Jesus Cristo, o homem pobre, nasceu e viveu numa condição humilde. Na sua vida ter­rena quis ser despojado de qualquer riqueza [1], poder e prestígio mundano [2]. Ele assumiu a condição de servo, tornando-se semelhante aos homens[3] e identificando-se com os pequenos e os pobres[4]. Com os seus discípulos partilhou toda a sua vida[5], os projetos do Pai[6], a mis­são [7], a oração[8]. Por isto, foi para eles não só o Mestre, mas também o Amigo e o Irmão[9]. Na cruz, Jesus experimentou a pobreza mais radical e a nudez mais absoluta, segundo o projecto do Pai. De facto, na cruz entregou-se todo pela humanidade. De rico que era, Jesus fez-se pobre por nós, para que nos tornássemos ricos por meio da sua pobreza [10].

Seguindo Jesus, o homem pobre, as primeiras comunidades cristãs, animadas pela comu­nhão (koinonia) fraterna, viveram e praticaram a partilha dos bens materiais [11] e espiri­tuais [12].

Seguindo Jesus e tendo como modelo a prática da Igreja primitiva, também nós que­remos abraçar voluntariamente o Conselho evangélico da pobreza, fazendo voto de possuir tu­do em comum e declarando que nenhuma coisa nos pertence como própria[13]. Cremos que tu­do nos é dado como dom e que tudo, os nossos bens espirituais, materiais, culturais, adquiri­dos com o nosso trabalho, deve ser "restituído", do melhor modo possível, em favor das neces­sidades da Igreja e da nossa Or­dem em favor da promoção humana e social de todos os ho­mens [14].

Sabemos que a pobreza é uma realidade ambígua e complexa. De facto, pode ser um mal, se é carência dos meios de subsistência, causada pela injustiça, pelo pecado pessoal e so­cial [15], mas pode ser também um estilo evangélico de vida, assumido por aqueles que confiam somente em Deus, partilhando os seus bens, solidarizando-se com os pobres, renunciando a todo desejo de domínio e de auto-suficiência. Na contemplação interiorizamos a atitude real de pobreza, que é um processo profundo de esvaziamento interior, pelo qual somos sempre menos donos da nossa atividade e ideias, virtudes e pretensões, e nos abrimos à ação de Deus. Deste modo, tornamo-nos realmente pobres como Cristo, não possuindo nem sequer a nossa pobreza escolhida neste processo, no qual o amor de Deus nos esvazia.

Por isso, nós que escolhemos livremente a pobreza como estilo evangélico de vida, sen­timo-nos chamados, pelo Evangelho e pela Igreja, a despertar a consciência dos homens diante do problema da miséria gravíssima, da fome e da justiça social[16]. Atingiremos a sua finalidade, se, aci­ma de tudo, a nossa pobreza der testemunho do sentido humano do nosso trabalho, como um meio de sustento da vida e como serviço aos outros[17]; se, além disso, nos preocuparmos em estudar e co­nhecer as causas económicas, sociais e morais da pobreza, fruto da injustiça[18]; se fizermos um uso sóbrio e modesto dos nossos bens, pondo-os ao serviço, também gratuito, da promoção humana e espiritual dos nossos contemporâneos[19]; se, enfim, fizermos um são e equilibrado discernimento so­bre as nossas formas de presença no meio do povo, orientando-as para a libertação e promoção inte­gral do homem[20].

Portanto, os religiosos professos solenes não podem possuir como próprios os bens mate­riais, mas tudo o que recebem pertence ao convento, à Província ou à Ordem, segundo as normas das presentes Constituições e dos Estatutos da Província[21].

Ainda que no foro canónico conserve o seu valor o que prescreve o n. 55, nos lugares em que as leis civis não reconhecem os efeitos da profissão solene, é lícito aos religiosos realizar actos ju­rídicos (doações, testamentos, etc.) no foro civil, em favor do conven­to, da Provín­cia ou da Ordem, com efeitos civis.

No caso, pois, que as leis civis não reconheçam nem mesmo a personalidade jurídica do con­vento, da Província ou da Ordem, é lícito agir no foro civil como se fossem proprietários, mantendo-se no foro canônico as leis acima expostas.

No uso dos bens materiais, sintamo-nos responsáveis diante de Deus pela observân­cia da pobreza que professamos livremente, tendo presente que fazemos o voto de pobreza com o fim de viver, individual e comunitariamente, uma vida simples, banindo qualquer coisa que possa ofender a sensibilidade dos pobres. Os Estatutos da Província estabeleçam quanto deve ser colocado à disposi­ção de cada religioso para as necessidades pessoais, segundo as exi­gências que podem variar de país para país. Também as normas que dizem respeito ao jejum e à abstinência, de que se fala no nº 40, podem estimular-nos à sobriedade de vida e a ajudar os pobres.

Não nos esqueçamos que, atualmente, o melhor modo de testemunhar o voto de pobreza é o cumprimento fiel da lei comum do trabalho. Abracemos, por isso, com entu­siasmo, o preceito da Regra, que nos exorta a trabalhar assiduamente[22], conscientes de que, pelo nosso esforço, nos tor­namos cooperadores de Deus na obra da criação[23] e, ao mesmo tempo, desenvolvemos a nossa per­sonalidade e, através da caridade laboriosa, ajudamos os nos­sos confrades e todos os ho­mens e conduzimos a Ordem a um bem-estar crescente. Além disso, prolongamos no tempo o cará­ter de nobreza dado ao trabalho por Jesus Cristo, que não menosprezou o esforço manual, e imita­mos o exemplo da Virgem Maria que, durante a sua vida na terra, viveu uma vida cheia de cuidados familiares e de trabalho.

*CONSTITUIÇÕES DA ORDEM DOS IRMÃOS DA BEM-AVENTURADA VIRGEM MARIA do MONTE CARMELO.

[1]     Cfr Lc 9,58.

[2]     Cfr Jo 6,15; 5,41.

[3]     Cfr Fil, 2,7.

[4]     Cfr Mt 25,40.

[5]     Cfr Jo 1,39.

[6]     Cfr Jo 15,15.

[7]     Cfr Mt 10.

[8]     Cfr Lc 11,1-4.

[9]     Cfr Heb 2,11; Rm 8,29.

[10]    Cfr 2 Cor 8,9; e também RD 12.

[11]    Cfr Act 2,4-45; 4,32; 2 Cor 8,1-15.

[12]    Cfr 1 Pd 4,10-11.

[13]    Cfr Regra, c. 9.

[14]    Cfr I Cons. Prov., 43, 46.

[15]    Cfr SRS 16.

[16]    Cfr ET 18.

[17]    Cfr Regra, c. 15; ET 20.

[18]    Cfr Congr. gen. 1980, 266; X Cons. Prov., 429 c).

[19]    Cfr I Cons. Prov., 46, 47.

[20]    Cfr I Cons. Prov., 49; III Cons. Prov., 162-169; Congr. gen. 1980, 266; VI Cons. Prov., 330.

[21]    Cfr can. 668.

[22]    Cfr Regra, c. 15; LE 27.

[23]    Cfr GS 34.