Maria Valabek. O. Carm

           A alma da Observância, um místico que foi chamado do João da Cruz francês, é o irmão leigo cego João de São Sansão (1571-1636). Espelhando os místicos Renanos como Ruysbroek e Herp, João alcançou o mais alta da união transformante; em contraste com seu confrade João da Cruz, ele tentou descrever esta mais alta, experiência pessoal da oração Cristã. Incansavelmente, ele ensinou que todos são chamados à vida mística, isto é, experienciar de algum modo mesmo aqui na terra o próprio Deus e sua real/atual presença. Para os Carmelitas, saborear a presença de Deus mesmo aqui na terra é mais importante que qualquer outra tarefa ou trabalho: “O ponto mais importante... é vacare Deo continuamente.”[1] Ou mais precisamente: “Em completa pureza de espírito e corpo, em uma viva, atual e constante presença de Deus... nisto consiste a base do espírito da nossa Ordem.”[2]Ele insiste na oração contemplativa para os jovens estudantes, com a idéia que se eles fossem enraizados nela, mais tarde, quando lhes fossem dadas responsabilidades pastorais, eles estariam habituados a viver pela essência de sua vida no Carmelo. Tão frequentemente se vive em um nível externo mesmo em seu próprio cuidado/own regard; sua luta espiritual deve ser de uma constante interiorização.[3] Ele resolutamente insiste que esta vida mística  não é acima de tudo trabalho nosso, mas pelo contrário a constante iniciativa de Deus. No entanto, Deus tem dado à nossa natureza uma suscetibilidade para esta vida de intimidade com Ele. O espírito de João é evidente nas Constituições da Reforma Turonense.

            “É necessário que um tempo conveniente e lugar sejam dados aos neo-professos, assim que eles possam estar mais profundamente imbuídos com o espírito do nosso Instituto, e implantar virtudes em suas mentes, e transferir todos os seus afetos em Deus, para que em tempo {so thet in time} eles possam avançar em conversações interiores com Deus e na doce presença de Deus, que fora de dúvida constitui e faz o verdadeiro Carmelita.[4]

            Indubitavelmente, a vida interior de oração de cada carmelita seguirá as potencialidades de sua personalidade, de seus dons naturais e sobrenaturais. O que é importante em todas as formas de oração é o afeto de suas potências internas a Ele com quem um diálogo se instala. Mesmo no Ofício Divino o que é importante é estar inflamado com o amor divino.[5] Na meditação, também, há a necessidade de “escutar mais que falar, não trabalhar demais com o intelecto, mas também não ficar negligente ou relaxado/preguiçoso.”[6] Deveria haver tanta reflexão quanto fosse necessária para surgir afetos e amor pelo Senhor.

            A forma de oração preferida pelo irmão leigo cego era a aspirativa. Esta não é o que comumente é chamada de oração jaculatória. Ele mesmo dá a exata descrição:

            “ Uma aspiração não é meramente qualquer tipo de diálogo afetivo, mesmo que em si este último seja um bom exercício, e dele nasça e proceda a aspiração. Ela é uma amorosa e inflamada confiança (élancement)  do coração e do espírito, pelo qual a alma supera-se a si mesma e todas as coisas criadas e une a si mesmo com Deus na vividez/vivacidade de sua amorosa expressão. Esta expressão supera todo sensível, racional, intelectual, ou compreensível amor. Pela impetuosidade do Espírito de Deus e seu próprio esforço, ela alcança  a divina união, não em sua completa essência, mas por uma espécie de transformação pelo Espírito de Deus.”[7]

            Esta confiança interior para a comunhão com o Senhor no amor pressupõe uma vida de constante purificação dos amores nocivos/doentios puramente humanos, e isto inclui todos os meios normais para preservar um coração puro, como o silêncio e a solidão. É inútil forçar este tipo de oração; é Deus mesmo que enche-nos com o seu Espírito. A plenitude do dom do Espírito faz-nos ansiar/esperar/desejar por sua presença ainda mais. Não é uma questão de sentimentos ou desejos, mas uma direta comunhão com Deus. Quatro passos podem ser distinguidos nesta oração. 1) Tudo de si mesmo e tudo da criação é sacrificado por causa do Senhor que é o centro da atenção; 2) A Deus se suplica que ele nos envie seus maravilhosos dons; 3) todos os passos imagináveis são dados para tornar-nos semelhantes a Deus, acolhendo Deus no modo como ele se digna dar-se a si mesmo a nós; 4)sendo unido a Deus de um modo mais elevado. Este não é um exercício fácil que é assimilado em um único dia. Há a necessidade de um esforço perseverante, combinado com uma profunda vida interior, em vista de ir além de todas as imagens e repousar somente em Deus. Nos últimos estágios, a oração aspirativa será mais simples.[8]

            Devido à extrema pobreza de imagens devido à sua cegueira, a linguagem de João é difícil às vezes; contudo, ele tenta descrever que a contemplação abarca, supera, vai além de todas as outras coisas. A um certo ponto a alma que foi deixada a si mesma uma presa para Deus, não pode resistir à supereminente bondade, verdade e beleza de Deus. Ela permite-se ser totalmente permeada e possuída por Ele. Esta experiência deixa a alma confusa, porque de suas outras experiências, tão parciais e limitadas, ela acha esta tão difícil de descrever sua comunhão com o Objeto-Tudo. O contemplativo está convencido que para conhecer Deus nesta toda envolvente experiência é “não conhecer” a Ele no sentido ordinário. Há uma frustração na tentativa de expressar a experiência contemplativa. Por esta razão, o contemplativo por um lado esta cheio de luz mas, por outro lado cheio de escuridão. Aqueles que chegam a este alto degrau de oração dizem coisas que fazem sentido somente a outros que tiveram experiências similares.

            João de São Sansão constantemente relembra aos Carmelitas por sua vez a voltarem-se para dentro de si para repararem na {se dêem conta de} sua inclinação para Deus ao nível do consciente. Ele refere-se ao  scintilla animae,  aquela centelha central da alma onde Deus habita em nosso ser, nossa vida verdadeira e razão de ser de nossa pessoa inteiramente. Tudo o mais é julgado e submetido a esta comunhão que transforma a alma e tudo que ligado à alma de acordo com a Vontade Dele que é Tudo.[9] Não é mais uma questão da aspiração, mas do ser completamente vencido e possuído desde o Alto, pela infinita Beleza e Essência de Deus. Isto não é nada mais do que o céu na terra que Deus prodigaliza seus amigos mais queridos.[10] A alma é deificada e transformada.

 [1] Oeuvres spirituelles, ed. Donatien de S, Nicolas, Rennes, 1659; II, 857

[2] Ibid., II, 850.

[3] Cfr. SUZNNE-MARIE BOUCHEREAUX, La Reforme dês Carmes en France et Jean de Saint-samson, Paris, 1950, 184-185.

[4] Regula et Constitutiones, Paris, 1636, II chap. 6, citado por  KILIAN HEALY, Methods of Prayer in the Directory of the Carmelite Reform  of Touraine, Rome, 1956, 17.

[5] Observations sur la Règle, chap. VII, 684,  cited by BOUCHEREAUX, La Réforme, 213.

[6] Exercise journalier, cited by BOUCHEREAUX, La Réforme, 215.

[7] Lê Miroir et lês flammes de l’amour divin, D. 321, cited by and commentede on by CANISIUS JANSEN, O.CARM., L’Oraison aspirative chez Jean

[8] Cfr. BRANDSMA, Beauty of Carmel, 109-110.

[9] Ibid., 111.

[10] Cfr. Lês Contemplatives IV, 405 in BOUCHEREAUX, La Reforme, 217.