“O amor não deve ser um amor de novela”. O Papa Francisco começou sua reflexão pela passagem da Carta de São Paulo aos romanos, durante a Audiência Geral na Praça São Pedro, para advertir sobre “um amor vivido com hipocrisia”, “egoísmo disfarçado de amor”, caridade feita “para nos sentirmos satisfeitos” ou para “aparecer”. Todas estas atitudes escondem “uma ideia falsa, enganosa, ou seja, que, se amamos, é porque somos bons”. Ao passo que o amor é graça de Deus, “que nos permite, mesmo em nossa pequenez e pobreza, experimentar a compaixão do pai e celebrar as maravilhas do seu amor”. Ao final da catequese, Francisco fez um apelo pelos trabalhadores da Sky Itália, destacando que, em geral, “aqueles que, por manobras econômicas, para fazer negócios pouco claros, fecham empresas e deixam pessoas sem emprego, cometem um pecado gravíssimo”. A reportagem é de Gianni Valente e publicada por Vatican Insider, 15-03-2017. A tradução é de André Langer.

 

No início da Audiência Geral, quando Jorge Mario Bergoglio desceu do Jeep branco, após sua costumeira volta entre os fiéis presentes na Praça São Pedro, encontrou-se primeiro com um menino, depois com uma senhora, que passou quase se esgueirando por entre as pernas dos guardas suíços, e um idoso chinês, que se ajoelharam diante do Papa para beijar-lhe os pés e pedir-lhe que desse a bênção a uma estátua de Nossa Senhora.
São Paulo, disse Francisco, “nos previne: existe o risco de o nosso amor ser hipócrita, de o nosso amor ser hipócrita. Então, devemos nos perguntar: quando isso acontece, essa hipocrisia? E como podemos estar seguros de que o nosso amor é sincero, que a nossa caridade é autêntica? Como podemos estar seguros de que não fazer caridade para aparecer ou que o nosso amor não seja uma novela? Amor sincero, forte. A hipocrisia pode introduzir-se em todas as partes, também em nosso modo de amar. Isso se verifica quando o nosso amor é um amor interessado, motivado por interesses pessoais; e quantos amores interessados existem... quando os serviços caritativos nos quais parece que nos doamos são realizados para nos mostrarmos a nós mesmos ou para nos sentirmos satisfeitos: ‘mas, como eu sou bom’, não? Isso é hipocrisia; ou ainda, quando buscamos coisas que têm ‘visibilidade’ para fazer alarde da nossa inteligência ou das nossas capacidades. Por trás de tudo isso existe uma ideia falsa, enganosa, isto é, que se amamos é porque nós somos bons; como se a caridade fosse uma criação do homem, um produto do nosso coração”.

Pelo contrário, a caridade “é antes de tudo uma graça, um dom; poder amar é um dom de Deus, e devemos pedi-lo. E Ele o dá com gosto, se nós o pedimos. A caridade é uma graça; não consiste em mostrar aquilo que não somos, mas aquilo que o Senhor nos dá e que nós livremente acolhemos; e não se pode expressar no encontro com os outros se antes não é gerada no encontro com o rosto humilde e misericordioso de Jesus. Paulo nos convida a reconhecer que somos pecadores, e que também nosso modo de amar está marcado pelo pecado. Ao mesmo tempo, porém, se faz mensageiro de um anúncio novo, um anúncio de esperança: o Senhor abre diante de nós um caminho de libertação, um caminho de salvação. É a possibilidade de viver também o grande mandamento do amor, de nos convertermos em instrumentos da caridade de Deus. E isso acontece quando nos deixamos curar e renovar o coração pelo Cristo ressuscitado. O Senhor ressuscitado que vive no meio de nós, que vive conosco, é capaz de curar o nosso coração: Ele o faz, se nós o pedimos. É Ele que nos permite, apesar da nossa pequenez e pobreza, experimentar que tudo aquilo que podemos viver e fazer pelos irmãos não é senão a resposta ao que Deus fez e continua a fazer por nós. É o próprio Deus que, habitando em nosso coração e em nossa vida, continua a fazer-se próximo e a servir todos aqueles que encontramos diariamente em nosso caminho, a começar pelos últimos e mais necessitados nos quais Ele se reconhece em primeiro lugar”.

Todos nós, continuou o Papa Bergoglio, “fazemos a experiência de não viver plenamente como deveríamos o mandamento do amor. Mas também esta é uma graça, porque nos faz compreender que inclusive para amar precisamos que o Senhor renove continuamente este dom no nosso coração, através da experiência de sua infinita misericórdia. Somente então voltaremos a apreciar as pequenas coisas, simples, de todos os dias; e seremos capazes de amar os outros como Deus os ama, isto é, procurando apenas o seu bem, isto é, que sejam santos, amigos de Deus; e nos sentiremos felizes por nos aproximarmos do pobre e do humilde, contentes por nos debruçarmos sobre os irmãos caídos por terra, a exemplo de Jesus, assim como Ele, o Bom Samaritano, faz com cada um de nós, com sua compaixão e seu perdão”.

Ao final da catequese, o Papa saudou, entre outros, as pessoas que participaram do congresso promovido pelo Movimento dos Focolares, por ocasião do 50º aniversário de sua fundação, e os exortou a dar testemunho da beleza das famílias novas, guiadas pela paz e pelo amor de Cristo.

Francisco dirigiu um “pensamento especial” aos trabalhadores da Sky Itália, que, em uma nota, anunciaram a presença de um contingente de cerca de 100 empregados para denunciar a situação “dramática de aproximadamente 600 pessoas e suas famílias”, depois que a empresa revelara o plano de cortes e transferências. “Espero – disse o Papa – que sua situação trabalhista encontre uma solução rápida, no respeito pelos direitos de todos, especialmente das famílias”. Francisco acrescentou: “O trabalho nos dá dignidade e os empresários e os líderes políticos têm a obrigação de fazer todo o possível para que cada homem e mulher possa trabalhar e caminhar com a cabeça erguida, olhando nos olhos das pessoas, com dignidade. Aqueles que fecham fábricas e empresas para fazer negócios pouco claros e deixam pessoas sem emprego cometem um pecado gravíssimo”.

Fonte: http://www.ihu.unisinos.br