Francisco está com uma forte inflamação no nervo ciático, o que tem comprometido bastante suas atividades (AFP)

É sério o problema de saúde que tem feito Francisco cancelar vários compromissos nos últimos dias?

 

Mirticeli Medeiros*

Papa Francisco, de 84 anos, que esbanja vivacidade por onde passa, começa a sentir o peso da idade. Ninguém tinha notado isso de uma maneira tão evidente até ele começar a cancelar compromissos por causa de seu estado de saúde.

De repente, uma forte inflamação no nervo ciático – uma ciática, para usar o termo técnico – resolveu se manifestar com toda a força. É um problema antigo, que o acompanha desde quando ele ainda era arcebispo de Buenos Aires. No entanto, parece que, agora, as crises têm maltratado mais o santo padre.

A ciática obrigou o pontífice a ficar de repouso durante as celebrações de fim de ano. Dois cardeais, de última hora, tiveram que celebrar no seu lugar. Em janeiro deste ano, o mesmo problema impediu que ele participasse da Festa da Conversão de São Paulo, no dia 25 de janeiro, evento que reúne, todos os anos, os líderes das principais tradições cristãs.

Recentemente, no dia 29 de janeiro, em reunião com os membros da Rota Romana, um dos Tribunais da Santa Sé, Francisco pediu desculpas aos participantes por pronunciar o seu discurso sentado. "A ciática é um hóspede chato", justificou.

Especulava-se que, por causa da intensidade das dores, só uma cirurgia poderia contornar a situação. Mas o Vaticano negou que Francisco estivesse se preparando para se submeter a uma operação. Em vez disso, de acordo com o vaticanista Antonio Pelayo, um médico de fora, que foi chamado exclusivamente para tratar desse problema, prescreveu que o pontífice, inicialmente, fizesse uma dieta para perder de 7 a 8 quilos. De acordo com o profissional, tal medida será capaz de aliviar a dor.

Desde que assumiu o pontificado, em 2013, Francisco tem cumprido uma agenda repleta de reuniões, audiências e viagens. Ele, literalmente, não para.

Num período em que o fluxo de atividades caiu por causa da pandemia, o corpo do papa começou a emitir alguns sinais. Todos sabem que ele não se rende nem quando está doente. E para completar, ao contrário dos seus antecessores, renuncia às férias de verão do meio do ano. Faz uma pausa no Vaticano mesmo, em agosto, mas acaba não se desligando 100% daquilo que ocorre em seu pequeno Estado.

Nesses anos cobrindo o pontificado de Francisco, só o vi faltar a algum compromisso – que eu lembre, no máximo duas vezes – por causa de uma gripe forte.

 

As 'doenças pontifícias' ao longo da história

Ao contrário do que ocorre agora, informações camufladas em relação à integridade física do sumo pontífice foi algo recorrente em muitas fases da história da Igreja. As doenças crônicas de alguns papas nem chegaram ao conhecimento do público. E se hoje os historiadores têm acesso a esses dados, foi graças às crônicas de reis, embaixadores e escritores cristãos desconhecidos.

Em alguns casos, a instituição preferiu guardar a informação para si, por medo de que a própria capacidade de governar do pontífice fosse colocada em xeque pelos seus contemporâneos.

Entre os séculos 14 e 16, a fase tenebrosa dos papas renascentistas que, como sabemos, de santos não tinham nada, muitas dessas patologias acabaram sendo maquiadas pela própria Santa Sé. Há um livro que trata exclusivamente do tema, escrito pelo famoso historiador italiano, Agostino Paravicini, intitulado O corpo do papa. Ele elenca, através da sua pesquisa, quem foram os papas mais fragilizados da história.

Palavicini lembra que Alexandre VI, o Bórgia, no século 16, por causa da vida nada convencional que levava, contraiu sífilis. E que Pio IX, ao final de sua vida, teve crises de epilepsia. Até o irrepreensível Pio XII passou parte de seu governo tendo que conviver com uma hérnia gástrica que lhe causava crises constantes. Inocêncio XIII, no século 18, sofria tanto com o cálculo renal, que alguns canonistas cogitaram a possibilidade de ele vir a renunciar.

Com efeito, os papas começaram a ter médico privado nos idos de 1200. Pio III, em 1503, foi o primeiro a ser operado; e Paulo VI, por sua vez, o último. Na história da Igreja, João Paulo II e Francisco já são considerados os papas "mais transparentes" em relação à divulgação de seus boletins médicos.

*Mirticeli Medeiros é jornalista e mestre em História da Igreja pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Desde 2009, cobre o Vaticano para meios de comunicação no Brasil e na Itália e é colunista do Dom Total, onde publica às sextas-feiras. Fonte: https://domtotal.com