OUTRO LADO: Procurada, a CNBB não respondeu até a publicação deste texto

 

CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) se tornou alvo de duras críticas após eleger, no início desta semana, apenas arcebispos e bispos brancos para a sua diretoria nacional. Uma carta assinada por um padre e por um frei acusa a instituição de perpetuar o "pacto da branquitude" e o "absolutismo da brancura" ao supostamente ignorar candidatos negros para os postos.

"É vantajoso ser bispo branco na Igreja", diz o documento, de autoria do frei David Santos e do padre Geraldo Natalino, conhecido como padre Gegê. Ambos se autodeclaram negros. "É evidente que os brancos (no caso, os bispos) não promovem reuniões às cinco da manhã para definir como vão manter os seus privilégios e excluir os negros. Mas é como se assim fosse. As exclusões acontecem às claras", segue a carta.

"Olhando para as faces dos bispos eleitos, como não discutir o racismo na estrutura de poder que ainda domina a Igreja Católica do Brasil? Como não debater a existência silenciosa do 'pacto da branquitude' na Igreja do Brasil?", diz ainda, em referência à obra da doutora em psicologia e colunista da Folha Cida Bento.

O frei e o padre ainda evocam o caso da agressão cometida pela ex-jogadora de vôlei Sandra Mathias contra o entregador de aplicativo Max Angelo, no Rio de Janeiro, para comparar o ato violento com a postura da CNBB diante da escolha de sua direção.

"Como a ex-atleta branca chicoteou o homem negro à luz do sol, de forma diferente a CNBB chicoteia a pupila de nossos olhos com o absolutismo da brancura de seu quadro, em pleno dia. E isso é excludente; isso é triste; isso é feio; mas isso é feito!", afirma o texto.

"O racismo na Igreja precisa ser enfrentado. Olhe aí em sua diocese: onde estão trabalhando os padres negros? Quase sempre, nas paróquias deficitárias", continua.

Procurada pela coluna, a CNBB não respondeu até a publicação deste texto.

Coautor da carta, frei David Santos é fundador e diretor-executivo da Educafro. A ONG participou da negociação do Termo de Ajustamento de Conduta milionário com o Carrefour após um homem negro ser morto por asfixia em uma unidade da rede. Segundo a Educafro, a indenização por dano coletivo racial no valor de R$ 115 milhões é a maior da América Latina.

"O que mais me machuca é saber que em vez de a Igreja influenciar a classe dominante para acabar com os seus erros, a Igreja é influenciada pela classe dominante para reproduzir os erros dela", afirma o frei à coluna. "Essa imitação da Igreja dos erros da classe dominantes a afasta de Jesus Cristo."

Frei David defende que seja realizado um novo concílio para que se discuta a questão racial dentro da Igreja. Segundo ele, o último encontro ecumênico que tratou do tema ocorreu em 1988 —e foi marcado por forte reação de arcebispos que discordavam da abordagem.

"No Brasil, 56,1% são negros. Como bispos negros, não chegamos a ser 5%. A exclusão é cruel mesmo e precisa ser discutida intensamente", afirma o frei.

A CNBB elegeu na segunda-feira (24) o arcebispo de Porto Alegre e atual primeiro vice-presidente da instituição, dom Jaime Spengler, para o cargo de presidente. A posse deve ocorrer na sexta (28), e ele ficará no cargo de 2023 a 2027.

Dom Jaime foi eleito em terceiro escrutínio, o qual pede maioria simples dos votos, de acordo com a CNBB. Dom Jaime será o 14º presidente da Conferência.

A primeira vice-presidência da CNBB será ocupada nos próximos anos por dom João Justino de Medeiros Silva, e a segunda, por dom Paulo Jackson Nóbrega de Sousa. O cargo de secretário-geral, por sua vez, será de dom Ricardo Hoepers.

Leia, abaixo, a íntegra da carta escrita por frei David Santos e por padre Gegê com críticas à eleição:

 

"Eleições na CNBB: respeita o Brasil ou é o 'pacto da branquitude'?

Pe. Gege e Frei David Santos OFM

É vantajoso ser bispo branco na Igreja! Findam as eleições para a direção nacional, para os cargos de poder da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, e, para escândalo e vexame nossos, não há sequer um bispo negro entre os eleitos. Olhe: temos o Archebispo Dom Zanin e muitos outros. É inevitável não trazer para o debate a potente noção de 'pacto da branquitude' formulada por Cida Bento, na obra com o mesmo título.

A aurora é Doutora em psicologia, referência na luta antirracista em empresas e organizações, e em 2015 foi eleita pela revista britânica The Economist uma das cinquenta pessoas mais influentes no mundo no âmbito da diversidade.

As palavras de Cida Bento servem justa e adequadamente para as eleições recentes na CNBB:

'É evidente que os brancos (no caso, os bispos) não promovem reuniões às cinco da manhã para definir como vão manter os seus privilégios e excluir os negros. Mas é como se assim fosse'. As exclusões acontecem às claras!

Em conclusão, como a ex-atleta branca chicoteou o homem negro à luz do sol, de forma diferente a CNBB chicoteia a pupila de nossos olhos com o absolutismo da brancura de seu quadro, em pleno dia. E isso é excludente; isso é triste; isso é feio; mas isso é feito!

Olhando para as faces dos bispos eleitos, como não discutir o racismo na estrutura de poder que ainda domina a Igreja Católica do Brasil?

Como não debater a existência silenciosa do 'pacto da branquitude' na Igreja do Brasil?

O racismo na Igreja precisa ser enfrentado. Olhe aí em sua diocese: onde estão trabalhando os padres negros? Quase sempre, nas paróquias deficitárias. De cada 10 padres, escolhidos para se formarem em Roma: quantos são negros?"

com  BIANKA VIEIRA, KARINA MATIAS e MANOELLA SMITH. Fonte: https://www1.folha.uol.com.br