Chegou a hora de os bispos pararem de esperar por um aumento nas vocações sacerdotais celibatárias e reconhecer que a Igreja necessita de padres casados para servir o Povo de Deus. Não se pode ter uma Igreja Católica sem sacramentos, e um padre é necessário para a Eucaristia, a Confissão e Unção.

Na Santa Ceia, Jesus disse: “Façam isto em memória de mim”, não “tenham um sacerdócio celibatário”. A necessidade eucarística excede a necessidade do sacerdócio celibatário. O comentário é de Thomas Reese, jesuíta e jornalista, publicado por National Catholic Reporter, 16-03-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.

Por pelo menos 50 anos, a Igreja Católica nos EUA tem visto uma queda no número dos padres. Segundo relatórios do Centro de Pesquisa Aplicada para o Apostolado – CARA, na sigla em inglês, em 1970 havia 59.192 padres nos EUA; em 2016, havia somente 37.192. Enquanto isso, o número de fiéis aumentou de 51 milhões para 74.2 milhões. Isto significa que a proporção pessoas/padre cresceu de 861 católicos para cada sacerdote em 1970 para 1.995 a cada um em 2016. Estes números incluem todos os padres, religiosos e diocesanos, junto dos que já estão aposentados. Quando morrerem os padres que hoje estão acima dos 65 anos, estes números vão piorar ainda mais.

Em muitas regiões dos EUA já vemos o impacto do número declinante de padres. Paróquias estão se fundindo enquanto outras fecham as portas. Poucas paróquias têm mais de um padre. Padres africanos e asiáticos tornaram-se missionários nos EUA. Em zonas rurais, os padres dirigem centenas de quilômetros nos fins de semana visitando paróquias em municípios pequenos que não contam mais com um padre residente. Algumas paróquias rurais veem um padre uma vez por mês. O número de paróquias sem padre aumentou de 571 em 1970 para 3.499 em 2016.

Este problema não acontece só nos EUA; na verdade, ele é mais grave em outros lugares. Em 2014, havia 414.313 padres para 1.2 bilhão de católicos no mundo, numa proporção de fiéis/padre na casa dos 2.896 por um.

Na América Latina, por motivos históricos, existe uma escassez de padres há mais de 100 anos. Eis um dos motivos por que os evangélicos pentecostais vêm tendo sucesso na região. Se não há padre algum na cidade, as pessoas vão aonde houver uma celebração.

A África e a Ásia são apontados como lugres onde as vocações são abundantes, mas mesmo nessas regiões não há padres o suficiente. E as vocações já estão começando a quedar em alguns lugares destes continentes.

Por que as vocações estão em declínio?

Há várias teorias. Os conservadores tendem a culpar a cultura secular e a geração atual de jovens que são vistos como consumidores autocentrados, pessoas que carecem de disciplina e espírito de autossacrifício necessários para se ser um padre.

Os sociólogos apontam para as mudanças demográficas. As famílias são menores. Numa família grande, os pais apoiam a ideia de um dos filhos se tornar padre, mas se só tiverem um ou dois, preferirão netos a sacerdotes.

O acesso universal à educação também faz a diferença. Historicamente, tornar-se padre era uma das poucas maneiras de conseguir estudar, especialmente uma criança que não vinha de família rica. O padre era frequentemente a pessoa com maior formação na comunidade, o que lhe dava um status adicional. Hoje, a formação está mais prontamente disponível. O padre não possui o status que teve no passado.

Em suma, muitas vocações no passado vieram de famílias grandes onde o padre era o primeiro membro delas a conseguir entrar para a faculdade e onde a família vivia numa comunidade em que o pároco era figura respeitada. Na medida em que este mundo desaparece, o mesmo ocorre com as vocações. Mesmo em partes da Índia, onde os católicos têm formação, pertencem à classe média e estão tendo menos filhos, já vemos um declínio nas vocações.

Nada indica que o mesmo não continuará acontecendo na África e na Ásia quando os católicos se tornarem mais prósperos.

Têm havido igualmente mudanças na própria Igreja e que afetaram as vocações. O Concílio Vaticano II enfatizou o papel dos leigos e a importância do matrimônio como caminho à santidade. O sacerdócio e a vida religiosa foram tirados de seus pedestais.
Além disso, após o Concílio, muitos ministérios que antes eram abertos somente para padres tornaram-se possíveis aos leigos. Existem agora teólogos leigos, agentes pastorais, diretores espirituais, professores, assim como leigos trabalhando em chancelarias e organizações caritativas católicas. Tecnicamente, um leigo pode fazer quase tudo que um padre faz – exceto presidir a Eucaristia, ouvir confissões e ungir os enfermos. Os que se sentem chamados a servir as Igreja viram que poderiam se casar e fazer muitas coisas sem ser padres.

O sociólogo americano Dean Hoge pesquisou os jovens que trabalhavam na pastoral universitária e descobriu que números significativos deles se interessavam em ser padres caso pudessem se casar. Na verdade, alguns sustentam que não houve um declínio nas vocações; o que acontece é que os bispos não estariam reconhecendo que Deus está chamando homens casados e, até mesmo, mulheres ao sacerdócio.

No começo deste mês, o Papa Francisco falou sobre as vocações e da possibilidade de ordenar viri probati, isto é, homens casados de fé comprovada.

“Um problema é a falta de vocações, um problema que a Igreja deve resolver”, disse Francisco. “Devemos pensar sobre se os viri probati são uma possibilidade, mas temos também que discutir quais tarefas eles poderiam assumir em comunidades remotas. Em muitas comunidades neste momento, mulheres comprometidas estão preservando o domingo como dia de culto realizando celebrações da Palavra. Mas uma igreja sem a Eucaristia não possui força”.

Em artigo que escrevi semana passada, observei que uma das maiores realizações de Francisco é a sua abertura ao debate na Igreja. Ainda que o Papa Paulo VI tenha considerado brevemente a ideia, sob os últimos dois papados não foi permitido discutir o tema de padres casados. Eu não poderia ter escrito este presente artigo aqui quando fui editor da revista America (1998-2005). 

Mesmo quando era arcebispo, Jorge Bergoglio levantou a questão dos padres casados na Igreja. No Capítulo de seu livro “Sobre o céu e a terra”, ele reconheceu que há padres casados na Igreja Católica de tradições orientais (bizantina, ucraniana e grega), e notou que eles eram bons sacerdotes. A Igreja Católica de Roma, ou ocidental, tem a regra do celibato, mas as igrejas católicas orientais, que estão em união com Roma, sempre tiveram padres casados. Nos Estados Unidos, nós também temos ex-padres anglicanos e luteranos que estão casados e trabalham como padres na Igreja Católica hoje.

Durante os primeiros mil anos de sua existência, a Igreja contou com clérigos casados. Nos últimos mil anos, estamos tendo a regra do celibato. Esta nem sempre é bem observada. Bergoglio odiava a prática dos padres que não viviam plenamente o compromisso antes assumido. Ele poderia perdoar caso o sacerdote mudasse de modos, mas disse que preferia um bom leigo a um mau padre. Se um padre gerasse um filho, Bergoglio falou que o padre deve sair [da Igreja] porque o direito de a criança ter um pai era maior do que a obrigação de um homem permanecer no sacerdócio.

Creio que Francisco seja a favor do celibato opcional, porém ele não vai de repente anunciar da Praça de São Pedro que a Igreja terá padres casados a partir da semana que vem. Não é assim que ele faz as coisas. O papa acredita numa Igreja que trabalha de forma colegiada, onde as decisões são tomadas por ele juntamente com o Colégio Cardinalício.
Erwin Kräutler, bispo brasileiro, falou com o papa sobre ter padres casados em sua imensa diocese na floresta amazônica, onde existem 700 mil pessoas para 27 padres. A resposta do papa foi instá-lo a voltar-se à sua conferência episcopal e fazer que eles – os bispos – peçam isso. Esta é maneira mais provável em que os padres casados serão reintroduzidos na Igreja romana. Será a pedido das conferências dos bispos por padres casados em lugares remotos, onde há grande necessidade. Mas assim que padres casados forem introduzidos, rapidamente irão se espalhar para outros lugares.

Se o Povo de Deus quer padres casados, ele precisa fazer com que os bispos saibam. O papa está esperando que os bispos peçam. As pessoas precisam pressionar os seus bispos nesse sentido. FONTE: http://www.ihu.unisinos.br