Por Carlos Alberto Sardenberg

Chamou a atenção o forte aplauso da plateia quando o presidente Bolsonaro disse que o “tal de Queiroga” estava preparando um parecer para dispensar o uso da máscara para vacinados e pessoas que já tiveram a Covid-19.

O aplauso denunciou o que o presidente e sua turma pensam da máscara: um símbolo de fraqueza, frouxidão e oposição a seu governo. Por pouco, Bolsonaro não atirou no chão a máscara que não usava.

Radicalizou de novo. Ciência deixada de lado — o que não é novidade —, a situação se encaminha para um conflito social e nas ruas: bolsonaristas não usam máscara; quem usar, pois, é inimigo.

Exagero?

Seguramente não. O presidente ostensivamente aglomera sem máscara. E reclama quando encontra algum seguidor com a máscara.

Comete crime duas vezes. Primeiro, porque ele mesmo pode infectar os que estão por perto. Já se sabe que as pessoas podem pegar a doença mais de uma vez. O fato de Bolsonaro já ter adoecido não o torna imune. E, segundo, porque incita as pessoas a saírem por aí infectando outras. Também se sabe que vacinados podem pegar formas leves da Covid-19, tornando-se, nesse momento, fonte de transmissão do vírus.

Também nesta semana ficamos sabendo de outra grave irregularidade cometida pelo presidente. Documentos obtidos pela CPI mostram que Bolsonaro telefonou ao premiê da Índia, Narendra Modi, para solicitar a liberação de cargas de insumos de cloroquina para duas empresas, EMS e Apsen.

Não sei se é crime, os juristas dirão, mas o presidente não pode usar de seu cargo para atender a interesses particulares de empresas. Tem mais: o presidente de uma das empresas, Renato Spallicci, da Apsen, é seguidor de Bolsonaro desde antes de 2018.

Tudo errado. Inclusive a primeira declaração da Apsen, feita na quinta-feira, quando a história foi divulgada na CPI. Em nota, a empresa jurou que não tinha nada a ver com o presidente, que atuava no mercado e coisa e tal.

Já contei aqui aquele ensinamento da psicanálise. Quando alguém, sem ser questionado, nega veementemente ter feito algo, pode cravar: é falso.

Mais ainda: o presidente está em campanha direto. Aliás, parece que não gosta muito de trabalhar, não parece? Viaja toda hora. Está inaugurando até bica d’água, como se diz na velha política.

Verdade que às vezes dá azar: sem ter nada a fazer ali, resolveu entrar num avião da Azul que estava estacionado no aeroporto de Vitória. Pretendia apenas cumprimentar os passageiros. Tomou vaia.

A questão é: quem vai colocar o guizo no gato?

Como o presidente aparelhou órgãos policiais e de investigação — estão sendo processados os investigadores —, sobra a CPI. E esta vai bem.

Na semana que se encerra, a comissão passou dos depoimentos midiáticos — mas com alguns bem reveladores — para a fase de análise dos documentos sigilosos, já devidamente vazados.

Também determinou a quebra do sigilo telefônico e telemático de diversas autoridades, membros e ex-membros do governo Bolsonaro. Por essa via, se verá como foram tomadas as decisões de atrasar a compra das vacinas, de inventar o tratamento precoce, de tentar a imunidade de rebanho. Terá sido um programa organizado?

É muito provável que, nessas quebras de sigilo, apareçam diálogos com o presidente. E se ele, em público, fala o que fala, imaginem em privado. Lembram-se daquela reunião ministerial que era para ficar em segredo?

Tudo considerado, parece que já temos crimes bem definidos. O que falta à CPI, seu próximo trabalho, é ouvir os juristas para saber como tipificar os delitos. Isso vai para o relatório final, daí para as autoridades que podem agir, legalmente, bem entendido, contra o presidente.

O clima político vai esquentar. A recuperação desigual da economia pode amortecer alguma coisa, mas não tudo isso que vai aparecendo. Fonte: https://blogs.oglobo.globo.com