Como parte neutra, deveríamos defender a paz, e não soprar a fogueira. Mas não. De onde deveria partir tolerância, só se vê sangue no olho

 

Por 

Leo Aversa 

— Rio de Janeiro

A mulher israelense que dançava feliz na festa. A criança palestina que tentava se proteger das bombas. Uma família na fronteira, que não teve tempo de encontrar um lugar seguro. Civis, muitos civis. São as vítimas, mais uma vez.

Os algozes? Os de sempre: o terrorista psicopata, o general facínora, o bando de criminosos adeptos do “olho por olho, dente por dente”, que observam com satisfação a legião de banguelas e caolhos que criaram. Vale a pena tanta violência? Qual a perspectiva que se oferece aos mais jovens? Atentados, bombardeios e um eterno velório de pequenos caixões?

Que israelenses e palestinos não consigam conviver em paz é triste, ainda que, de certa forma, compreensível: são décadas e décadas de ataques e atentados, mortos e feridos, raiva e ressentimento. É difícil deixar o passado para trás e o ódio de lado para tentar construir um futuro. Um dia, quem sabe, eles chegam lá.

 

E nós?

Era de se esperar que, a milhares de quilômetros de distância, conseguíssemos enxergar o problema com ponderação, ou ao menos de uma forma mais razoável do que os que estão diretamente envolvidos, ouvindo tiros e bombas pela janela. Deveríamos, como parte neutra, defender o entendimento, a paz, ser os que apartam a briga, nunca os que sopram a fogueira.

 

Mas não.

O ódio aqui se mostrou igual ao de lá. Vimos nas redes demonstrações não de espanto ou indignação, mas de fúria e rancor, como se o conflito estivesse ardendo na própria tela de quem escreve. De onde deveria partir um pouco de tolerância e compreensão, só se viu sangue no olho.

 

De onde vem tanto ódio?

Sim, leitor, concordo que é um dejeto da polarização política, mas não só. Vem também da lógica perversa das redes sociais, onde se incentiva uma disputa amoral e deletéria por engajamento. O ódio começa também no aluno que quer acabar com a carreira do professor por ensinar algo que não é do seu agrado, nas lacrações virulentas, nos cancelamentos irracionais. Inicia na moça ressentida que pede um linchamento por um encontro ruim, no rapaz frustrado que convoca um golpe de Estado por não conseguir encontro nenhum. Nas disputas mortais por assuntos irrelevantes, na exaltação compulsiva da própria virtude, na obsessão pelo erro alheio.

Se espalha na censura a qualquer atitude que não siga a cartilha da tribo, na interdição do debate entre ideias ou projetos, nas argumentações simples e idiotas em duas linhas. Na intolerância ao diferente. No cinismo e na desconfiança generalizada.

 

No culto à ignorância e à estupidez.

Uma questão complexa como a de israelenses e palestinos podia ser uma chance para nós, que estamos distantes, oferecermos ajuda e refletirmos sobre a importância de pedir desculpas, reconhecer erros e, principalmente, estender a mão.

 

Mas não.

Antenados com o que há de pior na atualidade, muitos aqui preferem se juntar — digitalmente — à barbárie, como a que vitimou a mulher que dançava feliz e o menino que tentava se proteger. Querem usar uma tragédia para alimentar com likes e compartilhamentos o seu insaciável discurso raivoso.

Enquanto o ódio for celebrado, ninguém terá paz. Fonte: https://oglobo.globo.com