Lourdes Maldonado, 67, foi morta a tiros quando voltava para casa, em Tijuana

 

 

O cão Chato, diante da porta da casa da jornalista Lourdes Maldonado, assassinada no último domingo, em Tijuana - Yolanda Morales/Reuters

 

Sylvia Colombo

BUENOS AIRES

Já perdi a conta de quantas vezes escrevi, neste blog e em matérias, sobre o assassinato de jornalistas no México, o país mais perigoso da América Latina para se reportar, principalmente sobre corrupção de políticos regionais, narcotráfico e... violência contra o jornalismo.

A morte de Lourdes Maldonado, 67, em Tijuana, no último dia 23, tem todos esses ingredientes. Apresentadora do programa "Brebaje", da emissora Sintoniza Sin Fronteras, Maldonado relatava o que ocorria nos bastidores da rota do narcotráfico na região de Baja California. Jornalistas que se dedicam a isso são alvo de imensas pressões, porque uma rota de tráfico não se trata apenas do trânsito dos narcotraficantes, mas da participação de boa parte da sociedade local, empresários, comerciantes, policiais e as próprias empresas de comunicação, que são compradas ou caladas a tiros para que tratem de qualquer outro assunto, menos da corrupção de autoridades e civis ante o negócio do tráfico.

Alguns dias antes de ser assassinada, Maldonado tinha justamente denunciado a morte de um colega de profissão, o fotojornalista Margarito Martínez. E propôs uma homenagem a ele. As ameaças contra a repórter voltaram a se intensificar. E Maldonado as denunciou, assim como, em 2019, foi até a coletiva de imprensa diária do presidente Andrés Manuel López Obrador, para afirmar que temia por sua vida, que vinha sendo ameaçada por uma empresa de comunicação que a contratara e que estava sendo pressionada por narco-políticos para que saísse da cidade, sem receber os salários atrasados.

AMLO, como é conhecido, respondeu-lhe com uma promessa de que ela teria proteção e segurança. Óbvio que não as deu e, com isso, Maldonado, além de entrar para a trágica cifra dos jornalistas mortos, reforça outra característica dessas execuções. Todas elas estão impunes até hoje, não há ninguém preso por matar jornalistas desde que teve início a chamada "guerra ao narcotráfico", iniciada em 2006 pelo então presidente Felipe Calderón.

Maldonado foi assassinada a tiros dentro de seu carro, enquanto ia para casa, por volta das 19h. Sua morte já é a terceira de um profissional da imprensa neste ano. Foram executados, além dela e de Martínez, ambos em Tijuana, José Luis Gamboa, em Veracruz. Enquanto Maldonado e Martínez foram mortos com armas de fogo, Gamboa foi apunhalado.

Em 2021, foram 9 jornalistas mortos no México, segundo o comitê para a proteção de jornalistas. Segundo a organização Repórteres sem Fronteiras, o México continua sendo um dos países mais mortíferos para o exercício da profissão do mundo e o mais perigoso na América Latina.

Se a impunidade reina nessa tragédia, uma foto comoveu a todos e viralizou nas redes. A do cachorro Chato, que esperou por mais de 24h, sem comer, a cabeça metida entre as pernas, a chegada de sua dona. Maldonado não voltou para casa, e o Chato ficou lá esperando-a, junto aos três gatos que a jornalista havia adotado nos últimos anos. Vizinhos apareceram para alimentá-los e cuidá-los, mas o olhar de Chato era de total desolação e impotência. Se tocou o coração de tantos mexicanos, seria importante que essa imagem também chegasse a comover as autoridades que prometeram proteger a ela e a seus colegas. Fonte: https://www1.folha.uol.com.br