Especialistas em saúde pública e católicos especialistas em ética estão expressando preocupação com o plano do papa Francisco de visitar o Iraque em março, alertando que a viagem pode facilitar a disseminação do coronavírus em um país com um sistema de saúde subdesenvolvido. A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada por National Catholic Reporter, 14-12-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.

Embora haja esperança de que alguns países tenham programas de vacinação bem encaminhados até a primavera, é improvável que seja o caso no Iraque, onde mesmo antes da pandemia medicamentos essenciais nem sempre estavam disponíveis.

Em entrevistas com o NCR, médicos e teólogos preocupados com a perspectiva de uma visita papal expor os organizadores locais e funcionários de segurança ao vírus, ou atrair até mesmo pequenas multidões, onde pode ser difícil aplicar medidas de distanciamento social.

“Seria difícil justificar esse tipo de viagem”, disse Howard Forman, radiologista de emergência e diretor do programa de gerenciamento de saúde da Escola de Saúde Pública de Yale.

Forman disse que embora aprecie a importância do ministério do Papa, uma viagem ao Iraque “não seria o melhor para reduzir a propagação”.

“Eles são um país que teve uma perda substancial de vidas e um surto substancial”, disse o profissional da saúde, que também ensina economia da saúde. “Mesmo que as coisas pareçam estar muito mais sob controle... é difícil pensar que essa é a coisa certa a fazer neste momento”

O padre Andrea Vicini, jesuíta, teólogo moral e médico, disse estar preocupado com a possibilidade de a viagem colocar pessoas em risco de infecção que de outra forma não estariam.

"A visita do Papa deve ser uma visita que não coloque ninguém em risco", disse Vicini, professor de teologia moral e bioética do Boston College. “Não podemos realmente ter uma situação no momento em que não haja risco para a saúde dos envolvidos”.

“Durante uma pandemia, quem mais sofre são os mais vulneráveis”, disse o teólogo, acrescentando: “Queremos expô-los ainda mais, para uma situação que estamos criando?”.

O Vaticano anunciou o plano de Francisco de viajar ao Iraque em 7 de dezembro, dizendo que o Papa esperava estar no país de 5 a 8 de março e queria visitar cinco cidades em todo o país. O anúncio não deu maiores detalhes, exceto para dizer que o plano “levará em consideração a evolução da emergência sanitária mundial”.

A viagem ao Iraque seria a primeira de Francisco fora da Itália desde novembro de 2019. Devido à pandemia, ao longo de 2020 o Papa interrompeu uma tradição de décadas de pontífices visitando comunidades católicas em todo o mundo e perseguindo os objetivos diplomáticos do Vaticano.

A assessoria de imprensa do Vaticano não respondeu às perguntas enviadas em 10 de dezembro sobre quais precauções específicas estão sendo planejadas em termos de prevenção da disseminação do coronavírus durante a viagem papal ao Iraque.

Uma fonte bem informada, que pediu para não ser identificada porque não estava autorizada a falar sobre o assunto, disse que a agenda da viagem provavelmente teria o Papa participando de eventos quase privados abertos apenas a pequenos grupos.

O diretor do serviço de saúde do Vaticano disse em 11 de dezembro que a cidade-estado começará a fornecer à sua pequena população de residentes e funcionários vacinas contra o coronavírus “nos primeiros meses” de 2021, levantando a possibilidade de que o Papa e aqueles que o acompanham sejam vacinados a tempo da viagem de março.

O sistema de saúde do Iraque é conhecido por ser subfinanciado e insuficiente. Uma investigação da Reuters de março, publicada no momento em que a pandemia começava a afetar o país, descobriu que cerca de 85% dos medicamentos da lista de medicamentos essenciais do país estavam em falta ou indisponíveis.

Tobias Winright, professor de ética da saúde na Universidade de St. Louis, sugeriu que o Vaticano poderia usar seu suprimento de vacinas contra o coronavírus para imunizar pessoas no Iraque com as quais o Papa planeja se reunir. Ou, sugeriu Winrigh , uma agência católica de ajuda humanitária poderia receber suprimentos para vacinar as pessoas em nome do Vaticano.

“Se houver planos de se reunir com multidões maiores, talvez a Catholic Relief Services ou alguma outra agência apoiada pelo financiamento do Vaticano possa fornecer e distribuir vacinas com antecedência”, disse Winright. “Fazer isso ajudaria a salvar vidas e realmente serviria como um exemplo de construção da paz”.

Embora as viagens papais a países predominantemente católicos muitas vezes atraiam grandes multidões, as visitas de Francisco a algumas outras nações têm sido assuntos menos importantes. Quando o pontífice viajou para de maioria muçulmana Egito em 2017, por exemplo, trasladou-se em um carro normal, e as autoridades locais bloquearam o acesso externo às áreas em que ele estava.

Mas mesmo nesses países, pequenas multidões costumam se reunir nas igrejas visitadas pelo Papa, com os fiéis que não participam dos eventos esperando pelo menos dar uma olhada no pontífice.

Embora o Vaticano ainda não tenha indicado quais lugares específicos Francisco pode visitar no Iraque, os meios de comunicação em língua árabe relataram que o Papa espera viajar para pelo menos duas igrejas em Bagdá: a Catedral Católica Siríaca de Nossa Senhora da Salvação, que foi alvo de um ataque terrorista que matou 58 pessoas em outubro de 2010, e a Catedral Católica Caldéia de São José.

Fora de Bagdá, o Vaticano diz que Francisco espera visitar a cidade histórica de Ur, considerada o local de nascimento de Abraão, e as cidades de Erbil, Mosul e Qaraqosh. Os dois últimos lugares sofreram cada um sob o controle do Daesh entre 2014 e 2017.

A Anistia Internacional afirma que a luta do governo iraquiano para retomar Mosul em 2017 deslocou cerca de 600 mil civis e matou cerca de 6 mil.

Forman disse que “ninguém deve minimizar” a importância de o Papa visitar lugares tão devastados. Mas ele acrescentou que quaisquer mortes causadas pelo coronavírus agora, conforme as vacinas estão se tornando disponíveis, seriam especialmente trágicas.

“Estamos tão perto de vacinar as populações que cada vida que você salva agora não é mais uma infecção adiada, mas provavelmente uma infecção evitada e, portanto, uma morte evitada”, disse o radiologista. "Estamos tão perto." Fonte: http://www.ihu.unisinos.br