A noite escura do sacerdócio

                A noite escura escreve São João da Cruz, nos leva a períodos de aridez e vazio em que até mesmo a oração torna-se árdua, e a alma é destituída de consolo. Mas a escuridão da noite do sacerdote possibilita um aprofundamento e uma purificação de sua alma. Pois a provação da noite escura revela, em última instância, uma benção, e uma graça. Atualmente percebe-se que muitos sacerdotes passam por sua noite escura. Os sacerdotes nestas últimas décadas, caminharam como homens num nevoeiro, inseguros de sua identidade e de sua missão. Conservadores e reacionários atribuíram a origem da escuridão à pseudoliberdade liberalizante e intoxicante que viram surgir depois do concílio.

              Muitos sacerdotes, fazem uma leitura da noite escura como sendo obra do Espírito, que os conduz  por vales escuros para levá-los até um ponto de onde possam enxergar novos horizontes. A escuridão é necessária para produzir uma conversão de mente e coração, para gerar uma nova maneira de ver e ouvir. Em meio à noite escura, os sacerdotes se encontram num fogo de transformação e conversão.

            Ao passar pelo fogo da purificação, os sacerdotes descobrem uma visão renovada da importância única do sacerdócio e, ao mesmo tempo, da santidade e  dignidade de todo o povo de Deus. Eles são líderes do povo de Deus, mas também parceiros  na construção do reino de Deus na história. Como membros da comunidade da Igreja, eles colaboram com os ministros pastorais não-ordenados e com os paroquianos que desfrutam os dons do ministério e do serviço. Os sacerdotes precisam saber de duas verdades em particular: a presença constante de Deus guiando o movimento da Igreja na direção de um novo horizonte e uma convicção igualmente inspirada de que jamais podem esconder a verdade  do povo de Deus. Relendo João Crisóstomos  encontramos muito claro nos seus escritos o quanto Ele chama a atenção dos sacerdotes para serem homens verdadeiros consigo mesmo e com o seu ministério.

            Ultimamente acompanhamos uma grande crise que vem assolando o clero de todo o mundo. Os sacerdotes e suas fraquezas foram  um rico  filão para as páginas de artigos assinados dos jornais e um material propício para cartunistas, satiristas e comediantes. Talvez as piadas com padres pedófilos, mas ainda do que a dolorosa cobertura da mídia, tenham assinalado a extensão em que os sacerdotes caíram em desgraça. Outra queda, porém, estava acontecendo durante a crise dos abusos sexuais de menores pelo clero. E, embora ameaçasse igualmente o bem-estar e a missão da Igreja, não tem nenhuma das características necessárias para garantir a mesma ampla atenção da mídia secular.

            A Igreja enfrenta  o estresse e a tensão da administração da crise provocada por um número pequeno, porém significativo, de seus sacerdotes, o ofício de ensino da Igreja viu seu poder de iluminar e reconciliar, desafiar e encorajar, diminuído por causa dessas crises.

            Se os sacerdotes perderam boa parte do status e do respeito herdados dos presbíteros que vieram antes deles, os bispos perderam boa parte de sua credibilidade. Muitos leigos instruídos perderam a confiança em ensinamentos morais ouvidos como asserções e apoiados basicamente  na afirmação da Igreja de que seus ensinamentos eram suficientemente fundamentados pelas fontes bíblicas e teológicas.

            Em meio a essas crises voltamos a raiz da vocação do sacerdote para mostrar a sua verdadeira missão, a de anunciar ao mundo o verdadeiro amor que liberta a humanidade de seu egoísmo. E de denunciar as injustiças, que oprimem e exclui, deixando os menores à margem da sociedade.

            Ser sacerdote hoje implica em contribuir para a sanidade e a santidade das pessoas e da sociedade; trata-se do exercício de um conhecimento de vida ética, organização social, mobilização libertadora, oferenda dos sacrifícios agradáveis a Deus que são os serviços de amor ao mundo; as práticas de justiça,misericórdia, amor, verdade, paz.

            Sacerdotes são mestres, médicos, santos, mártires, referenciais que norteiam o caminho para a liberdade, transmissores de centelha que anima a vida. Não são seres com dons especiais ou classe privilegiada dentre os demais. João Crisóstomo chama atenção para o sacerdócio não se tornar uma classe, uma profissão, ação separada e privilegiada entre as muitas outras. Ele destaca o cuidado que o Sacerdote deve ter com o seu ministério, para não cair num certo profissionalismo, colocando-se como superior, numa vivência cristã. O mesmo sempre chama atenção do Sacerdócio para o exercício de CARISMAS que é graça, dádiva de Deus/vida) em benefício da comunidade, conforme a GRAÇA que é dada a todos, capacitando-os para contribuírem na unidade.

             A compreensão que o sacerdote tem de si, se defini com clareza, sempre mais crescente como um serviço ao povo de Deus em nome de Cristo, Pastor. O Sacerdote não limita sua identidade a executar um rito ou uma prática sacramental, ou servir, do ponto de vista religioso, a uma pequena comunidade de fiéis que o procuram, mas redefine seu serviço e seu ministério a partir dos pobres; participando com eles na criação de novas práticas de fraternidade, de justiça, de amor libertador. Vivendo em meio ao processo dos pobres, pode celebrar sua fé e alimentar sua esperança; dar sentido, com o mistério da morte e ressurreição do Salvador, a todos os sofrimentos e perseguições suportadas por causa da justiça.

Continuação da Obra de Cristo

           O serviço essencial que o Presbítero é chamado a oferecer a Cristo é continuar a sua obra no mundo. “Como o Pai me enviou, também eu vos envio” (Jo 20,21). Cada Presbítero é, por definição, portador de uma referência essencial à comunidade eclesial. Ele é um discípulo muito especial de Jesus, que o chamou e, pelo sacramento da Ordem, o configurou a Si como Cabeça e Pastor da Igreja. Cristo é o único Pastor, mas quis fazer participar a Seu ministério os Doze e seus Sucessores, mediante os quais também os Presbíteros, ainda que em grau inferior, são feitos participantes deste sacramento, de tal forma que também eles participem, a seu modo próprio, do ministério de Cristo, Cabeça e Pastor. Isso comporta um laço essencial do Presbítero com a comunidade eclesial. Ele não pode omitir-se no que diz respeito a essa responsabilidade, dado que a comunidade sem pastor se desfaz.[1]

            O sacerdote deve ser sinal e o modelo para a vida da comunidade, colocando-se inteiramente a serviço dos irmãos e irmãs sobretudo dos mais sofridos. O sacerdote pode até possuir tarefas específicas no seu serviço, mas estas não o colocam acima dos fiéis para mantê-los em sujeição. O sacerdote, não pode monopolizar todos os ministérios sacerdotais. O Concílio nos recorda que os leigos, em virtude  do sacerdócio comum dos fiéis, radicado no batismo, estão capacitados  a oferecer a Deus uma vida que lhe agrada e sirva de testemunho para os homens.

            O sacerdote deve ser aquele pastor que orienta os fiéis assumirem a própria vocação, sendo estes capazes de assumirem os compromissos dentro da sua comunidade, dentro da perspectiva de serviço e doação.

            O sacerdote deve levar os fiéis a uma certa prioridade no seu serviço como: cuidar da evangelização dos pobres, a preocupação pelos jovens, o apostolado da familiar, a ajuda aos religiosos e religiosas, a visita aos doentes e moribundos.

            O sacerdote é depositário de uma Palavra, de um Pão e de um Espírito que não têm origem nele, mas têm nele um responsável pessoal perante o povo de  Deus. Assim, neste sentido o sacerdote é uma pessoa reservada para o serviço do Evangelho. Esta missão especial  não justifica absolutamente  um poder autoritário e arbitrário; trata-se de uma missão de que deverá o sacerdote prestar contas perante seus superiores e o povo cristão, que lhe é confiado.

O sacerdote é ordenado para exercer os ofícios através dos quais Jesus Cristo constrói seu Corpo; executando a missão que lhe foi confiada é que o presbítero  realiza a sua consagração. Pode-se-ia dizer que a ordenação apresenta duas faces: de um lado, reata o sacerdote à missão apostólica, configurando-o ao Cristo-sacerdote; de outro, impõe-lhe de exercer santamente o dom que recebe. A ordenação sacerdotal é participação do sacerdócio de Cristo que habilita o sacerdote a fazer seu e exercer um ministério de santidade.[2]

             O sacerdote é chamado a desenvolver o seu ministério como o bom pastor. Bom pastor é quem guia e tem coragem de determinar uma direção clara e confiável a partir da fé. Isso é necessário principalmente hoje, quando muitos estão como ovelhas sem orientação. Cabe ao pastor não reagir com dureza de coração, mas demonstrar compreensão, compaixão e paciência para com aqueles que não o acompanham na caminhada, que ficaram para trás e são francos. Pastor é quem é capaz de dizer a verdade no amor.

            O bom pastor é amigo da vida, que deixa jorrarem para os outros as fontes da vida, que os acompanha com seu conselho, consolo e encorajamento no caminho da vida e os ajuda a encontrar a vida verdadeira e a ter vida em plenitude em Jesus Cristo.

            Bom pastor é quem não permanece sempre no círculo mais estreito  dos que já são fiéis, mas também vai atrás dos que se extraviaram, se perderam, se sentem estranhos ou estão à margem. Eles os tirará dos espinheiros em que se enredaram, ainda que ele  próprio se ria ou se arranhe. E, ao tirá-los, vendo que ainda não podem ou não podem mais andar, os tomará em seus ombros fortes e os carregará de volta.

            Bom pastor é quem, sem acusar em bloco os abastados, tem um coração para os pobres e pequenos, os fracos, para as crianças, os doentes e incapacitados; em suma, para todos os que, de alguma maneira, são desfavorecidos e ficaram à margem. Ele defenderá seus direitos e sua dignidade, defenderá a justiça e o espaço de vida para todos.

            Bom pastor é quem é vigilante, quem alerta seu rebanho para os perigos e os defendem perante a ameaça de perigos internos e externos. Ele não foge de situações difíceis, como, por exemplo, a perseguição; não tenta pôr-se em segurança a si e a seus queridinhos, mas se mantém firme no perigo com o rebanho que lhe foi confiado.

O bom pastor não se apascentará a si mesmo. Ele não busca vantagem própria, não se poupa, mas arrisca sua vida e a sacrifica pelos outros. Por esse motivo, o serviço do pastor não se pode restringir ao tempo do expediente burocrático; ele exige o homem por inteiro, a pessoa toda; em situações extremas, ele também pode exigir que se ponha a vida em risco.[3]

[1] HUMMES, Claúdio.

[2] DANNELS, G. O sacerdote: fé e constatação. São Paulo: Paulinas, 1976. p. 103.

[3] KASPER, Walter. Servidores da alegria. São Paulo: Loyola, 2008. p. 76.