Ao dizer que não confia na Justiça, que ora julga Bolsonaro, Tarcísio esquece sua obrigação, como governador e eventual postulante à Presidência, de preservar as instituições democráticas

 

“Infelizmente, hoje eu não posso falar que confio na Justiça, por tudo o que a gente tem visto”, declarou o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, em entrevista ao jornal Diário do Grande ABC a propósito do julgamento de seu padrinho político, o ex-presidente Jair Bolsonaro. É altamente problemático que a principal autoridade do Executivo paulista, com pretensões de presidir a República, expresse desconfiança sobre o Poder Judiciário.

Muito ainda pode ser e certamente será dito sobre a qualidade do julgamento de Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal, e é evidente que o governador de São Paulo, como qualquer cidadão, tem o direito de criticar as decisões daquela Corte. Mas, ao contrário dos cidadãos comuns, o sr. Tarcísio de Freitas não pode, de maneira leviana, manifestar desconfiança sobre o Judiciário, sugerindo que ali se tomam decisões políticas. Um chefe de Executivo como o governador paulista deve saber que é seu dever preservar a imagem das instituições democráticas, mesmo que se sinta contrariado. Uma democracia em que reina a desconfiança sobre as instituições está a meio caminho de sua ruína.

Portanto, se ao sr. Tarcísio de Freitas interessa que a democracia seja fortalecida – e não há nenhuma razão para duvidar disso –, então ele deveria se empenhar ao máximo para que o Supremo seja visto como essencial na sustentação do Estado Democrático de Direito, e não como uma Corte que persegue seu padrinho político em razão de interesses políticos inconfessáveis, como o governador parece sugerir.

Deslegitimar o Supremo é algo próprio dos liberticidas bolsonaristas, mas jamais deveria sair da boca de um chefe de governo com responsabilidade diante do Brasil e da Constituição. Compreende-se a necessidade de Tarcísio de conquistar o eleitorado de Bolsonaro, mas, se o preço desse apoio é a desmoralização da democracia, o governador deveria se recusar a pagá-lo.

Infelizmente, contudo, o sr. Tarcísio de Freitas não só investe na tese da desconfiança a respeito do Supremo, como prometeu que, se chegar à Presidência, seu “primeiro ato” será indultar Bolsonaro. Ou seja, o governador considera que não há nada mais importante e urgente no País do que livrar o padrinho da cadeia, a despeito de todas as evidências de que o ex-presidente tramou contra a democracia.

Não é de hoje que o governador paulista tenta caracterizar o perdão a Bolsonaro como resultado de um acordo político com vista a “pacificar” o País. Na entrevista, disse que uma eventual anistia é “prerrogativa do Congresso” para construir uma “solução política”. Ora, em primeiro lugar, não há nada a ser “pacificado” no Brasil. O que há são os inconformados com a democracia, que há tempos tentam criar as condições para uma conflagração que lhes dê a oportunidade de consumar o tão desejado golpe.

Essa turma, que ora conta com a simpatia do governador de São Paulo, fez e faz campanha sistemática para desmoralizar o sistema de votação, atiçou caminhoneiros para fechar estradas e prejudicar a economia do País após a derrota de Bolsonaro em 2022 e invadiu as sedes dos Três Poderes para forçar um confronto que, em seus delírios, resultaria na tão desejada intervenção militar que destituiria o presidente Lula da Silva. Agora, pediu a uma potência estrangeira, os EUA, que castigasse o Brasil e os ministros do Supremo para impedir que Bolsonaro seja preso. A estes não pode ser reservada nenhuma condescendência. A impunidade para os golpistas, defendida pelo sr. Tarcísio, essa sim, teria o condão de conflagrar o País. Só a condenação exemplar de quem atentou contra a democracia fará o Brasil superar esta tenebrosa etapa de sua história. Não pode haver acomodação, sob qualquer pretexto – ingênuo ou cínico.

O governador Tarcísio, bem como os demais postulantes conservadores à Presidência, precisam urgentemente se descolar de Bolsonaro, caso queiram ser vistos como genuínos democratas. É preciso restabelecer os limites morais do que é permitido fazer para ganhar uma eleição. Parte do eleitorado pode ter se deixado seduzir pelo espalhafato dos golpistas e dos oportunistas craques em redes sociais, mas o Brasil só avançará de fato quando elegermos um presidente que tenha princípios e não abra mão deles em troca de um punhado de votos. Fonte: https://www.estadao.com.br