Integrantes do grupo acreditam que presidente cumpriu promessas e lhes deu voz e poder; descontentamento com estilo agressivo do republicano, no entanto, começa a aparecer

 

Paola de Orte, especial para O Globo

GREENSBORO, EUA — “Deus abençoe o presidente Trump”, diz um outdoor na I-95, a estrada interestadual que percorre a Costa Leste dos Estados Unidos, quando ela atravessa a Carolina do Norte. Mensagens religiosas de apoio ao presidente são comuns no Cinturão da Bíblia, que abarca o Sul dos EUA, do Texas ao Alabama e às Carolinas do Sul e do Norte. Nesse arco, o protestantismo evangélico conservador desempenha papel mais forte na sociedade do que em outras regiões, e esse papel transborda para a política.

Para a maioria dos eleitores protestantes da região e de outras mais conservadoras no Meio-Oeste do país, os quatro anos de governo Trump significaram um período de promessas cumpridas e reconhecimento do poder de uma voz até então negligenciada e mesmo menosprezada por Hollywood e pela mídia.

— Jesus deu uma parábola que é perfeita para as eleições — disse ao GLOBO o pastor Jim Muld na última quarta-feira, logo antes do início do culto na igreja A Casa da Adoração de Greensboro, usando a assistente de voz para abrir a “parábola dos dois filhos” no celular. — Um homem tinha dois filhos e pediu para irem trabalhar. O primeiro disse “sim, vou”, mas não foi. O outro disse “não vou”, mas depois pensou melhor e foi. Jesus perguntou: quem era o mais justo?

Aliança paradoxal

A relação entre Trump e os evangélicos pode parecer paradoxal à primeira vista. O magnata apresentador de TV chegou a defender que mulheres pudessem decidir sobre o aborto, está no terceiro casamento e adota estilo pouco conservador nas palavras e nas atitudes. Em 2015, se colocou como o candidato dos cristãos e disse frequentar uma igreja em Manhattan que negou que ele fosse um fiel assíduo.

Apesar da aparente contradição, o apoio se explica por uma razão: o grupo entende que Trump faz, enquanto outros apenas prometiam, como na parábola lida pelo pastor.

Entre as promessas de Trump em 2016 estavam a mudança da embaixada americana em Israel para Jerusalém e a indicação de juízes conservadores para a Justiça federal e para a Suprema Corte — que poderiam, no futuro, reverter a decisão que abriu caminho para o aborto legal em todos os estados americanos. Ambas foram cumpridas.

— Ele ama os EUA e o povo de Deus — diz a dona de casa Sarah Bazen, que usava uma camiseta com os dizeres “Jesus é meu salvador, Trump é meu presidente” no comício de Trump em Greenville, Carolina do Norte, na última quinta.

Frequentadora de uma igreja batista, Sarah percorreu 250 quilômetros de sua casa em Asheboro para assistir ao comício com a família e amigos.

— Este presidente nos deu uma voz — diz a dona de casa de 31 anos Charity Younts, que também integrava o grupo de Asheboro. — Ele deu aos cristãos uma voz, a pessoas que são pró-vida uma voz, a pessoas que são pró-Israel uma voz, e, pela primeira vez em muitos, muitos anos, provavelmente desde Ronald Reagan, nós sentimos que temos alguém que nos apoia.

O sentimento que Charity descreve é similar ao de outros evangélicos da base do presidente. Ela conta que, antes de Trump, sentia que sua crença não importava e que os cristãos eram “cidadãos de segunda classe”.

— Parecia que todos tinham voz: muçulmanos, outras religiões. O que é bom, é a beleza dos EUA. Eles devem ter como ter uma voz, mas a nossa voz foi silenciada na tentativa de proteger outras religiões.

Evangélicos brancos são a base mais fiel de Trump desde o início do seu mandato: 78% dizem que vão votar no presidente, segundo pesquisa do Centro de Pesquisas Pew desta semana. Entre protestantes negros, o número se inverte: 90% votarão em Biden. Protestantes não evangélicos e católicos brancos também apoiam o presidente, mas com margem de diferença bem menor: pouco mais da metade prefere Trump a Biden. Se católicos latinos forem somados, Biden ganha por pouco.

— A base evangélica se importa com dois temas: aborto e temas relacionados à comunidade LGBT+. Eles querem muito reverter Roe x Wade e mudar a Suprema Corte — diz David Schultz, professor de Ciências Políticas da Universidade Hamline, em referência à decisão de 1973 que permitiu o aborto em todos os estados. — Eles gostam mais de Trump do que de George Bush e até Reagan, porque, na visão deles, ele está entregando resultados nos temas importantes. Eles não se importam com seu estilo de vida pessoal.

Além dos jantares para líderes religiosos na Casa Branca, Trump também se empenhou em demonstrar o prestígio do grupo de outras formas. Em sua disputa com a mídia, deu preferência aos meios de comunicação cristãos: no primeiro ano de governo, deu mais entrevistas à Christian Broadcasting Network, do televangelista Pat Robertson, do que aos grandes canais de televisão CNN, ABC e CBS.

A Carolina do Norte está entre os dez estados mais religiosos dos EUA, com 66% dos habitantes rezando diariamente, segundo o Pew. O estado é terra natal de Billy Graham (1918-2018), o “pastor dos presidentes”, que teve audiências com ocupantes da Casa Branca de Harry Truman a Barack Obama.

No final do ano passado, o editor-chefe da revista Christianity Today, ligada ao legado de Graham, publicou um editorial em defesa do impeachment de Trump. Apesar da grande repercussão, o texto acabou resultando na saída do editor, Mark Galli. Ficou evidente que o apoio da comunidade evangélica ao presidente continuava forte.

Em busca de caráter

Forte, mas não igual ao de quatro anos atrás. A pesquisa do Centro Pew desta semana mostrou que a aprovação dos evangélicos brancos a Trump escorregou: de 76% para 72% ao longo da Presidência. Entre brancos protestantes não evangélicos, caiu de 60% para 53%, e entre os outros grupos religiosos está abaixo dos 50%.

— Cresci na igreja, e na época era significativo dizer que você ia à igreja: as pessoas pensavam que podiam confiar em você — diz o caminhoneiro Joe Coltrane, de 48 anos, que participou do culto liderado pelo pastor Jim em Greensboro (o estado permite cultos durante a pandemia).

Coltrane é forte opositor do aborto legalizado —“eu amo ela!”, diz sobre a indicada por Trump para a Suprema Corte, Amy Barrett — e confirma o sentimento de que Hollywood teria traído os cristãos, tratando-os como bobos ou loucos em filmes e séries.

— Eu tinha um adesivo no meu carro que dizia “eu amo minha igreja”, e um cara ateu do meu trabalho me atacava constantemente, mesmo eu tendo sido sempre gentil.

Apesar de ter votado em Trump há quatro anos, Coltrane não o apoia incondicionalmente. A igreja evangélica que frequenta está passando por mudanças: apesar de quase todos os 50 fiéis que acompanharam o culto da quarta estarem sem máscaras e muitos terem confirmado que votaram em Trump em 2016, alguns demonstram preocupação com seu caráter, sua maneira de comprar brigas públicas e políticas mais agressivas contra os direitos humanos, como a separação de crianças de suas famílias na fronteira. Chegam a cogitar se um novo voto de confiança valerá a pena.

— Eu procuro caráter. Eu gostaria de ter uma pessoa com caráter, como Obama. Foi maravilhoso ter um homem afro-americano lá em cima para quem as crianças afro-americanas podiam olhar e dizer “nós somos ótimos, somos boas pessoas, Deus nos fez e podemos ser grandes também”. Isso significou muito para mim, não o fato de ele ser um democrata — diz Joe, que é registrado como republicano, votou em Obama em 2008 e está em dúvida sobre o que fará neste ano. — Eu sou caminhoneiro, tenho que gastar um dia de férias para votar. E realmente estou indeciso. Fonte: https://oglobo.globo.com