Como parte do que faziam para nos conduzir a uma vida religiosa mais profunda, os meus pais nos levaram eu e meus irmãos, quando ainda éramos criança, a uma missa celebrada no Rito Tridentino. Não me recordo de ter ficado particularmente impressionado nas primeiras vezes. No entanto, em um domingo de verão, eu decidi frequentar uma missa neste rito por mim mesmo, mais por uma mudança de ritmo em relação à minha paróquia costumeira. Aconteceu que este dia era a Festa de Corpus Christi, e eu me vi surpreendido pelo espetáculo total do ritual. O comentário é de Timothy Kirchoff, pós-graduado pela Universidade de Notre Dame, publicado por America, 13-09-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.

Por uns instantes, senti que os hinos e as procissões me manteriam naquela igreja por mais tempo do que havia imaginado inicialmente, mas fui logo tomado por um sentimento que posso descrever como uma verdadeira comunhão. Esta havia sido, pensei eu, a missa vivenciada por inúmeros santos ao longo da história. Muito embora não tinha ninguém nos bancos ao meu redor, comecei a me sentir como se estivesse rodeado pelos santos que haviam vindo conhecer e adorar a Deus através da liturgia. Naquela altura, eu não sabia que os rituais da missa mudaram várias vezes nestes dois milênios de história cristã, mas saber destas mudanças nunca me vez duvidar do cerne da minha experiência naquele dia.
No ano passado, o Papa Francisco falou abertamente sobre os seus receios para com os tradicionalistas em entrevista que poderia servir como uma introdução para um livro dos seus sermões enquanto arcebispo de Buenos Aires:

Eu sempre tento entender o que está por trás das pessoas que são jovens demais para ter vivido a liturgia pré-conciliar, mas que a desejam. Às vezes eu me vejo em frente de pessoas que são rigorosas demais, que têm uma atitude rígida. E eu me pergunto: Como pode uma tal rigidez? (...) Essa rigidez sempre esconde alguma coisa: insegurança, às vezes até mais (…) A rigidez é defensiva. O verdadeiro amor não é rígido”.

Penso sobre esta declaração desde que a li. Eu me pergunto sobre se eu fui esse tipo de pessoa que Francisco tinha em mente. Será que fui um católico “rígido”? A experiência de estar cercado pelos santos na missa em latim é uma das experiências espirituais mais profundas e formativas de meus anos de adolescente.

Também venho pensando sobre estas palavras do papa porque o esforço dele para entender os tradicionalistas jovens reproduz as suspeitas mantidas por muitos católicos mais velhos que viveram a época do Concílio Vaticano II, especialmente alguns padres. (E mais: o papa recentemente reafirmou o seu compromisso com a reforma litúrgica do Vaticano II, dizendo que ela é “irreversível”.)

A experiência que tenho com a missa em latim oferece uma resposta possível às dúvidas do Papa Francisco sobre o porquê os jovens são atraídos pelas liturgias tradicionais: tendo crescido com a missa em inglês, estes jovens católicos possuem um sentido vago do que se trata os momentos da missa. Os rituais pouco familiares e o idioma do Rito Tridentino, no entanto, permitem-lhes ver estes momentos com um olhar renovado. A descoberta da missa em latim é, para muitos integrantes da minha geração, aquilo que a introdução da missa em língua vernácula foi para muitas pessoas como Francisco.
Quando às pessoas “rigorosas, rígidas” sobre cujas inseguranças o papa se refere, ele claramente não está falando a todos os que querem a opção de frequentar a liturgia pré-conciliar. Muito embora alguns de meus amigos irão estranhar diante de algumas homilias ou de desvios da rubrica litúrgica, dificilmente os gostos deles são dignos de serem contados no divã. Eles não precisam que alguém “analise profundamente” as suas psiques. O amor a Deus e ao próximo corre, no mínimo, de modo tão profundo neles quanto corre em mim, mesmo se este amor se manifeste às vezes em orações em latim.

A quem, então, o Papa Francisco está se referindo? A resposta pode residir no próprio passado de Francisco. Na qualidade de provincial jesuíta e, depois, reitor do seminário jesuíta na Argentina, Jorge Bergoglio ficou conhecido como uma figura rigorosa e formidável, e contava com um número considerável de seguidores entre os membros de sua província. Mas as críticas dele a grupos católicos tradicionalistas raramente são interpretadas por meio destas lentes.

Quando o papa sugere que a rigidez e o rigorismo escondem uma insegurança, talvez ele esteja falando das pessoas que certa vez conheceu bem ou mesmo esteja falando de si mesmo. A ex-inflexibilidade de Francisco deveria dar muito mais credibilidade a suas advertências sobre as ciladas do tradicionalismo moderno. Os tradicionalistas não levam as suas críticas tão a sério quanto provavelmente deveriam. Mas sem contexto algum fornecido, as declarações de Francisco soam menos com um conselho pastoral e mais como a lamentação perene de gerações mais velhas a respeito das tendências entre aos jovens.

O mesmo se pode dizer sobre muitas das admoestações que ouço da “geração Vaticano II” sobre as imperfeições da Igreja pré-conciliar. Só foi quando eu tive diálogos ampliados com estes católicos que a profundidade e a relevância da experiência deles se tornaram claras. Se não tivesse tirado um tempo para ouvir-lhes e fazer perguntas, tudo o que eu teria ouvido seria um lamento repetitivo sobre os jovens católicos que tentam fazer o relógio voltar atrás, para a década de 1950.

Quando realmente ouvi os mais velhos, aprendi sobre as muitas maneiras em que um foco muito acentuado em fazer valer as leis corre o risco de levar as pessoas a uma espiritualidade vazia, a um legalismo e à superstição. Aprendi sobre grupos de homens que ficavam do lado de fora da igreja fumando até a hora do ofertório, já que este era o momento crucial para cumprir a obrigação de domingo. Descobri que muitos padres que, externamente, pareciam firmes em suas vocações, depois do Concílio abandonaram o sacerdócio. As críticas por católicos mais velhos às práticas e tendências neotradicionalistas não são uma reação alérgica ao cheiro de incenso. São uma cautela que decorre da experiência.

Muitos jovens católicos buscam um maior entendimento da – e uma continuidade com a – Igreja pré-conciliar. Muitos católicos mais velhos que viveram o concílio e estão bastante familiarizados com as imperfeições da Igreja pré-conciliar se preocupam com que um revisitar as práticas antigas vá trazer de volta os problemas que o Vaticano II se esforçou para corrigir. Cada grupo tem algo a aprender com o outro. Estas lições só se esclarecem quando deixamos de lado as nossas inquietações ideológicas e temos a paciência para compreender as experiências do outro. A forma de rigidez sobre a qual mais devemos nos preocupar é a rigidez ideológica que nos impede de ver como Deus está trabalhando entre os nossos companheiros católicos.

Encontramos pontos em comum quando temos a paciência para buscá-los, assim como as liturgias em que participamos se parecem bem diferentes, mas que, no fundo, são a mesma celebração do mistério Pascal. http://www.ihu.unisinos.br