OS SETE VALORES BÁSICOS DA REGRA DO CARMO CARMELITAS, PEREGRINOS DA ESPERANÇA RUMO AO MONTE CARMELO EM OBSÉQUIO DE JESUS CRISTO

Frei Carlos Mesters, O. Carm

 

 

OS SETE VALORES BÁSICOS DA REGRA DO CARMO

 

  1. A centralidade de Jesus na Regra do Carmo

 “Viver em obséquio de Jesus Cristo”

 

  1. A Lectio Divina na Regra do Carmo

O jeito próprio de se fazer Lectio Divina no Carmelo

A Regra, ela mesma, é fonte e fruto da Lectio Divina

 

3.A Oração na Regra do Carmo

O jeito de orar no Carmelo, sugerido e recomendado pela Regra:

Ritmo e Objetivo da oração:

 

  1. O trabalho na Regra do Carmo

O texto da Regra sobre o trabalho

O contexto da Regra sobre o trabalho:

 

  1. O silêncio na Regra do Carmo

As várias partes do texto da Regra sobre a prática do Silêncio

Os dois aspectos do silêncio profético recomendado pela Regra

 

  1. A fraternidade mendicante na Regra do Carmo

As características da fraternidade mendicante na Regra do Carmo:

Ser fraternidade orante e profética no meio do povo.

 

  1. A Dimensão Eliano-Mariana na Regra do Carmo

Viver em obséquio de Jesus Cristo como fraternidade orante e profética no meio do povo

Como irmãos e irmãs da Virgem Maria do Carmo

Como Eliseu irradiar o Espírito do profeta Elias

 

 

  1. Carmelitas, Peregrinos da Esperança

A Regra do Carmo escrita por Alberto para os Carmelitas

 

Os primeiros carmelitas eram peregrinos. Tinham vindo da Europa para a Terra de Jesus. Um peregrino não vive parado. Ele sabe o que quer e para onde ele vai. Ele anda e procura, porque não está satisfeito com a situação presente, e busca um objetivo para além do presente. A motivação mais profunda da peregrinação dos carmelitas é a certeza de que existe uma luz, não só no fim do túnel, mas dentro do túnel, dentro da vida, não só depois da morte.

O carmelita peregrino sente dentro de si algo que vem da raiz da vida humana: “Tu nos fizeste para Ti, e o nosso coração está irrequieto até que não descanse em Ti”. Existe luz dentro do túnel, dentro da vida. É esta esperança que anima o peregrino, anima os carmelitas. Somos peregrinos da esperança, e esta esperança não decepciona:

A luz que nos orienta nesta nossa caminhada para Deus é o texto escrito pelos primeiros carmelitas lá no Monte Carmelo, no qual descrevem a maneira como eles procuravam viver a vida em obséquio de Jesus Cristo. Eles queriam ter a aprovação da igreja para poder levar esta vida que eles estavam levando lá no Monte Carmelo. Alberto, o patriarca de Jerusalém, superior da igreja na Terra Santa, leu o texto da vida dos Carmelitas. Gostou e o aprovou; colocou nele a sua assinatura como sendo da sua autoria. Isto foi no ano 1207. No ano 1238, diante da ameaça do avanço dos muçulmanos na Terra Santa, os carmelitas foram morar na Europa. A aprovação oficial da parte da autoridade da igreja veio 40 anos depois no dia 1 de outubro de 1247 pelo Papa Inocêncio IV. A aprovação animou muito aos carmelitas e os confirmou na sua caminhada.

 

2.Os sete valores básicos da Regra do Carmo

 

  1. A centralidade de Jesus na Regra do Carmo

Os números em que a Regra fala de Jesus

Centralidade da pessoa de Jesus na Regra

“Viver em obséquio de Jesus Cristo”

 

  1. A Leitura orante da Bíblia na Regra do Carmo

A Regra recomenda nove vezes, explicitamente, a Lectio Divina

O jeito próprio de se fazer Lectio Divina no Carmelo

A Regra, ela mesma, é fonte e fruto da Lectio Divina

 

  1. A Oração na Regra do Carmo

O Ambiente de oração, sugerido e recomendado pela Regra:

O jeito próprio de orar no Carmelo, sugerido e recomendado pela Regra:

Ritmo e Objetivo da oração:

 

  1. O trabalho na Regra do Carmo

O texto da Regra sobre o trabalho

O contexto da Regra sobre o trabalho:

 

  1. O silêncio na Regra do Carmo

As várias partes do texto da Regra sobre a prática do Silêncio

Os dois aspectos do silêncio profético recomendado pela Regra

 

  1. A fraternidade mendicante na Regra do Carmo

As características da fraternidade mendicante na Regra do Carmo:

Ser fraternidade orante e profética no meio do povo.

 

  1. A Dimensão Eliano-Mariana na Regra do Carmo

Elias:  o profeta do zelo pela causa do Senhor

Maria:  a mãe de Jesus, ouve a Palavra e a coloca em prática

Eliseu:  transmite e irradia para todos a experiência do Deus de Elias

 

  1. A centralidade de Jesus na Regra do Carmo- Os números em que a Regra fala de Jesus

Jesus é uma presença constante na Regra, tão constante, que nem sequer é mencionado a cada momento. Os números em que Jesus é mencionado explicitamente são os seguintes:

Rc 2: No prólogo, a Regra define o objetivo da vida no Carmelo: “viver em obséquio de Jesus Cristo e servir a ele de coração puro e consciência serena”.

Rc 10: O caminho para chegar a esse objetivo é “meditar dia e noite na lei do Senhor”. O Senhor é Jesus. Sua lei é o evangelho a ser meditado em vigílias de oração.

Rc 14: A fonte para manter-se no caminho é a Eucaristia diária no oratório, onde se vive o Mistério da morte e ressurreição de Jesus.

Rc 16: Um meio importante para não perder o rumo é a contínua atenção à pessoa de Jesus durante o ano, desde a exaltação da Cruz até o dia da Ressurreição.

Rc 18: Um aviso é dado aos que querem seguir Jesus: terão muita perseguição; terão a cruz como parte da sua vida.

Rc 20: No conselho para ler as cartas de Paulo se diz que Jesus nos fala pela boca de São Paulo. Suas cartas ensinam como ter em nós os sentimentos de Jesus.

Rc 20: Aos que não levam a sério a vida no Carmelo, a Regra ordena e suplica, em nome de Senhor Jesus Cristo, para que trabalhando em silêncio e ganhem seu pão.

Rc 21: A Regra recomenda a prática do silêncio, pois conforme a palavra do Senhor no Evangelho, de toda palavra inútil teremos de prestar conta a Deus.

Rc 22:  Pede ao prior que procure imitar o exemplo de serviço que Jesus nos dá no Evangelho: “Quem quiser ser o primeiro deve ser o servo de todos”

Rc23:  Aconselha aos súditos de ver a Jesus na pessoa do superior: “Quem ouve a vocês é a mim que ouve”

Rc24:  Suscita em todos a esperança do retorno de Jesus quando, evocando a parábola do Samaritano, diz que o Senhor na sua volta nos pagará.

 

  1. Centralidade da pessoa de Jesus na Regra

A presença de Jesus transparece nas linhas e nas entrelinhas da Regra. No prólogo, ela apresenta Jesus como objetivo e ideal supremo da vida no Carmelo: “viver em obséquio de Jesus Cristo”. Em seguida, a Regra descreve o caminho para se chegar a realizar este objetivo e alcançar o ideal. No epílogo, Jesus aparece como aquele cuja presença se busca e cuja vinda se espera. Ao longo das páginas da Regra, do começo ao fim, Jesus aparece como aquele que chama, anima, avisa, orienta, critica, suplica, ordena, recomenda, propõe, sugere e aconselha.

 

  1. “Viver em obséquio de Jesus Cristo”

Esta expressão vem do apóstolo Paulo (2Cor 10,5). Ela tem o mesmo significado da expressão seguir Jesus.  Nos evangelhos, “Seguir Jesus” indica três coisas importantes:

  1. Imitar o exemplo do Mestre: Jesus era o modelo a ser imitado e reproduzido na vida do discípulo (Jo 13,13-15). Seguir Jesus na convivência diária permitia um confronto constante.
  2. Participar do destino do Mestre. O seguidor devia "estar com ele nas tentações" (Lc 22,28; Jo 15,20; Mt 10,24-25), estar disposto a morrer com ele (Jo 11,16). Devia servir a ele com seus bens e subir com ele até o Calvário (Mc 15,41-42).
  3. Ter a vida de Jesus dentro de si: À luz da ressurreição, acrescentou-se uma terceira dimensão: viver a vida de Jesus. "Vivo, mas não sou eu, é Cristo que vive em mim" (Gl 2,20). Identificar-se com Jesus ressuscitado. É a dimensão mística da vivência cristã, fruto da ação do Espírito.

 

2.A Lectio Divina

na Regra do Carmo

Apesar de curta, a Regra repete nove vezes que devemos meditar a Palavra de Deus. Nestas recomendações transparece o jeito próprio de se fazer a Lectio Divina no Carmelo. A Regra, ela mesma, é fruto da meditação constante da Palavra de Deus:

  1. A Regra recomenda nove vezes, explicitamente, a Lectio Divina
  2. Rc 7 Ouvir a Sagrada Escritura durante as refeições
  3. Rc 10 Meditar dia e noite a Lei do Senhor
  4. Rc 11 Rezar as horas canônicas (que são feitas de Salmos e leituras bíblicas)
  5. Rc 14 Participar diariamente da Eucaristia (toda feita de textos bíblicos)
  6. Rc 19 Ter pensamentos santos (que são fruto da Leitura do Livro Santo)
  7. Rc 19 A Palavra, a espada do Espírito, deve habitar na boca e no coração
  8. Rc 19 Agir sempre de acordo com a Palavra de Deus
  9. Rc 20 Ler com freqüência as cartas de Paulo
  10. Rc 22 Ter diante de si o exemplo de Jesus como aparece nos evangelhos
  11. O jeito próprio de se fazer Lectio Divina no Carmelo

A porta que a Regra abre para a Palavra de Deus entrar na nossa vida

*  Pela leitura pessoal: meditação na cela (Rc 10); a Palavra na boca e no coração (Rc 19), ter pensamentos santos (Rc 19); agir em tudo conforme a Palavra de Deus (Rc 19).

*  Pela leitura comunitária: ouvir juntos a Palavra no refeitório (Rc 7); na capela, duran­te a Eucaristia (Rc 14); no Ofício Divino (Rc 11).

O método dos quatro degraus da Lectio Divina

*  Lectio: A Palavra é lida no refeitório (Rc 7), Eucaristia (Rc 14), Ofício Divino (Rc 11);, na cela (Rc 10).

*  Meditatio: A Palavra, lida e ouvida, é meditada dia e noite, na cela (Rc 10), desce da boca para o coração (Rc 19) e produz pensamentos santos (Rc 19).

*  Oratio: A Palavra, lida, ouvida e meditada, é envolvida pela oração no Ofício Divino (Rc 11), na Eucaristia (Rc 14), na Cela, onde o carmelita vigia em orações (Rc 10).

*  Contemplatio: A Palavra comunica a visão de Deus, invadindo o pensamento, a boca e o coração (Rc 19) e, assim, tudo é feito na Palavra do Senhor (Rc 19).

A Regra recomenda uma leitura fiel à Tradição

*  A Lectio Divina é uma atitude de vida que vem da tradição renovadora dos mendican­tes, cujo quadro de referências era o modelo da comunidade dos Atos dos Apóstolos. Este mesmo modelo está na base da parte central da Regra (Rc 10 a 15)

*  A Regra sistematiza o ensinamento dos Santos Padres (Rc 2) e pede que a leitura se faça de acordo com os costumes da Igreja (Rc 11) e da tradição litúrgica (Rc 11).

  1. A Regra, ela mesma, é fonte e fruto da Lectio Divina

A Regra do Carmo não só recomenda a Lectio, mas também a pratica. Ela exprime o seu próprio pensamento com frases tiradas da Bíblia. É difícil saber exatamente quantas vezes a Regra usa a Bíblia para descrever a Norma de Vida dos primeiros Carmelitas. Alguns acham que é mais de cem vezes! Ela usa a Bíblia sem citar, cita sem verificar, junta e separa as frases da Bíblia como e quando quer, muda e adapta conforme lhe parece útil, como se fosse a sua própria palavra. Esta maneira de usar a Bíblia é fruto de longa e assídua leitura, marcada pela familiaridade, pela liberdade e pela fidelidade. Os primeiros carmelitas, conheciam a Bíblia de memória e a assimilaram em suas vidas a ponto de já não distinguirem mais entre as suas próprias palavras e as palavras da Bíblia.

 

  1. A Oração na Regra do Carmo
  2. O Ambiente de oração, sugerido e recomendado pela Regra:

*Na descrição da infraestrutura (Rc 4-9): o lugar de moradia deve ser deserto ou apto para a vida no Carmelo (Rc 5); a preocupação com a cela individual para cada frade garante o diálogo com Deus (Rc 6); a leitura da Bíblia durante as refeições ajuda a manter-se na presença de Deus  (Rc 7).

*Na descrição do ideal (Rc 10-15): permanecer sempre na cela, a não ser que por algum motivo legítimo deva ausentar-se (Rc 10); o oratório no meio das celas obriga a sair de si mesma, todos os dias, cada vez de novo Rc (14); a correção fraterna semanal ajuda a manter vivo o ideal da presença de Deus (Rc 15).

*Na descrição dos meios (Rc 16-21): a prática do jejum, desde a exaltação da Cruz até à Páscoa, nos confronta com a pessoa de Jesus e orienta a seqüência do tempo para a oração (Rc 16); a abstinência de carne e de tantas outras “carnes” ajuda a aprofundar o “VacareDeo” (Rc 17); o uso das armas espirituais ajuda a manter vivas a fé, a esperança e o amor (Rc 19); o trabalho ocupa a mente e impede a distração (20); a prática do silêncio cria ambiente para escutar a Deus (21).

  1. O jeito próprio de orar no Carmelo, sugerido e recomendado pela Regra:

*Oração pessoal: dia e noite, meditando na lei do Senhor e vigiando em orações (Rc 10). É como sístole e diástole. Imita a vida dos apóstolos: “dedicar-se inteiramente à oração e à palavra” (At 6,4). A Regra não pede “orações”, mas pede que sejamos “oração”. Alguém pode até rezar muitas orações e não ser pessoa orante.

*Oração comunitária: o ofício divino e a reza do Pai-Nosso, diariamente. Deve ser oração e não desobriga de consciência. A Regra insiste na reza dos Salmos que são o lado orante da história do Povo de Deus. O Pai nosso é o salmo de Jesus e o resumo orante de tudo que Jesus ensinou.

*Eucaristia diária: para que a vida de Jesus entre em nós e que possamos chegar a dizer: “Vivo, mas não sou eu; é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20). Promove a identificação com Jesus. A fração do pão era um elemento básico da vida dos primeiros cristãos (At 2,46). A eucaristia celebra a libertação da escravidão do Egito.

  1. Ritmo e Objetivo da oração:

*Ritmo: O lado orante da vida em obséquio de Jesus tem um tríplice ritmo:

Diário: diariamente eles devem celebrar a eucaristia, rezar o ofício e meditar a lei do Senhor.

Semanal:         uma vez por semana devem fazer revisão de vida e verificar se estão vivendo realmente em obséquio de Jesus.

Anual: durante o ano, seguem o calendário litúrgico, e fazem jejum, desde a festa da Santa Cruz até Páscoa.

*Objetivo: Tanto o ambiente da oração como a oração em si, ambos têm como objetivo: levar as pessoas a esvaziar-se para Deus e a viver em obséquio de Jesus Cristo. 

 

  1. O trabalho na Regra do Carmo
  2. O texto da Regra sobre o trabalho

São dois os motivos que levam a Regra a insistir no trabalho. (1) O primeiro motivo é: impedir a entrada de hóspedes indesejados dentro de nós. Vocês devem fazer algum tipo de trabalho, para que o diabo sempre os encontre ocupados e não consiga, através da ociosidade de vocês, encontrar alguma brecha para penetrar em suas almas. Ou seja, na porta da alma do Carmelita deve estar escrito: Ocupada! Trabalhando! Entrada proibida!!(2) O segundo motivo é: viver do próprio trabalho. Quem não quiser trabalhar também não coma. Neste ponto, a Regra invoca longamente o exemplo de Paulo que trabalhava para poder sobreviver e não ser peso para ninguém. O trabalho é um meio de inserção no meio dos "menores" e faz com que o relacionamento entre os membros da comunidade seja mais harmonioso, pois impede que um seja peso inútil para os outros. A realidade dura da vida, marcada pelo trabalho, faz parte integrante do caminho que conduz até Deus.

  1. O contexto da Regra sobre o trabalho:

Contexto anterior: Nos números anteriores (Rc 18 e 19), a Regra fala da armadura de Deus. O trabalho (Rc 20) faz parte desta armadura. Além da cintura, couraça, capacete, escudo, espada, o carmelita deve usar como arma o trabalho. A Regra não especifica qual seja o tipo de trabalho. Naquele tempo, podia ser um trabalho mais espiritual: meditação, leitura, estudo, copiar livros, ou um trabalho mais corporal: criação de animais, trabalho na roça, construção. Hoje em dia, poderá ser este ou um outro tipo de trabalho.

Contexto posterior: No fim do capítulo sobre o trabalho (Rc 20), citando a carta de Paulo, a Regra conclui pedindo que os frades trabalhem em silêncio. Logo em seguida, no início do capítulo sobre o silêncio (Rc 21), ela retoma este mesmo assunto dizendo: O apóstolo recomenda o silêncio quando manda que se trabalhe em silêncio. Para a Regra, trabalho e silêncio se completam. O trabalho é o lado exterior de uma luta que, através do silêncio, atinge o interior.

Este duplo contexto anterior e posterior revela dois aspectos importantes do trabalho. Através do trabalho, de um lado, impedimos a entrada do diabo de fora para dentro de nós e, de outro lado, facilitamos a saída, de dentro para fora de nós, da força que nasce e cresce em nós pela prática do silêncio. Através do trabalho, lutamos para que a maldade não entre em nós e, ao mesmo tempo, esta luta faz com que, a partir de dentro, através do silêncio, a salvação do Senhor e a bênção no Espírito Santo, desejadas a todos no prólogo da Regra (Rc 1), sejam liberadas para fora sobre a comunidade e, através da comunidade, sobre a sociedade. Pois dentro da gente, no mais profundo de nós, na raiz do nosso ser, habita Deus. É lá naquela presença silenciosa de Deus em nós, que está a célula inicial da vitória.

O trabalho cria, assim, uma estrada de mão única. De fora para dentro, é mão proibida. De dentro para fora, corre a força da vida nova, gerada pelo silêncio e liberada pelo trabalho. Realmente, “este caminho santo e bom, é nele que devemos andar”.

 

  1. O silêncio na Regra do Carmo
  2. As várias partes do texto da Regra sobre a prática do Silêncio

1) Descreve o valor do silêncio. Cita duas frases do profeta Isaías: "A justiça é cultivada pelo silêncio", e “É no silêncio e na esperança, que se encontrará a vossa força”. Por ser recomendado pelo profeta, este silêncio é profético!

2) Organiza a prática do silêncio. Adapta o silêncio ao ritmo diferente do dia e da noite. O silêncio da noite nos envolve e nos faz silenciar. O dia é mais barulhento e produz distração. Exige um esforço interior maior para fazer silêncio.

3) Recomenda o controle da língua. Com frases da Bíblia, aponta os perigos do muito falar e ensina como fazer para cultivar o silêncio.

4) Aponta o objetivo da prática do silêncio. A prática do silêncio procura evitar uma que­da sem cura que conduz à morte. O silêncio enfrenta a morte e conduz à vida!

5) Resumo final: No fim, retoma a frase inicial do profeta reafirmando que a prática do silêncio é o caminho para a justiça.

  1. Os dois aspectos do silêncio profético recomendado pela Regra

O primeiro aspecto do silêncio profético tem a ver com a luta pela justiça e está expres­so na frase de Isaías: A justiça é cultivada pelo silêncio. Cultivar a justiça pelo silêncio significa fazer silenciar, dentro de nós, tudo aquilo que impede a visão justa das coisas. Significa fazer com que a realidade apareça do jeito que ela é em si mesma e não como aparece desfigurada através da propaganda e da ideologia dominante. Este primeiro aspecto do silêncio é fruto do esforço nosso. Exige disciplina e controle, estudo e reflexão. Hoje em dia, o fluxo das palavras e imagens é tanto que nos impede de perceber a realidade tal como ela é. Envolve-nos de tal maneira, que acabamos achando normal o que, na realidade, é uma situação de morte. Por exemplo, a violência tornou-se tão normal e tão presente, que já nos acostumamos. Vivemos numa situação de morte, e não nos damos conta. E muitas vezes, o consumismo mata qualquer esforço de consciência crítica. O silêncio profético coloca o dedo nesta ferida escondida. O profeta aponta a morte, não porque gosta da morte, mas sim para que a vida possa manifestar-se. É uma exigência da própria vida que sejam apontados os falsos e ilusórios caminhos da morte, para que possamos despertar e iniciar a mudança ou conversão, tanto na vida pessoal como na convivência social. Este cultivo consciente do silêncio gera em nós a justiça.

O segundo aspecto do silêncio profético é fruto da ação do Espírito de Deus em nós e está expresso na segunda citação do profeta Isaías: No silêncio e na esperança está a força de vocês. Desobstruído o acesso à fonte pelo esforço ativo nosso que procura conhecer a realidade tal como ela é, a água brotará de dentro de nós e inundará o nosso ser. O silêncio produzido em nós pelo confronto com a situação de morte, apesar de doloroso, é fonte de esperança e de vida. Produz a força da resistência. Dá força para a gente agüentar a situação de morte, porque acreditamos que da morte do trigo caído na terra vai brotar vida nova. É a caminhada na Noite Escura  à espera da chegada da luz, de que fala São João da Cruz.

 

  1. A fraternidade mendicante na Regra do Carmo

A novidade da vida mendicante é a insistência na fraternidade como revelação da Boa Nova do amor de Deus para com os “menores”, os pobres. Fraternidade mendicante era a fraternidade dos “menores”, isto é, do povo pobre que necessitava criar entre si laços de solidariedade para poder sobreviver nas cidades. Ser mendicante significava optar em viver numa fraternidade pobre, de “menores”. Eles eram chamados frades menores.

  1. As características da fraternidade mendicante na Regra do Carmo:
  2. Ter um prior a ser escolhido entre os confrades (Rc 4).

            A primeira coisa que a Regra estabelece é ter um prior e não um abade. O prior é eleito pelos frades e não imposto de cima. Ele exerce a sua autoridade em conjunto com os outros frades, na escolha do lugar (Rc 5), na indicação da cela (Rc 6). Assim, envolve a todos e cria neles um senso de co-responsabilidade e de participação.

  1. Não mudar de “lugar” (convento) (Rc 8).

            Numa fraternidade mendicante, o compromisso não é, como no eremitismo anterior, com um determinado monge mais santo, mas sim com a comunidade e com o ideal expresso na Regra. Para impedir o retorno a esse eremitismo a Regra estabelece: Não é permitido a nenhum irmão, a não ser com licença do prior em exercício, mudar-se de lugar de moradia que lhe foi indicado ou trocá-lo com outro.O eremita carmelita renuncia à itinerância e submete sua vida ao julgamento da comunidade.

 

  1. A cela do prior que deve ficar na entrada (Rc 9)

            O mesmo vale para a cela do prior que deve ficar na entrada. Tanto os novos candidatos como os visitantes e peregrinos que vêm ao lugar, todos são acolhidos e orientados pelo prior que representa a comunidade.

  1. Não ter propriedade, mas possuir tudo em comum (Rc 12)

            A comunhão de bens era um ponto característico das fraternidades mendicantes. A preocupação, para que tudo seja distribuída de acordo com as necessidades de cada um, é uma expressão desta fraternidade.

  1. Por serem evangelizadores itinerantes dos pobres, podem ter jumentos (Rc 13)

            Este número foi acrescentado em 1247. Como acontecia em toda fraternidade mendi­cante, os frades carmelitas se ausentam de casa para o trabalho da evangelização. Em vista deste trabalho se permite que eles tenham jumentos para poder viajar.

  1. Todos são responsáveis pelo todo e pelo bem-estar de cada um (Rc 15)

            A reunião semanal é uma expressão típica da cultura capitular, própria das fraternidades mendicantes. Nela se tratava do bem comum e do bem-estar de cada um e da correção fraterna (15);

  1. Nas viagens missionárias podem comer carne que o povo lhes oferece (Rc 17)

            Inicialmente, não podiam comer carne, mas a vida mendicante os levou a pedir reformulação deste ponto e a licença de comer carne foi aprovada pelo papa em 1247.

  1. Ser fraternidade orante e profética no meio do povo.

A fraternidade não é uma tarefa a mais ao lado das outras, mas sim uma atitude de vida que deve permear tudo. Fraternidade é como “meditar dia e noite na lei do Senhor”. Assim como Deus é presença constante, também o irmão e a irmã devem ser presença constante. O exercício da fraternidade nasce da experiência de Deus e conduz para uma experiência mais profunda de Deus.

Além do que já vimos, vários outros números da Regra estimulam a vivência da fraterni­dade: a eucaristia como dom da entrega de si pelos outros é a raiz da fraternidade (Rc 14); o ofício em comum favorece o sentimento fraterno de estarmos juntos diante do Pai (Rc 11); a mesa comum (Rc 7), a partilha dos bens (Rc 12) e o trabalho em comum pelo sustento (Rc 20) favorecem a fraternidade. A fraternidade é prova de fogo!

  

  1. A Dimensão Eliano-Mariana na Regra do Carmo

A Regra não fala de Maria nem dos profetas Elias e Eliseu. Por que? Esta pergunta não tem resposta clara. Mas alguma luz pode ser encontrada. Talvez seja, porque as pessoas não costumam falar daquilo que é evidente e conhecido por todos. Um pressuposto de que não é necessário falar. Talvez seja, porque os dois únicos pedaços da terra que não podem ser vistos são exatamente aqueles que se encontram debaixo dos nossos pés e nos sustentam. Talvez seja, porque ainda não soubemos analisar suficientemente todos os aspectos e dimensões da Regra nas suas linhas e entrelinhas.

A Regra fala da “Fonte no Monte Carmelo” (Rc 1), junto da qual viviam os eremitas sob a obediência do irmão B. Era normal supor que a fonte no Monte Carmelo era a fonte do Profeta Elias, mencionada na Bíblia por ocasião do sacrifício, realizado na presença de todo o povo, para provar que Javé era o Deus verdadeiro. Assim quando se fala da Igreja do Santo Sepulcro, todos entendem que se trata do Sepulcro de Jesus. Não é necessário acrescentar “de Jesus”. O mesmo vale para a “Fonte no Monte Carmelo”. Não é necessário dizer que é de Elias.

O mesmo vale para o Oratório que tinha sido construído no meio das celas (Rc 14). Todos sabiam que este Oratório era dedicado à Santa Maria do Monte Carmelo. Tanto assim que os frades que viviam ao redor deste oratório receberam do povo o nome que carregamos até hoje: “Irmãos da bem-aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo”.

Nas outras Ordens, a vida dos fundadores era o modelo para os seus seguidores saberem como viver em obséquio de Jesus Cristo. Por exemplo, São Francisco para os franciscanos, São Domingos para os dominicanos. Com os primeiros carmelitas aconteceu o contrário. Eles não tinham fundador. Eles eram os fundadores que escolheram para si os modelos de Elias e de Maria para saber como viver em obséquio de Jesus. Escolheram Elias e , por isso, foram morar no Monte Carmelo, onde eram bem vivas a presença e a memória do profeta Elias. E lá no Monte Carmelo construíram a capela em honra de Santa Maria do Monte Carmelo. Assim, inspirando-se em Elias e Maria iniciaram a viver em fraternidade agrupados ao redor do irmão B, ao qual prometiam obediência.

Sentindo que esta sua vida era diferente dos outros grupos religiosos, quiseram uma aprovação da Igreja. Por isso, elaboraram uma proposta ou esboço, que levaram ao patriarca Alberto, para que desse a sua aprovação (Rc 3). Assim, a Regra do Carmo, elaborada pelos fundadores, redigida por Alberto e aprovada pelo Papa Inocêncio IV, no fundo, nada mais é do que a descrição do caminho daqueles que procuravam viver em obséquio de Jesus Cristo imitando o modelo de vida do Profeta Elias e da Virgem Maria, a Mãe de Jesus.

O caminho descrito na Regra é progressivo. Descreve a lenta subida do Monte Carmelo que desemboca no silêncio profético que faz pensar no profeta Elias (RC 21). É também uma caminhada progressiva de escuta atenta da Palavra (Rc 10), para que a Palavra se encarne em nós como em Maria. Elias e Maria estão presentes na Regra, tão presentes quanto o olho que vê tudo e não pode ver-se a si mesmo.