A iniciativa da Lei n.º 14.192, de 4 de agosto de 2021, foi muito boa, mas devemos ficar atentos ao seu fiel cumprimento.

 

Luiza Nagib Eluf, O Estado de S.Paulo

Ninguém há de negar que o Brasil é um país violento contra as mulheres. Os números referentes aos feminicídios são elevados e estamos em 5.º lugar, no mundo, entre as culturas que mais desrespeitam a vida feminina, conforme dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (Acnudh). Além disso, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2021, o País teve, em 2020, 3.913 homicídios contra mulheres; 230.160 casos de lesão corporal dolosa por violência doméstica; e 1.350 feminicídios (crime de morte praticado contra mulheres pelo simples fato de serem mulheres).

Não bastassem esses dados, neste momento eleitoral brasileiro em que há várias mulheres candidatas a cargos públicos, inclusive à Presidência da República, a violência política contra elas parece ter explodido, a ponto de ser criada uma lei para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher (Lei n.º 14.192, de 4 de agosto de 2021). A situação é vergonhosa e trágica, mas, acima de tudo, é inadmissível.

Diante desta realidade nacional, a Lei n.º 14.192, de 4/8/2021, que estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher em nosso país, dispõe sobre os crimes de divulgação de fato ou vídeo com conteúdo inverídico no período da campanha eleitoral, criminalizando a violência política contra a mulher e assegurando a participação feminina em debates eleitorais, proporcionalmente ao número de candidatas nas eleições.

A iniciativa foi muito boa, mas, como brasileira que conhece o Brasil, creio que devemos ficar atentos ao fiel cumprimento da lei e à garantia de que os direitos e deveres nela previstos serão observados.

O artigo 3.º da lei em tela define “violência política contra a mulher” como sendo toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir seus direitos políticos. Da mesma forma, estão proibidas a divulgação de fatos ou atos que depreciem a condição de sexo feminino e as ofensas em relação à sua cor, raça ou etnia, bem como distribuir ou divulgar vídeos inverídicos ou assediar sexualmente as candidatas.

As penas impostas pela nova lei vão de 1 ano a 4 anos de reclusão e multa, mas elas podem ser majoradas em um terço se o crime é cometido contra gestante, idosa ou pessoa com deficiência.

Em resumo, a nova lei proíbe o menosprezo ou a discriminação à condição de mulher.

Diante do que está escrito no papel, torna-se imperioso lutar para que as determinações contidas na nova lei se transformem rapidamente em realidade. Estamos em pleno período eleitoral e as agressões se multiplicam rapidamente. Surgem grandes quantidades de informações falsas, acusações sem fundamento e até ataques à sexualidade feminina pela concorrência masculina. As mulheres sofrem desrespeito quando são jovens e quando são idosas; quando são feias e quando são lindas; quando são espertas e quando são tímidas; quando são inteligentes e quando são despreparadas. No entanto, é fácil de perceber que, se o Brasil fosse governado por mulheres, nós estaríamos muito melhores. Não que os homens todos mereçam nossa desconfiança – longe disso –, mas renovar os cargos de comando elegendo pessoas que se preocupam verdadeiramente com o bem comum seria uma experiência merecedora de aplausos.

Se queremos um Brasil pacificado, nada pode ser resolvido a tapa ou a bala. As agressões que vêm se repetindo entre partidários de tais ou quais grupos políticos são demonstrações vergonhosas de desrespeito aos direitos da cidadania, evidenciando a selvageria à qual se submete nossa sociedade. Além disso, pouco importa saber o quanto determinado candidato é potente ou viril, isso não pode interferir nas qualidades exigidas de um postulante a presidente da República. Da mesma forma, é impossível manter o respeito ao pleito eleitoral se a comunidade, dividida em grupos belicosos, continuar agredindo, insultando e até matando adversários.

Cabe ao povo brasileiro fazer uma revisão de costumes. Além de respeitar religiosamente os direitos humanos de todas e todos, será preciso buscar a convivência harmônica e pacífica mesmo diante daqueles que pensam diferente, sem jamais radicalizar nas ideias tentando impor um conceito próprio a terceiros, muito menos na base da agressão.

Tudo isso pode parecer óbvio, mas não é. Basta prestar atenção na forma como as mulheres são tratadas para entender que não existe respeito humano no Brasil. Como suportamos tanto ódio? A misoginia torna-se mais evidente quando se trata de mulher com pretensão a cargo público ou outra posição de poder, como concurso público de alto escalão e presidência de grandes empresas ou bancos. Evidentemente, nada disso é justificável.

A Lei n.º 14.192, de 4/8/2021, que pretende evitar a violência política contra a mulher, nem precisaria ter sido escrita, se nossa população tivesse noções mínimas de direitos humanos e de respeito ao próximo.

*ADVOGADA, É PROCURADORA DE JUSTIÇA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE SP APOSENTADA. Fonte: https://opiniao.estadao.com.br