Santa Teresa de Jesus.

“Habituar-se à solidão é grande coisa para a oração e, sendo esta o fundamento desta casa, é necessário por todos os meios afeiçoarmo-nos ao que mais a favorece” (C. 4,9) ... “Todos sabem que sois religiosas e que tendes vida de oração. Grande mal é que pessoas tão obrigadas a. não falar senão de Deus, tenham por licito usar de dissimulação em tais circunstâncias, a não ser alguma vez para conseguir maior bem. Este é o vosso trato e o vosso modo de falar. Quem quiser ter relação convosco, aprenda-o, se não, guardai-vos de aprender vós o seu. Se vos julgarem grosseiras, pouco perdereis. Se hipócritas, ainda menos. Saireis ganhando, porque não virá procurar-vos senão quem souber a vossa língua.

É impossível uma pessoa que não sabe o árabe gostar de entreter-se longamente com quem só fala árabe. Nem vos cansarão, nem vos farão dano. Do contrário, ficaríeis muito prejudicadas tendo de aprender nova língua. Nisto iria todo o vosso tempo. Não podeis calcular como eu. que o sei, por experiência, quanto prejudica a alma. Para se aprender uma língua, esquece-se n outra e vive-se num perpetuo desassossego. O que muito convém para este caminho é paz e tranqüilidade na alma. Se os que falarem convosco quiserem aprender vossa linguagem, contai-lhes as riquezas que se ganham em aprendê-las. Disto não vos canseis. Insisti com piedade e amor, fazendo também oração para que lhes seja proveitoso” (C. 20, 4-6)... “Quando chegardes a ele, refleti e procurai compreender com quem ides falar, ou com quem estais falando. Mil vidas das nossas não bastariam para acabarmos de entender como merece ser tratado este Senhor. Em sua presença tremem os anjos. Ele tudo governa, tudo pode. Seu querer é realizar.

Não faleis com Deus pensando em outras coisas. Isto vem de não compreender o que é oração mental. Penso que o deixo assaz explicado: praza ao Senhor que o saibamos pôr em prática. Amém.” (C. 22, 7.8)... “A primeira coisa que nos ensina Sua Majestade é que a alma se recolha a sós, na solidão. Assim fazia ele sempre que orava, não por necessidade, mas para nosso ensinamento. Já se disse: é intolerável falar ao mesmo tempo a Deus e ao mundo. É o que fazemos quando estamos a rezar e a escutar, por outro lado, o que se fala em torno de nós, ou a pensar no que nos vem à cabeça, sem domínio de nós mesmos. Excetuo certos tempos em que, por indisposições naturais estados em tensão ou dores de cabeça, nada se consegue, por mais que se faça.

Há também dias em que Deus permite desabarem grandes tempestades sobre seus servos para maior bem de suas almas. Embora se aflijam e procurem aquietar-se, não o conseguem. Por mais que se estorcem, não prestam atenção ao que dizem, não fixam o intelecto. Este parece vítima de uma grande agitação, de tal modo anda desbaratado. Pela aflição que da, quem se acha neste estado, verá que não é culpa sua. Não se aflija, porque é pior. Nem se canse em querer dar juízo a quem por então não o tem, isto é, o seu próprio entendimento. Reze como puder, e até nem reze. Como enferma procure dar alívio a sua alma. Ocupe-se em outras obras virtuosas. Este aviso é para pessoas que cuidam da própria santificação.

Já se convenceram de que não devem, a um tempo, falar com Deus e com o mundo. Em tal caso, o que podemos fazer de nossa parte é buscar solidão. E praza a Deus que isto baste, para entendermos que estamos na presença do Senhor e que ele responde aos nossos pedidos. Pensais que está calado, porque não o ouvimos? Bem que ele fala ao coração, quando de oração lhe rezamos. Nunca o Mestre fica tão longe do discípulo que seja necessário gritar. Fica pertinho” (C. 24,4)... “A oração é entender o que falamos, e com quem falamos, e quem somos nós que ousamos falar a tão grande Senhor. Oração mental é pensar nisto e em outros assuntos semelhantes, como por exemplo, no pouco que fizemos no serviço de Deus e no muito que somos obrigados a fazer. Não vos espanteis com o nome, nem imagineis que seja algo complicado.

Oração vocal é rezar o Pai-nosso e a Ave-maria ou qualquer outra oração que quiserdes. Mas, se não for acompanhada da oração mental, que música desafinada vai produzir? Até as palavras nem sempre sairão certas. Nestes dois modos de orar, com o favor de Deus podemos também fazer alguma coisa. Na contemplação, de que falei acima, nada absolutamente está em nossas mãos. Sua Majestade é quem tudo faz, é obra sua, transcende nossa natureza.” (C. 25,3)

... “Há certas pessoas que vejo muito curiosas por saber qual o grau de sua oração, tão encapotadas, ao rezar, que parece não ousam mexer-se. nem agir com o pensamento, pelo receio de perder um pouquinho do gosto e da devoção. Vejo que pouco entendem do caminho por onde se alcança a união. Pensam que o essencial está nessas exterioridades. Não irmãs, não é assim. O Senhor quer obras. Se vês uma enferma a quem podes dar algum alivio, não tenhas receio de perder a tua devoção e compadecer-te dela. E se lhe sobrevêm alguma dor, doa-te como se a sentisses em ti. Se for preciso, faze jejum para lhe dar de comer. Não tanto com os olhos nela, quanto porque sabes que teu Senhor o quer assim: Esta é a verdadeira união com a vontade de Deus. Se vires louvar muito a uma pessoa, alegra-te mais do que se te louvassem a ti. Verdadeiramente, é fácil para quem é humilde, pois até sente confusão quando é louvado. Esta alegria de que se entendam as virtudes das irmãs é muito meritória, e ainda sentir, como se fora nossa, alguma falta sua, procurando encobri-la”. (5 M. 3,11)