Frei Carlos Mesters, O. Carm

  1. O Contexto

Elias parecia forte e invencível no confronto com os profetas de Baal (1Rs 18,20-40). Mas diante da ameaça de Jezabel, ele aparece como é na realidade: fraco e vulnerável, "igual a nós" (Tg 5,17). Com medo de ser morto, foge do país, vai o deserto (1Rs 19,1-3). Como no êxodo e no Karit, Elias é alimentado por Deus, mas ele não percebe a mão de Deus e só quer comer, beber, dormir e ficar longe de tudo (1Rs 19,5). Deus não desiste. O anjo volta uma segunda vez (1Rs 19,7). Finalmente, Elias desperta e, alimentado por Deus, reencontra sua força. Caminha quarenta dias e quarenta noites até a Montanha de Deus (1Rs 19,8).

Elias busca reen­contrar Deus no mesmo deserto onde, séculos antes, tinha nascido o povo no encontro com Deus. Mas a sua busca parece não estar bem orientada. Chegando no Monte Horeb e interrogado por Deus, ele afirma por duas vezes ter muito zelo, mas, na realidade, está fugindo com medo de morrer (1Rs 19,10.14). Ele parece não enxergar bem as coisas, pois diz que ficou sozinho, enquanto havia sete mil que não tinham dobrado os joelhos diante de Baal (1Rs 19,18). Deus o manda sair da gruta e ficar na entrada, pois "Deus vai passar" (1Rs 19,11). Elias sai da gruta, mas a gruta não sai dele. Ele continua com a mesma visão limitada, achando que é ele quem defende a Deus! (1Rs 19,14)

  1. A experiência de Deus: A desintegração de um mundo

Deus vai passar! A nova experiência de Deus desintegra o mundo de Elias. Primeiro, um furacão! Depois, um terremoto! Depois, o fogo! No passado, ao concluir a Aliança com o povo naquela mesma Montanha Horeb ou Sinai, Deus tinha se manifestado no furacão, no tremor da montanha e nos raios de fogo (Ex 19,16). Eram os sinais tradicionais da presença atuante de Deus no meio do povo. Eram estes os critérios que orientavam a Elias na sua busca de Deus. Ele mesmo tinha experimentado a presença de Deus no fogo quando enfrentou os profetas de Baal.

Elias estava fazendo uma coisa certa. Ele buscava Deus voltando às origens do povo. Ele voltou à experiência de Deus no Êxodo. Mas os critérios da sua busca estavam desatualizados. Ele vivia no passado. Encerrou Deus dentro dos critérios! Queria obrigar Deus a ser como ele, Elias, o imaginava e desejava. Por isso acontece o inesperado, a surpresa total: Deus nao estava mais no furacão, nem no terremoto, nem mesmo no fogo que tinha sido sinal da presença de Deus, pouco antes, no Monte Carmelo!

É a desintegração do mundo de Elias. A crise mais violenta e mais dolorosa que se possa imaginar! Cai tudo! Pois se Deus não está aqui nestes sinais de sempre, então Ele não está em canto nenhum! É o silêncio de todas as vozes! Por isso mesmo, abre-se para Elias um novo horizonte

  1. A experiência de Deus: A reconstrução de um novo mundo

Este silêncio total, a língua hebraica expressa-o dizendo: “voz de calmaria suave”, (qôl demamáh daqqáh). As traduções costumam dizer: “Murmúrio de uma brisa suave” A palavra hebraica, demamáh, usada para indicar a calmaria, vem da raiz DMH que significa parar, ficar imóvel, emudecer. A brisa suave indica algo, uma experiência, que, de repente, faz emudecer, faz a pessoa ficar calada, cria nela um vazio e, assim, a dispõe para escutar. “Vacare Deo”! Esvazia a pessoa, para que Deus possa entrar e ocupar o lugar. Ou melhor, Deus entrando provoca o vazio e o silêncio. Silêncio sonoro, solidão povoada!

Elias cobriu o rosto com o manto (1Rs 19,13). Sinal de que ele tinha experimentado a presença de Deus exatamente naquilo que parecia ser a ausência total de Deus! A escuridão se iluminou por dentro e a noite ficou mais clara que o dia. Não é ele, Elias, que defende a Deus, mas é Deus que defende a Elias. É a libertação de Elias. Reencon­trando-se com Deus, ele se reencontra consigo mesmo. A experiência de Deus reconstroi a pessoa e lhe revela a sua missão (1Rs 19,15-18)!

Refeito pelo encontro com Deus, Elias redescobre sua missão (1Rs 19,15-18) e se preocupa em dar-lhe continuidade, indicando Eliseu como sucessor (Rs 19,19-21). Antes, ele queria morrer. Já não via mais sentido no que fazia. Agora, a nova experiência de Deus mudou tudo. Ele volta para o lugar onde queriam matá-lo. Já não tem mais medo. Em vez de querer morrer, quer que sobreviva a sua missão. Sinal de que novamente crê no que faz e deve fazer.