Entre escândalos e intrigas de poder no Vaticano, a série The New Pope (O Novo Papa, em tradução livre), do diretor italiano Paolo Sorrentino – dá continuidade a The Young Pope, que entrará no ar a partir de 13 de janeiro no Canal+ – propõe um profundo questionamento sobre o mal, o pecado e o combate espiritual. A reportagem é de Marie-Lucile Kubacki, publicada por La Vie, 09-01-2020. A tradução é de André Langer.

O mal não é bonito. Ele pode adornar-se com o traje da sedução, às vezes, mas sob as sombras dele, seu rosto real é triste, repulsivo e assustador. É exatamente o que Paolo Sorrentino mostra na série O Novo Papa, que será transmitida a partir de 13 de janeiro no Canal+. Esta sequência de The Young Pope começa com o coma em que o muito conservador Papa Pio XIII da primeira temporada, encarnado por um indecifrável Jude Law, entra após um transplante de coração. Ao mesmo tempo, o todo-poderoso cardeal secretário de Estado, Angelo Voiello (interpretado por Silvio Orlando, verdadeira star na Itália), descobre um vídeo em que um novo califa islâmico declara guerra aos cristãos, enquanto o escândalo da pedofilia na Igreja Católica nunca para de crescer. Sozinho diante do abismo, empurrado por um estranho empresário, ele decide convocar um conclave.
Mas quem pode suceder o fascinante papa de ferro, sob cujas janelas multidões de fãs idólatras vigiam dia e noite, enquanto sua respiração é transmitida ao vivo pelo rádio? A guerra de sucessão começa. Angelo Voiello se veria trocando o roxo pelo arminho, mas na realidade não é uma unanimidade entre os outros cardeais. A maioria deles o considera muito perigoso, aquele que, ao longo dos anos na Secretaria de Estado, não demonstrou piedade, acumulando dossiês sobre cada um deles. Há também o cardeal Hernandez. O homem (também interpretado por Silvio Orlandi) é – detalhe altamente cômico – o sósia perfeito de Voiello, com um par de óculos de tartaruga e uma verruga na bochecha. Mas parece estar imune à cobertura dos abusos...

O terceiro papável possível, o misantropo John Brannox (John Malkovitch), um aristocrata inglês fã de John Henry Newman, conhecido por ter causado a passagem de uma grande quantidade de anglicanos à Igreja Católica Romana. Mas o artista, com um visual acentuado pelo uso do khol e um personagem parecido com uma diva, não se dignou a fazer o deslocamento até o local do conclave. Enquanto nem Hernandez nem Voiello conseguiram ganhar a maioria, Voiello lançou rapidamente: “Os cardeais adoram papas fracos”. E, portanto, é um homem quase desconhecido que aparece na janela, Francisco II.

The New Pope é de uma normalidade desorientadora. Ele gagueja com voz aguda quando perguntado se aceita o encargo. Enquanto todo mundo ri dissimuladamente, imaginando como será fácil manipulá-lo, o novo pontífice tira todo mundo do caminho, interpretando o radical franciscano. E é um festival feliniano de vestes marrons, bloqueando o caminho das cozinhas para os cardeais que estão sendo presos, enquanto os sem-teto ocupam seus lugares no refeitório e as caravanas de migrantes entram no Vaticano. Adorado pela mídia e odiado pela cúria, Francisco II morre poucas semanas após sua eleição, brutalmente e em circunstâncias misteriosas, abrindo caminho para um segundo conclave.

Escaldados por esse precedente, os cardeais da cúria querem reforçar seu controle. E, para isso, decidem ir ‘pescar’ eles mesmos seu “homem”: o melancólico Sir John Brannox. Entrincheirado com seus pais na mansão da família, ele se veste com um roupão de seda, assombrado pela lembrança de seu irmão gêmeo Adam, um padre como ele, que todo mundo preferia a ele. No meio de retratos de família, eles lhe garantem que seria um excelente papa...


Esteta místico, intelectual de outra era, mas acima de tudo prisioneiro de sua melancolia e de sua ferida por sempre ter visto seus pais preferirem seu irmão a ele, convencido de que Deus não o ama, mas completamente vulnerável à lisonja, Brannox é uma presa ideal. Ele se torna João Paulo III, exceto por uma pista – cuidado, spoiler: a que ele deu a Lenny Belardo, Pio XIII, sempre mergulhado no coma, embora esteja ficando sempre mais leve.

Devemos entendê-lo a partir deste resumo: O Novo Papa não tem nenhuma pretensão de realismo. Trata-se de uma ficção, e esse viés é plenamente assumido – ao contrário do filme Os Dois Papas, de Fernando Meirelles, transmitido pela Netflix pouco antes do Natal. Assim, a estética oscila entre punk-rock, renascentista e gótico, trágico e burlesco. A inspiração de Paolo Sorrentino empresta de Pier Paolo Pasolini – como ele, prefere um “cinema de poesia” a um “cinema de prosa” e, como ele, recorre a tomadas fixas apoiadas, trabalhadas como mesas –, de Federico Fellini – o filme é atravessado por ambientes de festas carnavalescas vagamente perturbadoras – e de William Shakespeare – tanto no tratamento dos temas do poder, da misantropia e da traição quanto no tom tragicômico e na arte do macabro.

Além disso, o diretor não hesita em puxar todas as cordas do escândalo: hipocrisia e homossexualidade ativa de alguns prelados, fraude financeira no mais alto nível, assédio sexual entre freiras, ameaças, pressões e chantagem estão no jogo. Se, de acordo com a fórmula de São Francisco de Sales, “là ou Il y a de l’homme, Il y a de l’hommerie” (onde há homem, há baixezas), a baixeza eclesial e vaticana é amplamente explorada, em alguns episódios, a ponto de causar desconforto e náusea. Assim, para tentar argumentar com o governo italiano, determinado a acabar com os privilégios fiscais da Igreja, um cardeal organiza uma orgia com um diplomata, um financista mafioso e uma jovem prostituta, naquilo que parece uma capela onde a cocaína foi colocada no altar.

Algumas cenas são chocantes, mas mesmo as provocações mais delirantes de Sorrentino contêm questões que parecem muito verdadeiras. Um papa que não pode mais exercer seu ministério porque é incapaz de fazê-lo – como Pio XIII, em coma indefinido – deixa de sê-lo? Até que ponto um santo pode ser um grande pecador? Qual é a fronteira entre o pecado e a corrupção? Deus “ama” alguns papas mais do que a outros? O que era idolatria (na primeira temporada, Pio XIII recusou as fotos e os objetos à sua semelhança, o que apenas aumentou em dez vezes o fascínio por sua pessoa)? Precisamos de santos para governar a Igreja? Qual é o preço espiritual dos ajustes diplomáticos e políticos necessários no governo da Igreja? Até que ponto o papa deve se envolver na política?
A série mostra claramente o limite de um papa que é prisioneiro demais de sua história pessoal e de suas fragilidades, por exemplo. Assim, Brannox, sobre quem não sabemos se ele tem mais de Caim ou de Abel no drama familiar que o viu perder o irmão, recusa-se a enfrentar sua história tanto quanto a fazer política, uma arte que ele julga muito pequeno-burguesa. “As virtudes cristãs são poéticas, defende-se, citando o cardeal Newman: a delicadeza e a graça, a compaixão e a modéstia. Onde reina a vulgaridade, os sentimentos servem à retórica: a raiva, a indignação, a emulação em espírito de luta. Temos que nos elevar, seguir a poesia e deixar a retórica para os outros”. “Receio que Newman não seja suficiente”, retruca-lhe seu conselheiro. “O mundo está mais uma vez confirmando que não se importa com a poesia, continua Brannox. Mas eu não sou o mundo”.

De fato, essa recusa em sujar as mãos ao enfrentar as “coisas humanas” leva-o a se deixar manipular por cortesãos mais corruptos do que os outros – “o verdadeiro papa é aquele que conhece os segredos do papa”, afirma cinicamente um deles. E a confessar esta terrível admissão de fraqueza: “Para salvar meu pontificado instável, pus os pés no jardim do pecado, fingindo não entender nada, mas eu sei”.

O pecado, no entanto, não é reservado ao Vaticano. Se for representado simbolicamente por uma espécie de pequeno verme que atravessa a tela de tempos em tempos, ou por personagens claramente malignos como o luciferiano “Essence”, um clérigo glabro e viscoso, Sorrentino também aparece nesse elegante advogado rico que, através de um paroquiano corrupto, compra os serviços de Esther (Ludivine Sagnier), uma jovem mãe à beira da ruína financeira, para que ela se torne a “assistente sexual” de seu filho, que sofre de pesadas malformações de nascimento: “Você é uma santa, Esther, declarou-lhe enquanto assinava um cheque. “Eu sou uma prostituta”, responde esta última. “Você sabe a diferença entre uma santa e uma prostituta, Esther? – Não. – Não há nenhuma”.

A força de Sorrentino vem da recusa do maniqueísmo. Às vezes, são os maiores pecadores que oferecem as melhores surpresas. É o caso do maquiavélico e temido político Voiello – aquele que cinicamente declara: “São necessários ratos como eu para preparar o terreno fértil para a santidade” – e que, com total discrição, cuida de um jovem tetraplégico que ele considera como o guardião de sua alma. Isso dá origem a uma cena avassaladora, quando Voiello, visitando seu pai espiritual, surdo e cego, instalado no meio de uma estufa, apresenta seu protegido, com um nó na garganta: “Como você, eu gosto das flores, e hoje eu te trouxe a mais linda de todas”.

Pelo fato de que não busca tornar “verdadeiro” – muito poucas referências explícitas a fatos históricos, exceto a morte de João Paulo I e a homenagem tragicômica ao atual Papa Francisco, através do personagem de Francisco II, que é uma espécie de caricatura burlesca de Bergoglio – e, principalmente, por não ter medo de tocar no sobrenatural, Paolo Sorrentino assina, mais do que uma grande série sobre os mistérios do poder no Vaticano, uma obra poética e profunda sobre o mal e o combate espiritual. Um mergulho metafísico no abismo da alma humana, ofegante como um filme de suspense, servido por planos cuidadosos e um elenco dos sonhos: além de John Malkovitch, Jude Law, Silvio Orlando e Ludivine Sagnier, já mencionados, encontramos Cécile de France, Sharon Stone e Marylin Manson, que competem em charme e graça. Fonte: http://www.ihu.unisinos.br