Sociólogos atribuem a apatia popular na crise a fatores que vão de uma frustração política à influência de setores

Medidas impopulares apresentadas pelo governo federal, denúncias criminais contra o presidente da República e outros políticos por corrupção, uma recessão econômica sem prenúncio de superação em curto prazo. Por isso e muito mais, o brasileiro reclama, mas não tem visto uma mobilização popular de massa que vá às ruas cobrar respostas dos representantes, como foi num passado não tão distante. Analistas políticos entrevistados pelo Diário do Nordeste apontam que a atual "apatia" da população tem causas que vão da decepção política à influência de setores dominantes, mas alguns sustentam que, a partir de manifestações como as de junho de 2013, uma nova geração (re)descobriu que é possível mobilizar.

A última semana começou colocando em números a instabilidade do governo do presidente Michel Temer (PMDB). Pesquisa CNI/Ibope divulgada na última quinta-feira (27) mostra que o peemedebista tem, hoje, 70% de rejeição no País - a pior taxa desde a redemocratização. Dois dias antes, levantamento Ipsos Public Affairs revelou que 94% dos entrevistados reprovam a atuação do presidente à frente do Executivo Federal - um recorde de rejeição que superou os 93% registrados em pesquisa realizada no mês anterior.

O levantamento, feito na primeira quinzena de julho - ou seja, antes mesmo do anúncio recente do aumento do PIS/Cofins sobre combustíveis -, não parece fragilizar o governo, que já dá como certo, por exemplo, ter os votos necessários para barrar denúncia criminal da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Temer, por crime de corrupção passiva, a ser votada no plenário da Câmara dos Deputados no dia 2 de agosto.

Antes disso, greves gerais convocadas por partidos de esquerda, movimentos sociais e entidades sindicais contra as reformas Trabalhista - já aprovada - e Previdenciária - em tramitação no Congresso Nacional - foram marcadas por paralisações e atos em todos os estados do País, mas, na avaliação dos próprios organizadores, não tiveram a abrangência esperada. Grupos que se organizaram pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), cujas bandeiras eram o combate à corrupção, o apoio à Operação Lava-Jato, o fim do foro privilegiado e outras, hoje também já não cobrem as ruas de verde e amarelo.

Vácuo

Para o sociólogo Clésio Arruda, professor da Universidade de Fortaleza (Unifor), o Brasil, após o processo de impedimento da ex-presidente, vive um "grande vácuo", no qual parte da população está desmobilizada e outra parte está frustrada, embora haja uma indignação popular com o governo substituto.

"Foi criada uma expectativa de que, com a queda da Dilma, aquelas reivindicações de 2013 seriam conquistadas, então se gerou muitas promessas diante desse movimento e arregimentou-se grande parte da população que foi às ruas, acreditou e se sentiu protagonista da história. O momento, agora, é de grandíssima frustração. A gente tem uma sociedade dividida: aqueles que não eram favoráveis ao impeachment da Dilma ficaram completamente desmobilizados, são os 'perdedores' da luta. Por outro lado, a gente tem aqueles que viabilizaram o impeachment e, agora, uma boa parte percebe que o que tinha como expectativa não se realizou".

Na análise do sociólogo, para compreender a "apatia" popular do momento é importante lembrar o que motivou manifestações anteriores, como as de junho de 2013, que demarcavam, segundo ele, "um amadurecimento da democracia brasileira". "A gente tem um marco na mudança do comportamento da população, em geral, naqueles grandes movimentos da Copa do Mundo, em 2013. Aqueles movimentos surgem naquele momento sem uma direção exata. Havia reivindicações das mais variadas, mas há uma questão que estava presente: uma insatisfação com as mudanças que vinham acontecendo no Brasil".

De acordo com Clésio Arruda, porém, políticos se apropriaram da "euforia" das ruas para, com a mobilização, "direcionar" os movimentos. "Naquele momento, se coloca uma grande parte da população brasileira atenta àquilo que começa sem objetivo muito claro e foi direcionado a um objetivo que culminou no impeachment", diz.

Professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp), o sociólogo Paulo Niccoli Ramirez, por sua vez, afirma que a ausência de manifestações populares de massa diante da atual crise político-econômica no Brasil está enraizada em dois fatores: uma divisão de classes e a influência dos grandes meios de comunicação. "Existe um forte preconceito de classe no País contra o PT e contra indivíduos oriundos das classes oprimidas, os trabalhadores. Esse é o primeiro ponto", coloca.

O outro, de acordo com o sociólogo, é o tratamento diferenciado dado pela grande imprensa aos dois momentos políticos que, segundo ele, influencia o comportamento de parte da população. "No caso do Temer, o que acontece: cada notícia negativa é sucedida por uma positiva: uma melhora superficial da economia, migalhas de melhorias que o governo tem demonstrado. Isso acaba mascarando uma visão mais crítica daqueles que foram a favor do impeachment".

Em entrevista ao Diário do Nordeste, ao traçar perspectivas para o retorno das atividades da Câmara dos Deputados em agosto, após o recesso parlamentar, deputados federais cearenses de partidos de oposição admitiram que, hoje, o governo tem os votos necessários para barrar a denúncia criminal que será votada em plenário no início do mês.

André Figueiredo (PDT) afirma que só uma mobilização popular poderia pressionar deputados aliados do peemedebista para que mudassem de voto. Segundo ele, porém, é necessário que a população "acorde" e demonstre, nas ruas, que as manifestações que reuniram milhares de pessoas durante o processo de impeachment de Dilma eram, de fato, "contra a corrupção". "A população está mais morna do que estava antes, não tem ido às ruas ou, se vai, vai em menor número do que foi no ano passado", aponta.

Revés

Sem maioria da oposição na Câmara, Chico Lopes (PCdoB) é outro que prega reação mais enérgica do eleitorado por mudanças. "Os eleitores têm que reagir, porque quem paga a conta são os eleitores. Só acredito em movimento de massa", diz.

O sociólogo Paulo Niccoli Ramirez, por outro lado, não acredita que uma mobilização popular representaria um revés ao mandato de Michel Temer no atual cenário. "Essa revolta já deveria ter ocorrido no início, com o flagrante da gravação de Temer (feita por Joesley Batista, dono da JBS). Agora, a questão que fica é: qual situação pior a essa poderia ser responsável para que a população se revoltasse? A Dilma caiu por muito menos, por uma questão de tese jurídica por má administração. No caso do Temer, estamos falando da esfera criminal", compara.

Já Clésio Arruda, professor da Unifor, pontua que, embora o momento seja de apatia por parte da população, manifestações recentes geraram uma "experiência acumulada de participação política" que contribui para a formação de uma consciência política no tempo presente e nas gerações futuras. "Isso não se perde historicamente. Temos novas gerações com capacidade de mobilização política. O que está faltando é motivação", observa. Fonte: http://diariodonordeste.verdesmares.com.br