Violência doméstica tornou-se um caso de segurança pública

Luiza Brunet

O ano começou com 33 assassinatos de mulheres nos primeiros 11 dias. A manchete do

GLOBO (“A escalada do feminicídio”, no sábado, 12) estampa uma realidade assustadora e dolorosa. Vivemos uma epidemia de violência contra a mulher. Feroz e sistêmica. Os casos aumentam aceleradamente. Essa tragédia ultrapassou todos os limites. Esqueça bordões como “em briga de marido e mulher não se mete a colher”. A questão não é mais de foro íntimo. A violência doméstica tornou-se um caso de segurança pública.

Além das 33 mortes, foram registradas outras 17 tentativas de assassinato após a virada do ano. Em 2018, a Central de Atendimento à Mulher (o Ligue 180) registrou 92.323 denúncias. Crimes contra mulheres cometidos por maridos ou ex-maridos chocam. São cruéis e covardes. Elas foram atacadas por pessoas que, um dia, amaram e nas quais confiaram.

Medidas protetivas não foram suficientes para salvar Tamires, Marcelle, Iolanda, Maria, Elizângela e outras mulheres que perderam suas vidas, talvez depois de terem desejado feliz Ano Novo aos companheiros que as mataram com facadas, tiros, socos e marteladas. Casos de feminicídios registrados em 2019 já tinham antecedentes. Quantas outras Tamires, Marias e Elizângelas serão mortas, agredidas e ameaçadas nas próximas horas? Atenção. Estamos correndo perigo.

Há urgência. É preciso unir policiais, promotores, juízes, governantes. Mulheres e homens. É fundamental que a sociedade abrace essa causa. Todos devem trabalhar para formar uma grande rede de segurança para a mulher. O novo governo deve se posicionar. O Ministério da Justiça e o Congresso Nacional precisam priorizar essa pauta. Medidas mais duras e emergenciais são necessárias. É imprescindível aparelhar as mulheres com instrumentos mais eficazes de denúncia e de proteção. Os sistemas de fiscalização e vigilância precisam funcionar.

Uma campanha de conscientização e prevenção de violência doméstica deve ser deflagrada. Que seja dirigida às mulheres, para que saibam como se defender. Mas também deve focar os homens, para que repensem seus atos violentos. Penalizar o agressor significa mostrar que ele deve ser responsabilizado. Mas não basta a repressão. É preciso um trabalho para mudar o comportamento.

A violência contra a mulher tem raízes nas sociedades patriarcais. O machismo deixa rastros macabros no século 21. A Lei Maria da Penha, que completará 13 anos, foi um passo importantíssimo. Mas é preciso mais. A legislação penal deve ter mais rigor, com penas mais elevadas. É preciso uma legislação processual mais rígida. Que seja instituída a impossibilidade de fiança e de liberdade provisória, se houver antecedentes ou se o agressor descumprir a medida protetiva, como tem cobrado a promotora pública Gabriela Manssur.

É vital uma lei rigorosa para proteger mulheres de um crime tão hediondo como o de ser morta por uma pessoa em quem confia, mas o problema deve ser atacado desde o começo, como qualquer doença. Uma mulher deve ser fortalecida para saber como sair de um relacionamento abusivo. Mas, sozinha, não conseguirá deter um agressor. Ela não controla a decisão de um marido de usar a violência. Não cabe a ela a responsabilidade de evitar a agressão. Esse peso não pode cair sobre as vítimas. Fonte: https://oglobo.globo.com