Por Joaquim Ferreira dos Santos

Eu sei, São Pedro, que você não tem nada a ver com isso, dono apenas das sete chaves do que vai acima das nuvens, mas hoje é o dia a ti consagrado e - como todos os outros santos estão em quarentena, guardando distanciamento celestial dos fiéis - eis que a teus pés me posto e ponho fé. O descalabro é geral. Os gafanhotos avançam.  

Na falta de a quem mais clamar misericórdia, os homens de bem fazendo tiro ao alvo nas minhas aflições, a ti eu invoco e peço que instale na pauta do plenário a urgência de um impeachment sanitário, me conceda aos pulmões a graça clínica de um anticorpo e, urgente, na conta bancária de cada dia, deposite os peixes do auxílio emergencial programado para abril e até hoje sem.

Eu sei que o teu aplicativo mais baixado é o de andar sobre as águas e manter cheia a rede dos pescadores. Leva a mal não, meu santo, mas hoje é tudo contigo. Primeiro cancelaram Santo Antônio, depois bloquearam São João. Quando eu já ia desistindo, ouvi os artistas cantando o “andar com fé/que a fé não costuma faiá” no aniversário do Gilberto Gil. Resolvi fazer o mesmo que eles, mas ao meu jeito, sem melodia, e aqui vai esta oração de palavras simples para que a civilidade prevaleça, a cultura nos engrandeça e a ignorância não vingue.

Vai que é tua, meu santo das chuvas e dos trovões, porque todos os altares da burocracia humana foram percorridos e, tão Brasil, os pedidos de milagre por mim implorados em manifestos, em notas de repúdio, depois de terem a firma autenticada em duas vias, caíram em exigência. Ninguém se ama, ninguém se quererá no palanque do futuro. Falta união, sobra um medo geral de dar as mãos e se contaminar.

A quem se recorre, Pedro, quando no planeta das ideias planas os responsáveis pelo devido processo legal estão neste momento metidos em alguma aglomeração, a máscara com a bandeira do Brasil ancorada entre o queixo caído e o nó na garganta?

É por tudo isso, o temor de agregar meu número à estatística do consórcio dos órgãos de imprensa, que a ti recorro em primeira instância, a justiça divina sem foro especial para os desesperados do horror com a cloroquina ao redor. Não para, Pedro.

Cruzes e ataúdes são o novo skyline, os urubus passeiam entre os girassóis e, diz fonte segura, o próximo “Walking dead” tem tudo para ser aqui. Não obstante – ouvi ontem na missa virtual do Padre Jorjão - és a pedra sobre a qual foi construída a esperança. As portas do inferno não prevalecerão contra tamanho poder.

É uma pena que neste dia a ti consagrado não esteja armada a festa de sempre, nem o milho de costume posto a assar entre as brasas da fogueira. Chegou o tempo em que só se é aflição e súplica. Esparrama sobre nós a vacina dos teus cuidados, aplica a força do teu stop divino contra a maldade que se esconde nos corações humanos. E no próximo ano, tenho certeza, no alto-falante do arraial vai estar tocando de novo aquela outra música do Gil: “Eu agora não tô mais com medo/Estou com Pedro”. Amém. Fonte: https://blogs.oglobo.globo.com