Papa Francisco pediu uma reestruturação do Pai Nosso, afirmando que a tradução atual mancha a imagem de Deus e, essencialmente, não dá ao diabo o que lhe é devido.

Descrita na Bíblia como uma oração ensinada por Jesus, a oração do Pai Nosso é vista no catecismo da Igreja Católica Romana como "o resumo de todo o evangelho".

A reportagem é de Tom Kington, publicada por Los Angeles Times, 08-12-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.

Usada por católicos, protestantes e ortodoxos, a oração serve de base comum a todas as igrejas, que historicamente debatem a respeito de teologia, e é recitada de cabeça por milhões de pessoas no mundo todo.

Mas em uma entrevista na TV esta semana, o Papa Francisco disse que o trecho em que se pede a Deus que "não nos submeteis à tentação" ou, em italiano, “non indurci in tentazione”, deve ser modificado porque foi mal traduzido.

"Não é uma boa tradução", disse ao canal TV2000, que pertence à conferência dos Bispos da Itália, porque isso implica que Deus ativamente coloca as pessoas em tentação.

"Eu sou aquele que cai", disse Francisco. "Não é que Ele me coloque em tentação para depois ver como caí. Um pai não faz isso; um pai ajuda a se levantar imediatamente", acrescentou.

"É o Satanás que nos coloca em tentação — este é o seu ofício", disse ele.

A entrevista marcou a aprovação papal a movimentos já em andamento na Igreja para mudar esta frase na oração.

No mês passado, a Igreja Católica na França concordou em mudar do equivalente em francês de "não nos submetais à tentação” para "não nos deixeis entrar em tentação". O Papa disse que ficou impressionado com a nova redação.

O Pai Nosso aparece em dois evangelhos: Mateus 6: 9-13 e Lucas 11: 2-4.

Ao longo dos séculos, a breve oração passou pelo infortúnio, linguisticamente falando, de ser traduzida do aramaico – a língua que Jesus falava — para o grego, para o latim e para outros idiomas.

O problema advém da tradução de uma palavra grega, "eisenènkes", segundo Massimo Grilli, professor de estudos do novo testamento na Universidade Gregoriana, em Roma.

"O verbo grego 'eisfèro' significa 'fazer entrar', e a forma usada na oração, 'eisenènkes', significa, literalmente, 'não nos faça entrar’", acrescentou.

"Mas é uma tradução muito literal, que deve passar por uma interpretação”, afirmou.

Uma tradução latina da Bíblia de São Jerônimo, do século IV, que foi adotada pela Igreja Católica, mantém o significado literal, usando a palavra em latim "inducere", que significa "induzir”.

"Apesar do que alguns jornalistas podem sugerir em suas manchetes, o Papa Francisconão está sugerindo mudar as palavras de Jesus, mas apenas dar uma tradução mais adequada do grego original", disse James Martin, padre jesuíta e um dos principais editores da revista jesuíta América.

"Antes de criticar o Papa por inserir sua própria opinião numa oração tradicional, devemos recordar que São João Paulo II acrescentou toda uma nova série de mistérios ao rosário", acrescentou.

Segundo o professor, a frase equivalente a "Não nos deixeis cair em tentação" em português, na oração do Pai Nosso já estava sendo reavaliada em toda a Igreja Católica.

"Os espanhóis já mudaram para 'não nos deixes cair em tentação’", observou.

Em 2008, a conferência dos bispos italianos mudou a frase para "e não nos abandoneis à tentação", embora muitos sacerdotes mantenham a versão antiga em suas celebrações.

A ênfase de Francisco no papel do diabo em levar os crentes à tentação reflete sua firme convicção de que Satanás existe, depois de anos em que a Igreja minimizou a ideia da existência do diabo como pessoa.

Ajustar a tradução da oração pode parecer inovador, mas empalidece em comparação com os ajustes que já aconteceram. Hoje, a versão do Rei James da oração termina assim: E não nos deixeis cair em tentação, Mas livrai-nos do mal: Pois vosso é o Reino e o
poder e a glória, para sempre.

Mas estudiosos dizem que as duas últimas linhas foram adicionadas por escribas. Por quê? Porque sentiram que terminar a oração com a conversa do diabo era muito abrupto e era necessário um final mais lapidado. Fonte: http://www.ihu.unisinos.br