"Em uma espécie de self service, fazem seu própro prato religioso, de acordo com o gosto e a necessidade. Semelhante credo, estritamente pessoal e personalizado, tende a interiorizar-se, constituindo não raro um roby a mais na vida privada" escreve Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs, assessor das Pastorais Sociais.

Eis o artigo.

Historicamente, no universo rural brasileiro, a Igreja Católica com seu templo e sua torre em destaque, no centro e no alto de povoados e pequenas cidades, representava um ponto de referência de natureza cultural e religiosa, bem como lugar de “gastar” o tempo ocioso. Além da missa e de outras funções religiosas, era em suas dependências que se realizavam as principais festas, os bailes familiares, os leilões, a apresentação dos novos filmes, os encontros, várias formas de lazer e esporte... Não poucos namoros e matrimônios começavam em suas imediações. Do nascimento à morte, a existência de cada pessoa ou família tinha o cordão umbilical ligado à matriz ou capela à qual pertencia como “fiel”.

As coisas mudam radicalmente no universo urbano. Aqui múltiplas instituições passam a oferecer o mesmo produto. Teatros, cinemas, discotecas, bares e restaurantes, clubes, shopping centers, outras Igrejas ou associações religiosas, salões de beleza – entre tantas opções diversas e diferentes – aparecem como alternativas culturais, religiosas e de lazer. Multiplicam-se às centenas os pontos de encontro ou de referência. A cidade grande ou metrópole é policêntrica não só do ponto de vista institucional, financeiro e comercial, mas também do ponto de vista cultural e religioso. Se nos fosse permito jogar com as palavras, poderíamos dizer que uma série de “botecos” diversificados “vendem” variações desses bens de caráter cultural, religioso ou de lazer. Os gostos e sabores se diversificam, ao mesmo tempo que dão origem a novos centros de troca e de encontro.

Limitando-nos ao pluralismo religioso do meio urbano, três observações emergem com certa relevância. A primeira é que muitas pessoas que nasceram em uma determinada Igreja passam a transitar livremente entre as demais, incluindo o espiritismo e as religiões de raiz africana. Trânsito tanto mais fácil devido aos meios de transporte e de comunicação. A religião, normalmente herança de família no mundo rural, torna-se na cidade uma opção pessoal. O que leva a unidade familiar, cada vez mais, a abrigar debaixo do mesmo teto membros de diferentes credos. A Igreja Católica perde a hegemonia que tinha no campo, passando a dividi-la com as demais formações religiosas.

A segunda observação tem a ver com os limites geográficos da capela, paróquia ou diocese. Nas enormes manchas urbanas de hoje, centros ou periferias, tais limites perdem a razão de ser. O carro, o ônibus, o trem, o metrô ou o telefone permitem que as pessoas se agrupem não tanto de acordo com a pertença a esta ou àquela unidade territorial, mas em função de interesses pessoais ou grupais. Interesses não necessariamente materiais, mas sobretudo de ordem religiosa, emocional, psíquica, profissional, e assim por diante. A mobilidade permite maior margem de escolha e flexibilidade. A instituição perde terreno para os chamados movimentos com base religiosa, sejam estes de natureza social, carismática ou devocional.

Por fim, a terceira observação nos conduz a um novo tipo de credo vivencial que podemos chamar de religião self service. Em que consiste? O trânsito frequente entre as diferentes opções religiosas, por um lado, e a prática de uma locomoção fácil, por outro, leva as pessoas a observarem o que se passa no interior de cada Igreja. Certas pessoas, após percorrer algumas delas, acaba decidindo-se por uma em particular. Boa parte, porém, em sua peregrinação pelas várias “religiões”, vão extraindo de uma e de outra aquilo que lhes interessa, ou aquilo de que mais necessitam em determinado momento. Com isso, em uma espécie de self service, fazem seu próprio prato religioso, de acordo com o gosto e a necessidade. Semelhante credo, estritamente pessoal e personalizado, tende a interiorizar-se, constituindo não raro um hobby a mais na vida privada. Fonte: http://www.ihu.unisinos.br