Tema do 19.º Domingo do Tempo Comum

Necessitamos continuamente de redescobrir o nosso lugar e o nosso papel no projeto que Deus tem para nós e para o mundo. A Palavra de Deus que a liturgia deste domingo nos propõe lembra-nos isso mesmo. Diz-nos que viver de braços cruzados, numa existência de comodismo e resignação, é malbaratar a vida. Deus precisa de nós, Deus conta conosco; quer-nos despertos, atentos, comprometidos com a construção de um mundo mais justo, mais humano e mais feliz.
Na primeira leitura um “sábio” de Israel recorda a noite em que Deus libertou os hebreus da escravidão do Egito. Para os egípcios, foi uma noite de desolação e de morte; para os hebreus, foi uma noite de libertação e de glória. Os hebreus perceberam nessa noite, que caminhar com Deus e seguir as indicações que Ele deixa é fonte permanente de vida e de liberdade. É nessa direção que o “sábio” nos convida a construir a nossa vida.
No Evangelho Jesus lembra aos discípulos que foram escolhidos para levar o projeto do Reino de Deus ao encontro do mundo. Devem, portanto, viver para o serviço do Reino. Nesse sentido, têm de estar sempre atentos e vigilantes, cumprindo a cada instante as tarefas que Deus lhes pede, servindo o Reino com humildade e simplicidade.
Na segunda leitura um “catequista” cristão anônimo propõe-nos Abraão e Sara como modelos de fé. Eles confiaram incondicionalmente em Deus e não hesitaram em caminhar ao encontro dos bens prometidos. Essa “aposta” trouxe-lhes frutos: ultrapassando as limitações e a caducidade da vida presente, puderam alcançar os bens eternos.
EVANGELHO – Lucas 12,32-48
MENSAGEM
O pequeno grupo de discípulos que acompanham Jesus no caminho para Jerusalém (Jesus chama-lhe “pequenino rebanho”), é um grupo débil, insignificante, sem gente notável, aparentemente incapaz de agarrar o mundo e de transformar a história; mas aqueles discípulos foram escolhidos por Deus para acolher o Reino e para o levar ao encontro do mundo. São como o fermento que levanta toda a massa. É necessário que assumam sem medo e sem reticências o projeto de Deus (vers. 32). Deus confia-lhes o tesouro do Reino; eles têm de deixar em segundo outras propostas, outros interesses, outros bens, outros desafios. Devem ver o Reino de Deus como o valor mais precioso, pelo qual vale a pena renunciar a tudo o resto (vers. 33-34). Abraçando o projeto do Reino, adquirem um tesouro eterno, um tesouro inesgotável, que nunca passará de moda e que ninguém lhes poderá subtrair.
INTERPELAÇÕES
Vivemos numa época da história particularmente exigente. Sombras escuras pairam no horizonte e ameaçam o futuro do nosso mundo: as guerras, as injustiças, a crise climática, o atropelo dos mais elementares direitos humanos, as políticas que ignoram as necessidades dos mais desfavorecidos, a indiferença face ao sofrimento das pessoas abandonadas nas bermas da sociedade, a desumanização dos homens transformados em simples máquinas de produção ao serviço dos interesses materialistas dos senhores do mundo, o desencanto de tantos homens e mulheres que não encontram sentido para as suas vidas… Poderemos cruzar os braços, assumir uma atitude de resignação e de passividade e deixar que o mundo continue a ser construído sobre injustiças e sofrimentos? Jesus convida os seus discípulos a estar preparados, a cada instante, para fazer aquilo que Deus lhes pede para fazer. É hora de viver com responsabilidade e lucidez, sentindo-nos construtores de uma nova história e imprimindo ao nosso mundo um dinamismo de amor, de vida nova, de misericórdia, de compaixão. Como vivemos? Adormecidos e despreocupados, comodamente instalados no nosso conforto e segurança, ou como servidores humildes, atentos e comprometidos do Reino de Deus e da sua justiça?
Também na forma de viver a fé pode haver passividade, resignação, superficialidade. Podemos instalar-nos numa fé rotineira, que nos leva a repetir sempre os mesmos gestos, as mesmas orações, os mesmos ritos, as mesmas tradições, mas que não tem qualquer impacto na nossa vida e no nosso compromisso com a construção do Reino de Deus; podemos andar tão ocupados com os nossos trabalhos que não consigamos encontrar tempo para escutar Deus, para dialogar com Ele, para tentar perceber os projetos que Ele tem para nós e para o mundo; podemos instalar-nos comodamente numa prática religiosa “morna” e de “meias tintas”, que nos tranquiliza a consciência e nos faz sentir “em regra” com Deus, mas não nos leva a “sujar as mãos” com os nossos irmãos que necessitam do nosso cuidado, da nossa compaixão, do nosso amor. A nossa forma de viver a fé é marcada pela passividade e pelo conformismo, ou pelo compromisso com Deus e com os irmãos? Vivemos a nossa adesão a Cristo e à Igreja de forma ativa, lúcida e responsável? Somos meros “consumidores” de atos de culto, ou discípulos comprometidos com a construção de uma Igreja viva, missionária, fraterna, acolhedora, sinal e anúncio do amor de Deus no mundo?
Aos discípulos que vão com Ele no caminho para Jerusalém, Jesus diz: “Não temas, pequenino rebanho, porque aprouve ao vosso Pai dar-vos o Reino”. Aquele grupo de galileus que ia atrás de Jesus era, de fato, um grupo pequeno, aparentemente incapaz de interferir nos mecanismos de poder e de “causar mossa” nos interesses instalados; aqueles discípulos que Jesus tinha chamado não tinham perfil de influenciadores da opinião pública ou de figuras capazes de impor modas ou tendências. No entanto, Deus confiou-lhes o testemunho e a construção do Reino de Deus. Hoje, depois de séculos de “regime cristão”, nós, discípulos de Jesus, sentimo-nos uma minoria sem privilégios nem poder, um pouco perdidos num mundo que nem sempre entende a proposta que abraçamos. Por vezes, sentimos nostalgia dos tempos passados, quando a Igreja era uma força social reverenciada pelos grandes do mundo. Estamos piores agora? Não. Estamos melhor: livres de compromissos com o poder, podemos testemunhar o Evangelho de Jesus sem amarras nem cedências. O Evangelho não se impõe pela força. A nossa missão é viver ao estilo de Jesus, com simplicidade, contagiando o mundo; a nossa missão é sermos fermento que ninguém vê, mas que transforma e melhora o pão. Mesmo em minoria, mesmo lidando com a hostilidade e a incompreensão, dispomo-nos a testemunhar, com simplicidade e sem medo, o Evangelho de Jesus?
Jesus tinha uma ideia muito clara sobre o mal que o dinheiro pode fazer ao homem. Por isso dizia aos seus discípulos: “vendei o que possuís e dai-o em esmola. Fazei bolsas que não envelheçam, um tesouro inesgotável nos Céus, onde o ladrão não chega nem a traça rói. Porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração”. O dinheiro, uma vez que pode oferecer-nos segurança, bem-estar, importância social, prende o nosso coração e torna-se um “deus”; passamos a correr atrás dele, sentindo a necessidade de ter sempre mais e mais. Escravos do dinheiro, acabamos por subalternizar todos os outros valores. Tornamo-nos insensíveis à sorte dos homens e mulheres que caminham conosco, até mesmo da nossa família e amigos. Ignoramos o convite de Deus para sermos solidários, fraternos, misericordiosos, humanos; e fechamo-nos num egoísmo que seca e destrói toda a nossa vida. Como lidamos com os bens materiais? A cobiça, a ambição, a avareza, alguma vez nos impediram de acolher os valores do Reino de Deus? Vivendo no meio de uma sociedade que tem o coração posto nos bens materiais, somos capazes de dar testemunho de uma vida mais austera, mais simples, mais desprendida, mais fraterna, mais solidária?
As palavras de Jesus que o Evangelho deste domingo nos trouxe contêm uma interpelação especial a todos aqueles que desempenham funções de responsabilidade, quer na Igreja, quer no governo central do país, quer nas autarquias, quer nas empresas, quer nas repartições… Convida cada um a assumir as suas responsabilidades e a desempenhar, com atenção e empenho as funções que lhe foram confiadas. A todos aqueles a quem foi confiado o serviço da autoridade, a Palavra de Deus pergunta sobre o modo como se comportam: como servos que, com humildade e simplicidade cumprem as tarefas que lhes foram confiadas, ou como ditadores que manipulam os outros e que tratam com prepotência os pequenos e os humildes? Sempre que nos são confiadas tarefas de responsabilidade e de coordenação, entendemos a missão que nos foi confiada como serviço e acolhemos as pessoas com delicadeza, com doçura, com compaixão?
*Leia na íntegra. Clique no link ao lado- EVANGELHO DO DIA.




