Frei Quinn R. Conners, O. Carm.

Obediência – A Escuta como Transformação

A forma mais radical de obediência na Bíblia é a escuta fiel da voz de Deus que vem a nós através da comunidade, através de nossos mestres e líderes e através dos fatos da história. Deuteronômio 6,4-9 é a expressão perfeita da virtude bíblica da obediência.

Ouça, Israel! Javé nosso Deus é o único Javé. Portanto, ame a Javé seu Deus com todo o seu coração, com toda a sua alma e com toda a sua força. Que estas palavras, que hoje eu lhe ordeno, estejam em seu coração. Você as inculcará em seus filhos, e delas falará sentado em sua casa e andando em seu caminho, estando deitado e de pé. Você também as amarrará em sua mão como sinal, e elas serão como faixa entre seus olhos. Você as escreverá nos batentes de sua casa e nas portas da cidade.

Este credo, o famoso Shema, capta concisamente a noção judaica de como a vida dos judeus é totalmente centrada em Deus. Por Israel estar tão convencido da presença amorosa de Deus na história, por estar tão agarrada à realidade de Deus, sua única resposta é aquela de obediência reverente e de abertura confiante na direção amorosa de Deus feitas diariamente.

As grandes figuras do Antigo Testamento nos mostram que este tipo de obediência é um desafio. O exemplo de obediência radical destas figuras pode coexistir com a confusão e a ira diante dos caminhos misteriosos de Deus. Por exemplo, Moisés, que tira suas sandálias em reverência diante da presença de Deus na sarça ardente, também pode quebrar as tábuas de Deus com ira diante da estupidez do povo de Deus e dos confusos caminhos de Deus. O Salmista, cuja poesia lírica louva o poder e a grandeza criadora de Deus, também pode captar a raiva e a frustração diante das exigências de Deus. Jeremias, o profeta que fala de Deus como um fogo ardente em seus ossos, também pode chamar Deus de um rio enganador que corre para o deserto apenas para desaparecer em terras áridas. A obediência é uma experiência humana e multidimensional.

No Novo Testamento, Jesus se torna a plena expressão da obediência. Ele conhecia o poder da fé bíblica. Jesus foi o único Filho em quem Deus permaneceu. Ele foi plenificado com o Espírito de Deus, buscando muitas vezes a comunhão silenciosa com seu “Abba”. No evangelho de João ouvimos muitas vezes sua confiança de conhecer Deus e de ser conhecido por Deus. Contudo, antes do mistério da paixão e da morte, Jesus também se tornou o Filho obediente de Deus, enquanto esbravejava contra a escuridão e o silêncio da voz de Deus: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Sl 22,1).

Jesus lutou para ser fiel ao Pai: “Embora sendo Filho de Deus, aprendeu a ser obediente através de seus sofrimentos” (Hb 5,8). Ele fez muitas orações para se tornar capaz de conquistar esta posição (Hb 5,7; Lc 22,41-6). Mas ele não foi conquistado. Ninguém, nenhuma autoridade em qualquer época foi capaz de interferir neste segredo mais profundo de Jesus. Aqueles que tentaram interferir chocaram-se com uma parede impenetrável. Ele foi obediente até a morte, e morte de cruz (Fl 2,8).

A comunhão entre Jesus e o Pai não foi automática, mas sim o fruto da luta que Jesus travou dentro de si mesmo para obedecer ao Pai em tudo e para estar sempre unido a ele. Jesus disse: “Eu não posso fazer nada por mim mesmo. Eu julgo conforme o que escuto” (Jo 5,30). “O Filho não pode fazer nada por sua própria conta; ele faz apenas o que vê o Pai fazer” (Jo 5,19). Como e onde Jesus viu e ouviu o que o Pai queria dele? Como a vontade do Pai se manifestou a Jesus?

Em primeiro lugar, Jesus descobriu a vontade do Pai assumindo sua condição de pobre. O que para alguns era a condenação do destino, para Jesus era a manifestação da vontade do Pai. Jesus nasceu pobre. Continuar ao lado dos pobres foi a decisão do Filho querendo ser obediente ao Pai até a morte e “morte na Cruz”.

Em segundo lugar, Jesus descobriu a vontade do Pai nas Sagradas Escrituras e na história de seu povo. Jesus buscou as Escrituras como a fonte da autoridade (Lc 4,18). Ele se orientou através das profecias do Servo de Deus e do Filho do Homem para realizar sua missão como Messias (Mc 1,11; 8,31). Foi nas Escrituras que ele encontrou as respostas contra as tentações que experimentou. “Não faço nada por mim mesmo, pois falo apenas aquilo que o Pai me ensinou” (Jo 8,28). A Boa Nova do Reino foi e continua sendo, antes de mais nada, a face do Pai a ser revelada ao povo, especialmente aos pobres.

Assim, a obediência bíblica é elaborada no contexto das escolhas da vida real. O sofrimento, as frustrações, a aridez espiritual, são preços a serem pagos. Mas o povo das Escrituras apega-se ferozmente à sua fé na realidade da presença de Deus na história, sua história pessoal.

Os carmelitas entram nesta tradição bíblica da obediência em seu voto. Pelo voto, que está enraizado no chamado para a obediência absoluta dirigida igualmente a cada cristão no batismo, o religioso carmelitano situa seu total compromisso com a vontade de Deus no contexto de uma comunidade que caminha nas pegadas de Jesus Cristo.

A Regra (n.º 22 e n.º 23) propõe como assumir esta obediência. Alberto se refere ao ofício do prior, que é apresentado primeiramente no n.º 4. Aqui o ofício do prior foi estabelecido num nível estrutural para a boa ordem da comunidade. Contudo, nos nn. 22 e 23 o prior e a comunidade têm que descobrir Cristo na “mútua co-responsabilidade da obediência”.[i]  Alberto nos recomenda ver Jesus Cristo como o único centro de nossas vidas. Permanecer em nossas celas é “permanecer na vinha”. Aprendendo a não possuir nada, experimentamos como Jesus não possuía lugar para recostar sua cabeça. Celebrando juntos a Eucaristia, nos tornamos pedras vivas com Cristo como a pedra fundamental. Quando nos reunimos no capítulo e na correção fraterna, ele está em nosso meio.[ii]  Basicamente, somos obedientes ao poder do Espírito de Cristo manifestado em nós mesmos, em nossa comunidade e sob sua liderança.

No nível do humano, o voto de obediência levanta a questão de como usamos nosso poder e nossa liberdade, tanto comunitária como pessoalmente. A última metade do século XX viu a queda do patriarcado como vimos nos anos 60 e 70 com as revoltas estudantis, nos blocos comerciais unindo muitas nações ocidentais, o fim dos regimes coloniais, militares e outros regimes repressores e o crescimento do feminismo. Concomitantemente, este período também testemunhou um individualismo excessivo e uma obsessão pela auto-realização, especialmente no hemisfério ocidental, que causou forte impacto em muitas partes do mundo.

Estes fatores históricos e culturais influenciam nossa compreensão e o exercício do poder,[iii]  a esfera política da vida, que interfere no voto de obediência. Ao assumir este voto nos confrontamos com as mesmas perguntas que qualquer outro ser humano faz. Que poder tenho sobre os outros? Que esforço comum posso utilizar? Qual minha contribuição para a vida da sociedade e da comunidade? Qual minha influência em determinar direções comuns? Embora todos os cristãos se engajem nestas questões, o contexto em que elas se realizam varia muito. Para os religiosos, o contexto é a comunidade com a qual estão comprometidos.

Professando a obediência os religiosos dizem que querem usar sua capacidade de dialogar com os outros na busca pela vontade de Deus. O poder deles é mais humano e eficaz quando ouvem e agem de acordo com as inspirações pessoais que Deus lhes oferece. Estas inspirações vêm através de muitos meios. Basicamente, a obediência vem pela ponderação da Palavra de Deus e pelos sinais da presença de Deus em nosso mundo, de acordo com nossos irmãos e irmãs no Carmelo e com aqueles que escolhemos para liderar a comunidade.

Em primeiro lugar, a obediência exige um confronto contínuo com a Palavra de Deus. As Escrituras, refletidas individual e comunitariamente, nos dão acesso à revelação da presença de Deus no meio das comunidades judeu-cristãs do passado. É a revelação de como Deus se comunicou com seu povo e é uma fonte de discernimento da presença de Deus entre nós hoje. Devemos conhecer as Escrituras com nossos corações e nossas mentes para penetrar no coração e na mente de Deus.

Em segundo lugar, a vontade de Deus também está presente nos sinais dos tempos. A meditação da Palavra de Deus deve ser feita no contexto de nossa realidade para conhecermos a vontade de Deus. Nossas circunstâncias históricas devem dialogar com as Escrituras, para discernirmos o lugar para onde a obediência nos chama. Estas circunstâncias históricas têm muitos níveis: o individual/pessoal, o apostólico, a comunidade local e provincial, as lideranças locais e provinciais e o social. Qualquer uma destas áreas pode exigir mais atenção e significado numa determinada hora, dependendo da situação. Então a obediência se torna mais desafiadora e o discernimento da vontade de Deus requer maior disciplina e humildade.

Num terceiro ponto vemos que a obediência se realiza no diálogo com nossa comunidade e sua liderança. O chamado para a vida comunitária é fundamental para o carisma carmelitano. Desse modo, acreditamos que o Espírito de Deus se move através da voz coletiva da comunidade e daqueles que escolhemos para liderá-la. Qualquer discernimento da vontade de Deus deve incluir necessariamente nossa escuta da comunidade. Além disso, a obediência religiosa pode ser um verdadeiro testemunho evangélico, pela compreensão do poder que ela transmite, especialmente em nossas estruturas governamentais. Muitas comunidades, principalmente as congregações femininas, estão trabalhando rumo a estruturas mais participativas. Surgem novos modelos de governo, tais como grupos regionais que se encontram regularmente, capítulos onde todos os membros participam ativamente, líderes engajados num processo comunitário de tomar decisões. Desta forma, eles revelam uma maneira diferente de exercer o poder e a autoridade, longe do antigo modelo hierárquico e patriarcal. Estes modelos participativos permitem que cada membro possa discernir a vontade de Deus assim como exercer o poder coletivo na comunidade.

A liderança em tais modelos é realmente um chamado ao serviço (Lc 22,26-27). Ela exige um novo jeito de administrar a complexidade da vida religiosa, a habilidade em conduzir a atenção da comunidade para uma visão partilhada que unirá os esforços individuais, inspirados pela missão da província e da comunidade local, e a capacidade de formular estratégias para alcançar tudo isso.[iv]  Esta liderança pede a habilidade de entender as estruturas subjacentes, os modelos e as forças que devem ser avaliados para se ir de um ponto ao outro.

Finalmente, a obediência é realmente o cultivo de uma união amorosa com Deus. Esta união se torna a base de todas as nossas escolhas que, por sua vez, nos une profundamente com Deus. Ao estarmos conscientemente mais unidos com Deus, começamos a ver tudo com os olhos de Deus e a buscar a verdade no amor. Em muitas circunstâncias pode existir apenas uma escolha para nós. No entanto, em outras situações podem existir várias escolhas. Nem sempre existe uma escolha que é melhor do que as outras. Nem é o caso de Deus ter pré-julgado o que devemos fazer. Buscar a vontade de Deus, obedecer a Deus é fazer as escolhas e tomar a decisão mais amorosa que podemos em qualquer momento. A longo prazo, a obediência consiste formalmente no como e no porquê fazemos uma certa escolha, em vez de o que realmente escolhemos.[v]

Como carmelitas caminhando nas pegadas de Jesus Cristo, a obediência deveria nos levar à liberdade para escolher a vida como Jesus o fez. Em qualquer circunstância em que ele se encontrava – na festa de casamento em Caná, com a samaritana junto ao poço, na morte de seu amigo Lázaro ou na sua própria morte – ele escolheu fazer a vontade de seu Pai, mesmo quando ele não a compreendia. O contexto no qual buscamos a vontade de Deus é essencialmente contemplativo. É um meio de sondar e procurar, um modo de escutar e de orar que é transformador. Os anseios do Espírito de Deus em nós, a comunidade, a liderança comunitária, o povo e o tempo ao qual servimos, deveriam nos levar a uma maior generosidade e liberdade, para melhor testemunharmos a presença amorosa de Deus no mundo.

 PERGUNTAS PARA REFLEXÃO (Pessoal e em grupo)

1-Que símbolo, história ou provérbio do Antigo ou do Novo Testamento lhe ocorre como uma imagem da obediência? Descreva o que significa para você.

2-Que símbolo, história ou provérbio da história atual, de sua própria experiência ou da experiência de outras pessoas lhe ocorre como uma imagem de obediência? Descreva o que ela significa para você.

3-Que vantagem você percebe na vivência deste voto?

4-Que compromissos você traz para a vivência deste voto?

[i]  Kees Waarjman, O.Carm., A identidade carmelitana a partir da perspectiva da Regra, 13º Conselho das Províncias (Nantes). Publicações Carmelitanas: Melbourne, 1994, p. 48.

[ii]  Ibid., pp. 48-49.

[iii]  Congregação para Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica. Diretivas sobre a formação nos institutos religiosos, # 12. Origens, 19 (20 de março de 1992).

[iv]  D. Nygren e M. Ukeritis, ‘O futuro das ordens religiosas nos Estados Unidos’. Origens 22 (1992), 267. Os autores relatam que a incapacidade de formular uma estratégia para alcançar um propósito ou uma missão é a fraqueza mais surpreendente entre os líderes atuais.

[v]  S. M. Schneiders, I.H.M. Odres novos: Reimaginando a vida religiosa hoje. Mahwah, NJ: Paulist Press, 1986, p. 142.

O Padre Provincial dos Carmelitas- Província Carmelitana de Santo Elias- Frei Evaldo Xavier, O. Carm e Frei Antanael, O. Carm, em visita ao Frei Tadeu Passos Camargo, O. Carm, no Hospital Santa Catarina/SP.

 

 

A atitude contemplativa para com o mundo em torno de nós, que nos faz descobrir Deus presente nas nossas experiências quotidianas, leva-nos a encontrá-Lo especialmente nos nossos ir­mãos. Assim, somos levados a valorizar o mistério das pessoas que nos são próximas e com as quais compartilhamos a nossa vida. A nossa Regra quer que sejamos acima de tudo "fratres"[1] e recorda-nos como a natureza das referências e das relações interpessoais, que ca­racterizam a vida da comu­nidade do Carmelo, se desenvolveu no exemplo inspirador daquela primitiva comunidade de Jerusa­lém[2]. Ser "fratres" significa para nós crescer na comunhão e na unidade[3], na superação das distin­ções e privilégios[4], na participação e na corresponsabili­dade[5], na partilha dos bens[6], de um pro­jecto comum de vida e dos carismas pessoais[7]; sig­nifica, também, amadurecer atitudes de atenção ao bem-estar espiritual e psicológico das pes­soas, percorrendo os caminhos do diálogo e da reconci­liação[8].

Estes valores da fraternidade são expressos e fortificam-se na Palavra, na Eucaristia e na oração.

Na Palavra escutada, rezada e vivida no silêncio, na solidão e na comunidade[9], espe­cialmente na forma da "lectio divina", os Carmelitas são guiados, diariamente, ao conhecimento experiencial do mistério de Jesus Cristo[10]. Animados pelo Espírito e radicados em Jesus Cristo, permanecendo n'Ele dia e noite[11], inspiram na sua Palavra todas as suas opções e acções[12].

Inspirados pela Palavra e em comunhão com toda a Igreja[13], os "fratres" celebram juntos os louvores do Senhor[14] e convidam outros a partilhar a experiência da oração. Os "fratres", todos os dias, quanto possível, são chamados da solidão ou do trabalho apostólico à Eucaristia, fonte e cume da sua vida, a fim de que, em torno da mesa do Senhor[15], sejam «um só coração e uma só alma»[16], vivendo a verdadeira comunhão fraterna na gratuida­de e no serviço mú­tuo[17], na fidelidade ao projecto comum e na reconciliação animada pela ca­ridade de Cristo[18]Como fraternidade contemplativa, buscamos o rosto de Deus e servimos a Igreja no cora­ção do mundo ou, eventualmente, na solidão eremítica.

* CONSTITUIÇÕES DA ORDEM DOS IRMÃOS DA BEM-AVENTURADA VIRGEM MARIA DO MONTE CARMELO (Aprovadas pelo Capítulo Geral celebrado em Roma no ano de 1995)

[1]     Cfr Regra, cc. 2, 3, 5, 9, 11, 17, 18; e também Congr. gen. 1974, 120.

[2]     Cfr Regra, cc. 7-11; Act 2,42-46; 4,32-36.

[3]     Cfr Regra, c. 10, 11.

[4]     Cfr Regra, cc. 1-3, 5, 17-18.

[5]     Cfr Regra, cc. 1-3.

[6]     Cfr Regra, cc. 3, 4, 9.

[7]     Cfr Regra, c. 11.

[8]     Cfr Regra, cc. 11, 12, 13.

[9]     Cfr Regra, cc. 4, 7.

[10]    Cfr Fil 3,8.

[11]    Cfr Regra, c. 7.

[12]    Cfr Regra, c. 14.

[13]    Cfr Regra, c. 8.

[14]    Cfr PC 6, 15; LG 11; PO 5.

[15]    Cfr Regra, c. 10.

[16]    Act 4,32.

[17]    Cfr Regra, cc. 17, 18.

[18]    Cfr Regra, c. 11.

 

Frei Joseph Chalmers O. Carm. Ex-Prior Geral da Ordem do Carmo.

Invocação

Pai, revelaste a infidelidade de Acab por intermédio do profeta Elias. Ajuda-me a ser sempre fiel e envia teu Espírito ao meu coração para que eu possa ouvir tua voz e tua Palavra possa transformar minha vida. Por Cristo, nosso Senhor. Amém.

Texto

Leia o texto atentamente pela primeira vez para compreender o sentido geral e para conhecer a história em detalhes.

1Rs 18,17 Logo que viu Elias, Acab lhe disse: “Estás aí, flagelo de Israel!”

18 Elias respondeu: “Não sou eu o flagelo de Israel, mas és tu e tua família, porque abandonastes Iahweh e seguiste os baals.

19 Pois bem, manda que se reúna junto de mim, no monte Carmelo, todo o Israel com os quatrocentos e cinqüenta profetas de Baal, que comem à mesa de Jezabel.”

Ler

Elias e Acab finalmente se encontram. O rei acusa o profeta de ser o flagelo de Israel (v. 17). Provavelmente o rei queria dizer que Elias enfureceu Baal e, por isso, o ídolo não enviou chuva. Mas Elias devolve a acusação a Acab. Foram o rei e sua família que causaram muitos problemas a Israel porque se esqueceram dos mandamentos de Iahweh e seguiram os baais (v. 18). A palavra está no plural porque existem muitas manifestações de Baal de Canaã. Elias quer provar quem é Deus em Israel. Ele pede que Acab reúna todo Israel para testemunhar uma disputa com os profetas de Baal no Monte Carmelo (v. 19). Para Elias trata-se de uma disputa de “tudo ou nada”. Ou Iahweh ou Baal é Deus em Israel. Não há lugar para os dois.

Refletir

Releia o texto de 1Rs 18,17-19.

As perguntas a seguir servem para ajudar sua reflexão sobre esse texto e facilitar que ele esteja mais próximo de sua experiência de vida.

  1. Acab diz que Elias é o flagelo de Israel. Uma pessoa santa nem sempre agrada porque mostra a falta de discernimento de outras pessoas. Você já encontrou alguém realmente santo? Como você se sentiu na presença de tal pessoa?
  2. Elias revelou a infidelidade de Acab. De que maneiras você é infiel a Deus?
  3. Se você tem consciência de alguma infidelidade ou pecado, o que está fazendo sobre essa questão? O que mais você pode fazer para crescer em seu relacionamento com Deus?
  4. O profeta Elias mencionou os 400 profetas de Baal que comiam à mesa de Jezabel. Existe sempre uma tentação de deixar de lado nossos princípios pelo bem da segurança. Seus princípios são intocáveis?

De acordo com a carta de Timóteo: “Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para instruir, para refutar, para corrigir, para educar na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito, qualificado para toda boa obra” (2Tm 3,16-17).

A história do encontro entre Elias e Acab é bem curta. Você encontrou algo nessa história que pode ajudá-lo?

Responder

Releia o texto de 1Rs 18,17-19 para ouvir o que Deus tem a lhe dizer.

O profeta Elias parece estar repleto de confiança em Deus. Você confia em Deus? Converse com Deus agora. Talvez você queira rezar por uma confiança maior ou talvez por perdão. A oração a seguir, tirada dos salmos, pode ajudá-lo.

Bendigo a Iahweh que me aconselha, e, mesmo à noite, meus rins se instruem.

8 Coloco Iahweh à minha frente sem cessar, com ele à minha direita eu nunca vacilo.

9 Por isso meu coração se alegra, minhas entranhas exultam e minha carne repousa em segurança;

10 pois não abandonarás minha vida no Xeol, nem deixarás que teu fiel veja a cova!

11 Ensinar-me-ás o caminho da vida, cheio de alegrias em tua presença e delícias à tua direita, perpetuamente (Sl 16,7-11).

Repousar

A contemplação é um processo de crescimento que requer nossa fidelidade e cooperação. Os caminhos do Senhor não são os nossos, por isso somos convidados a começar uma jornada rumo ao desconhecido. Trata-se do desconhecido mas conhecemos o final da jornada, ou seja, nos tornaremos um com Cristo!

A contemplação é, acima de tudo, um caminho de fé. Não podemos julgar esse caminho com nossos sentidos comuns porque a fé vai além de nossa maneira humana de julgar. O único modo de julgar se a contemplação é verdadeiramente um encontro com Deus, é através de seus frutos, isto é, seus efeitos no nosso dia a dia.

Durante a oração profunda, deixamos de lado nossos próprios interesses e entramos no mundo de Deus. Pouco a pouco assumimos o sentimento de Cristo:

Tende em vós o mesmo sentimento de Cristo Jesus:

6 Ele tinha a condição divina, e não considerou o ser igual a Deus como algo a que se apegar ciosamente.

7 Mas esvaziou-se a si mesmo, e assumiu a condição de servo, tomando a semelhança humana. E, achado em figura de homem,

8 humilhou-se e foi obediente até a morte, e morte de cruz!

9 Por isso Deus o sobreexaltou grandemente e o agraciou com o Nome que é sobre todo o nome,

10 para que, ao nome de Jesus, se dobre todo joelho dos seres celestes, dos terrestres e dos que vivem sob a terra,

11 e, para glória de Deus, o Pai, toda língua confesse: Jesus é o Senhor (Fl 2,5-11).

Isso nos leva à virtude do desprendimento, que significa estar num relacionamento correto com tudo e com todos. De acordo com São João da Cruz e Santa Teresa d’Ávila, o desprendimento é uma das virtudes mais importantes da vida cristã.[1]  Muitas vezes nos definimos por nosso papel: professor, dona de casa, religiosa, padre e assim por diante. Se percebermos que algo está ameaçando esse papel, pode ser uma ameaça a toda nossa personalidade, todo nosso mundo.

Desprendimento significa nos libertarmos gradativamente das ligações desordenadas que temos com as pessoas e as coisas para obtermos a liberdade de filhos de Deus, e assim outras pessoas também se libertarão. A palavra “coisas” inclui muitas realidades diferentes. Ela inclui coisas materiais, idéias, sentimentos, emoções etc. As coisas materiais são boas e foram criadas para o uso de todos, mas é muito fácil deixar que as coisas escravizem nossos corações. São João da Cruz escreveu: “Pouco importa se o fio que prende a ave é fino ou grosso, pois ela permanece amarrada até que o fio se parta. É verdade que o fio mais fino pode ser partido mais facilmente; mas se não for partido, a ave não poderá voar”.[2]

Quando estamos muito próximos das coisas materiais, elas podem nos cegar para a realidade. Mas quando existe uma distância entre as coisas e nós, podemos vê-las numa luz verdadeira e apreciá-las pelo que elas são. Também devemos observar nossos sentimentos e emoções. Não é bom ignorá-los, mas se eles nos guiam e controlam, não somos livres. É muito perigoso e sem sentido reprimir emoções e sentimentos porque eles continuarão a emergir de algum modo até que prestemos atenção ao que eles estão nos dizendo. Um compromisso fiel com a oração nos ajuda a nos libertarmos de nossas emoções. Deus pode revelar lentamente nossos “interesses ocultos”, ou seja, aquilo que realmente nos motiva muitas vezes inconscientemente. Gostamos de pensar que nossos motivos são sempre cristãos, mas a verdade muitas vezes é outra.

Existe uma tendência dentro de nós de tentar dominar outras pessoas. Também existe uma tendência de transformar as pessoas em coisas para satisfazer nossas necessidades. Nosso chamado é para amarmos os outros como Deus os ama porque o amor divino é libertador. As pessoas são livres para se tornarem elas mesmas, quer isto aconteça para nos agradar ou não. Ao confiarmos em Deus em vários níveis de nossa personalidade, podemos começar a dar vida aos outros.

Desprendimento não significa rejeitar ou desprezar as coisas e muito menos as pessoas, caso elas prejudiquem de algum modo nosso precioso relacionamento com Deus. Isso não seria cristão nem humano. Não significa negar que temos certas emoções ou tentar reprimi-las porque pensamos que elas não podem fazer parte da imagem que temos de nós mesmos. Isso não ajuda em nada. Os sentimentos e as emoções não são bons nem ruins. Devemos aceitá-los como parte de nós mesmos. Talvez eles sejam uma parte que preferimos não reconhecer, mas contudo, eles são uma parte importante. Através de um relacionamento pessoal com Deus, a oração me ajuda a aceitar a mim mesmo como sou, do mesmo modo que Deus me aceita. Se Deus quisesse que fôssemos anjos, ele teria nos criado dessa maneira. O Filho de Deus tornou-se um de nós para que Deus pudesse experimentar o que significa ser humano. Insultamos Deus se tentamos reprimir nossa natureza humana, mas somos chamados a seguir rumo à maturidade, que significa tornar-se plenamente humano e plenamente vivo.

Existem certos estágios do desenvolvimento humano pelos quais devemos passar. O crescimento humano não cessa quando nos tornamos fisicamente adultos, mas o processo continua pelo menos até a morte. Uma parte importante do crescimento humano é a chamada “vida espiritual”. Existem vários estágios de desenvolvimento da vida cristã. Podemos ler sobre os grandes santos e talvez desejar ser como eles, mas somos chamados a sermos santos do nosso próprio modo através de nossa humanidade. Somos chamados a manifestar a imagem de Deus na qual fomos criados. Cada um de nós possui um dom único para revelar um aspecto particular de Deus através de nossa personalidade. Não podemos nos tornar santos num dia. O caminho para a perfeição de nossa humanidade é longo. O Êxodo é um bom modelo para a jornada que cada um de nós deve empreender. Os israelitas estiveram 40 anos no deserto antes de terem a permissão de entrar na Terra Prometida. Precisamos de um pouco de paciência com o processo e, acima de tudo, conosco.

Não podemos passar de um estágio de crescimento para o outro até que tenhamos nos ocupado com o que precisa ser trabalhado a cada etapa. Contudo, existe um tempo para continuar e não se atrasar. O que é bom num momento pode tornar-se um obstáculo mais tarde. Como diz São Paulo, “Quando eu era criança, falava como criança, pensava como criança, raciocinava como criança. Depois que me tornei homem, fiz desaparecer o que era próprio da criança” (1Cor 13,11). Devemos abandonar o que não ajuda no momento certo. Pode ser doloroso deixar para trás muitas coisas que foram importantes para nós, mas isso é necessário para que possamos continuar a jornada sem estarmos sobrecarregados com muita bagagem desnecessária.

Nossa tendência é nos apossarmos espontaneamente das pessoas e das coisas pensando que elas nos trarão felicidade. No entanto, em algum momento de nossa vida descobriremos que isso não é verdade. Com a ajuda de uma oração constante e comprometida descobrimos que apenas Deus pode responder aos desejos de nosso coração. Deus é a fonte e o objetivo de todos os nossos desejos. Gradualmente alcançamos a compreensão de que só Deus pode nos satisfazer plenamente. Francisco de Assis é um modelo importante de uma pessoa realmente livre. Ele amou toda a criação com grande paixão, mas por causa de seu amor por Deus, Francisco não se deixou escravizar por nada.

Lenta, mas seguramente, ao crescermos em nosso relacionamento com Deus podemos deixar de lado as ligações óbvias. É um processo lento, mas certo. Então devemos nos dedicar as ligações mais sutis. Do mesmo modo que nos apossamos das coisas materiais ou das pessoas, também podemos nos apossar das coisas e até mesmo dos sentimentos espirituais.

A oração em segredo, método que pode ser encontrado no Apêndice I, nos ajuda a deixar de lado o controle quando se trata de oração. A princípio deixar de lado o controle não será agradável porque gostamos de ter controle sobre o que está acontecendo. Mas ao fazermos isso, descobrimos que estamos em boas mãos, isto é nas mãos de Deus. No decorrer desse processo, precisaremos confrontar várias tentações que são modos de tomar o controle de Deus.

Deixe de lado suas palavras, idéias, opiniões, pensamentos e deixe um pequeno espaço para Deus falar ao seu coração. Para ajudar a mantê-lo alerta no silêncio, sugiro a oração em segredo, que está detalhada no Apêndice I. A única verdadeira distração nesse tipo de oração é levantar-se e sair antes do final do tempo que você decidiu dedicar a ela. Todos os pensamentos, mesmo os mais interessantes, não são necessariamente distrações. Não resista, retenha ou reaja a nenhum pensamento. Quando você perceber que está distraído, volte sempre calmamente à sua palavra sagrada, símbolo de sua intenção de permanecer na presença de Deus e de estar aberto à ação divina.

Agir

Escolha uma palavra ou frase do texto ou de sua própria reflexão e continue seu relacionamento com Deus para que sua oração se prolongue durante o dia. Não estou sugerindo nenhuma palavra ou frase do texto que usamos neste capítulo.

Qualquer método de oração é útil porque nos ajuda a crescer em nosso relacionamento com Deus. Se esse relacionamento está realmente crescendo, ele afetará todo aspecto da vida. A oração em segredo não é simplesmente um método de oração que podemos usar uma vez ou duas durante o dia. Trata-se de uma disciplina espiritual e o método é apenas uma parte dela. Em primeiro lugar, essa oração em segredo não substitui todas as outras maneiras de nos relacionarmos com Deus. Devemos continuar a desenvolver nosso relacionamento com Deus, usando tudo que possa nos ajudar. Seria normal se uma prática constante da oração em segredo nos ajudasse a apreciar mais profundamente nossas devoções tradicionais. A oração em segredo vem da tradição da Lectio Divina, e combina com a leitura habitual da Bíblia. Ela nos ajuda a entrar mais profundamente na Bíblia e a apreciá-la sob um outro ponto de vista. A Bíblia não contém apenas histórias sobre pessoas que morreram há muito tempo. Ela contém a Palavra de Deus para cada um de nós neste exato momento. Quando não temos muito tempo, podemos escolher uma Palavra ou frase dos Evangelhos para levar conosco durante o dia. Quando escutamos Deus no silêncio de nosso coração, tomamos consciência de que Deus está realmente nos falando na Bíblia. Para ter certeza de que o silêncio não está vazio, não devemos desprezar o alimento que Deus nos oferece durante o dia.

É muito importante que sejamos fiéis ao nosso encontro diário com Deus. Muitas pessoas dizem que não têm tempo para a oração. Isso pode ser verdade, mas muitas vezes essas palavras simplesmente transmitem as prioridades de quem fala. Sempre encontramos tempo para fazer o que queremos. Talvez seja verdade que não temos muito tempo para oração, mas não precisamos realmente de muito tempo. Para um método como o da oração em segredo, o tempo normalmente recomendado é de 20 minutos duas vezes ao dia.

Só podemos fazer o que é possível. A oração é nossa resposta à iniciativa de Deus. Deus não precisa de tempo como nós. Deus pode fazer maravilhas sozinho, mas Ele normalmente busca nossa cooperação. Quando damos tempo a Deus, demonstramos que estamos levando a jornada espiritual a sério. Devemos ser criativos para encontrar oportunidades de estar com Deus e para fazer uso dessas oportunidades. O que realmente importa é nossa intenção. Se realmente desejamos que Deus se aproprie de nossos corações, devemos tornar esse desejo uma realidade vivendo uma existência centrada em Deus. Se aceitarmos as conseqüências, tudo sairá bem. Não é possível ser mais generoso do que Deus.

A formação espiritual também é importante. Parece que hoje algumas pessoas preferem uma religião na qual possam escolher as partes que gostam. A formação espiritual de muitos cristãos parece limitada ao que elas aprenderam no catecismo e no sermão de domingo. A prática da oração em segredo vem da tradição contemplativa cristã. Quando a pessoa inicia uma prática como essa, ela se interessa em aprender mais sobre essa tradição. A tradição contemplativa cristã contém a sabedoria de séculos e a experiência dos grandes santos. Ela está aberta àqueles que têm olhos para ver e ouvidos para ouvir, e também àqueles que querem aprender mais sobre a fé. Não é necessário ser muito inteligente ou ter formação para ter um relacionamento profundo com Deus. Mas a ignorância culpável não pode ser considerada uma virtude.

Tente ouvir seu coração durante o dia. O que é realmente importante para você? Você está realmente buscando apenas Deus ou existem outros “deuses” em sua vida?

*Do Livro; O Som do Silêncio.

[1] Caminho da Perfeição, 8; Noite Escura, 12.

[2] Ascensão do Monte Carmelo, I, 11,4.

ORAÇÃO: FLOS CARMELI

 
O Carmelo é o símbolo da vida contemplativa, da busca incessante da graça de Deus. 'Carmelo' em hebreu significa 'jardim'. A alma do Carmelo é o jardim de todas as virtudes, o recanto de todas as insondáveis delícias de Deus, ideal consumado em plenitude por Nossa Senhora, Rainha e Formosura do Carmelo. O Hino 'Flos Carmeli', atribuído a São Simão Stock (1165-1265), foi entoado originalmente pelos carmelitas para a festa desse santo e, desde 1663, para a Festa de Nossa Senhora do Monte Carmelo. 
 
Flos Carmeli,
vitis florigera,
splendor Coeli,
virgo puerpera
singularis. 
 
Flor do Carmelo
Vinha florida,
esplendor do Céu,
Virgem fecunda,
és singular.
 
Mater mitis
sed viri nescia
Carmelitis
esto propitia
Stella Maris. 
 
Doce e bendita,
ó Mãe puríssima,
aos carmelitas,
sê tu propícia,
Estrela do Mar.
 
Fonte: http://www.sendarium.com

Imagens do Frei Tinus Catharinus Van Balen, O. Carm, com os Noviços Carmelitas da Província Carmelitana de Santo Elias no Carmo de São Paulo. NOTA: A entrada da turma-2019 será no próximo domingo, 20.

Não há membro da IGREJA que não deva alguma coisa ao CARMELO”. (Thomas Merton).

Frei Emanuele Boaga, O. Carm

Da experiência dos Carmelitas de cada época e do ensino dos Mestre, brotam alguns valores a respeito da CONTEMPLAÇÃO E DA ORAÇÃO que formam o PATRIMÔNIO da tradição carmelitana.

Brevemente se pode sintetizar assim este patrimônio:

CONTEMPLAÇÃO

É mergulho no Mistério de Deus que “colocou sua tenda no coração do homem. Portanto, CONTEMPLAÇÃO e ORAÇÃO

É fazer uma profunda EXPERIÊNCIA de DEUS REAL e VIVO, ainda que as vezes obscura, em todas as dimensões humanas.

É a capacidade de encontrar a DEUS que nos amou primeiro.

ESSÊNCIA DA VERDADEIRA ORAÇÃO

É um relacionamento de amizade com Deus e consiste sempre em “sair de si para encontrar o “Outro”.

MORTE E CRUZ

A oração está associada com os temas da Morte e da cruz. Por isso, o caminho da Oração Carmelitana passa pela “noite purificadora dos sentidos”, pela solidão pela aridez que faz morrer o egoísmo e leva a sair de si para encontrar o CRISTO.

DESERTO

É essencial à contemplação;

É o despojamento, o situar-se na verdade e sem ilusões diante de Deus;

É atitude de pobreza radical que tudo espera de Cristo;

É atitude de silêncio para escutar a Palavra do “Outro”, é experiência da própria limitação e da necessidade de Deus na nossa vida;

É convicção forte, ainda que obscura, que Ele nos busca mais do que O buscamos. Jesus procura o homem primeiro.

ESPIRITO SANTO

A Oração é dom do Espírito. É Ele que atua eficazmente na Oração e nos transforma quando na docilidade a Ele deixamo-nos conduzir. Ele nos leva às formas mais elevadas de oração, como fruto da fidelidade e acolhida de seus dons.

PRESENÇA DE DEUS:

É preciso viver a presença de Deus no próprio coração, nos irmãos, na vida. É preciso experimentá-lo por meio de abertura para a realidade e para os sinais dos tempos que revelam sua presença.

PALAVRA de DEUS

A contemplação e a oração se nutrem pela FAMILIARIDADE com a Palavra de Deus, ouvida

No silêncio e na solidão do próprio coração,

No dialogo comunitário e fraterno

Na realidade.

FORMAS DE ORAÇÃO

Ainda que não se reduzam as formas concretas, a oração e a contemplação necessitam delas como meios indispensáveis para crescerem. Entre estas formas ocupa lugar privilegiado a oração litúrgica e a “Lectio Divina”.

ENVOLVIMENTO DO HOMEM TODO,

A vida de oração requer o envolvimento do homem todo e, portanto, o crescimento da pessoa com a integração de sua afetividade na oração. Além disto, a oração exige uma contínua verificação do próprio relacionamento com os outros, com a realidade, com a vida. Deve exprimir-se através das obras de virtude, como sinais de amor a Deus. A contemplação deve conduzir-nos através do encontro com o ABSOLUTO de DEUS a realização de seu plano de AMOR para os irmãos e o mundo, portanto, deve levar-nos ao COMPROMISSO.

INSPIRAÇÃO ELIANO-MARIANA

A inspiração Eliana-Mariana reforça as dimensões de nossa contemplação-compromisso:

Maria - a Virgem da Encarnação, mulher de escuta amorosa e de fé.

Elias - o homem de contemplação encarnada na realidade humana, à procura da FACE do DEUS verdadeiro

ORIENTAÇÕES GERAIS PARA LEITURA DE UM TEXTO

1º - A imagem de Deus que cada um de nós tem se reflete na maneira concreta como fazemos oração e como falamos da Oração. Esta imagem pode ser diferente nas várias épocas.

2º - Todo ser vivo toma seus elementos do ambiente e assimila os elementos que lhe convém. Esta osmose é também presente na vida do Carmelo.

3º - No caminho histórico da Ordem o mesmo valor vem encarnado de maneiras diversas com ênfases, acentuações, enfraquecimentos, etc. É preciso, num discurso de valores, verificar quais são os valores que se encarnam no contingente e até que ponto, em cada época ou situação o contingente permite ao valor a encarnação no contexto histórico concreto.

4º - Um texto espiritual deve ser lido dentro do próprio contexto particular e geral, isto é, de acordo com a ideia global do livro, do autor e do ambiente. É necessária a atenção a figura literária, ao estilo do autor, a simbologia e a outros princípios de leitura hermenêutica.

5º - É necessário, enfim, ter presente a ambiguidade dos termos e o significado próprio da palavra tal como o Autor lhe confere:

CONTEMPLAÇÃO = Aspecto intelectual atitude do homem total diante de Deus- forma superior de oração

AÇÃO = Disposição para atuar atividade externa.

ORAÇÃO = Atitude orante formas e formulas de oração.

SILÊNCIO = Vazio interior falta de rumor

SOLIDÃO - Lugar silencioso, sem barulho situação interior.

ALMA E CORPO = Elementos da pessoa humana relacionados muitas vezes de modo dualista, dicotômico.

AFETIVIDADE = Sentimento tudo aquilo que se refere ao coração num preciso contexto antropológico

MUNDO - Realidade criada

Realidade interior - Realidade externa. Lugar de contra-valores. Etc. etc. etc.

SUGESTÕES PARA A REFLEXÃO

1- Qual é a imagem de Deus e a experiência de oração que transparece no texto; Procurar os elementos positivos e negativos

2- Como os valores fundamentais da Tradição Carmelitana estão expressos no texto? Em particular, qual ou quais?

3- A realidade do ambiente e o compromisso apostólico com o povo transparecem no texto? Como? Se não, por que?

4-E nossa Oração; Qual é a imagem de Deus que oferece e anuncia HOJE? Que formas concretas de vivência desta imagem procuramos?

5- Nós, como Carmelitas precisamos denunciar os falsos ídolos da religiosidade na Igreja e no mundo. Quais? Como?

*A ORAÇÃO NA VIDA CARMELITANA. Reflexões e textos de autores carmelitanos sobre a Comunhão com Deus e a Oração no Carmelo.

Textos preparados por Frei Emanuele Boaga, O.Carm. Para Encontros de espiritualidade Carmelitana das Irmãs Carmelitas da Divina Providência. JULHO - 1986 - Rio Janeiro.

Introduction: The following note was added in the edition of the text:

“NOTA EDITORIS. Regula Carmelitis data est ab Alberto patriarcha Hierosolymitano anno incerto inter 1206 et 1214. Primam approbationem S. Sedis obtinuit die 30 Ianuarii 1226 ab Honorio lII; confirmata deinde fuit a Gregorio IX die 6 Aprilis 1229 et iterum ab Innocentio IV, die 8 Iunii 1245.

Idem Innocentius IV, rogatus ab ipsis Carmelitis, die 1 Octobris 1247 Regulam Æ declaravit, correxit ac mitigavit, ut eam condicionibus Occidentis adaptaret. Textus innocentianus confirmatus est ab Alexandro IV die 3 Februarii 1256, Urbano IV die 22 Maii 1262 et Nicholao IV die 1 Iulii 1289.

Rogatu capituli generalis Ordinis, Eugenius IV, sub dato diei 15 Februarii 1432, quin textum Regulae tangeret Carmelitis concessit horis congruis manere et deambulare a in eorum ecclesiis et illarum claustris ac per earum ambitus, necnon facultatem carnes comedendi tribus diebus in hebdomada. Hanc ultimam concessionem, una cum facultate dispensandi a ieiunio relicta iudicio Prioris generalis, ampliarunt Pius II die 5 Decembris 1459 et Sixtus IV die 29 Novembris 1476.

Textus Regulae qui hic editur desumitur ex bulla Innocentii IV, cuius registrum in Archivo

Vaticano asservatur (Reg. Vat. 21, ff. 465v-466r): est textus omnium antiquissimus eorum quos habemus. Ibi non habentur divisiones in capita neque tituli variarum partium, hic ponuntur (litteris cursivis) usu apud nos recepto inde a tempore Prioris generalis Ioannis Baptistae Caffardi (1586).

Etiam adaptantur ad morem hodiernum litterae maiusculae et signa interpunctionis; cetera manent uti iacent.”

 

REGULA ORDINIS FRATRUM BEATISSIMAE

VIRGINIS MARIAE DE MONTE CARMELO

Prologus

Albertus, Dei gratia Ierosolimitane Ecclesie vocatus patriarcha, dilectis in Christo filiis B. et ceteris heremitis qui sub eius obedientia iuxta Fontem in monte Carmeli morantur, in Domino salutem et Sancti Spiritus benedictionem. Multipharie multisque modis sancti patres instituerLmt qualiter quisque, in quocumque ordine fuerit, vel quemcumque modum religiose vite elegerit, in obsequio Ihesu Christi vivere debeat, et eidem fideliter de corde puro et bona conscientia deservire. Verum, quia requiritis a nobis, ut iuxta propositum vestrum tradamus vobis vite formulam, quam tenere in posterum debeatis.1

Caput I: De Priore habendo et tribus sibi promittendis

Illud in primis statuimus, ut unum ex vobis habeatis Priorem, qui ex unanimi omnium assensu, vel maioris et sanioris partis, ad hoc officium eligatur; cui obedientiam promittat quilibet aliorum, et promissam studeat operis veritate servare cum castitate et abdicatione proprietatis.

Caput Il: De receptione locorum

Loca autem habere poteritis in heremis vel ubi vobis donata fuerint, ad vestre religionis observantiam apta et commoda, secundum quod Priori et fratribus videbitur expedire.

Caput lII: De cellulis fratrum

Preterea, iuxta situm loci quem inhabitare proposueritis, singuli vestrum singulas habeant cellulas separatas, sicut per dispositionem Prioris ipsius, et de assensu aliorum fratrum vel sanioris partis, eedem cellule cuique fuerint assignate.

Caput IV: De communi refectione

Ita tamen ut in communi refectorio ea que vobis erogata fuerint, communiter aliquam lectionem sacre scripture audiendo, ubi commode poterit observari, sumatis.

Caput V: De non mutando nec permutando cellulas

Nec liceat alicui fratrum, nisi de licentia Prioris, qui pro tempore fuerit, deputatum sibimutare locum, vel cum alio permutare.

Caput VI: De cellula Prioris

Cellula Prioris sit iuxta introitum loci, ut venientibus ad eundem locum primus occurrat; et de arbitrio et de dispositione ipsius postmodum que agenda sunt cuncta procedant.

Caput VII: De mansione in cellulis

Maneant singuli in cellulis suis, vel iuxta eas, die ac nocte in lege Domini meditantes, et in orationibus vigilantes, nisi aliis iustis occasionibus occupentur.

Caput VIII: De horis canonicis

Hii, qui horas canonicas cum clericis dicere norunt, eas dicant secundum constitutionem

sacrorum patrum et Ecclesie approbatam consuetudinem. Qui eas non noverunt, vigintiquinque vicibus Pater noster dicant in nocturnis vigiliis, exceptis dominicis et sollempnibus diebus, in quórum vigiliis predictum numerum statuimus duplicari, ut dicatur Pater noster vicibus quinquaginta. Septies autem eadem dicatur oratio in laudibus matutinis. In aliis quoque horis septies similiter eadem sigillatim dicatur oratio, preter officia vespertina, in quibus ipsam quindecies dicere debeatis.

Caput IX: De non habendo proprium

Nullus fratrum aliquid esse sibi proprium dicat, set sint vobis omnia communia et distribuatur unicuique per manum Prioris, id est per fratrem ab eodem ad idem officium deputatum, prout cuique opus erit, inspectis etatibus et necessitatibus singulorum. Asinos autem sive mulos, prout vestra expostulaverit necessitas, vobis habere liceat, et aliquod animalium sive volatilium nutrimentum.

Caput X: De oratorio et de audienda Missa quotidie

Oratorium, prout comodius fieri poterit, construatur in medio cellularum, ubi mane per singulos dies ad audienda missarum sollempnia convenire debeatis, ubi hoc comode fieri potest.

Caput XI: De capitulo et correctione fratrum

Dominicis quoque diebus vel aliis, ubi opus fuerit, de custodia ordinis et animarum salute tractetis; ubi etiam excessus et culpe fratrum, si que in aliquo deprehense fuerint, caritate media corrigantur.

Caput XII: De ieiunio

Ieiunium singulis diebus, exceptis dominicis, observetis a festo Exaltationis sancte Crucis usque ad diem dominice Resurrectionis, nisi infirmitas vel debilitas corporis aut alia iusta causa ieiunium solvi suadeat, quia necessitas non habet legem.

Caput XIII: De abstinentia carnium

Ab esu carnium abstineatis, nisi pro infirmitatis vel debilitatis remedio sumantur. Et quia vos oportet frequentius mendicare itinerantes, ne sitis hospitibus onerosi, extra domos vestras sumere poteritis pulmenta cocta cum carnibus; sed et carnibus supra mare vesci licebit.

Caput XIV: De armis spiritualibus

Quia vero temptatio est vita hominis super terram, et omnes qui pie volunt vivere in Christo persecutionem patiuntur, adversarius quoque vester diabolus, tanquam leo rugiens, circuit querens quem devoret, omni sollicitudine studeatis indui armatura Dei, ut possitis stare adversus insidias inimici. Accingendi sunt lumbi cingulo castitatis muniendum est pectus cogitationibus sanctis, scriptum est enim: cogitatio sancta servabit te. Induenda est lorica iustitie, ut Dominum Deum vestrum ex toto corde et ex tota anima et ex tota virtute diligatis, et proximum vestrum tanquam vos ipsos. Sumendum est in omnibus scutum fidei, in quo possitis omnia tela nequissimi ignea extinguere: sine fide enim impossibile est placere Deo. Galea quoque salutis capiti imponenda est, ut de solo Salvatore speretis salutem, qui salvum facit populum suum a peccatis eorum. Gladius autem spiritus, quod est verbum Dei, habundanter habitet in ore et in cordibus vestris; et quecunque vobis agenda sunt, in verbo Domini fiant.

Caput XV: De assiduitate operationis ad evitandam otiositatem

Faciendum est vobis aliquid operis, ut semper vos diabolus inveniat occupatos, ne ex

ociositate vestra aliquem intrandi aditum ad animas vestras valeat invenire. Habetis in hoc beati Pauli apostoli magisterium pariter et exemplum, in cuius ore Christus loquebatur, qui positus est et datus a Deo predicator et doctor gentium in fide et veritate quem si secuti fueritis, non poteritis aberrare. In labore, inquit, et fatigatione fuimus inter vos nocte ac die operantes, ne quem vestrum gravaremus: non quasi nos non habeamus potestatem, sed ut nosmetipsos formam daremus vobis ad imitandum nos. Nam, cum essemus apud vos, hoc denuntiabamus vobis: quoniam si quis non vult operari non manducet. Audivimus enim inter vos quosdam ambulantes inquiete, nichil operantes. Hiis autem, qui eiusmodi sunt, denuntiamus et obsecramus in Domino Ihesu Christo, ut cum silentio operantes suum panem manducent: hec via sancta est et bona; ambulate in ea.

Caput XVI: De silentio

Commendat autem Apostolus silentium, cum in eo precipit operandum et quemadmodum propheta testatur: cultus iustitie silentium est; et rursus: in silentio et spe erit fortitudo vestra. Ideoque statuimus ut dicto completorio silentium teneatis usque ad primam dictam sequentis diei. Alio vero tempore, licet silentii non habeatur observatio tanta, diligentius tamen a multiloquio caveatur, quoniam sicut scriptum est, et non minus experientia docet, in multiloquio peccatum non deerit; et qui inconsideratus est ad loquendum sentiet mala. Item, qui multis verbis utitur, ledit animam suam. Et Dominus in evangelio: de omni verbo otioso, quod locuti fuerint homines, reddent rationem de eo in die iudicii. Faciat ergo unusquisque stateram verbis suis, et frenos rectos hori suo, ne forte labatur et cadat in lingua, et insanabilis sit casus eius ad mortem. Custodiens cum propheta vias suas, ut non delinquat in lingua sua, et silentium in quo cultus iustitie est, diligenter et caute studeat observare.

Caput XVII: De humilitate ad Priorem exhortatio

Tu autem, frater B. et quicunque post te institutus fuerit Prior, illud semper habeatis in mente, et servetis in opere, quod Dominus ait in evan elio: Quicumque voluerit inter vos maior fieri, erit minister vester, et quicunque voluerit inter vos primus esse, erit vester servus.

Caput XVIII: De honorando Priorem ad fratres exhortatio

Vos quoque, ceteri fratres, Priorem vestrum honorate humiliter, Christum potius cogitantes quam ipsum, qui posuit illum super capita vestra, et ecclesiarum prepositis ait: Qui vos audit, me audit, qui vos spernit, me spernit, ut non veniatis in iudicium de contemptu, sed de obedientia mereamini eterne vite mercedem. Hec breviter scripsimus vobis, conversationis vestre formulam statuentes, secundum quam vivere debeatis. Si quis autem supererogaverit, ipse Dominus, cum redierit, reddet ei; utatur tamen discretione, que virtutum est moderatrix.

            A família Brandsma vivia num sitio afastado num ambiente de tranquilidade e intimidade, virtudes que se equilibravam com as estações, festas religiosas e a santificação do domingo.

Na vida familiar a vida religiosa ocupava um lugar de destaque. Os costumes religiosos eram piedosamente conservados. Imagens de santos e água benta tinham por função manter a fé viva. Construíam-se igrejas com torres altas.

A frequência era muito elevada. Antes de tudo, a Igreja devia ser bem visível. O povo gostava de sermões bombásticos, flores, liturgia pomposa com incenso e muitas velas. Pelo resto apreciava-se o recolhimento.

           Os fiéis não queriam ser impedidos em suas práticas devocionais tradicionais. Esse estilo de vida não provinha apenas do sentimento de insegurança, mas também do sinal de fidelidade à Igreja, que não queria ser deste mundo.

         Alguns progressistas não concordavam com uma Igreja atrás de muros seguros e defendiam uma Igreja aberta aos desafios do mundo. Era uma luta veemente entre prós e contras. Nesse período de uma Igreja voltada sobre si mesma, começa o caminho de vida de Tito Brandsma. A vida dele cabe na imagem daquele tempo: um período com pouca originalidade, uma Igreja solene com forte busca do sublime. Fuga do mundo.

      O apego a certezas e segurança impedia a renovação. Preferia-se o estabelecido previsível profundamente enraizado. Todo o risco de renovação era repelido. Nada podia perturbar o sossego. Os jovens eram orientados a serem bem comportados. Dedicar-se à imitação era mais importante que desenvolver a própria criatividade.

*Do livro; O caminhar de Tito Brandsma no tempo de Hitler

Priora, Mara Bottene Almeida Leme

1ª Conselheira, Maria Pascoalina Stocco Camargo

2ª Conselheira, Ruth Espasiano

3º Conselheiro, Olívio Camossi.

Frei Bruno Secondin O. Carm.

No Carmelo sempre estivemos convencidos da centralidade do seguimento do Senhor pela nossa vida. E com os novos comentários da Regra a cristologia tem sido melhor entendida e interpretada. E o cristocentrismo foi interpretado de maneira nova e mais inspiradora em comparação com a primeira. Sobretudo o sentido da frase inicial: “Viver em obséquio de Jesus Cristo e servi-lo fielmente de coração puro e consciência reta” (R 2) foi melhor precisado. É a chamada à norma suprema irrenunciável, que deve tudo guiar e filtrar. As várias prescrições da Regra  são a  aplicação prática e séria do seguimento.

- Seguir e não imitar: temos prestado pouca atenção a este aspecto. E no entanto é importante, no contexto da nossa Regra. Naquele momento era intensa a religiosidade da imitação, da lembrança literal e biográfica. Pensemos no que fez São Francisco e na religiosidade popular do 1200. O Carmelo, ao invés, quis penetrar  dinamicamente na identidade e sabedoria do Mestre. Trata-se de um encontro na fé e no amor, na contemplação e na partilha mútua da mesma causa e da mesma meta. Seguimento exige adesão interior, empenho aberto, adaptação e criatividade, diversificação, etc.

- Uma comunidade de discípulos irmãos é a primeira consequência: não uma comunidade para fazer alguma coisa, ligada a uma obra a fazer funcionar. Mas um discipulado que se vive em várias modalidades, seguindo o Mestre, e cadenciando o tempo de acordo com o grande mistério da salvação. Veja-se o ritmo da ascese e o do combate: estão ligados à Páscoa e às exigências do Batismo (Páscoa pessoal).

- Viver em Cristo: encontramos algumas vezes esta expressão (R 1; 18; 20). Não se trata de uma indicação genérica, mas de um valor intenso. Isto quer dizer habitar na Palavra para ser impregnados e habitados pela Palavra (R 10; 19; 22) em todas as situações da vida. E, de fato, a Regra é como uma grande lectio divina, que traduz em decisões práticas, coerentes, toda a sabedoria da Palavra.

- Viver na presença sacramental de Cristo: sobretudo na celebração da Missa se mostra-se isto central e fonte de um dinamismo transformador, excepcional. Para lá devem, cada dia vir juntos (com-venire debeatis) e de lá apreender forma e estilo nos relacionamentos mútuos. Mas podemos reconhecer que há ainda outros sinais “sacramentais”, que se ressaltam: antes de tudo os irmãos e a sua participação viva no projeto  (propositum); as autoridades constituídas (o prior, o patriarca, os santos padres...) são mediação e epifania de uma presença de Cristo, que se deve acolher e amar; mas a própria estrutura do lugar é de um certo modo revelação de uma presença a ser amada e respeitada (cf. o templo no centro).

- Esperar a volta do Senhor: é um elemento muito importante na espiritualidade daquele tempo. E por isto havia tantas formas de devoção para salvar a própria alma no momento do juízo final. Na Regra este medo e esta forma de preocupação têm outro registro. Trata-se de uma espera vivida com fidelidade serena, de coração vigilante e transparência em tudo. Mas a espera da chegada definitiva torna-se sobretudo princípio inspirador para não absolutizar as normas e os resultados. Estímulo para uma identidade flexível e até mesmo nômade. “O quotidiano mover-se” até à Capela é sinal antropológico e topográfico de um caminhar rumo ao último encontro, totalmente transfigurados pela Palavra, pela Páscoa e pela fraternidade, pela sobriedade e pela vigilância.

 - Uma  cristologia aberta a novas experiências: justamente a  falta de formas devocionais evidentes (num contexto muito fanático por devoções) e a atenção aos valores vitais da cristologia (Palavra, Páscoa, luta espiritual, serviço, fraternidade, etc.) indicam um caminho cristológico  aberto e personalizado. O Carmelo  que padroniza em algumas imagens a sua cristologia (p.ex. o Menino, o Mestre, flagelado, crucificado, eucarístico, Sagrado Coração) não é conforme à Regra. Quando, ao invés, sabe fazer sintonia da variedade de respostas e de símbolos, de figuras e leituras de Cristo, aí então é fiel ao propositum.

À luz da Palavra. Uma preciosa confirmação desta cristologia no-la oferece o Evangelho de João: estou pensando no momento de se formar o primeiro grupo de discípulos (Jo 1, 35-51). Para completeza seria necessário incluir também as afirmações “cristológicas” do Batista. Normalmente lemos nesta página o processo vocacional: não está aí toda a verdade desta narrativa.

- Múltiplos títulos dados a Jesus: notemos que há uma dezena de títulos diversos dados pelos discípulos para indicar o que encontraram e o que querem comunicar. Começa João Batista por chamá-lo “Cordeiro de Deus”. Depois os dois discípulos o chamam de “Mestre” (Natanael também dirá o mesmo). André fala dele a Simão e o chama de “Messias”. Filipe o descreve como “Aquele sobre quem escreveram Moisés e os  profetas”; e acrescenta dados anagráficos: “Jesus, filho de José de Nazaré”. Natanael , enfim, o admira como “Filho de Deus e Rei de Israel”. Mas até Jesus mesmo se dá um título: “O Filho do homem”. Poderemos ainda acrescentar alguns títulos dados pelo Batista um pouco antes: “Aquele que existia primeiro; o habitado pelo Espírito”, “o que batiza no Espírito” (v. 33s).

- Ser discípulos para João é uma caminhada para a verdade, uma descoberta progressiva, que se torna uma confissão proclamada. Cada um contribui com a sua sensibilidade mais aberta (o Batista e André) ou mais tradicional (Natanael e Filipe). Não se trata de afirmações teóricas, de palavras já confeccionadas,  que se repetem. Trata-se de uma convicção amadurecida por dentro, conservando e refletindo, interpretando. A fé que anima a comunidade nutre-se e se consolida com o caminho de fé de cada um.

- Fruto dos microprocessos pessoais de reflexão e discernimento, de assombro e dúvida é a nova comunidade. Quem encontrou alguma coisa que o “tocou” por dentro comunica-o de maneira pessoal e convicta. A primeira carta de João também ainda recorda este processo de verificação e de comunicação (cf. 1Jo 1,1-4)

- Na Regra podemos também ver que não se impõem títulos que vinculam, quanto, de preferência, horizontes em cuja direção perscrutar. Depois cada um, conforme os carismas, encontra as suas preferências de imagens e de destaques. Prova disto são os nossos grandes Santos com a variedade de linguagem cristológica. É um modelo aberto, que nós também devemos assumir em vista de uma resposta pessoal e não repetitiva.

- Na formação justamente é necessário oferecer aos jovens a possibilidade de um encontro direto e pessoal, de uma resposta pessoal e original, não puramente repetitiva ou devocional.  E cada um deve tornar-se mediação para o outro, seja com as palavras, seja com os gestos,  para um aprofundamento e um encontro direto e iluminador (pensemos em Cefas-Pedro e em Natanael).

- Até  mesmo os próprios votos devem ser lidos e apresentados como um seguimento de Cristo pobre, casto, obediente, mas também orante e missionário. Então não haverá setores para controlar com escrúpulo, com medo de pecar. Mas serão modalidades de seguimento e de adesão conformadora, como diz a VC: “A vida consagrada constitui memória viva do modo de existir e de agir de Jesus como Verbo Encarnado diante do Pai  e diante dos irmãos” (VC 22). Aí está em jogo a diferença entre um comportar-se como “religioso” e uma maturidade de “crente”: dentro deve amadurecer a “confissão” de fé.

Trabalho pessoal e em grupo:

1-Conseguimos reconhecer este tipo de cristologia na Regra?

2-Sabemos formar para uma adesão profunda e conformadora no seguimento, ou preferimos antes formas devocionais e práticas de piedade?

3-O texto de João que é que sugere para a  nossa formação?

Frei Carlos Mesters, O.Carm

1) Oração

Ó Deus todo-poderoso, que o Natal do Salvador do mundo, manifestado pela luz da estrela, sempre refulja e cresça em nossas vidas. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.

2) Leitura do Evangelho      (Lucas 5, 12-16)

12Estando ele numa cidade, apareceu um homem cheio de lepra. Vendo Jesus, lançou-se com o rosto por terra e lhe suplicou: Senhor, se queres, podes limpar-me. 13Jesus estendeu a mão, tocou-o e disse: Eu quero; sê purificado! No mesmo instante desapareceu dele a lepra. 14Ordenou-lhe Jesus que o não contasse a ninguém, dizendo-lhe, porém: Vai e mostra-te ao sacerdote, e oferece pela tua purificação o que Moisés prescreveu, para lhes servir de testemunho. 15Entretanto, espalhava-se mais e mais a sua fama e concorriam grandes multidões para o ouvir e ser curadas das suas enfermidades. 16Mas ele costumava retirar-se a lugares solitários para orar.

3) Reflexão    - Lc 5, 12-16

*  Um leproso chega perto de Jesus. Era um excluído. Devia viver afastado. Quem tocasse nele ficava impuro! Mas aquele leproso teve muita coragem. Transgrediu as normas da religião para poder chegar perto de Jesus. Ele diz: Se queres, podes curar-me!  Ou seja: “Não precisa tocar-me! Basta o senhor querer para eu ficar curado!” A frase revela duas doenças: 1) a doença da lepra que o tornava impuro; 2) a doença da solidão a que era condenado pela sociedade e pela religião. Revela também a grande fé do homem no poder de Jesus. Profundamente compadecido, Jesus cura as duas doenças. Primeiro, para curar a solidão, toca no leproso. É como se dissesse: “Para mim, você não é um excluído. Eu te acolho como irmão!” Em seguida, cura a lepra dizendo: Quero! Seja curado! 

*  O leproso, para poder entrar em contato com Jesus, tinha transgredido as normas da lei. Da mesma forma, Jesus, para poder ajudar aquele excluído e, assim, revelar um rosto novo de Deus, transgride as normas da sua religião e toca no leproso. Naquele tempo, quem tocava num leproso tornava-se um impuro perante as autoridades religiosas e perante a lei da época.

*  Jesus não só cura, mas também quer que a pessoa curada possa conviver. Ele reintegra a pessoa na convivência. Naquele tempo, para um leproso ser novamente acolhido na comunidade, ele precisava ter um atestado de cura assinado por um sacerdote. É como hoje. O doente só sai do hospital com o documento assinado pelo médico de plantão. Jesus obrigou o fulano a buscar o documento, para que ele pudesse conviver normalmente. Obrigou as autoridades a reconhecer que o homem tinha sido curado.

*  Jesus tinha proibido o leproso de falar sobre a cura. O Evangelho de Marcos informa que esta proibição não adiantou nada. O leproso, assim que partiu, começou a divulgar a notícia, de modo que Jesus já não podia entrar publicamente numa cidade. Permanecia fora, em lugares desertos (Mc 1,45). Por que? É que Jesus tinha tocado no leproso. Por isso, na opinião da religião daquele tempo, agora ele mesmo era um impuro e devia viver afastado de todos. Já não podia entrar nas cidades. E Marcos mostra ainda que o povo pouco se importava com estas normas oficiais, pois de toda a parte vinham a ele (Mc 1,45). Subversão total!

*  O duplo recado que Lucas e Marcos dão às comunidades do seu tempo e a todos nós é este: 1) anunciar a Boa Nova é dar testemunho da experiência concreta que se tem de Jesus. O leproso, o que ele anuncia? Ele conta aos outros o bem que Jesus lhe fez. Só isso! Tudo isso! E é este testemunho que leva os outros a aceitar a Boa Nova de Deus que Jesus nos trouxe. 2) Para levar a Boa Nova de Deus ao povo, não se deve ter medo de transgredir normas religiosas que são contrárias ao projeto de Deus e que dificultam a comunicação, o diálogo e a vivência do amor. Mesmo que isto traga dificuldades para a gente, como trouxe para Jesus.

4) Para confronto pessoal

1) Para ajudar o próximo, Jesus transgrediu a lei da pureza. Existem hoje leis na igreja que dificultam ou impedem a prática do amor ao próximo?

2) O leproso para poder ser curdo teve coragem a opinião pública do seu tempo. E eu?

5) Oração final

Louva, ó Jerusalém, ao Senhor; louva o teu Deus, ó Sião, porque ele reforçou os ferrolhos de tuas portas, e abençoou teus filhos em teu seio. (Sal 147)

Jesus Cristo, o homem pobre, nasceu e viveu numa condição humilde. Na sua vida ter­rena quis ser despojado de qualquer riqueza [1], poder e prestígio mundano [2]. Ele assumiu a condição de servo, tornando-se semelhante aos homens[3] e identificando-se com os pequenos e os pobres[4]. Com os seus discípulos partilhou toda a sua vida[5], os projetos do Pai[6], a mis­são [7], a oração[8]. Por isto, foi para eles não só o Mestre, mas também o Amigo e o Irmão[9]. Na cruz, Jesus experimentou a pobreza mais radical e a nudez mais absoluta, segundo o projecto do Pai. De facto, na cruz entregou-se todo pela humanidade. De rico que era, Jesus fez-se pobre por nós, para que nos tornássemos ricos por meio da sua pobreza [10].

Seguindo Jesus, o homem pobre, as primeiras comunidades cristãs, animadas pela comu­nhão (koinonia) fraterna, viveram e praticaram a partilha dos bens materiais [11] e espiri­tuais [12].

Seguindo Jesus e tendo como modelo a prática da Igreja primitiva, também nós que­remos abraçar voluntariamente o Conselho evangélico da pobreza, fazendo voto de possuir tu­do em comum e declarando que nenhuma coisa nos pertence como própria[13]. Cremos que tu­do nos é dado como dom e que tudo, os nossos bens espirituais, materiais, culturais, adquiri­dos com o nosso trabalho, deve ser "restituído", do melhor modo possível, em favor das neces­sidades da Igreja e da nossa Or­dem em favor da promoção humana e social de todos os ho­mens [14].

Sabemos que a pobreza é uma realidade ambígua e complexa. De facto, pode ser um mal, se é carência dos meios de subsistência, causada pela injustiça, pelo pecado pessoal e so­cial [15], mas pode ser também um estilo evangélico de vida, assumido por aqueles que confiam somente em Deus, partilhando os seus bens, solidarizando-se com os pobres, renunciando a todo desejo de domínio e de auto-suficiência. Na contemplação interiorizamos a atitude real de pobreza, que é um processo profundo de esvaziamento interior, pelo qual somos sempre menos donos da nossa atividade e ideias, virtudes e pretensões, e nos abrimos à ação de Deus. Deste modo, tornamo-nos realmente pobres como Cristo, não possuindo nem sequer a nossa pobreza escolhida neste processo, no qual o amor de Deus nos esvazia.

Por isso, nós que escolhemos livremente a pobreza como estilo evangélico de vida, sen­timo-nos chamados, pelo Evangelho e pela Igreja, a despertar a consciência dos homens diante do problema da miséria gravíssima, da fome e da justiça social[16]. Atingiremos a sua finalidade, se, aci­ma de tudo, a nossa pobreza der testemunho do sentido humano do nosso trabalho, como um meio de sustento da vida e como serviço aos outros[17]; se, além disso, nos preocuparmos em estudar e co­nhecer as causas económicas, sociais e morais da pobreza, fruto da injustiça[18]; se fizermos um uso sóbrio e modesto dos nossos bens, pondo-os ao serviço, também gratuito, da promoção humana e espiritual dos nossos contemporâneos[19]; se, enfim, fizermos um são e equilibrado discernimento so­bre as nossas formas de presença no meio do povo, orientando-as para a libertação e promoção inte­gral do homem[20].

Portanto, os religiosos professos solenes não podem possuir como próprios os bens mate­riais, mas tudo o que recebem pertence ao convento, à Província ou à Ordem, segundo as normas das presentes Constituições e dos Estatutos da Província[21].

Ainda que no foro canónico conserve o seu valor o que prescreve o n. 55, nos lugares em que as leis civis não reconhecem os efeitos da profissão solene, é lícito aos religiosos realizar actos ju­rídicos (doações, testamentos, etc.) no foro civil, em favor do conven­to, da Provín­cia ou da Ordem, com efeitos civis.

No caso, pois, que as leis civis não reconheçam nem mesmo a personalidade jurídica do con­vento, da Província ou da Ordem, é lícito agir no foro civil como se fossem proprietários, mantendo-se no foro canônico as leis acima expostas.

No uso dos bens materiais, sintamo-nos responsáveis diante de Deus pela observân­cia da pobreza que professamos livremente, tendo presente que fazemos o voto de pobreza com o fim de viver, individual e comunitariamente, uma vida simples, banindo qualquer coisa que possa ofender a sensibilidade dos pobres. Os Estatutos da Província estabeleçam quanto deve ser colocado à disposi­ção de cada religioso para as necessidades pessoais, segundo as exi­gências que podem variar de país para país. Também as normas que dizem respeito ao jejum e à abstinência, de que se fala no nº 40, podem estimular-nos à sobriedade de vida e a ajudar os pobres.

Não nos esqueçamos que, atualmente, o melhor modo de testemunhar o voto de pobreza é o cumprimento fiel da lei comum do trabalho. Abracemos, por isso, com entu­siasmo, o preceito da Regra, que nos exorta a trabalhar assiduamente[22], conscientes de que, pelo nosso esforço, nos tor­namos cooperadores de Deus na obra da criação[23] e, ao mesmo tempo, desenvolvemos a nossa per­sonalidade e, através da caridade laboriosa, ajudamos os nos­sos confrades e todos os ho­mens e conduzimos a Ordem a um bem-estar crescente. Além disso, prolongamos no tempo o cará­ter de nobreza dado ao trabalho por Jesus Cristo, que não menosprezou o esforço manual, e imita­mos o exemplo da Virgem Maria que, durante a sua vida na terra, viveu uma vida cheia de cuidados familiares e de trabalho.

*CONSTITUIÇÕES DA ORDEM DOS IRMÃOS DA BEM-AVENTURADA VIRGEM MARIA do MONTE CARMELO.

[1]     Cfr Lc 9,58.

[2]     Cfr Jo 6,15; 5,41.

[3]     Cfr Fil, 2,7.

[4]     Cfr Mt 25,40.

[5]     Cfr Jo 1,39.

[6]     Cfr Jo 15,15.

[7]     Cfr Mt 10.

[8]     Cfr Lc 11,1-4.

[9]     Cfr Heb 2,11; Rm 8,29.

[10]    Cfr 2 Cor 8,9; e também RD 12.

[11]    Cfr Act 2,4-45; 4,32; 2 Cor 8,1-15.

[12]    Cfr 1 Pd 4,10-11.

[13]    Cfr Regra, c. 9.

[14]    Cfr I Cons. Prov., 43, 46.

[15]    Cfr SRS 16.

[16]    Cfr ET 18.

[17]    Cfr Regra, c. 15; ET 20.

[18]    Cfr Congr. gen. 1980, 266; X Cons. Prov., 429 c).

[19]    Cfr I Cons. Prov., 46, 47.

[20]    Cfr I Cons. Prov., 49; III Cons. Prov., 162-169; Congr. gen. 1980, 266; VI Cons. Prov., 330.

[21]    Cfr can. 668.

[22]    Cfr Regra, c. 15; LE 27.

[23]    Cfr GS 34.

Frei Carlos Mesters, O.Carm

1) Oração

Ó Deus, pelo nascimento do vosso Filho, a aurora do vosso dia eterno despontou sobre as nações. Concedei ao vosso povo conhecer a fulgurante glória do seu redentor e por ele chegar à luz que não se extingue. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.

2) Leitura do Evangelho (Lucas 4,14-22a)

14Jesus então, cheio da força do Espírito, voltou para a Galileia. E a sua fama divulgou-se por toda a região. 15Ele ensinava nas sinagogas e era aclamado por todos. 16Dirigiu-se a Nazaré, onde se havia criado. Entrou na sinagoga em dia de sábado, segundo o seu costume, e levantou-se para ler. 17Foi-lhe dado o livro do profeta Isaías. Desenrolando o livro, escolheu a passagem onde está escrito (61,1s.): 18O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu; e enviou-me para anunciar a boa nova aos pobres, para sarar os contritos de coração, 19para anunciar aos cativos a redenção, aos cegos a restauração da vista, para pôr em liberdade os cativos, para publicar o ano da graça do Senhor. 20E enrolando o livro, deu-o ao ministro e sentou-se; todos quantos estavam na sinagoga tinham os olhos fixos nele. 21Ele começou a dizer-lhes: Hoje se cumpriu este oráculo que vós acabais de ouvir. 22Todos lhe davam testemunho e se admiravam das palavras de graça, que procediam da sua boca, e diziam: Não é este o filho de José?

3) Reflexão   - Lc 4,14-22a

*  Animado pelo Espírito Santo, Jesus volta para a Galileia e começa a anunciar a Boa Nova do Reino de Deus. Andando pelas comunidades e ensinando nas sinagogas, ele chega em Nazaré, onde tinha sido criado. Estava de volta na comunidade, onde, desde pequeno, tinha participado das celebrações durante trinta anos. No sábado seguinte, conforme o seu costume, ele vai na sinagoga para estar com o povo e participar da celebração.

*  Jesus se levantou para fazer a leitura. Escolheu o texto de Isaías que falava dos pobres, presos, cegos e oprimidos. O texto refletia a situação do povo da Galileia no tempo de Jesus. Em nome de Deus, Jesus toma posição em defesa da vida do seu povo e, com as palavras de Isaías, define a sua missão: anunciar a Boa Nova aos pobres, proclamar a libertação aos presos e a recuperação da vista aos cegos, restituir a liberdade aos oprimidos. Retomando a antiga tradição dos profetas, ele proclama “um ano de graça da parte do Senhor”. Proclama o ano do jubileu. Jesus quer reconstruir a comunidade, o clã, para que fosse novamente expressão da sua fé em Deus! Pois, se Deus é Pai/Mãe, todos e todas devemos ser irmãos e irmãs uns dos outros.

*  No antigo Israel, a grande família, o clã ou a comunidade, era a base da convivência social. Era a proteção das famílias e das pessoas, a garantia da posse da terra, o veículo principal da tradição e a defesa da identidade do povo. Era a maneira concreta de se encarnar o amor de Deus no amor ao próximo. Defender o clã, a comunidade, era o mesmo que defender a Aliança com Deus.  Na Galileia do tempo de Jesus, um duplo cativeiro marcava a vida do povo e estava contribuindo para a desintegração do clã, da comunidade: o cativeiro da política do governo de Herodes Antipas (4 aC a 39 dC) e o cativeiro da religião oficial. Por causa do sistema de exploração e de repressão da política de Herodes Antipas, apoiada pelo Império Romano, muita gente ficava sobrando e sem lugar, excluída e sem emprego (Lc 14,21; Mt 20,3.5-6). O clã, a comunidade, ficou enfraquecida. As famílias e as pessoas ficaram sem ajuda, sem defesa. E a religião oficial, mantida pelas autoridades religiosas da época, em vez de fortalecer a comunidade, para que ela pudesse acolher os excluídos, reforçava ainda mais esse cativeiro. A Lei de Deus era usada para legitimar a exclusão de muita gente: mulheres, crianças, samaritanos, estrangeiros, leprosos, possessos, publicanos, doentes, mutilados, paraplégicos. Era o contrário da fraternidade que Deus sonhou para todos! Assim, tanto a conjuntura política e econômica como a ideologia religiosa, tudo conspirava para enfraquecer a comunidade local e impedir, assim, a manifestação do Reino de Deus. O programa de Jesus, baseado no profeta Isaías oferecia uma alternativa.

*  Terminada a leitura, Jesus atualizou o texto e o ligou com a vida do povo dizendo: “Hoje se cumpriu esta escritura nos ouvidos de vocês!” A sua maneira de ligar a Bíblia com a vida do povo, provocou uma dupla reação. Uns acreditaram e ficaram admirados. Outros tiveram uma reação de descrédito. Ficaram escandalizados e já não queriam saber dele. Diziam: “Não é este o filho de José?” (Lc 4,22) Por que ficaram escandalizados? É que Jesus falou em acolher os pobres, os cegos, os oprimidos. Mas eles não aceitaram a sua proposta. E assim, no momento em que apresentou o seu projeto de acolher os excluídos, ele mesmo foi excluído!

4) Para confronto pessoal

1) Jesus ligou a fé em Deus com a situação social do seu povo. E eu, como vivo a minha fé em Deus?

2) No lugar onde eu moro existem cegos, presos, oprimidos? O que faço?

5) Oração final

Seu nome será eternamente bendito, e durará tanto quanto a luz do sol. Nele serão abençoadas todas as tribos da terra, bem-aventurado o proclamarão todas as nações. (Sal 71, 17)

Fotos: Frei Sílvio Ferrari, O. Carm. Correspondente do Olhar Jornalístico em Cachoeira.