Frei John Welch, O. Carm. Whitefriars Hall, Washington

A metáfora da noite escura de João da Cruz nos lembra que a experiência de amor de Deus, não é sempre uma experiência pronta da união de toda criação. Na noite escura o amor de Deus se aproxima de uma maneira que parece negar-nos, parece que Deus está contra nós. Mas João afirma  que nada no amor é escuro ou destrutivo, mas por causa da nossa necessidade de purificação,  é que experimentamos o amor como escuro.

João nos dá uma descrição convincente sobre os momentos  da vida em que se desvanecem as consolações e orar é impossível. O desejo está ainda presente, mas se esgotou no esforço  para  libertar-se dos ídolos.  O teólogo Karl Rahner comentou que todas as sinfonias da vida permanecem sem conclusão.  Em cada relação, em cada posse sempre haverá um  momento em que surgirá a sensação de carência .  Esta frustração do desejo e a atração por algo  mais além, é a inquietude que causa o contínuo convite de Deus para uma união mais profunda.

Quando os deuses morrem durante a noite, se eclipsa a personalidade. Carl Jung, o psicólogo, disse que não podia distinguir os símbolos dos deuses que representam o ser humano. Quando uma pessoa perde seu Deus-símbolo a personalidade começa a desintegrar-se. Esta afeição obscura permanece até que emerja um novo símbolo-Deus antigo.

O conselho que dá João da Cruz durante esta crise na vida é de muita ajuda.  Ele nos dá certeza  de que o amor de Deus está em algum lugar presente no meio dos restos da vida, mas que inicialmente não será experimentado como amor. João aconselha paciência, confiança e perseverança. Esta atividade amorosa de Deus nos liberta dos ídolos e restabelece a saúde de nossas almas. Os “deuses” morrem na noite e a alma necessita passar por um processo de sofrimento. O caminho incorreto seria solucionar ou curar esta condição  artificialmente, ou nega-la totalmente. João aconselha a enfrentar a condição, entrar nela com paciência, e ali onde o coração estiver lutando com mais força, ficar atentos à chegada do amor. João nos convida a uma “atenção amorosa” na escuridão; é tempo de ser um guardião na noite.  A contemplação é uma abertura ao amor transformante de Deus, especialmente quando Ele aparece disfarçado .

A intensa experiência que João chama a noite do espírito é simultaneamente uma forte experiência de nosso pecado, da finitude de nossa condição humana, e a sempre emergente transcendência de Deus. Enquanto se está nesta condição as palavras carecem de significado.  João escreve que é tempo de “moer o pó”. Tudo o que cada um pode fazer é realizar o próximo ato de amor que se apresente. No deserto o peregrino continua sua viagem existencial, apoiado numa verdadeira fé bíblica.  João está convencido de que somente no contexto desta fé purificada é pode acontecer a relação com Deus. Como aconteceu com Teresa de Lisieux que seu pensamento sobre o céu se desvaneceu, ao peregrino que já não possui o objeto de sua esperança, recorda que a esperança é aquilo que ainda não se possui.

Os escritos de João não se limitam ao sofrimento.  Sua poesia e seus comentários, foram escritos a partir do outro lado das lutas. A noite se converteu numa experiência iluminadora e num guia mais seguro que o dia.  A chama que uma vez doeu agora é cauterizada  e curada . E a ausência que o levou `a procura do Amado se revela como uma Presença compassiva  escondida  no seu desejo.