Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho deste XVI Domingo do Tempo Comum, 23 de julho (Mt 13, 24-43). A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Continuamos a leitura do discurso parabólico de Jesus no Evangelho segundo Mateus. Depois da parábola do semeador e da sua explicação, eis outra parábola ainda referente à semeadura. Mas, se na primeira, a ênfase caía nos diversos terrenos nos quais caía o grão bom, aqui, ao contrário, a atenção vai para o objeto da semeadura: boa semente ou má semente.

Em certo ponto da nossa existência, nós também descobrimos a presença do mal: quem o introduziu em nós e ao nosso redor? Por que não o percebemos?

É uma experiência dolorosa também, que requer um discernimento sobre nós e sobre a nossa vida: acolhemos a palavra de Deus, meditamo-la e conservamo-la, também tentamos realizá-la (cf. Mt 13, 22-23), mas eis que aparece o mal como obra das nossas mãos.

É também a experiência da comunidade cristã, da Igreja, que é um corpus mixtum, porque fazem parte dela fortes e fracos, simples e eruditos, justos e pecadores, fiéis e infiéis. Não era assim também a pequena comunidade de Jesus? No seu interior, houve quem traiu, quem renegou, quem era medroso e covarde, quem fugiu...

Quem lê situações como essas se assemelha aos servos da parábola, que, dada a situação do campo, interrogam o dono sobre o trigo semeado; e, sabendo que um inimigo fez a operação de semeadura do joio, propõe extirpar essa erva daninha. Aos seus olhos, tal separação é necessária para que o trigo possa crescer sem ser privado de substâncias vitais e de espaço.

Mas o dono tem outra ótica: a da paciência, da espera paciente de um tempo em que se possa separar a erva daninha da boa semente, sem prejudicar esta última. Ele sabe que, no desejo de erradicar o mal, existe o risco de erradicar ou pelo menos de desestabilizar também o bem. É preciso paciência por parte do dono e, por parte da boa semente, um exercício de mansidão, que aceita ao seu lado a presença de plantas más.

É claro, virá a hora da colheita, do juízo – como Jesus esclarece melhor na explicação da parábola, solicitada pelos discípulos – e, então, haverá a separação, porque o pão será produzido com o trigo bom, enquanto o joio será queimado: mas, enquanto isso, há a necessidade de espera paciente e de mansidão.

A intransigência, a busca da pureza a todo custo, a rigidez de querer uma comunidade composta totalmente por justos são perigosas, porque as fronteiras entre o bem e o mal, entre justiça e injustiça, às vezes, não são tão claras. Essa primeira parábola é uma advertência sobre o nosso estilo de vida eclesial, pedindo aquela paciência que sabe adiar um ato legítimo, mesmo por parte daqueles que são competentes, como os ceifadores, e enviá-lo para a hora que não nos pertence, a do juízo. Sim, para as pessoas que creem, há tentações ao mal justamente quando “veem” o bem: intolerância, partidarismo, integralismos, militância contra... É a tentação do catarismo: somente puros! Fonte: http://www.ihu.unisinos.br

NOTAS DO FREI PETRÔNIO DE MIRANDA, PADRE CARMELITA E JORNALISTA/RJ:

Qual a nossa concepção sobre o joio e o trigo? Quem é “santo” e quem é “pecador” na comunidade? A história confirma a catástrofe lamentável na tentativa dessa separação. Vejamos:  

- Com o objetivo de formar um povo “puro”, o ditador Adolf Hitler, matou mais de 60 milhões de pessoas na Segunda-Guerra Mundial entre 1939 a 1945.

-Um confronto entre supostos invasores de terra e policiais militares e civis terminou em tragédia, com 10 mortos, na fazenda chamada Santa Lúcia, localizada no município de Pau D'Arco, distante cerca de 50 km de Redenção, no sudeste paraense, na manhã de quarta-feira, 24 de maio-2017.

- No dia 3 de abril de 2013 o aposentado Paulo César da Silva, 62, matou a tiros o próprio filho usuário de drogas, Paulo Eduardo Olinda da Silva, 28, no bairro de Bancários, na Ilha do Governador, Zona Norte da cidade da cidade do Rio de Janeiro. 

-Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, em 2016 foram assassinados 144 travestis e transexuais no Brasil.

- Portugal e Brasil estão na lista número um na comercialização de escravos para a América. Foram transportados 5,8 milhões de escravos.

Esses dados mostram o erro histórico na tentativa de separar o joio do trigo. Erros que aliás continuam a perpetuar, seja no assassinato de jovens negros, quilombolas, pobres e favelados, ou ainda na morte “silenciosa” por suicídio de adolescentes e jovens por questões sexuais, étnica, religiosa ou social.

Na verdade, queremos mesmo é o trigo que produza 100%! Vivemos em uma igreja, convento, ordem religiosa, congregação, seminário, empresa e sociedade como um todo da produtividade. Quem é “joio” ou não rende, é descartável, jogado no canto, esquecido ou ainda fingimos que tais pessoas não existem- seja os moradores de rua, os sem terras, os drogados, os índios...

O Evangelho desse 16º Domingo do Tempo Comum nos joga contra a parede e nos força a olharmos no espelho da vida. Será que também nós não somos joios? Perguntar não ofende.