O Pe. Chenu (relator do dia) é um velho dominicano de alma jovem, sobretudo quando toca no seu assunto predileto: teologia do trabalho.

Começou perguntando: se o Grupo é de Pobreza, por que falar sobre teologia do trabalho? Que relação existe entre pobreza e trabalho?

Respondeu:

- Quer se considerem as massas infra-humanas do 3º mundo, - quer se considerem os trabalhadores do mundo industrial, o trabalho continua sendo um lugar de dessumanização. Mesmo quando assegura um nível econômico razoável, os trabalhadores continuam privados da dignidade humana. O trabalho que deve ser uma riqueza humana vem importando em tríplice frustração. Valores do trabalho, de que são frustrados os trabalhadores: a) no plano industrial.

O trabalho dá plena posse sobre as forças da natureza: o homem se sente mais homem humanizando a natureza.

A distinção entre homo faber (operário) e homo sapiens (intelectual), resultando em desprezo do primeiro e em superioridade do segundo, é linguagem de uma civilização de escravos.

O homem participa da obra da criação e a completa. O Pe. Chenu salienta as riquezas contidas nos Padres Gregos sobre riqueza da Criação: não as temos aproveitado devidamente.

Entre parênteses: aproximei-me dos Observadores ortodoxos russos e perguntei-lhes, em inglês, pela impressão da votação dos 5 pontos: manifestaram-se muito contentes. Mas comentaram: “apenas acontece que isto para nós é catecismo elementar”.

Outro parênteses: viram o discurso em que Paulo VI fala na necessidade de um novo S. Francisco de Assis para cantar o novo [fl. 2] cântico das criaturas, já incluindo o que é criação de Deus através da criação do homem?

Terceiro parênteses: o Pe. Chenu disse que vai adotar o expressivo neologismo lançado por Mons. Camara: conscientisation. Os franceses falam sempre em “éveil de conscience” ou “prise de conscience”.

  1. b) no plano cristão

Foi o comentário da passagem célebre da Epístola aos Romanos, tão cara a Teillhard de Chardin... e ao nosso Luiz Alberto: a natureza que espera que o homem se torne livre para que ela se torne livre também...

Se os Padres da Igreja puderam dizer que a civilização greco-romana preparou a vinda de Cristo, por que não podemos dizer que a civilização coletivista do trabalho prepara o reino de Deus? Já estamos em trabalho de ressurreição. c) no plano do trabalho socializado

Baseando-se na “Mater et Magistra”, insistiu em dizer que os homens acham no trabalho uma fraternidade, uma comunidade.

Chegou a duas conclusões:

Se o trabalho que deve ser riqueza humana, está sendo lugar de empobrecimento humano, por ser lugar de deshumanização.

aproximemo-nos fraternalmente dos pobres

Só servimos realmente à pobreza, quando os pobres nos recebem tão à vontade que não fazem cerimônia nenhuma conosco. Recebem-nos como estão. Comentou a alegria que ele sente quando entra na casa de um operário e ele estando com as mãos sujas, sem poder dar a mão, dá o cotovelo...

mas cheguemos à caridade positiva de que fala Pio XII

A Igreja será pobre na medida em que trocar a mentalidade de prestígio, de poder e de mando pela mentalidade de servir.

Lembrou, de passagem, que o neo-capitalismo traz melhorias materiais... Pode até trazer melhorias culturais. É incapaz de respeitar a dignidade humana e de livrar-se do paternalismo. [fl. 3]

Aludiu a uma publicação, de grande valor por vir de quem vem e pelo barulho que está causando no meio dos empresários: Reforme de l’entreprise, de Bloch-Laine, um grande industrial judeu, convertido ao catolicismo.

Disse isto quando o interpelei perguntando se ele acredita na possibilidade de empresários cristãos reformarem suas próprias empresas, quando parece da essência da moderna industrialização a formação da grande engrenagem, da qual não apenas os homens (inclusive os diretores) mas empresas inteiras não passam de rodas.

Perguntei ao Pe. Chenu se os teólogos não caem no lirismo quando falam na teologia do trabalho. Acho um encanto: mas fico pensando em Carlitos. Que estará mais próximo do que sente na vida real o trabalhador mesmo: a poesia do novo hino da Criação (que entendemos tão bem, nós de fora, nós estudiosos...) ou a caricatura de Charles Chaplin?...

Chenu chega ao cúmulo de dizer que não acredita que o operário se tome de ódio. O trabalho moderno desarma, instila alegria de viver, orgulho do criador...

Bombardeado pelo Pe. Paulo Gauthier que lembrou o pequeno grupo que explora as grandes massas, Chenu reconheceu que o mundo do pecado (amor do poder, mais ainda que diretamente o amor da riqueza) se insere na estrutura mesma do mundo do trabalho.

Mons. Mercier lembrou as massas não-cristãs em que o homem vive do homem, o forte vive do fraco, o rico vive do pobre.

Na família patriarcal, o homem vive da mulher... Chenu respondeu que onde se chega a uma comunidade de trabalhadores já está o Cristo.

O teólogo africano que mora em Domus Mariae, informando que não há praticamente ricos na África, ele fica meio tonto quando ouve falar em “pobreza, pobreza”, quando quase sente necessidade de gritar o inverso, pensando nos seres: riqueza, riqueza!

Para combater os colonizadores, [fl. 4] os políticos deram a impressão de que, conquistada a independência, não haveria mais trabalho...

Agora se tem de levar o africano ao trabalho livre. Falta mística.

Campo livre.

Embora reconheça a quase impossibilidade momentânea de atuação européia, sente que os europeus podem e devem ensinar a África a chegar a comunidades livres de trabalho livre...

*Obras Completas de Dom Helder Câmara. Volume I- Tomo 1. Vaticano II: Correspondência Conciliar. (Aguarde a próxima publicação no olhar