Vamos esperar que esses episódios não se repitam e não se tornem uma rotina no Brasil

 

Por Daniel Becker

Ontem, 27 de março, foi um dia triste, marcado por uma tragédia: um assassinato numa escola, cometido por um menino de 13 anos que atacou diversas pessoas e conseguiu matar a professora Elizabeth, a quem eu mando o meu abraço, minha solidariedade à família, uma pessoa de 71 anos, uma apaixonada pela educação, e também mando um abraço pra professora Cíntia, que conseguiu conter esse menino e evitar que esse massacre fosse pior.

É importante a gente refletir sobre isso e tentar tirar lições sobre esse episódio, que possam nos ajudar a refletir como sociedade. Nada que vá contribuir pra esclarecer esse crime, para tentar entender esse menino, mas reflexões genéricas a partir de certos elementos que essa tragédia apresenta e que são importantes que a gente pense sobre eles.

Primeiro, esse menino tinha uma conta no Twitter. É totalmente inadequado ter uma conta aos 13 anos porque o Twitter é um lugar de ódio, de violência, de ideologias radicais, de bolhas de extrema direita. É um lugar extremamente perigoso para adolescentes e ele estava solto ali. Nessa conta ele falava de misoginia, queria matar mulheres, especialmente as mais bonitas, e falava de armamentismo. Dizia que era perseguido e que ninguém falava com ele, ninguém gostava dele, e que sofreu bullying. Falou também sobre o pai dele dizendo que era um “FDP”, que o criticava e humilhava diariamente. Então vamos tentar pensar sobre essas coisas.

O que esses elementos podem nos trazer de reflexões? Primeiro lugar: é muito importante a gente vigiar o que os nossos filhos, crianças e adolescentes, estão fazendo nas redes sociais. São lugares perigosos entre outras muitas outras coisas por isso: são cheios de ideologias nocivas, odiosas que cultivam preconceitos, racismo, misoginia, onde se formam bolhas em que a criança ou adolescente não vai ter nenhum contraponto de ideologia que se oponha a esse tipo de radicalismo. Assim, ele vai mergulhar cada vez mais nesse mundo e isso favorece atitudes como essa. Já é inadequado um garoto de 13 anos estar no Twitter, muito mais ainda sem nenhum tipo de vigilância.

Em segundo lugar, falar da ideologia do armamentismo, da violência, do ódio que se espalhou na sociedade brasileira. Nos últimos quatro anos, nós vivemos o predomínio político de um grupo que esteve no poder, de um grupo de extrema direita, ultra radical, extremamente violento, ligado à milícia, à ideologia das armas e à disseminação do ódio quanto a minorias, que propalava que os adversários políticos tinham que ser fuzilados e coisas do gênero.

O armamentismo é uma praga nos Estados Unidos e esse tipo de massacre é extremamente comum lá. Há pouco tempo havia mais crianças mortas em massacres do que dias do ano em 2023. Assassinatos a bala são a principal causa de morte nos Estados Unidos de crianças. É para esse lugar que estamos querendo ir? Esse é o grande fator ligado a essas tragédias: o armamentismo.

Essa cultura do armamentismo se expandiu enormemente no nosso país nos últimos anos. Nos últimos quatro anos, para ser exato. Não só a cultura, como o próprio armamentismo, as armas se disseminaram na sociedade, os clubes de caçadores e atiradores se multiplicaram — a maior parte pra mim é fraude, são pessoas que estão comprando armas pra vender para o crime organizado, inclusive. Isso é muito grave. E a quantidade de armas duplicou na nossa sociedade, com o governo fazendo leis pra facilitar a compra de armas de uso que favorecem massacres, como fuzis, metralhadoras automáticas, e tentando passar leis pra que as munições não sejam sequer rastreáveis. Coisas absurdas. E a gente precisa combater essa ideologia da armamentismo de forma muito, muito séria.

Esse novo governo se comprometeu contra isso como uma das suas prioridades. Eu espero que isso seja levado à frente.

Em terceiro lugar, racismo e misoginia também se espalharam nas redes exatamente nesse mesmo período (possivelmente pelos mesmos motivos). A gente viu essas ideologias sairem do esgoto e se espalharem pela sociedade, disseminadas inclusive em igrejas. Isso é muito sério, a gente precisa olhar para os nossos filhos e ser exemplos pra eles, exemplos de se relacionar com as pessoas com igualdade, com amor, com respeito, tratando a todos dos da mesma maneira.

Além disso, esse menino falava em bullying. Isso é uma coisa muito séria, tendo ele ou não sofrido bullying, se ele fala nisso é importante que a gente reflita. O bullying é algo muito grave porque é perseguição sistemática, não é uma situação pontual, são humilhações e agressões diárias. Isso deixa uma criança num sofrimento monstruoso e precisa ser detectado, precisa ser trabalhado por todos, pela família, pela escola, porque uma criança que sofre bullying não fala sobre isso. Ela vai acumulando aquela dor imensa e pode explodir como uma agressão ou com uma depressão.

E, finalmente, esse menino falava de um pai violento, um pai não que batia nele mas que humilhava, agredia e criticava todos os dias. É muito importante a gente refletir sobre como cuidamos das nossas crianças. A importância da gente ter uma relação de cuidado, de amor, de afeto, de respeito com a criança desde cedo. Que a gente seja uma referência de segurança, de confiança, para que ela procure a gente quando precisar, quando estiver numa situação difícil e quiser consolo, carinho e orientação, quando ela estiver confusa e não souber o que fazer.

Nós devemos ser os esteios, os protetores dessa criança e não aqueles que acusam, que humilham, que criticam e que fazem ela se sentir cada vez pior. E é claro que essa criança provavelmente ela estava abandonada em casa, tanto que tinha uma conta no Twitter completamente livre onde ele fazia e falava das coisas mais terríveis sem que ninguém provavelmente soubesse.

Então é importante a gente refletir sobre o tipo de cuidado, de criação que a gente oferece aos nossos filhos. Lembrando da importância da gente fazer essa criação com amor, com afeto, respeito e confiança. Que a gente possa ser uma referência de amor, afeto, respeito, e confiança pros nossos filhos. E esperar que essas tragédias não se repitam e não se tornem uma rotina no Brasil. Fonte: https://oglobo.globo.com