o Papa, ele mesmo enfrentando as agruras da velhice, alerta para o abandono dos idosos; criar políticas públicas para essa população, cada vez maior, é demanda urgente no mundo todo

 

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

Aos 85 anos, o Papa Francisco tem se dedicado a ressignificar o lugar do velho no imaginário coletivo, revendo conceitos e preconceitos, algo que ele já fazia antes de se tornar a autoridade maior da Igreja Católica. A diferença, agora, é que o avançar da idade, somado às fragilidades físicas decorrentes de uma cirurgia no intestino e a problemas no joelho, tem exposto ao mundo a figura de um papa debilitado fisicamente.

Em recente visita ao Canadá, o pontífice cumpriu grande parte dos compromissos de cadeira de rodas − e disse que terá de diminuir o ritmo de viagens em função da saúde debilitada. A vulnerabilidade física do papa, vis-à-vis sua ênfase ao defender o acolhimento das pessoas idosas em um mundo cuja população mais velha não para de crescer, foi tema de reportagem do New York Times. Para o papa Francisco, os idosos são as “verdadeiras pessoas novas”, considerando que a humanidade nunca viu tamanha expansão da população mais velha. “Nunca tantos quanto agora, nunca com tanto risco de serem descartados”, resumiu ele.

No Canadá, o papa falou abertamente sobre o problema do abandono, defendendo a construção de “um futuro em que os idosos não sejam deixados de lado porque, do ponto de vista ‘prático’, não são mais úteis”. E concluiu: “Um futuro que não seja indiferente à necessidade dos idosos de serem cuidados e ouvidos”. 

O envelhecimento da população é uma realidade mundial que suscita respostas a diversos desafios, começando pela área da saúde e por questões previdenciárias. Mas não só. Em sociedades em que o culto à juventude também é cada vez maior, o aumento da parcela mais velha da população exige um novo olhar para os idosos e suas necessidades. A palavra-chave aqui é dignidade. E isso envolve tanto condições materiais de sobrevivência e acesso aos serviços de saúde quanto atenção e respeito, seja por parte de familiares, de cuidadores e de instituições públicas e privadas.

Projeções demográficas indicam um número cada vez maior de idosos nas próximas décadas. Nos últimos anos, a Organização das Nações Unidas (ONU) tem divulgado estimativas de que a população global de 60 anos ou mais vai dobrar até 2050, a maioria vivendo em países de renda baixa ou média. No Brasil, não é diferente. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) projetou que a partir de 2039 haverá mais brasileiros acima de 65 anos do que crianças na faixa de 0 a 14 anos. 

Criar e implementar políticas públicas que deem conta da multiplicidade de demandas desse aumento exponencial da população mais velha não é desafio para o futuro. Eis uma exigência que já bate à porta de governos no mundo inteiro. Não à toa, a ONU definiu que esta é a Década do Envelhecimento Saudável − um desafio agravado pela pandemia de covid-19 e seus impactos ainda mais devastadores em pacientes idosos. 

No Brasil, o IBGE estima que 10% dos habitantes, o equivalente a 21,6 milhões de pessoas, tinham 65 anos ou mais no ano passado. Para dar a devida dimensão do desafio, vale dizer que esse contingente é mais do que toda a população do Chile. Como o recorte do IBGE considera como idosa a população acima de 65 anos, ao passo que o Estatuto do Idoso adota como referência a idade de 60 anos ou mais, presume-se que a população idosa no Brasil, do ponto de vista legal, seja ainda mais numerosa.

Garantir o bem-estar dos mais velhos, no caso brasileiro, passa pelo fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), o que requer o engajamento do Ministério da Saúde, dos governos estaduais e das prefeituras. Atrasos na distribuição de fraldas geriátricas, por exemplo, comprometem a qualidade de vida de quem se beneficia desse tipo de iniciativa. Ainda mais em um país com a desigualdade socioeconômica do Brasil.

Garantir a dignidade da população idosa é dever das atuais e das futuras gerações. Do contrário, não faria sentido todo o esforço empreendido até aqui para tornar possível o aumento da expectativa de vida − o que, em boa hora, deu origem a essa “nova geração” de idosos. Fonte: https://opiniao.estadao.com.br