Frei Carlos Mesters, O. Carm.

Vamos ouvir dois textos bem em que Nossa Senhora aparece, mas não fala. Ela conserva o silêncio. Durante a leitura vamos prestar atenção no seguinte: O que Maria nos diz através do seu silêncio?

Leitura do Evangelho de João 19,25-27

            "A mãe de Jesus, a irmã de sua mãe, Maria Cléofas, e Maria Madalena estavam junto à cruz. Jesus, vendo sua mãe e, ao lado dela, o discípulo que ele amava, disse à sua mãe: "Mulher, eis aí o teu filho! Depois disse ao discípulo: "Eis aí tua mãe!" E dessa hora em diante, o discípulo a recebeu em sua casa"

Leitura dos Atos dos Apóstolos 1,12-14

"Depois que Jesus subiu ao céu, os apóstolos voltaram para Jerusalém, pois se encontravam no chamado Monte das Oliveiras, não muito longe de Jerusalém: uma caminhada de sábado. Entraram na cidade e subiram para a sala de cima, onde costumavam hos­pedar-se. Aí estavam Pedro e João, Tiago e André, Filipe e Tomé, Bartolomeu e Mateus, Tiago, filho de Alfeu, Simão Zelota e Judas filho de Tiago. Todos eles tinham os mesmos sentimentos e eram assíduos na oração, junto com algumas mulheres, entre as quais Maria, a mãe de Jesus, e com os irmãos de Jesus."

Uma ajuda para a reflexão

Há muitas formas de silêncio: o silêncio que se pede num hospital; o silêncio da natureza, da noite ou da madrugada; o silêncio da morte; o silêncio que precede à tempestade; o silêncio do medo; o silêncio do censurado e do povo silenciado; o silêncio do aluno que não sabe a resposta; o silêncio do fulano frustrado, do jovem abafado e do lutador derrubado;  o silêncio do namorado na presença da namorada; o silêncio da quebra interior: tudo que a pessoa tinha imaginado e planejado até àquele momento cai no vazio e se desintegra. Parece que não valeu nada. O silêncio do místico. O silêncio de Deus.

Tantos silêncios!

A prática do silêncio é condição necessária para o encontro com Deus; é importante também para o relacionamento correto com o próximo. Silêncio é muito mais do que ausência de barulho. Sem silêncio não há conversa, nem com o irmão e a irmã, nem com Deus. Pois a condição para a conversa verdadeira é saber escutar o outro. Palavras verdadeiras nascem é do silêncio. Silêncio é saber escutar e fazer à outra pessoa sentir que, no momento da conversa, ela, e só ela, é o absoluto diante do qual todo o resto é relativo. Isto exige uma ascese muito grande. Sobretudo, saber escutar as pessoas que sempre foram silenciadas, os pobres, tanto na sociedade como na igreja.

Maria, a Virgem do silêncio. De Maria se fala pouco na Bíblia, e ela mesma fala menos ainda. Os textos da Bíblia sobre Maria são todos dos evangelhos de Mateus, Lucas e João, menos quatro: Mc 3,31; Gl 4,4; At 1,13; Ap 12,1-17. Nos textos do evangelho de Mateus, em que Maria é menciona­da, tudo é centrado em torno da pessoa de José. Maria aparece como a esposa de José. Ela mesma não fala. No evangelho de Lucas, Maria aparece mais. Mesmo assim, ela fala pouco: com o anjo Gabriel, com Isabel e com Jesus no Templo de Jerusalém. Lucas, quando fala de Maria, pensa nas Comunidades. Ele apresenta Maria como modelo para as comunidades saberem como relacionar-se com a Palavra de Deus: acolhê-la, encarná-la, vivê-la, aprofundá-la, ruminá-la, fazê-la nascer e crescer, deixar-se moldar por ela, mesmo quando não a entendemos ou quando ela nos faz sofrer. Maria nos orienta na escuta e no uso da Palavra de Deus.

A Mãe de Jesus aparece duas vezes no evangelho de João: no começo, nas bodas de Caná (Jo 2,1-5), e no fim, ao pé da Cruz (Jo 19,25-27). Nos dois casos ela representa o Antigo Testamento que aguarda a chegada do Novo e, nos dois casos, contribui para que o Novo chegue. Maria é o elo entre o que havia antes e o que virá depois. Em Caná, é ela, a mãe de Jesus, símbolo do Antigo Testamento, que percebe os limites do Antigo e dá os passos para que o Novo possa chegar. Na hora da morte, é novamente Maria, a Mãe de Jesus, que acolhe o "Discípulo Amado". O Discípulo Amado é a comuni­dade que cresceu ao redor de Jesus, é o filho que nasceu do AT. A pedido de Jesus, o filho, o NT, recebe a Mãe, o AT, em sua casa. Os dois devem caminhar juntos. Pois o Novo não se entende sem o Antigo. Seria um prédio sem fundamento. E o Antigo sem o Novo ficaria incompleto. Seria uma árvore sem fruto.

Nos Atos dos Apóstolos, Maria aparece rezando no meio dos discípulos e discípulas, aguardando a descida do Espírito Santo. Quando Lucas, no ano 85, escrevia os Atos dos Apóstolos, havia muitas tensões nas comunidades. Havia várias tendências e rumos. Havia os que eram da linha de Pedro, outros da linha de Tiago, outros da linha de Paulo. Lucas escreve, para seja preservada a unidade. Ao redor de Maria, a mãe de Jesus, todos estão congregados numa unidade que ultrapassa as diferenças e as acolhe, sem destruí-las. Maria com a sua oração faz com que todos se abram para a ação do Espírito Santo e consigam ter os mesmos sentimentos. Ao redor do silêncio orante de Maria, todos se unem e preservam a unidade.