A pressão estética do Natal no Instagram

No padrão em meio às diferenças não há solidão. Pelo contrário, há sempre gente reunida e feliz, ou pelo menos sorridente

 

Jill Wellington por Pixabay

Escrevo diretamente de um passado não muito distante, mais precisamente do dia 25 de dezembro. Deitada na cama às 8h35 da noite, abro o Instagram e me deparo com um feed inteiro de ensaios natalinos dos mais diversos. Gente de todas as cores e de tantos lugares do mundo, celebridades e anônimos, de Hollywood ao Pará, das Kardashians à Joelma.

São galerias inteiras de fotos. Afinal, apenas um registro não daria conta de mostrar todos os ângulos de cada Natal. Passeio por Natais alheios como Ebanezer Scrooge, o vilão herói de Dickens, que, acompanhado de seus próprios fantasmas, viaja por Natais passados, presentes e futuros, observando a uma certa distância, vendo sem ser visto. Ao contrário de Scrooge, cujo amargor da vida havia se transformado em desprezo pela data, meu olhar não vem carregado de nenhum sentimento em particular. Observo sem nenhuma predisposição ao que vejo, com o intuito apenas de preencher a monotonia desses minutos pré-sono, mas logo passo a me interessar pelo padrão que surge em meio às diferenças.

Nas fotos, não há solidão. Pelo contrário, há sempre gente reunida e feliz, ou pelo menos sorridente. Famílias de sangue ou de afinidade, apertadas no espaço da tela, vestidas de roupas bonitas, invariavelmente em tons de vermelho, verde ou dourado. Crianças arrumadas com laços de fita como presentes. Todos calçados, claro. As mulheres de salto alto para andar pela sala de casa. Uma árvore ao fundo, presentes no canto da foto, uma mesa posta com a louça especial, talvez até uns guardanapos de pano. Coisa fina.

Impossível não estabelecer uma comparação entre os ângulos natalinos alheios e os meus. Me transporto então para a minha própria ceia, horas antes, e que agora me parece tão diferente das que vejo no telefone. É verdade, foi um Natal improvisado. Estamos viajando e viagens não permitem rigidez de tradições (não que eu as tenha para início de conversa). A ceia foi pedida no restaurante da esquina e apresentada na mesa em travessas de alumínio, afinal, estamos num Airbnb e qualquer um sabe que Airbnb que se preze não tem nem meia travessa sobrando pra servir qualquer coisa. A comida em si foi servida em pratos brancos, finos não por serem chiques, mas por serem de espessura mínima, desses que uma batida de garfo mais vigorosa é capaz de partir ao meio. Por fim, amigos conversando na cozinha, cada um tomando vinho numa taça de forma e tamanho diferentes, e crianças vestidas sem qualquer coordenação de cores. Nenhum salto alto à vista.

Por um instante me perguntei se não estava fazendo errado essa coisa de Natal. Será que estou estragando as memórias dos meus filhos por não ter montado um Natal digno de sessão de fotos da revista Caras? Será que um dia terei um Natal digno da blogueira que nas horas vagas finjo ser?

As dúvidas só duram mesmo um instante. Lembro rapidamente que a vida em nada se assemelha aos recortes do Instagram. E que por trás dos retratos posados há de tudo. Da alegria bagunçada à perfeição triste e todo o espectro de tretas e delícias que possa existir entre um polo e outro. Penso que o Natal é apenas mais um catalisador da pressão estética desta rede social que, hora ou outra, descamba pra obsolescência, quando coletivamente percebermos que imagem não é tudo.

Por aqui, tiramos poucas fotos. Afinal, não havia nada extremamente instagramável e a atenção estava voltada para o momento, as pessoas, a comida. E apesar da falta de preocupação estética (ou talvez por causa dela) foi uma noite absolutamente feliz.

Agora me resta esperar as fotos de Ano Novo. Dos corpos perfeitos desfilando biquínis caros em praias paradisíacas. Mas desta vez já estou vacinada contra a pressão fotográfica das festas de fim de ano (e sabendo que jamais estarei à altura) deixarei o telefone fora do quarto antes de ir dormir. Fonte: https://www1.folha.uol.com.br