Padre Assis

O episódio que hoje contemplamos comumente chamado “a expulsão dos vendedores do Templo” é, segundo assinalam os historiadores, a principal causa que desencadeou a prisão, condenação e a morte de Jesus.

Os quatro evangelhos nos narram este fato e para os quatro supõe um momento crucial no qual Jesus manifesta de maneira extremamente clara a oposição de sua mensagem com a das autoridades religiosas do Templo, os saduceus.

Os sinóticos colocam o acontecimento cronologicamente antes do inicio da Paixão. João, no entanto, diferente dos sinóticos, o situa no principio de sua missão, o situa com uma clara intenção teológica: todo seu evangelho fica deste modo marcado pelo confronto entre “os judeus”, como grupo diferenciado dos discípulos de Jesus.

Para entender o que se nos narra em João 2,13-25, devemos ter em conta como funcionava o Templo de Jerusalém, nos tempos de Jesus. O Templo estava dirigido pela poderosa minoria dos saduceus: conservadora no aspecto religioso e colaborava com o poder imperial romano, o que lhe reportava notáveis privilégios.

O funcionamento do Templo girava em torno do acesso e do culto dado a Deus, especialmente através das ofertas, dos dízimos e dos sacrifícios de animais que tinha lugar em seu interior. A estrutura do Templo era profundamente discriminatória, estava perfeitamente hierarquizada conforme uns pretensos graus de “pureza”: de menos puro no exterior a mais puro no interior.

Assim, è a esplanada exterior, o “Átrio dos Gentios”, estava permitida nele a entrada a qualquer pessoa. Até chegar ao “Átrio dos Sacerdotes”, onde só podiam estar os sacerdotes encarregados de realizar os sacrifícios. E ainda um núcleo mais interior do Templo onde se encontrava o “Santo dos Santos”, lugar mais sagrado, delimitado por um véu, no qual só podia entrar o Sumo Sacerdote uma vez ao ano para pedir perdão pelos pecados do povo.

É óbvio que Jesus conhecia o funcionamento do Templo. Havia estado ali algumas vezes, não só em sua vida pública, como assinalam os próprios evangelhos, mas também, como é lógico supor, desde criança para as celebrações importantes como a Páscoa.

Chegando a esplanada do Templo Jesus se encheu de indignação ante um cenário deplorável, indigno da casa de Deus: “Fez então um chicote de cordas e expulsou todos do Templo, junto com as ovelhas e os bois; espalhou as moedas e derrubou as mesas dos cambistas. E disse aos que vendiam pombas:

“Tirai isto daqui! Não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio!” (vv. 15-16)

A ação de Jesus não é fruto de uma arrebatadora indignação fortuita. Trata-se de um gesto bem pensado e calculado que se encontra dentro da bem conhecida tradição profética dos judeus. Como os grandes profetas, Jesus leva sua mensagem ao coração de Israel: Jerusalém. E como eles, acompanha suas palavras com gestos que dão maior força expressiva às mesmas e que, inclusive, escandalizam seus ouvintes.

A expulsão dos mercadores do Templo, longe de ser uma manifestação de “ira santa” ou uma passagem com que justificar a violência contra a impiedade (como em alguns momentos da história do cristianismo se tem pretendido) é a expressão mais contundente da pregação de Jesus contra a hipocrisia religiosa, a coisificação de Deus em beneficio próprio (idolatria) e a descriminação das pessoas baseada nas normas de pureza.

“Destruí, este Templo, e em três dias o levantarei” (v.19) Ele falava do templo de seu corpo. Quando João escreve o seu evangelho Jerusalém já havia sido destruída e o seu Templo. Os seguidores de Jesus adoram ao Senhor em Espírito e verdade (cf. Jo 4,23), bem cedo compreenderam que eles, por ser prolongamento do corpo de Cristo glorioso eram a casa de Deus, o templo espiritual, cuja cabeça e fundamento é Jesus. Não tinham necessidade de templos físicos onde reunir-se e se reuniam para celebrar a “ceia do Senhor” nas casas.

No tempo de Jesus o acesso a Deus era feito através do Templo, como morada de Deus e na entrada do Templo estava o dinheiro para as esmolas e dízimos, os cambistas e os comerciantes de animais para os sacrifícios, passa-se assim a imagem que ninguém podia ter acesso a Deus sem que comprasse o bilhete, comprasse o mérito. Jesus afirma com a veemência de sua atitude que Ele é o Templo, o Templo é o seu Corpo e assim apresenta e define um novo Templo.

O acesso a Deus não se dará mais através dos sacrifícios. É uma nova visão do Templo e de como se chega até Deus em espirito e verdade, não através do pagamento de impostos e dízimos. Claro que os templos são importantes como mediações espaciais sagradas: templos, igrejas, sinagogas, mesquitas ou através de mediações temporais como a Quaresma.  

O “novo templo” é uma realidade completamente diferente: a sua construção já começou, ressuscitando dos mortos seu Filho Jesus, o próprio Pai colocou a pedra fundamental deste novo santuário. Em seguida, sobre essa pedra, Ele colocou outras pedras vivas, que são os discípulos e discípulas de Cristo. Como disse Pedro: “Vós, como pedras vivas, constituí-vos em um edifício espiritual.” (1Pd 2,5) Todos juntos formamos o corpo de Cristo. Jesus é o verdadeiro lugar de adoração de Deus, é o único e verdadeiro templo vivo. Pelo batismo também nós somos templos vivos de Deus. São Paulo, em várias cartas, recorda esse fato novo, procura explicá-lo e pede que não profanemos o corpo, porque é morada de Deus. Como faz bem ao mundo de hoje esta afirmação!

O que diz Jesus do templo de seu corpo, o podemos dizer de todos nós. Na verdade os dois templos se misturam. No mundo contemporâneo, embora se fale tanto de filosofia do corpo, comunicação corporal, teologia do corpo, trata o corpo como coisa, usa-o e o destrói com muita facilidade. O corpo vem sofrendo uma violenta dessacralização.

A laicização atingiu também os corpos que perderam sua sacralidade; exaltados com ideais “hedonistas”; condenados como fonte de corrupção e pecado pelas visões religiosas dualistas; explorados como fonte de riqueza pela propaganda de cosméticos, rejuvenescedores, modeladores estéticos, sexo, saúde, academias de ginástica etc.; ou tragicamente esquecidos como uma espécie de resíduo no interior dos laboratórios de manipulação de embriões. 

O corpo, o texto bíblico e a sabedoria judaico-cristã o vêem como um templo, imagem e semelhança de Deus, sacramento do seu amor. Feito à imagem e semelhança de Deus, é desde o princípio da criação um território do sagrado. Não se trata apenas de um monte de órgãos, vísceras e funções. A pessoa é única, e irrepetível, ícone divino. É um santuário onde a sabedoria divina se torna visível. 

A Igreja neste III Domingo da Quaresma quer que nós sejamos conscientes de um grande perigo que nos cerca.

Com nossas pessoas, com nossos templos de carne e osso, pode ocorrer o mesmo que aconteceu no relato evangélico que se nos narra neste dia: Como nos encontra Jesus? De que Ele nos ver rodeados: De muitos interesses, de dinheiro, de vendedores? A resposta como sempre, nos dá a fé: apostar em Jesus significa permitir que Ele purifique, troque os nossos interesses sendo Ele o centro e nos convida a nos voltarmos para Cristo, o templo do Pai, abandonarmos os templos provisórios e degenerados e purificarmos o templo do próprio coração para que dele suba a Deus o culto mais puro. Fonte: https://paraibaonline.com.br