Beato Frei Tito Brandsma, Carmelita.
É de suma importância, tanto na vida espiritual como na vida comum de cada dia, termos um modelo em que inspirar-nos, um exemplo que possamos imitar. A espiritualidade Carmelita possui tal modelo.
A Ordem do Carmo recebe o seu nome do monte sagrado em que teve origem. Na Terra Santa, onde cada montanha possui as suas grandes tradições e memórias, o Monte Carmelo pode gabar-se de algumas das mais santas e veneráveis. O Carmo ou o Carmelo é um nome afamado e conhecido, em todo o mundo cristão. A sua formosura natural rivaliza com a beleza das recordações que evoca. O seu perfil harmonioso eleva-se das águas do mediterrâneo, e do seu cume avista-se a ampla planície de Esdrelon a estender-se até ao longínquo horizonte, onde a alma contemplativa se debruça amorosamente sobre o mistério de Nazaré.
O Carmelo é o sítio natural dos contemplativos. Não admira que nas suas vertentes se erga o Mosteiro do Carmo, o berço da Ordem. Sobranceiro ao redemoinho da vida e ao mar tempestuoso do mundo, a sua solidão está fora do alcance da inconstância da vida febricitante. Envolve-o a paz de Deus. Gostamos de identificar esta paz com o Carmelo, mas há outras recordações mais excitantes e mais turbulentas. A memória da tremenda luta espiritual de Elias contínua estreitamente vinculada ao monte santo. Foi aqui que o Profeta reuniu todo o povo de Israel para dirigir-lhe o seu mordaz desafio: "Até quando claudicareis com os dois pés? Se o Senhor é Deus, segui-O!" No Carmelo, Israel ouviu o seu repto na tocha flamejante de suas palavras de fogo. Elias, porém, foi mais do que o Profeta da espada, foi também aqui neste monte o primeiro da longa estirpe dos que adoram a Deus em espírito e em verdade. Reuniu à sua volta discípulos que dele aprenderam os profundos segredos da oração e da união com Deus. O seu duplo espírito passou para Eliseu, e deste para a escola dos Profetas, e pelos séculos afora a vida de Elias encontrou continuadores e renovadores nos ermitões que se deixaram inspirar por este seu grande modelo.
Quando a Europa foi sacudida pelo grito de guerra dos Cruzados: "Deus o quer!", e estes partiram para reconquistar os lugares santos, um dos primeiros pontos a ser ocupado foi o Monte Carmelo. Lá se encontraram as ruínas dos antigos santuários. Dizem que alguns ficaram na montanha para aí restaurar a vida antanho. Pela narrativa do monge grego João Focas (1177) sabemos que um dos Cruzados, São Bertoldo, foi exortado pelo Santo Profeta Elias a congregar os que no Monte Carmelo praticavam a vida eremítica, unindo-os numa comunidade religiosa. Isto talvez tenha acontecido em 1155. O Profeta, portanto, está no limiar da Ordem. Para prová-lo, apoiamo-nos não tanto em investigações históricas, mas sim nas marcas profundas que a sua memória e a sua vida deixaram na vida da Ordem. Elias foi sempre o grande modelo da Ordem. De fato, a sua influência tem sido tão constante que São Jerônimo o chama "pai de todos os eremitas e monges". Na sua carta a Paulino (Ep. 58 Ed. Migne, P. L. t. 22. pág. 583), refere-se a Elias, Noster princeps Elias, nostri duces filli Prophetarum (Elias, o nosso chefe: os filhos dos profetas, os nossos guias). Do mesmo modo, Cassiano, que nas sua Conferências, o aponta como o grande exemplo de todos os monges. O testemunho de Focas, já citado, confirma-se pelo de Tiago de Vittry, então Bispo de São João de Acre, que conhecia bem os eremitas. Escreveu-o em 1221, afirmando que muitos Cruzados permaneceram por devoção na Terra Santa, consagrando-se a Deus nos lugares santificados pela vida de Jesus Cristo. Alguns deles, continua o mesmo escritor, seguindo o exemplo de Elias, viviam nas grutas do Monte Carmelo ao pé da fonte do Profeta e do santuário de Santa Margarida. Não é providencial que os primeiros monges da Ordem do Carmo, como que para simbolizar a imitação de Elias, tenham bebido a água da fonte que dele recebeu o nome?
Podemos mencionar também um velho manuscrito, "Institutio primorum Monachorum" (Vida dos primeiros Monges), que contém as mais antigas tradições da Ordem. Provavelmente foi composto no fim do século XIII ou no inicio do século XIV, depois da dispersão dos monges no Ocidente, mas em tempos passados era considerado de origem muito mais remota. Repositório de tradições consideravelmente mais antigas do que o próprio manuscrito, quer servir de guia seguro e permanente aos monges. Neste livro lemos que a direção dada a Elias pelo Espírito Santo e as promessas feitas aos Profetas hão-de ser os elementos normativos dos eremitas do Carmelo. A vida monástica deve seguir as linhas traçadas pela vida e experiência de Elias e refletir o seu duplo espírito, a saber, o apostolado e a prática da virtude na atividade individual ou social. Este duplo espirito tem uma tríplice significação.