Papa rejeita demissão de cardeal francês condenado por encobrir abusos a menores

Francisco invoca a presunção de inocência para Philippe Barbarin, sentenciado a seis meses de prisão, mas o prelado decide se afastar temporariamente do seu cargo na arquidiocese de Lyon

DANIEL VERDÚ

SILVIA AYUSO

O Papa cumprimenta o cardeal Barbarin, na segunda-feira passada, quando este lhe apresentou seu pedido de demissão. VATICAN MEDIA

Uma decisão do Vaticano, em meio à tormenta que a Igreja atravessa por causa dos escândalos de abusos sexuais contra menores, volta a causar surpresa. Especialmente depois da espetacular demonstração feita na Santa Sé durante a cúpula de fevereiro passado. O papa Francisco, contrariando todos os prognósticos, recusou na segunda-feira a demissão do cardeal francês Philippe Barbarin, condenado a seis meses de prisão por acobertar abusos contra menores dos quais teve conhecimento em 2014 e 2015. Segundo o porta-voz do pontífice, Alessandro Gisotti, Francisco deixou ao cardeal a liberdade de tomar a decisão que considerasse ser mais oportuna, invocando sua presunção de inocência e pensando no bem da arquidiocese. O cardeal anunciou nesta terça-feira que deixará temporariamente o comando da arquidiocese de Lyon.

Barbarin, de 68 anos, disse em nota que decidiu se retirar “por certo tempo” da primeira linha da arquidiocese, embora mantenha formalmente o título de arcebispo de Lyon. “Por sua sugestão [do Papa] e porque a Igreja de Lyon sofre há três anos, decidi me retirar por certo tempo e deixar a condução da arquidiocese a cargo do vigário-geral Yves Baumgarten”, afirmou. Barbarin já havia deixado claro que recorrerá da decisão judicial.

A condenação do cardeal, um dos homens mais poderosos da Igreja Católica na França, representa uma surpresa em seu país e no próprio Vaticano. Ninguém, nem sequer o Papa, a julgar por sua reação, achava que seria condenado. De fato, quando o tribunal de Lyon que examinava o caso intimou como testemunha o cardeal Luis Ladaria, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o Vaticano se permitiu invocar a imunidade diplomática do prelado para evitar seu depoimento. Um gesto que contraria completamente a linha de colaboração com a Justiça que o Papa vem propondo aos bispos em seus países e que causou indignação entre as vítimas —especialmente quando o conceito de "tolerância zero" se torna algo tão interpretável.

A reação de Francisco “deixa claro que o problema da pedofilia é a Igreja e é o Papa. Hoje a problemática não está nem nos padres, nem nos cardeais, nem na Igreja francesa, e sim no próprio Papa, que é o responsável pela situação”, disse François Devaux, presidente da associação Palavra Liberada, que agrupa vítimas de pedofilia em Lyon e que foi a responsável por levar o cardeal Barbarin a julgamento.

“Com uma decisão assim, [o Papa] demonstra a incoerência e a ausência de confiabilidade sobre o que possa dizer e fazer” a respeito desse assunto, acrescentou em conversa telefônica. Em relação ao recurso judicial de Barbarin, Devaux se disse confiante. “Não entenderam que isso não muda nada, que é uma questão moral, e não só de justiça”, afirmou.

A decisão do Papa, que segundo Barbarin apelou à "presunção de inocência", coincide com a atitude demonstrada em relação ao cardeal George Pell, ex-ministro de Finanças do Vaticano. Nunca – nem ao ser formalmente processado, nem após ser anunciada sua condenação – ele foi obrigado a se demitir do seu cargo. Na verdade, seu mandato expirou de forma natural, e atualmente, apesar de preso enquanto aguarda o julgamento do recurso em segunda instância, continua sendo cardeal. Uma maioria de pessoas considera no Vaticano que o cardeal australiano é inocente e será absolvido quando tiver "um julgamento justo", sem júri. Além disso, frequentemente se recorda intramuros o caso do ex-arcebispo de Adelaide (sul da Austrália) Philip Wilson, absolvido em segunda instância em dezembro passado. A sensação é semelhante à que predomina agora na Santa Sé com o prelado francês e seu recurso. Nesta segunda-feira, aliás, Francisco se fotografou sorridente com ele e apertando sua mão.

Barbarin anunciou sua intenção de apresentar sua demissão ao papa Francisco em 7 de março, horas depois de o tribunal correcional de Lyon o declarar “culpado por não ter denunciado maus tratos” contra um menor entre 2014 e 2015, anos em que as primeiras vítimas do padre Bernard Preynat o procuraram para relatar abusos sofridos 25 anos atrás e para exigir que o sacerdote não continuasse trabalhando com crianças. Os juízes o condenaram a seis meses de prisão pelo acobertamento, embora tenham permitido que cumpra a pena em liberdade. A sentença foi uma surpresa inclusive para os autores da ação, que foram pela via particular aos tribunais porque o Ministério Público de Lyon se recusou a formalizar queixas —uma postura que reafirmou durante o julgamento, em janeiro passado, por considerar que o crime estava prescrito. Fonte: https://brasil.elpais.com