Desde os tempos mais remotos da história da humanidade chegam até nós os ecos e os sinais desta experiência humana quase universal de que a realidade que nos envolve é mais ampla e mais profunda do que as coisas que conseguimos analisar com a razão, perceber com os olhos, apalpar com as mãos, ouvir com os ouvidos, cheirar com o olfato. É sobretudo o contato com a natureza que mais contribui para esta leitura diferente da realidade; por exemplo, o trovão (Sl 29), os fenômenos da tempestade, do fogo e do terremoto (1Rs 19,11-13), a beleza da natureza (Sl 19,1-7; Sl 104), a lua e as estrelas (Sl 8,4).

Todos os povos, culturas e religiões registram expressões desta percepção, desde Platão até os monges budistas, desde os primeiros cristãos de Jerusalém até os frades Carmelitas que viviam no Monte Carmelo, desde os ritos dos mitos indígenas até a intuição das crianças quando olham o céu estrelado.

A tecnologia, ou melhor, a mentalidade utilitarista, que olha a realidade e a natureza apenas do ponto de vista do proveito que dela podemos tirar para nós, fez com que começássemos a perder a sensibilidade para esta dimensão mais ampla e mais profunda da vida, a dimensão mística. Apesar da grande riqueza material e das enormes facilidades que foram geradas pela mentalidade técnica, a vida ficou mais pobre, menos transparente. Graças a Deus, hoje em dia, em todo canto está renascendo a busca de espiritualidade, de mística.

A palavra mística vem do grego. Significa “escondido”; indica algo que é real, mas não se vê. A palavra mistério sugere a mesma coisa: a realidade escondida da presença de Deus atrás ou na raiz da realidade que observamos com os olhos, apalpamos com as mãos ou pisamos com os pés.

Na mística não se trata de experiências extraordinárias, mas sim de perceber, de intuir e de viver a vida com a atitude não de dono e de aproveitador, mas sim de admiração e de serviço. Ser capaz de ficar maravilhado ou de sentir-se interpelado diante de um por do sol, diante de uma criança, uma obra de arte, um texto bíblico, um pobre que pede esmola, um doente, uma experiência de amor, uma situação de injustiça, um desastre da natureza, um gesto de doação, uma música, um canto, uma flor, um problema sem solução, um panorama, uma árvore frondosa, uma cruz pendurada na parede.

Algumas pessoas têm uma sensibilidade maior diante da natureza, outras diante de situações humanas, outras diante de intuições filosóficas, outras diante de suas reações interiores, outras quando se encontram em meio ao borbulho da vida agitada na cidade. É a partilha destas experiências que enriquece a vida de todos.

A Bíblia nos ajuda a perceber esta dimensão mais profunda da nossa vida. Santo Agostinho dizia que a Escritura nos devolve o olhar da contemplação, nos ajuda a decifrar o mundo e contribui para que a vida se torne novamente transparente.

Experiência mística, dizia o beato Tito Brandsma, não é algo só de alguns místicos privilegiados, mas é uma experiência profundamente humana e comum. Ele dizia isto baseado na sua própria experiência pessoal e pastoral e também no estudo que fez da história da mística no seu país. No Norte da Europa, na Idade Média, surgiu um movimento leigo que se chamava “Irmãos e Irmãs da Vida Comum”. Quando eles diziam “Vida Comum” não se referiam somente à vida fraterna em comum, mas expressavam a sua convicção de que a experiência mística, que se alcança na vida fraterna em comum, é a coisa mais comum que se possa imaginar. É um olhar diferente que faz parte do dia-a-dia da vida.

Na experiência mística, não se trata de você sentir algo diferente, algo fora de comum, mas sim de uma convicção que vai nascendo aos poucos e que não depende de um sentimento passageiro. Uma convicção como aquela de Jeremias. Quando na tragédia do cativeiro, causada por Nabucodonosor, rei da Babilônia, todos os apoios tradicionais falharam e o povo se desesperava, Jeremias redescobriu a fonte da sua esperança nesta certeza tão simples: o sol vai nascer amanhã (cf. Jer 31,35-36; 33,20-21.25-26). Ele soube ler a natureza com outros olhos. Os problemas e as forças contrárias podiam ser grandes, insuperáveis; Nabucodonosor podia ter muita força; jamais ele seria capaz de impedir o nascer do sol no dia seguinte, pois maior era o poder do amor de Deus, experimentada e revelada no sol que renasce todos os dias. E assim, em Jeremias renasceu a esperança como resposta a este amor maior, redescoberto na raiz dos fenômenos da natureza, que envolve todas as coisas do universo. “Deus nos amou primeiro”, dirá São João, séculos depois (1Jo 4,19).

Assim, através de altos e baixos, através de noites escuras e dias ensolarados, vamos penetrando no mistério escondido da vida e da realidade, percebendo os limites das nossas idéias e práticas, descobrindo a força deste amor maior que nos envolve de todos os lados. Vamos subindo a Montanha, desfazendo-nos de tudo que pode atrapalhar ou impedir a subida e a experiência do amor.

Na mesma medida em que vamos chegando ao topo da Montanha, aproximamo-nos das outras pessoas que, como nós, cada uma dentro da sua religião, tradição e cultura, hindus, judeus, cristãos, muçulmanos, tantos e tantas, também vão subindo a mesma montanha, entrando para dentro do mesmo mistério da vida. Juntos, eles e nós, descobriremos então, como diz São João da Cruz, que no topo da Montanha reinam o silêncio e o amor. Lá em cima, seremos todos um, “como tu, Pai, em mim e eu em ti” (Jo 17,21).

Para nós cristãos, a revelação maior deste amor universal, presente na raiz de todas as coisas e objeto dos anseios mais profundos do coração humano, aconteceu e acontece em Jesus. Foi em Jesus que o apóstolo Paulo, no caminho de Damasco, fez a grande descoberta que o sustentou ao longo da sua vida até o martírio: “Estou convencido de que nem a morte nem a vida, nem os anjos nem os principados, nem o presente nem o futuro, nem os poderes nem as forças das alturas ou das profundidades, nem qualquer outra criatura, nada nos poderá separar do amor de Deus, manifestado em Jesus Cristo, nosso Senhor”  (Rm 8,38-39).