Ao reforçar a aliança entre espiritualidade e ação, o papa pode ampliar a formação de consciência ecológica em milhões de pessoas

 

*Por Virgilio Viana

A escolha do cardeal Robert Prevost como o novo papa – agora Leão XIV – representa um marco simbólico e concreto no fortalecimento do compromisso da Igreja Católica com a justiça socioambiental. Natural dos Estados Unidos, mas com uma trajetória marcada por mais de 20 anos de missão pastoral no Peru, Leão XIV conhece profundamente os desafios da América Latina e traz consigo um firme compromisso com a justiça climática e uma forte convicção: a fé deve estar em ação no cuidado com a criação.

O novo pontífice já era amplamente conhecido por sua atuação diante das injustiças sociais e ambientais. Sua voz ganhou destaque no cenário eclesial internacional ao defender com veemência a urgência de ações práticas frente às mudanças climáticas. Em seus pronunciamentos e documentos pastorais anteriores, sempre ressaltou a responsabilidade moral da Igreja de transformar palavras em ações concretas. Seu pontificado deve seguir a trajetória do papa Francisco, guiada pelo conceito da ecologia integral. Ele também compartilha princípios centrais como Francisco: uma Igreja próxima do povo, especialmente dos pobres; uma liderança humilde e servidora; e uma fé traduzida em gestos concretos.

É nesse contexto ético e pastoral que se insere a visão ecológica do novo papa. Sua experiência missionária no Peru, ao lado de comunidades vulneráveis, fortaleceu a convicção de que a crise climática é também uma crise social e espiritual. Para ele, cuidar da criação é inseparável do cuidado com as pessoas, especialmente os pobres. A ecologia, portanto, integra o Evangelho vivido com justiça, compaixão e compromisso com o futuro do planeta. Entre os pilares de sua visão, destacam-se:

1) A valorização de uma relação harmoniosa com a natureza, rejeitando qualquer modelo que trate os recursos naturais como meros objetos de exploração. Para o papa Leão XIV, a criação não é um bem à disposição irrestrita do ser humano, mas sim um dom divino que exige cuidado, reverência e responsabilidade compartilhada. Ele propõe uma espiritualidade ecológica profunda, na qual cada elemento da natureza (os rios, as florestas, os animais e o ar que respiramos) é reconhecido como parte de uma comunidade viva. Essa visão convida a uma conversão do olhar e do coração, promovendo a ética do cuidado como princípio orientador para as ações humanas. É um chamado a restaurar a harmonia entre o humano e o planetário.

2) A crítica ao desenvolvimento tecnológico desregulado, que, embora traga avanços, pode também agravar a destruição ambiental quando não orientado por princípios éticos e de equidade. O papa Leão XIV resgata uma visão humanista do progresso, insistindo que a tecnologia deve estar a serviço da vida e não o contrário. Ele alerta para o risco de um futuro dominado apenas pela lógica do lucro e da eficiência, em detrimento da dignidade humana e do cuidado com a natureza. A tecnologia, em sua visão, deve ser aliada da proteção ambiental, da inclusão social e da paz duradoura.

3) A centralidade da justiça climática, com atenção especial ao sofrimento dos mais pobres e vulneráveis, que historicamente são os mais afetados pelos efeitos da crise climática, com secas prolongadas, enchentes devastadoras, insegurança alimentar e deslocamentos forçados. Sua liderança busca tornar visíveis esses rostos invisibilizados. O papa Leão XIV é categórico ao afirmar que não se trata apenas de cuidar do planeta em termos genéricos, mas de proteger as pessoas mais vulneráveis.

Esses três pilares formam a base de uma nova esperança. Sob a liderança de Leão XIV, novos caminhos podem ser construídos para servirem de inspiração para uma humanidade mais consciente, mais justa e mais comprometida com a Casa Comum.

A escolha do papa ocorre num momento simbólico em que a ciência emite sinais de alerta cada vez mais agudos. Faltam poucos meses para a realização da COP-30, que ocorrerá na Amazônia. Seu envolvimento nesse processo, inclusive com uma provável presença no evento, representará uma articulação potente entre doutrina católica e urgência climática, reconhecendo o papel vital dos povos da floresta no desenvolvimento de soluções baseadas na natureza. Será também uma forma de ecoar para o mundo que cuidar do meio ambiente é também cuidar de si.

Ao reforçar a aliança entre espiritualidade e ação, o papa pode ampliar a formação de consciência ecológica em milhões de pessoas. Em tempos de negacionismo e retrocessos ambientais, sua voz pode ajudar a reaproximar o mundo do sentido da fraternidade, da compaixão e da responsabilidade coletiva. Ele nos convida a uma conversão ecológica que não é apenas individual, mas também institucional, econômica e política.

O novo pontífice nos dá uma nova oportunidade de colocar em prática o chamado do papa Francisco de unir fé, ciência e justiça numa única direção: um planeta mais justo, mais solidário e mais resiliente. Que o pontificado do papa Leão XIV inspire lideranças de todo o planeta a assumirem compromissos corajosos com a sustentabilidade e com a dignidade humana. Porque, como ele mesmo já disse, “não há paz possível num planeta em colapso”. Fonte: https://www.estadao.com.br

 

*Opinião por Virgilio Viana

Engenheiro florestal pela Esalq/USP, Ph.D. pela Universidade Harvard, superintendente-geral da Fundação Amazônia Sustentável, membro da Pontifícia Academia de Ciências Sociais do Vaticano, é professor da Fundação Dom Cabral