Eu sempre quis saber o que aconteceu com aqueles padres que conheci logo após o Concílio Vaticano II, sacerdotes que se colocavam prontos a me entender e a me apoiar no ministério gay que Deus colocou em meu caminho quando cursei a pós-graduação. A essa altura, eles já devem, assim como eu, estar elegíveis para receber a Previdência Social. O artigo é da Ir. Jeannine Gramick, das Irmãs de Loretto, cofundadora da New Ways Ministry, organização que luta pelos direitos de católicos gays e lésbicas, publicado por National Catholic Reporter, 03-08-2016. A tradução é deIsaque Gomes Correa.
No final de junho, descobri onde muitos deles estavam quando esbarrei em vários deles num evento em Chicago. Muitos já estavam aposentados ou, como um me falou: “Não aposentado, apenas reciclado”. Eles ainda se preocupavam com a difusão do Evangelho e com a promoção da justiça.
Eu os encontrei no congresso anual da Associação de Padres Católicos dos EUA (Association of U.S. Catholic Priests – AUSCP), entidade criada formalmente há cinco anos em Pittsburgh por 27 sacerdotes. O grupo deve a sua existência à insatisfação que milhares de sacerdotes americanos manifestaram com relação às mudanças no Missal Romano que o Vaticano forçara em países falantes de língua Inglês em 2011.
Ainda há uma insatisfação com essas mudanças entre esses e outros padres. De um grupo de trabalho no evento eu ouvi reclamações do tipo: “As mudanças empregam um inglês ruim, uma teologia ruim e não são sensíveis em termos pastorais”. Vários padres reconheceram que não haviam adotado as alterações do Vaticano. Em vez disso, eles usam a edição de 1998 do missal, que, como me disse prontamente um padre, pode ser encontrada no endereço www.misguidedmissal.com. (No entanto, quando o arcebispo de Chicago Dom Blaise Cupich presidiu a celebração eucarística do congresso, não era a edição de 1998 que estava no altar.)
Eu me senti em casa com esses sacerdotes cuja organização foi fundada para manter viva a visão do Concílio Vaticano II. Como disse Paul Leingang, diretor de comunicação da AUSCP: “Temos o Vaticano II não como uma questão de nostalgia, mas como uma questão de urgência”.
Eu gostei deste espírito de liberdade, de poder falar o que vem à cabeça quando há uma discordância junto às atuais políticas ou costumes da Igreja institucional. Por exemplo, a AUSCP tomou uma posição favorável a existir um clero masculino casado e à ordenação de mulheres para o diaconato, mas não assumiu uma postura a favor da ordenação delas ao sacerdócio. Fiquei um pouco decepcionada que a organização tenha contornado essa questão, pois sei que vários dos padres naquele encontro acreditam que as mulheres não devem ser impedidas de serem ordenadas para exercer o ministério sacerdotal. Perguntei a alguns integrantes que coordenam a Associação sobre isso.
Um deles, o Pe. Bernie Survil, sacerdote diocesano de Pittsburgh e um dos primeiros fundadores, me disse: “Existem limites para a dissidência, porque todos os padres estão em sintonia” com suas dioceses.
Um outro participante fundador, o Pe. Frank Eckart, comentou: “Nós questionamos esses temas que não são uma causa pétrea, mas eles não são contrários ao dogma ou à fé, embora acreditemos no diálogo com grupos dissidentes”.
O articulador internacional do grupo, o Pe. Dan Divis, da Diocese de Cleveland, concordou. “Haver um dissenso faz parte da Igreja; isto não é perigoso, mas confunde”, disse ele, lembrando que um dos palestrantes, o Dr. Massimo Faggioli– teólogo italiano que irá lecionar na Universidade de Villanova no segundo semestre deste ano –, afirmou que “até mesmo aqueles que fazem resistência são parte da Igreja do Vaticano II” defendida pelo Papa Francisco.
Como se estivesse buscando mostrar que a AUSCP reconhece o valor da dissidência, o grupo concedeu um prêmio a Dom Thomas Gumbleton, religioso que faz resistência interna na Igreja e que tem apoiado publicamente o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Mas o que eu mais escutei dos participantes no encontro não eram ideias de dissenso ou resistência, e sim o apreço pela organização que os uniu. O Pe. Jim Kiesel, da Arquidiocese de Baltimore, expressou um sentimento que por vezes eu observei: “Para mim, o destaque desta semana é ver os meus irmãos sacerdotes, compartilhar sonhos e visões de Igreja com eles”.
Pensei nesses padres diocesanos (alguns eram membros de comunidades religiosas), na sede de relacionamentos que eles possuem e na importância de uma comunidade de fé para sustentar o ministério. Pensei nos laços que religiosas e religiosos muitas vezes tomam por naturais, com um sistema integrado para debater assuntos significativos da mente e do coração. Como esses sacerdotes se sentem quando voltam para casa? Como que a Igreja institucional consegue prover as necessidades da comunidade dos ministros ordenados diocesanos?
A importância da comunidade ficou clara na apresentação da Irmã Carol Zinn, da Congregação de São José e ex-presidente da Conferência de Liderança das Religiosas (Leadership Conference of Women Religious – LCWR), que falou sobre a segunda encíclica do Papa Francisco, intitulada Laudato Si’ – Sobre o cuidado da casa comum.
Zinn explicou que o nosso cuidado pela humanidade, pela terra e por toda a criação centra-se em torno da conexão, e não da separação. O nosso cuidado para com a casa comum baseia-se na comunidade, não no individualismo. Quer seja uma crítica à exploração do nosso ambiente ou das várias espécies; o abuso de pessoas empobrecidas através da violência física, sexual ou econômica; o aquecimento ou o consumismo global; a água insuficiente ou imprópria; a hostilidade contra minorias étnicas, religiosas ou sexuais; quer seja os inúmeros outros pecados que clamam por justiça – o fato é que precisamos compreender que a causa de todos esses males é a falta de relações genuínas. Laudato Si’ nos convida a adotarmos a mensagem de que o universo é interconectado; n&at ilde;o são pedaços isolados de matéria. Somente quando vermos a nossa relacionalidade é que estaremos motivados a nos preocupar com todos os seres de nossa casa comum.
A apresentação da citada irmã foi muito bem recebida, assim como foram as demais declarações ou referências a discursos do Papa Francisco. Repetidamente durante o evento, os padres fizeram comentários como: “A minha esperança está no Papa Francisco e no que ele está fazendo por toda a Igreja”.
Então, o que aconteceu com aqueles sacerdotes que conheci logo depois do Vaticano II? Da mesma forma como os conheci na década de 1970, eu os encontrei 40 anos depois: preocupados com uma visão de Igreja do Vaticano II e ansiosos por uma comunidade com as mesmas esperanças e sonhos de justiça e de paz. Eles pareciam ter encontrado essa visão no Papa Francisco e pareciam ter tornado real uma comunidade num grupo chamado Associação dos Padres Católicos dos EUA. Fonte: http://www.ihu.unisinos.br




