Usuárias Camila Coutinho (Garotas Estúpidas), Alexandra Gurgel (Alexandrismos), Luiza Brasil (Mequetrefismos) e executivo da rede discutem as mudanças na década

 

Eduardo Vanini

Você pode até não se lembrar ou não ter vivido isso, mas houve um período em que era preciso pensar muito bem antes de dar o clique numa câmera fotográfica. Afinal, os filmes que abasteciam os equipamentos não eram baratos, assim como a sua posterior revelação. Hoje, não é necessário tanto critério na hora de fazer uma foto. Quando o assunto é compartilhá-la, porém, aí são outros 500... Na era dos cancelamentos, o Instagram, rede social em que uma imagem vale muito mais do que mil palavras, acaba de completar 10 anos entre os aplicativos mais usados do mundo. A mesma popularidade, porém, o posiciona na mira de questionamentos quanto aos impactos sobre a saúde mental de seus usuários.

“Queria muito que alguém pegasse o meu Instagram inteiro e imprimisse em vários álbuns”, afirma uma veterana da rede no Brasil, a influenciadora Camila Coutinho, que também é CEO da GE Beauty. “É um registro de vida que está ali. É engraçado ver como a estética vai mudando ao longo do tempo, naturalmente, quando olhamos fotos antigas.”

Se algum leitor quiser realizar o desejo dela, certamente terá muito trabalho. Com mais 2,6 milhões de seguidores, o perfil @camilacoutinho tem mais de 8 mil imagens. A primeira, recorda-se, foi num aeroporto, no começo da década. Detalhe: nem era para ser publicada no Instagram. “Só usei pra colocar um filtro. Subi sem legenda, para salvar, e postei no Twitter.”

Tantos anos depois, Camila continua usando, de alguma maneira, o tal filtro, mas não sem refletir sobre os seus impactos. “Não vai mais existir foto ‘feia’ ou esse conceito vai mudar. Hoje em dia, escolhemos a imagem mais bonita, editamos... Estou nessa onda de tentar fazer isso cada vez menos. Mas, ainda assim, tenho muito vício. Quero, quem sabe, chegar ao ponto de postar foto 100% natural, porque acho que toda essa ‘filtrada’ não é tão legal. Mas a gente se acostumou, né?”

Pode ser que esse ponto de virada esteja próximo. Head de Parcerias do Instagram, o americano Charles Porch aposta que a fórmula “mais autenticidade, menos perfeição” está por trás da receita de sucesso de quem se destaca na rede atualmente. “A chave é ser autêntico e falar diretamente com os seus seguidores. Mostrar que você se importa”, afirma. Ele cita como exemplo vídeos que revelam bastidores, feitos com a câmera tremida e de maneira descontraída. Essa postura mais natural, segundo Charles, também pode ser útil para enfrentar até mesmo os temidos “cancelamentos”, quando as pessoas passam a ser duramente criticadas por alguma atitude reprovada pelo público.

É o que aconteceu recentemente com a influenciadora Gabriela Pugliesi, que despertou a ira nas redes ao ter uma festa em sua casa revelada no auge da pandemia, e com a cantora Anitta, cobrada pela falta de posicionamento político nas últimas eleições presidenciais. Esta última, aos olhos de Charles, acertou em cheio ao buscar a ajuda pública da advogada e apresentadora Gabriela Prioli para entender melhor o universo político, nos últimos meses. “Ela quer aprender sobre o tema e, provavelmente, muitos dos seus fãs gostariam de fazer o mesmo. É como se fossem para a escola juntos. A Anitta não tem medo de fazer perguntas, e isso é muito legal.”

A qualidade do conteúdo tem sido foco também nas postagens da carioca Luiza Brasil, que viu o look do dia ficar cada vez menos interessante. “Acho que essa narrativa do consumo, do fast fashion, é algo que não condiz mais. Não me coloco no lugar de expert, mas de concentrar pessoas que agregam.” Ela enxerga seu @mequetrefismos como uma comunidade, na qual o trunfo é a qualidade da informação. “Acho que meu crescimento não vai ser de uma audiência de milhões, porque, talvez, não é sobre massa, mas sobre diálogo e iluminar narrativas muito invisibilizadas.”

Se por um lado Charles acredita que as pessoas estão descobrindo que a realidade vale mais a pena, ele reconhece também que o senso de comunidade tem aflorado na ferramenta, ao passo que movimentos como o Vidas Negras Importam e o Body Positive têm um alcance cada vez maior. O Brasil, segundo ele, é um país que indica essas tendências.

No que diz respeito à autoaceitação de corpos fora do dito “padrão”, a carioca Alexandra Gurgel é uma das precursoras por aqui. “Comecei a falar disso no YouTube, mas migrei para o Instagram porque fazia muito mais sentido falar de imagem por lá”, diz a dona do perfil @alexandrismos. Desde então, ela viu o movimento ganhar visibilidade, sobretudo, durante o isolamento, quando mais pessoas se confrontaram com suas inquietações. “Tivemos famosas falando, pela primeira vez, sobre seus corpos ou inseguranças, e o Instagram se tornou a principal central para esse debate. Quando lançaram o reels, muitas pessoas começaram a usá-lo para mostrar seus corpos, suas celulites. E, nesse caso, não é sobre um movimento narcisista. É sobre as pessoas entenderem que elas também podem.”

É claro que nem tudo são flores. Alexandra observa, por exemplo, que apesar do destaque alcançado pelo movimento de autoaceitação, perfis dentro dos ideais de beleza históricos ainda alcançam muito mais visibilidade. “Pessoas mais magras do que eu e com o mesmo número de seguidores costumam ganhar muito mais likes. Isso não me parece justo”, diz ela, reclamado também da falta de clareza na maneira como a ferramenta se comunica com os usuários. “Eles passaram a ocultar o número de curtidas, mas isso continua contando. Afinal, quem produz conteúdo sabe os números que tem e é cobrado por isso em seus trabalhos. Será que o fim dos likes foi realmente para a nossa saúde mental?”

Charles Porch afirma que os cuidados com o bem-estar psíquico dos usuários estão, definitivamente, na pauta da ferramenta. “É um tema sobre o qual pensamos todos os dias”, diz, citando exemplos. “Criamos muitos recursos para ajudar as pessoas acerca de questões como o bullying, temos filtros para comentários, maneiras para que as pessoas reportem conteúdos que considerem negativos ou que não contribuam para a sua saúde mental.”

Segundo o psicólogo e pesquisador da comunicação humana Cláudio Paixão, professor da Universidade Federal de Minas Gerais, essas iniciativas são bem-vindas, mas é preciso ir além. Na opinião dele, as imagens de uma “vida perfeita” ainda prevalecem na ferramenta. E isso pode causar sérios danos aos usuários. “Se estou olhando para um mundo onde as pessoas apenas se exibem felizes e termino um relacionamento ou perco o emprego, por exemplo, posso ser tomado por um sentimento terrível de solidão, ao ver que estou numa realidade diametralmente oposta àquela”, compara. Ele destaca que isso pode ser identificado pela própria rede: “Estudos já mostraram que, se a pessoa usa determinado filtro com frequência, como aqueles mais cinzentos, pode estar deprimida. Seria interessante que os algoritmos fossem trabalhados para estimular ainda mais imagens alternativas às que evocam um ideal de vida perfeita. Ao que tudo indica, no entanto, eles ainda são elaborados para vender produtos e atrair cada vez mais seguidores.” Fonte: https://oglobo.globo.com