Símbolos e fatos eleitorais

Para ganhar eleição, é preciso que o discurso aponte para a mesma direção que o símbolo adotado

 

ASCÂNIO SELEME

Geraldo Alckmin pode não agregar muitos votos, mas certamente transfere confiança a uma chapa liderada por Lula. Seu papel significa muito mais uma direção, uma declaração de princípios do PT e de seu candidato a presidente. Serve como símbolo em favor da estabilidade, do entendimento e, sobretudo, da democracia. Do outro lado, a presença do general Braga Netto na parceria com o presidente Jair Bolsonaro também é um símbolo, mas de sinal trocado. Sua presença na cédula eleitoral é a garantia de recrudescimento no caso da renovação do mandato de um governo já truculento.

Claro que símbolos apenas não ganham eleição. Alckmin pode virar apenas um vice decorativo, como Hamilton Mourão, sob Bolsonaro, ou Michel Temer, com Dilma Rousseff. Pode também ser um novo José Alencar, o vice de Lula que tinha voz e cargo no governo, sendo ministro da Defesa por quase dois anos. Mas, para ganhar eleição, é preciso também que o discurso aponte para a mesma direção que o símbolo adotado. No caso de Lula, que certamente já tem e não perderá os votos do eleitorado de esquerda, é preciso falar também a linguagem de Alckmin, que não é de direita, mas de centro. Tarefa que tem sido difícil para o candidato do PT, que enfrenta resistências dentro do seu partido.

Bolsonaro também não tem conseguido mexer no seu perfil autocrático, embora não faltem recomendações neste sentido. Fora a questão das vacinas contra a Covid, sobre as quais se calou, todas as suas declarações, gestos e ações mostram o mesmo capitão que falhou na sua primeira tentativa de dar um golpe nas instituições, mas que segue torpedeando-as praticamente todos os dias. Ele claramente não trai o símbolo que Braga Netto representaria na sua candidatura.

O eleitor, por sua vez, não pode ignorar esses sinais, que são claros e, em alguns casos, explícitos. Mas, a julgar pela última pesquisa Datafolha, vem crescendo a parcela dos brasileiros que não apenas aceita um governo autoritário como quer sua permanência por mais quatro anos. Ou isso, ou a ignorância e a alienação. Claro que há um contingente importante de eleitores declaradamente de extrema direita, que prega mesmo a intervenção militar e o fechamento do Supremo e do Congresso. Para estes, em última análise, Bolsonaro é apenas um instrumento. O que eles querem é a ditadura. Por quê? Não sei.

Mas há também entre os 26% de eleitores que apoiam o presidente um número relevante de pessoas desinformadas ou simplesmente desligadas. Entre estes, há os que não têm tempo e dinheiro para comprar crédito suficiente para usar seu celular como instrumento de informação. Apenas engolem o que chega nas suas timelines e se convencem com pacotes de bondades. Há os alienados de sempre, aquela turma do andar de cima (desculpe, Elio) que tem esta doença quase juvenil que prolifera há décadas no Brasil. Para estes, a coisa não lhes diz respeito. E há os conservadores que têm medo de mudança e de tudo que lhes pareça vanguardismo (que não é o caso de Lula e do PT) e sempre se aglomeram à direita.

A eleição, que neste momento indica a vitória de Lula no segundo turno, ainda vai sofrer diversos solavancos nos sete meses que nos separam da abertura das urnas. O crescimento de Bolsonaro evidenciado pelo Datafolha não chega a ser uma novidade e haverá outros muitos movimentos até outubro. Ontem, outra pesquisa, do Ipespe para a XP, mostrou queda de dois pontos de Bolsonaro em relação à enquete anterior do mesmo instituto. São assim as pesquisas, elas refletem fatos. O Datafolha identificou sua subida, em razão das “bondades”, e o Ipespe seu recuo, por causa da inflação.

Obviamente, além dos símbolos, as eleições dependem também dos fatos. Vejam o exemplo de 2018. Embora preso em Curitiba e com direitos políticos cassados, Lula ficou na sondagem do Datafolha até agosto, quando seu nome foi substituído pelo de Fernando Haddad. Em abril daquele ano, Lula tinha 31 pontos, contra 15 de Bolsonaro. No início de agosto, a diferença era de 39 contra 19. Na primeira medição com Haddad, no dia 21 de agosto, Bolsonaro apareceu na frente, com 24, contra 9 pontos do petista. Depois da facada, em setembro, ele disparou e fechou o primeiro turno com 46% dos votos contra 29% de Haddad. Fonte: https://oglobo.globo.com