O ganho no PIB em decorrência de maior produtividade com o 5G só será possível se tecnologia e regulação voltarem a residir na mesma época.

 

Mario Girasole, O Estado de S.Paulo

Afinal, a quinta geração chegou! E chegou na sua configuração mais arrojada, o 5G Standalone, que coloca o Brasil na frente tecnológica mundial – e ainda bem que todos os atores se convenceram dessa solução. O início das operações do 5G no Brasil promete muita coisa: mais automação, mais digitalização, mais produtividade, mais eficiência.

Desta vez não é mais um G, mas uma potencial revolução do conceito de comunicação. Potencial, pois o desenvolvimento pleno do ambiente 5G exige uma coordenação harmoniosa entre tecnologia, investimentos, dinâmica de negócios e regulação. E este último capítulo vincula os anteriores.

Breve retrospectiva. A história da internet pode ser dividida em três fases. A paleointernet (Arpanet), que nasce em 1969, ligando computadores usados para exigências militares e científicas e servindo para a transferência eletrônica de arquivos entre (poucas) pessoas.

No ano de 1991 ocorre a estreia pública do www, idealizado pelo físico britânico Tim Berners-Lee, que inaugura a segunda fase da história da internet e passa a permitir a navegação. A net evolui em web por meio da interface entre pessoas e conteúdo, num modelo inovador de comunicação que pavimenta a estrada para o novo milênio.

O princípio regulatório da neutralidade de rede surge no auge desta segunda fase, que podemos chamar de internet média: todo bit é igual a outro, cada acesso se acomoda nos recursos disponíveis e a gestão do tráfego pelo provedor de rede é a patologia que precisa de remédio. Resultado: serviços diferentes, como um e-mail e um vídeo, são tratados pela rede numa (ideo)lógica “primeiro a chegar, primeiro a ser servido”.

Com as conexões em banda larga e a mudança profunda no padrão de demanda de usuários, entramos, há cerca de uma década, na terceira fase da internet dedicada. Hoje, cerca de 80% do tráfego da internet é gerado dentro de ambientes fechados e com finalidades sempre mais específicas: aplicativos, dispositivos, qualidade, funções, máquinas, processos industriais, etc. Portanto, com características próprias e exigências de rede para conexão contínua de (muitas) pessoas, (diferentes) conteúdos e, sobretudo, (bilhões de) coisas.

A tecnologia responde hoje com a mais disruptiva funcionalidade do 5G, o chamado fatiamento da rede, ou seja, a capacidade de atribuir a cada serviços e perfil de uso os recursos necessários para seu funcionamento otimizado. É intuitivo como o pleno exercício dessa inteligência dedicada da internet contemporânea é o oposto do conceito de neutralidade da internet média, em que a rede das redes ligava de maneira agnóstica apenas pessoas e conteúdo. Ou seja, tecnologia e regulamentação da internet não pertencem mais à mesma época.

Esse descasamento traz duas importantes consequências sobre investimentos em infraestrutura e modelos de negócios. As regras da internet média, por um lado, não permitem a negociação equilibrada entre redes e plataformas digitais, e, por outro lado, também prejudicam a oportuna diferenciação do serviço para os usuários finais.

Tal contradição já atingiu um consenso no âmbito internacional. Em maio deste ano, Margrethe Vestager, vice-presidente executiva da Comissão Europeia, reconheceu que há provedores que geram grande tráfego para habilitar seus próprios negócios, mas não têm contribuído para habilitar os investimentos na ampliação da conectividade. Nos Estados Unidos, a neutralidade de rede foi revogada em 2017, passando a permitir a negociação entre plataformas digitais e redes de telecomunicações. Na Coreia do Sul, as autoridades regulatórias começaram a implementar novas regras, autorizando provedores de internet a cobrarem pelo tráfego que recebem.

Na mesma linha, a Anatel, o órgão regulador das telecomunicações brasileiro, apontou em estudos conduzidos ainda em 2020 que as incertezas sobre compatibilidade entre neutralidade e funcionalidades dedicadas “tendem a atrasar investimentos em redes de quinta geração” e que “iniciativas de alterações legais e regulatórias, para rediscussão da neutralidade de rede, parecem mostrar-se imprescindíveis”.

É evidente que a questão não é mais “se”, porém “como” desenhar a evolução regulatória compatível com os avanços tecnológicos, numa perspectiva que preserve as garantias contra abusos e discriminações e, ao mesmo tempo, promova maior equilíbrio em todo o ecossistema digital. Os efeitos desta suposta neutralidade do século passado se mostraram tudo e qualquer coisa, menos neutrais, encorpando o valor das plataformas digitais globais em detrimento das redes de telecomunicações nacionais.

Em outras palavras, o Marco Civil da Internet de 2014 precisa ser modernizado. A pauta é urgente. Projeções do Ministério da Economia indicam que haverá ganhos da ordem de centenas de bilhões no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em uma década, em decorrência da alta de produtividade com o 5G. Isso só será possível se tecnologia e regulação voltarem a residir na mesma época. Para avançar na internet das coisas, precisamos consertar as coisas da internet.

*É VICE-PRESIDENTE DA TIM. Fonte: https://opiniao.estadao.com.br