A Associação dos Padres Católicos dos EUA pediu que os bispos do país assegurem que os ensinamentos do Concílio Vaticano II sejam o alicerce de programas de formação sacerdotal do país, e não "pouco mais que uma nota de rodapé histórica" ou "um momento de distorção na peregrinação da Igreja ao longo do tempo". A reportagem é de Dan Morris-Young, publicada por National Catholic Reporter, 10-04-2018. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.

Em 29 de março, o grupo divulgou uma declaração de 5.000 palavras delineando as "cinco principais preocupações” em relação a formação sacerdotal. O documento e ofício foi enviado a Joseph Tobin, cardeal de Newark, Nova Jersey, no final de janeiro.

Tobin lidera a Comissão para o Clero, a Vida Consagrada e as Vocações da Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos, que está supervisionando a revisão do programa de formação sacerdotal para os seminários dos EUA, como parte de um esforço global empreendido pelo Vaticano.

Chamado Preparing the Sixth Edition of the Program of Priestly Formation: Five Overriding Concerns (Preparação da sexta edição do programa de formação sacerdotal: cinco principais preocupações), a declaração da associação dos sacerdotes argumenta que deve ser feita uma “revisão profunda” na formação dos sacerdotes para responder "aos desafios significativos enfrentados pela Igreja dos Estados Unidos”.

Segundo o documento, dentre esses desafios estão:

Milhões de católicos terem deixado de se engajar e participar ativamente da Igreja

Queda no número de padres em atividade e de vocações para o sacerdócio

Diminuição do número de conversões, casamentos na Igreja, batismos e paróquias

Crescente identificação dos estadunidenses como "espiritualizados", em vez de "religiosos".

As cinco áreas focais do documento — cada uma com suas observações, preocupações e propostas — são:

Fidelidade ao Concílio Vaticano II

Chamado a servir

Modelo pastoral da formação sacerdotal

Celibato e desenvolvimento psicossexual

Processos de discernimento e formação

A declaração destaca que "é preciso que os valores pastorais do Concílio Vaticano IIsejam difundidos e afirmados de forma persistente e consistente" e que esses "valores devem servir como base e estar presentes em todas as fases da formação sacerdotal".

Alguns dos princípios-chave do Concílio Vaticano II salientados são "embasamento nas Escrituras, conversão do coração em um relacionamento pessoal com Jesus Cristo, ter a Igreja como povo de Deus, um chamado universal à santidade, o papel central dos leigos, o culto vernacular, a missão da Igreja no mundo, construção de diálogo e consenso, subsidiariedade e compromisso ecumênico e inter-religioso".

Entre os comentários e sugestões do documento estão:

Insistência de que, acima de tudo, os sacerdotes "precisam se considerar servos de Deus e do povo de Deus"

Forte apelo para que as mulheres tenham um papel muito maior na formação pastoral, no discernimento da "aptidão para ordenação" dos seminaristas, na formação teológica e como guias espirituais

Descrição da "comunidade típica do seminário" como "significativamente tamponada se não isolada do mundo mais amplo, funcionando em nível paroquial" e defesa da ideia de que "as comunidades diocesanas presbiterianas e paroquianas” oferecem "melhores contextos comunitários para a formação de possíveis sacerdotes focados em servir”

Crítica ao atual programa de formação sacerdotal, considerado "excessivamente concentrado em abstrações espirituais, filosóficas e teológicas", formando “futuros sacerdotes... para serem teólogos, e não 'pastores'"

Extensas observações sobre o "desenvolvimento psicossexual" dos possíveis sacerdotes em áreas como o celibato, orientação sexual e relacionadas ao futuro trabalho pastoral, acrescentando que "a sexualidade humana é complexa demais para que apenas o sistema de formação sacerdotal assegure que os padres sejam celibatários saudáveis e maduros"

Preocupação de "que a implementação do programa de formação sacerdotal atual em muitos seminários frequentemente teve como resultado sacerdotes que não se veem como servos do povo de Deus à imagem de Cristo”, contrariamente “ao entendimento do Concílio Vaticano II do chamado ao serviço pastoral", que, por sua vez, promove "um sentimento de distância, separação, elitismo, clericalismo, insensibilidade e superioridade, que têm sido criticados pelo Papa Francisco"

A sexta edição do programa de formação sacerdotal dos Estados Unidos deve ser apresentada para aprovação na assembleia geral dos bispos, em novembro de 2019.

A Associação dos Padres Católicos dos EUA (AUSCP, em inglês, Association of Catholic Priests), "que trabalhou em conjunto na elaboração do documento, tem décadas de experiência no ensino e administração de seminário, bem como no ministério paroquial e nas capelanias", com "formação avançada e muitos anos de instrução e formação no seminário”, afirmou, em um comunicado de imprensa no dia 29 de março.

O sulpiciano Ronald Chochol coordenou a equipe e assinou o documento endereçado a Tobin, juntamente com Bernard Robert Bonnot, da diocese de Youngstown, Ohio, a qual orienta a equipe de liderança da AUSCP e outras cinco pessoas que trabalharam na elaboração do documento de formação sacerdotal.

Chochol foi reitor e professor de seminário, reitor acadêmico da antiga Weston Jesuit School of Theology, faculdade jesuíta de teologia que hoje é parte do Boston College, e da St. Meinrad School of Theology, faculdade de teologia de St. Meinrad, em Indiana. Ele também lecionou no seminário Kenrick-Glennon, em Saint Louis, Missouri.

Dentre os membros do grupo que elaborou a declaração da AUSCP também estavam dois padres vicentinos - Louis Arceneaux e Daniel Kearns - e quatro diocesanos - Bonnot, Kevin de Clinton, de Minneapolis-Saint Paul, Minnesota, Thomas Ivory, de Newark, New Jersey e Martin Marren, de Chicago, Illinois -, de acordo com o comunicado de imprensa da organização.

Fundada em 2011 e com sede em Tiffin, Ohio, a AUSCP tem entre seus membros cerca de 1.200 sacerdotes e 120 apoiadores.

De acordo com Bonnot, a tentativa de abordar a formação sacerdotal veio à tona na última assembleia nacional da organização, em junho do ano passado, em Atlanta.

"Quando foi anunciado que o Vaticano estava exigindo, nos propomos a contribuir com o processo na assembleia de 2017”, disse Bonnot ao NCR, por e-mail.

"Para minha surpresa", acrescentou, "a proposta não apenas foi aprovada pela assembleia, mas também foi selecionada como uma das três prioridades do ano. Foi criado, então, um comitê de trabalho, que trabalhou diligentemente e apresentou o relatório no final de janeiro".

Até agora, Tobin e outros membros da Comissão para o Clero, a Vida Consagrada e as Vocações não deram nenhuma resposta, conforme e-mail conjunto de Bonnot e Chochol.

Segundo os padres, as primeiras reações ao discurso da AUSCP têm sido "em geral, positivas, animadas e até mesmo de gratidão por alguém estar expressando o que recomendamos, principalmente por esse 'alguém' serem sacerdotes... com experiência em ensino nos seminários".

Bonnot disse que estava "surpreso" com o fato de o “projeto e o processo” de atualização do sistema de formação sacerdotal "parecerem muito discretos".

A AUSCP "não foi convidada para participar", disse. "Não estamos a par de quem foi convidado. Tem sido difícil aprender sobre o processo".

Não foi identificado nenhum pedido para que Tobin fizesse comentários pelo gabinete de comunicação da arquidiocese de Newark.

O Pe. John Kartje, no entanto, reitor/presidente de um dos maiores seminários dos EUA, elogiou a intenção e o espírito da declaração da AUSCP.

Embora não estivesse familiarizado com a associação, Kartje, do seminário Mundelein, declarou: "eu compartilho da sensação de que é um momento único para o sistema de seminários no mundo todo e de que há um tom forte no novo Ratio Fundamentalis de que haja uma capacidade de realmente contribuir” com sua direção.

No final de 2016, a Congregação do Vaticano para o Clero emitiu um documento sobre o sacerdócio, Ratio Fundamentalis Institutionis Sacerdotalis ("O dom da vocação presbiteral”).

Kartje disse que não tinha "lido todo o documento [da AUSCP] detalhadamente”, mas apoiava sua ênfase na educação pastoral dos sacerdotes nas bases, descrevendo a experiência paroquial como "uma peça chave da formação".

Mundelein e outros grandes seminários, segundo ele, estão desenvolvendo, cada vez mais, "parcerias com paróquias" e outros ministérios de evangelismo da vida real, nos quais "os homens estão recebendo formação significativa através do contato e do trabalho com as paróquias, trabalhando com homens e mulheres, leigos e ordenados".

Não ficou claro para ele, segundo Kartje, até que ponto os autores da AUSCPacompanharam tais desenvolvimentos nos seminários dos Estados Unidos.

Da mesma forma, disse ele, seminários modernos do país empregam ciências comportamentalistas na avaliação e na educação dos seminaristas, o que parece apoiar a chamada AUSCP a fazer uma avaliação robusta da formação psicossexual.

A AUSCP acusou: "programas de formação sacerdotal não engajam de forma adequada profissionais experientes, sejam homens ou mulheres, que falem com certo conforto, estejam conscientes da expressão sexual humana realista e saudável e possam ajudar os seminaristas a entender sua sexualidade de forma pessoal e honesta".

O atual programa de formação sacerdotal "propõe que a preparação para o celibato seja um dos principais objetivos do programa de formação humana", diz a declaração da AUSCP. "Consideramos esta seção do atual programa um calcanhar de Aquiles da seção de Formação Humana e de todo o documento. Os membros do seminário precisa se precaver e não pensar que detém o poder de 'fabricar' desenvolvimento psicossexual. Evasão, superficialidade e coerção não criam um ambiente de 'discernimento dos espíritos' nem para os seminaristas nem para os formadores".

Kartje indicou que a AUSCP e os principais seminários dos Estados Unidos podem estar em harmonia em relação à formação minuciosa e padronizados para que as pessoas sejam conselheiros e diretores de formação eficazes.

Recentemente, disse, vários grandes seminários uniram-se para formar um conselho que, entre outras coisas, será uma espécie de escola de "formadores", ou seja, pessoas que trabalham em vários aspectos da avaliação e da formação dos candidatos ao sacerdócio. Fonte: http://www.ihu.unisinos.br