Sobre a filantropia pós-pandemia

Só o tempo dirá se as pessoas realmente se tornarão menos egoístas

 

Elie Horn

Há alguns anos comecei a falar sobre filantropia, sobre doar. Sobre a importância de quem tem possibilidades de doar fazê-lo, na medida de suas possibilidades. O que significa que quem tem mais, doa mais. Por exemplo do meu pai, que doou 100% do que tinha, me comprometi a doar 60% do meu patrimônio pessoal em vida. Comecei de forma silenciosa, mas fui convencido por um amigo que exemplos são importantes e que eu deveria falar disso a fim de motivar outras pessoas a fazerem o mesmo.

Sou uma pessoa obstinada, meu sucesso como empresário vem mais da insistência do que qualquer outra competência. Tive sucesso na construção da Cyrela e em outros setores porque não desisto. ”O não não existe” —este é o meu lema. Foi assim que provoquei meus parceiros e funcionários sempre, e é assim que provoco as pessoas que trabalham comigo na filantropia. Alguns anos atrás criamos o Instituto Cyrela, que é alimentado com parte do lucro líquido da empresa. Há três anos criamos o Instituto Liberta, para o enfrentamento da exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil, assunto da mais alta gravidade, do qual pouca gente fala e que destrói a vida de milhares de meninas.

Há um ano, depois de muita conversa, de ouvir muita gente e de juntar fortes parceiros, criamos o Movimento Bem Maior, para incentivar a cultura de doação e colaboração e apoiar pequenas ações com forte impacto local e grandes ações com potencial para transformar o nosso país.

Paralelamente a essas iniciativas, como já disse, resolvi falar insistentemente sobre a importância de doar. Resolvi expor-me. Agora, sem que ninguém pudesse imaginar, vem essa pandemia, esse vírus cruel que mata e obriga as pessoas a mudarem de hábitos. Pessoalmente, acredito que esse vírus tenha vindo para nos ensinar alguma coisa, para nos tirar da futilidade e do individualismo que estavam regendo nossas vidas e fazer as pessoas refletirem sobre sua missão aqui na Terra. Acho que todos deveriam pensar no que gostariam de ver escrito em suas lápides, no legado que gostariam de deixar. Muitos perceberão que tangenciaram a vida pelo oco e se arrependerão de não terem construído uma vida significativa.

Moradores de rua no no centro de São Paulo, uma das regiões beneficiadas pela Campanha Marmita do Bem, do restaurante Jamile Divulgação

O fato é que, no meio desse horror, brota uma enorme solidariedade. Vemos pessoas e organizações se mobilizando para socorrer os que mais precisam, se unindo para encontrar uma solução que nos tire juntos (sim, porque só sairemos disso juntos) desse lugar terrível no qual estamos hoje. Doando. Doando dinheiro e tempo. É impressionante o número de pessoas envolvidas em processos de socorro ao próximo.

Às vezes me pergunto se quem está se mobilizando para salvar vidas já o fazia antes, mas em silêncio. Se são as mesmas pessoas ou se essa pandemia está provocando mais gente a fazer o bem. Ou mesmo se as pessoas que acordaram para a importância de fazê-lo continuarão agindo assim após a pandemia. O bem tem que ser feito todo o ano, todos os dias, a vida inteira e não só nas crises. Se a gente não aprender essa lição, esse sofrimento pelo qual passamos terá sido parcialmente em vão.

Tudo indica que o coronavírus deixará um rastro de tristeza e desordem econômica e social, que demandará um forte pacto de reconstrução. Se a sociedade como um todo está aprendendo o valor de doar, não consigo responder agora; só o tempo dirá se teremos realmente uma transformação social que leve as pessoas a serem menos egoístas.

Mas tenho fé, em Deus e nas pessoas. Da nossa parte, continuaremos a trabalhar para que o mundo possa ser um lugar melhor para todos. Mas para todos, mesmo.

 

Elie Horn

Fundador do Movimento Bem Maior

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br