teológica (as Sumas), na literatura das línguas neolatinas. A ‘nova intelectualidade’ levanta questionamentos antes desconhecidos. Através de um amplo fenômeno de urbanismo vem a transformar-se o próprio conceito de cidade, de centro urbano. Nasce, então, a comuna (hoje, mais ou menos, o município), típica estrutura social da nova época que está surgindo. A definição desta estrutura leva à criação de formas de governo com a participação popular.” (1)

O monaquismo tradicional dos grandes mosteiros, com suas imensas propriedades e ostentação de poder e prestígio, entra em decadência, mostrando incapacidade de adaptação aos novos tempos. Os monges são questionados exatamente por sua riqueza comunitária excessiva decorrente de sua vinculação ao sistema feudal. O século XI vê renascer formas de Vida Religiosa alternativas, particularmente o eremitismo. Esse fato assinala claramente uma ruptura com os tradicionais modelos de sociedade e de Igreja. Os novos eremitas contestam estruturas institucionais que imobilizam e facilitam a acomodação. Optam por um estilo de vida que favorece a itinerância e expressa a provisoriedade da vida aqui na terra, proporcionando, inclusive, maior liberdade interior. Dão, assim, uma resposta às aspirações de mobilidade tão marcantes no surgimento da vida urbana e impulsionada por intenso intercâmbio comercial.

O eremitismo — prevalentemente de caráter laical — conhece uma grande expansão nos séculos XI e XII. As formas são variadas, desde os solitários estabelecidos em lugares completamente afastados, quase inacessíveis, até eremitas que, a exemplo das antigas ‘lauras’ da Palestina, vivem em pequenos grupos, numa combinação de anacorismo e cenobitismo,assumindo, inclusive, atividades apostólicas compatíveis com seu estilo de vida. Há eremitas que não se fixam por muito tempo em lugares determinados, mas se deslocam constantemente à guisa de peregrinos.

“O que se devia entender por este nome de ‘eremita’, não era sujeito a nenhuma dúvida na Idade Média. Os elementos da vida eremítica, que todos os autores de todos os tempos que escreveram sobre esta questão sempre e sempre enumeraram, são estes: solidão, leituras, oração, contemplação, trabalho manual. Jejuns, vigílias e obras de misericórdia. Ouçamos a oração de certo pontifical da Inglaterra, para depor o hábito secular e vestir o hábito eremítico ‘Irmão, eis que te damos o hábito eremítico, com o qual te exortamos a viver, desde logo, casto, sóbrio e santo, em santas vigílias, jejuns, trabalhos, orações e obras de misericórdia, para que tenhas a vida eterna e vivas pelo séculos dos séculos’.” (2)

Com seu modo de ser os ermitães denunciam uma Igreja por demais instalada e segura de si. Testemunham o caráter transitório da vida cristã: “Não temos aqui embaixo cidade permanente, mas estamos à procura da cidade que está para vir” (Hb 13,14). Experimentam a si mesmos como transeuntes, viajores, exilados ou ‘soldados de Cristo’, em busca do deserto, da solidão, para lá travar a batalha contra os ‘inimigos’, tanto os de fora quanto os de dentro. Desenvolve-se aqui uma espiritualidade de militância, magistralmente descrito por São Paulo. (3) O apóstolo dos gentios esclarece que o caminho do cristão é marcado por muitos obstáculos. Ele é chamado a conservar e defender sua mais profunda identidade. Embora já feito participante da vitória de Cristo sobre o pecado e a morte (cf. Ef 1,19-23), ainda peregrina no meio de ‘muitas tribulações’. As ‘forças do mal’ constituem uma ameaça tão real que Paulo as personifica. Trata-se de verdadeiros ‘inimigos’ que investem contra a ‘verdade de Cristo’. São ‘espíritos malignos’, dotados de energias destruidoras, quer conduzem à morte (cf. 2Ts 2,7-12; 1Cor 15,24; Ef 2,1-3;6,10-16; Cl1,9-15). O Apóstolo detecta sua ação maléfica, falando de ‘insídias do diabo’ (Ef 6,16), ‘laço do demônio’ (1Tm3,7; 2Tm 2,26), ‘príncipe do poder do ar’(Ef 2,2), ‘espírito que opera nos filhos da desobediência’ (Ef 2,2), ‘tentador’ (1Ts 3,5), exterminador’ (1Cor 10,10) e ‘deus deste mundo’ (2Cor 4,4).

O eremitismo peregrinante ou, talvez seja melhor chamá-lo de peregrinação eremítica, constitui um fenômeno altamente significativo no cristianismo medieval. O peregrino se expatria a fim de obter a purificação interior com a expiação de seus pecados. Aceita, de bom grado, os cansaços, jejuns, vigílias e os numerosos contratempos da viagem. Sua meta é o encontro com o ‘sagrado’, a chegada ao lugar santo, onde Deus se faz visivelmente presente no santuário com suas imagens e relíquias, diretamente ligados à pessoa histórica de Jesus ou a alguns de seus amigos, os santos e santas. São João Damasceno (+749) afirma, sem rodeios, que semelhantes lugares e objetos sagrados podem ser considerados “receptáculos de energia divina, pela qual a salvação de Deus vem a nós” [Oratio de imaginibus III, n.2]. Enfim, a peregrinação simboliza o próprio sentido da existência cristã: estar a caminho rumo à Casa do Pai [cf. também Concílio Vaticano II, LG,n.9 e UR, n.2].

Na Idade Média o destino privilegiado das peregrinações era, sem dúvida, a Palestina, onde se encontrava o “Santo Sepulcro”. A viagem para Jerusalém (peregrinatio hierosolymitana), freqüentes vezes, tornava-se um ‘modo de vida ascético’ (propositum). Assim, “a promessa de ir à Terra Santa era um voto no sentido jurídico-canônico ou eclesiástico (propositum sanctae peregrinationis, eudi utra mare — propósito de santa peregrinação, de ir além do mar). Somente o Papa podia dispensar alguém deste voto. Não raramente tal voto incluía a obrigação de a pessoa ficar sempre na Terra Santa (inde as própria nunquam reversurus — de nunca voltar para os próprios lugares)”. (4)

Desde que os muçulmanos se apoderaram das regiões do Oriente Próximo, incluindo a Palestina, entre 632 e 750, as peregrinações à Terra Santa sofreram restrições, embora nunca fossem totalmente interrompidas. A situação mudou quando, por volta de 1070, os maometanos seljúdicos (‘turcos’) ocuparam aquelas plagas, dificultando o acesso aos lugares santos. As peregrinações tornaram-se aventuras perigosas. Diante desses fatos, surge no Ocidente um movimento para libertar a Terra Santa, que, no Concílio de Clermont (1095) encontrou grande ressonância com o insistente apelo do Papa Urbano II (1088-1099). A tradição situa aqui o grito uníssono da cristandade: Deus lo volt, com a convocação de milhares de voluntários para ‘pegar em armas’ e partir rumo à missão. Em sinal de adesão aplicam no ombro direito uma cruz vermelha, donde a denominação: cruzados. Pregadores populares, como Pedro de Amiens (c.1150-1115), reforçam, com sua pregação inflamada, o apelo do Pontífice. As peregrinações armadas são apoiadas por reis e príncipes e motivadas por uma verdadeira mística guerreira. As expedições apresentam-se como ‘uma batalha entre o bem e o mal’, tal como é descrito no Livro bíblico do Apocalipse para ‘os últimos dias’. A Cruzada adquire, assim, o significado de um deslocar-se da Europa para Jerusalém, simbolizando a emigração espiritual com uma radical mudança de vida. A passagem ultramarina toma o sentido de uma expatriação a fim de poder chegar ao limiar do Reino dos Céus, materialmente representado pela Cidade Santa.

A história das Cruzadas, que abrange aproximadamente dois séculos, é muito controvertida. Misturam-se aqui as mais puras intenções religiosas com os mais baixos sentimentos de vingança e interesses pessoais, completamente alheios ao Evangelho. Entram em jogo objetivos políticos, comerciais, rivalidades e saques. Ao mesmo tempo, não podemos desconhecer que manifestam uma expressão da unidade de fé, não obstante a diversidade de culturas e povos.

Jerusalém foi conquistada em 1099. Fundaram-se estados cristãos: o principado de Antioquia, o principado de Edessa, o reino de Jerusalém e o principado de Trípoli, na Síria. Sucessivamente, os reinos latinos caem novamente nas mãos dos muçulmanos: Edessa em 1187, Jerusalém em 1244 e, finalmente, o último baluarte dos cruzados: Dão João de Acre, em 1291. Embora não tenha conseguido sua meta principal: a posse da Terra Santa e sua consolidação nas mãos dos cristãos, as Cruzadas tiveram um papel importantíssimo no campo econômico, cultural e intelectual. O Papa viu crescer seu prestígio como chefe religioso e político, culminando na figura de Inocêncio III (1198-1216) que declarou abertamente: “O Papa é o representante dAquele a quem pertence a terra e tudo que a contém e daqueles que a habitam... ele é o plenipotenciário dAquele que dá os reinos a quem bem lhe agrada”. Assim, tem “o poder de alterar, destruir, dissipar, edificar e plantar”. O Romano Pontífice está “acima de todos os príncipes, pois possui o direito de julgá-los”. Semelhantes idéias teocráticas serão retomadas na Bula Unam Sanctam, de Bonifácio VIII (1294-1303) que, numa carta a Alberto de Brandenburgo afirma: “Assim como a lua não possui nenhuma luz senão aquela que recebe do sol, da mesma forma não existe autoridade terrena que não recebe seu poder da Igreja... Toda a autoridade vem de Cristo e de Nós, como Vigário de Jesus Cristo”.

Frei Camilo Maccise, OCD, In Memoriam (+16/03/ 2012).

A Espiritualidade Carmelitana fundamenta suas raízes na experiência dos primeiros monges que habitaram o Monte Carmelo. Esta experiência se expressou, mais adiante, nos escritos da tradição da Ordem, em primeiro lugar na Regra de Santo Alberto. Esses elementos foram relidos por Santa Teresa de Jesus e São João da Cruz. Na vivencia e reflexão pós-conciliar sobre sua espiritualidade, o Carmelo destacou especialmente:

-A experiência do Deus Vivo e o seguimento de Jesus.

-A escuta orante da sua Palavra.

-O empenho profético.

-A devoção a Maria vista como Mãe, Irmã e Modelo.

*O SIGNIFICADO DO DOCUMENTO DA ASSEMBLEIA DE APARECIDA PARA NOSSA MISSÃO COMO CARMELITAS A SERVIÇO DO POVO DE DEUS AQUI NA AMÉRICA LATINA

Palavras de Camilo Maccise, OCD, na Assembleia da Família Carmelitana, que reuniu a Ordem Carmelita e a Ordem Carmelita Descalça, em Belo Horizonte, nos dias 26 a 29 de janeiro de 2009.

Moaby Alvim, Priora da Ordem Terceira do Carmo de Vicente de Carvalho/ RJ.

Parabéns frei Petrônio! O senhor fez um excelente trabalho! E tenho certeza que continuará se dedicando com amor ä nossa Província.

Que o Espírito Santo de Deus continue lhe iluminando, Nossos Sodalícios precisam continuar contando com sua dedicação e principalmente da sua criatividade. Abraços.

Fonte: Facebook.

Que Deus abençoe...

Sylvana Gorgulho de Castro, Priora da Ordem Terceira do Carmo de Carmo de Minas-MG.

 Parabéns Frei Petrônio. Que Deus abençoe e nossa senhora do Carmo passe sempre na frente! !! Fonte: Facebook.

Parabéns!

Sandra Trindade, Ordem Terceira do Carmo de Angra dos Reis/RJ. 

O Frei é muito dedicado e revolucionário também.

As OTCs precisam do senhor.

Que o Espírito Santo de Deus seja no senhor Frei tudo o que Ele quiser!!!

Fonte: Facebook.

Jane Maria‎ 
Rio de Janeiro- Paróquia Nossa Senhora do Carmo de Vicente de Carvalho.

Amigo Frei João... Venho tentando entender... Mas pensando bem, eu não preciso entender, preciso aceitar... 

O senhor é testemunho vivo do Amor de Deus... tantos planos, tava tudo indo tão bem... mas hoje depois do coração mais calmo e conversando com Deus, acordei, o senhor fez a diferença na vida de todos nós, agora precisa fazer na vida de outras pessoas... sim, claro!

E é com esse sentimento que conforto e descanso meu coração, seria até egoísmo da minha parte querer esse pastor só para nós.

Aprendi tanto com o Sr, exemplo de humildade, carisma, unidade, amor ao próximo. Muito obrigada por ter nos ajudado tanto quando mais precisamos, nunca negou uma conversa, sempre disposto, alegre e com esse sorriso no rosto, sempre preocupado com suas ovelhas, nunca mediu esforços para nos ajudar, só alguém que se esvazia de si e vive uma vida entregue totalmente a Deus é capaz de realizar tantos feitos. 
obrigada por acreditar na gente, por ser esse exemplo de ser humano que não faz acepção de pessoas, sempre o terei como grande exemplo de um verdadeiro servo de Deus.
Deus o abençoe na nova missão que lhe foi dada; vai meu amigo, e faça a diferença como fez aqui em Vila Kosmos.  Sei que fará por onde passar! 

Obrigada por tudo que fez pela minha Família! Te Amamos. (Mensagem via facebook)