Frei Petrônio de Miranda, O. Carm

No cenário sagrado do Mosteiro de São Bento, no coração de São Paulo, a suntuosa construção com suas colunas esplêndidas e suas imagens artísticas de anjos nos remete a idade média através do canto gregoriano dos monges Beneditinos, dos ritos e das belas celebrações. Diante desse cenário a “caveirinha” do seu Pedro Barbosa parece avisar que alguma coisa está fora da ordem e que de fato estamos em um novo tempo. Sim, refiro-me a música brega, o protesto dos fatos e acontecimentos do cotidiano da grande metrópole através da expressão musical do artista, cantor e compositor de rua, Pedro Barbosa, natural de São José dos Pinhais, no Paraná. “Meu nome artístico é caveirinha porque criei este boneco para me ajudar a tocar e ganhar a vida”, afirma o músico apontando para o boneco vestido com trajes de  roqueiro manuseando pelos seus próprios pés, criando assim uma sintonia entre a bateria, a música e o violão. 

O paranaense encara o seu lado artístico enquanto meio de sobrevivência e vê com naturalidade o seu trabalho nas ruas de São Paulo. Perguntado sobre essa opção pela música de rua ele não tem vergonha em afirmar: “Sempre trabalhei, quando fiquei com certa idade não conseguia mais trabalho para sustentar os meus cinco filhos, eles precisavam sobreviver. As firmas não querem idosos, daí vim pra rua ganhar a vida com a música”. Esta afirmação do artista do povo traz em sua fisionomia a luta pela sobrevivência na baixada da glicéia, na liberdade, e a irreverência de um brasileiro que viu na expressão musical uma saída alternativa não apenas para ganhar o pão, mas para se autoafirmar no meio da multidão anônima e solitária da grande metrópole.

A simplicidade do “caveirinha”  e o seu jeito perspicaz atrai o público na frente do Mosteiro de São Bento ao som do seu surrado violão. “As minhas músicas falam de corno e futebol, corno eu nunca fui, tenho 26 anos de casado, mas gosto de futebol. Falo também da vida, de casos da tv, lembra a Izabela do prédio? Sabe, eu tenho uma música daquela triste história, coisa feia moço!”. Após contar o fato ele começa a narrar a tragédia da morte da criança jogada do sexto andar do Edificil London no destrito da Vila Guilherme, em São Paulo, na noite do dia 29 de março de 2008. Durante a música, com a melondia triste e a letra melacólica, seu Pedro e a sua caveirinha conseguem milagrosamente juntar transeunte sempre apreçados e agintados. Por alguns minutos o barulho do centro parece parar, as nuvens enegrecidas e o voo dos pombos sobre o templo religioso parece se unir ao tocador e todos; artista, natureza e público, voltam no tunel do tempo através dos versos sangrentos e o grito de dor da triste história paulistana onde o mistério dos fatos e a violência vitimou uma criança.

Questionado sobre a facilidade em se expressar através da música ele confessa uma limitação: “Não gosto de cantar música de política ou do povo que mora na rua, aqueles  que vivem na cracolância. Não, são histórias que não gosto, não consigo fazer rima”. Após fazer esta declação chega um jovem e pede pra ele cantar, “Prá não deizer que não falei das flores” e o seu Pedro foi categórico. “Não, não toco, não sei, não gosto”. Mesmo assim o admirador anônimo coloca uma moeda na sua caxinha de contribuição. Em retribuição ele diz: “Vou tocar uma música sobre o seu time de fotebol”, em seguida, como se estivesse agradecendo pela contribuição faz alguns versos no violão e na voz sobre o Flamengo. Após receber esta ajuda, sempre bem vinda para alimentar a família, ele faz algumas críticas aos músicos de rua: “Tem gente que acha que a rua é para vender CD, DVD e aí a polícia leva. Não vivo disso, sou sou profissional, quem quiser deixa na caixinha a sua ajuda”.

O paranaense e artista das praças, dos morros, dos becos e das favelas faz questão de afirmar que todos os seus filhos já tocaram ou cantaram. “Eu sempre cantei, os meus filhos sempre tocaram ou cantaram. Já tive na Favela da Rocinha no Rio de Janeiro cantando nas ruas e sempre fui respeitado. Tem autoridade policial que as vezes quer me pertubar, tirar o meu ganha pão, mas sempre fui defendido pelo povo que gosta das minhas canções”. Questionado sobre a sua opção religiosa ele faz uma afirmação teológica e filosófica sob o ponto de vista do sagrado: “Tenho muita fé em Deus, mas não sou de religião nenhuma”.

Após diversas perguntas do nosso grupo e várias apresentações do seu valioso trabalho artistico e cultural, ele termina declamando alguns versos sobre São Paulo e saudando os presentes com a sua voz bastante cansada, mas cheia de vigor e sabedoria popular.